ENTREVISTA A FRANCISCO
VAN ZELLER, EMPRESÁRIO
"Há uma grande
falta de engenheiros"
O ex-presidente da Confederação da
Indústria Portuguesa (CIP) afirma que Portugal está a pagar «caríssimo»
a preferência pelo ensino académico, preterindo a vertente profissional
e lamenta que os cursos técnicos tenham «caído em desuso», tanto nas
universidades como nos politécnicos. Francisco Van Zeller mostra-se
resignado com a maneira portuguesa de viver e confrontado com a
impossibilidade de mudar a cultura do povo da noite para o dia, defende
que se formem elites de educação internacional que comandem o país,
adaptando a economia e as empresas à sua cultura. O empresário não tem
dúvidas em identificar o nosso maior defeito: a falta de «cultura
organizacional».
Foi recentemente nomeado coordenador
do Conselho para a Promoção da Internacionalização das Empresas. A queda
das exportações foi um dos pontos-chave para a perda de competitividade
das nossas empresas. Em que produtos se devia apostar para reconquistar
mercados externos, perante o incontornável contexto da globalização?
Infelizmente não foi a queda das exportações que determinou a perda de
competitividade das nossas empresas exportadoras, mas o contrário. É por
serem pouco competitivas que as empresas perdem exportações. Mas não só,
deve dizer-se que foi a crise nos mercados de exportação europeus que
precipitou as quebras observadas e que também revelaram as nossas
debilidades estruturais.
Tem que se continuar a investir nas indústrias tradicionais por serem as
que absorvem mais mão de obra não qualificada – que infelizmente abunda
em Portugal – e porque temos nichos e qualidade que nos coloca como
lideres em vários mercados. É o caso do calçado de couro e dos
têxteis-lar, entre outros.
Mas simultaneamente é preciso fomentar as exportações de produtos com o
máximo valor adicionado nacional (VAN) o que já é conseguido nalgumas
áreas tecnológicas e nos produtos florestais: cortiça, papel, móveis. Há
que explorar as nossas capacidades na agro-indústria, serviços de
aeronáutica, hotelaria especializada e muitos outros sectores da
tecnologia e intermédia e alto VAN.
Confiança e estabilidade política e
social são condições decisivas para desenvolver negócios e gerar valor.
Quando é público e notório que estas características estão arredias da
vida portuguesa, como é possível manter o capital de esperança no
famigerado objectivo dos 3 por cento de crescimento?
Estabilidade política é útil e necessária, mas há factores que nos fazem
mais falta como seja a desburocratização (sobretudo dos licenciamentos)
e flexibilização das relações de trabalho. Os investidores, nacionais ou
estrangeiros, têm muitos locais atractivos onde investir, e sem criação
de condições – que não são subsídios – não seremos atractivos. Sem
investimento privado não haverá crescimento.
O desemprego atingiu um ritmo
galopante, com alguns economistas a estimarem que possa chegar aos 15
por cento. O que fazer para estancar esta hemorragia de destruição de
postos de trabalho?
O desemprego não é um fenómeno isolado que possa ser curado com medidas
próprias. É antes uma consequência de perda de vendas das empresas e
esta resulta em parte da crise internacional, e em parte da nossa falta
de competitividade. Com criação de novos empregos em novas empresas pode
reduzir-se o desemprego, bem como o crescimento das empresas existentes,
mas em ambos os casos é preciso que os nossos produtos e serviços, tanto
no mercado interno, como externo, sejam: ou mais baratos, ou melhores,
ou mais inovadores, ou mais bem apresentados, ou mais bem servidos, ou,
ou, ou,…
O endividamento de pessoas, empresas
e do Estado é quase uma maneira de estar, comum a estes agentes, que se
vem agravando a cada dia que passa. «Mudar de vida», como dizia um
ex-governante, passa por sensibilizar todos que não há margem para mais
endividamento? Defende o despedimento de funcionários públicos e o corte
nas prestações sociais?
Ninguém pode defender despedimentos ou cortes de regalias. Mas temos que
estar preparados para a sua inevitabilidade perante alternativas mais
gravosas, como por exemplo a subida incomportável dos juros dos
empréstimos internacionais, ou a escassez de oferta de crédito.
Concorda com uma frase dita pelo
ex-ministro das Finanças, Ernâni Lopes, de que «produzimos como
marroquinos e consumimos como alemães»? Perdura uma mentalidade de um
novo-riquismo?
Em absoluto e traduz-se no défice crónico da balança comercial que ronda
os 10% do PIB. É incomportável continuarmos a consumir produtos
importados sem conseguirmos compensar com produtos que exportamos.
O debate sobre o aumento ou não de
impostos voltou à ordem do dia. Empresas e sujeitos passivos podem estar
na contingência de ver a sua carga fiscal aumentada. Há margem para
aumentar impostos num futuro próximo?
É sempre possível aumentar impostos, mas há que atender às
consequências. A evasão fiscal e a fuga de capitais é a mais imediata. O
fim do investimento segue-se logo. A corrupção e o aumento do trabalho
informal são consequências também previsíveis. No fundo é um regresso a
economias do Terceiro-Mundo.
Nas recentes negociações sobre o
aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN), os patrões foram, uma vez
mais, vistos aos olhos da opinião pública como os «maus da fita», tendo
os sindicatos questionando os patrões se conseguiam viver com o montante
neste momento em vigor. Nessa acesa troca de argumentos, de que lado
mora a razão?
É uma estupidez demagógica questionar se se pode viver com o SMN. Nem
com 475 euros, nem com 575 euros, nem com 675 euros, se teria o nível de
vida que ambicionamos. Por outro lado existem centenas de milhares de
trabalhadores de empresas exportadoras, que não podem subir o preço dos
seus produtos, que arriscam ficar à beira do desemprego. Entre o
desemprego e o baixo valor do SMN os patrões obviamente preferem travar
o desemprego.
É um acérrimo crítico da maneira
portuguesa de viver, argumentando que «somos um país de gente mal
qualificada e pouco ambiciosa». Este quase fado pode inverter-se em
quantas gerações? O problema é de cultura organizacional?
Não podemos ambicionar alterar a cultura de um povo. É uma ilusão que os
países comunistas constataram antes de desistir da sua doutrina do
“homem novo”. O mais que podemos fazer é formar elites de educação
internacional que comandem o país e adaptar a economia e as empresas à
sua cultura, tirando das pessoas o melhor que elas têm. Concretamente é
de facto a falta de “cultura organizacional” o nosso maior defeito e
sempre que culturas internacionais nos comandam somos tão bons como os
outros, veja-se a Siemens e a Autoeuropa.
A pouca exigência deriva igualmente
do nível de ensino e educação ministrados. Como avalia o sistema de
ensino básico e universitário e os recursos humanos que forma?
Continuamos a diplomar para o desemprego, sem a perspectiva das
necessidades do mercado?
Sim, tudo isso é verdade, mas esta mesmíssima queixa posta nestes
exactos termos é ouvida em Espanha ou Itália ou Inglaterra ou Bélgica. É
uma queixa generalizada que indica que o problema não é fácil de
resolver. Por isso há empresas que não exigem nenhuma especialização
universitária, mas sim qualidades pessoais, sendo a formação necessária
feita em casa à medida das necessidades e das possibilidades
intelectuais dos indivíduos.
Os cursos de lápis e papel
registaram uma enorme explosão e são, hoje em dia, os que acusam mais
desemprego. Entende que os cursos de que o país mais carece,
nomeadamente os de natureza técnica ou profissional, sofrem uma espécie
de estigma social?
Em parte sim. Há uma grande falta de engenheiros e de outros cursos
técnicos, tanto universitários como politécnicos. Caíram em desusos em
favor da “Gestão”, “Economia”, “Direito”, que são mais limpos e de
acesso mais rápido ao emprego e normalmente localizados em cidades
grandes. Itália declarou que tem falta hoje de 80 mil engenheiros e não
haverá nunca maneira de os obter onde quer que seja. Não estamos sós!
Numa mensagem a propósito do «Dia
Nacional Sobre Educação», escreveu que «tem faltado, nas últimas dezenas
de anos, uma visão prática do ensino», prevalecendo concepções teóricas,
em detrimento das de natureza estratégia. Quer concretizar? Falta um
projecto de educação para Portugal?
É uma forma de dizer que no ensino secundário, desde final dos anos 60
se deu preferência absoluta ao ensino académico em desfavor do ensino
profissional. Foi uma moda por toda a Europa com enormes prejuízos para
as indústrias europeias, que estamos a pagar caríssimo com a excessiva
dependência da importação de produtos manufacturados de que precisamos.
A situação está a reverter-se e todos os países ambicionam agora um
mínimo de 50% de formação profissional no ensino secundário, valor que
Portugal também já está a atingir.
Nuno Dias da Silva
Fotos: Direitos reservados
Cara da Notícia
Engenheiro químico formado pelo
Instituto Superior Técnico, em 1961, Francisco Van Zeller
desempenhou o cargo de presidente da Confederação da Indústria
Portuguesa (CIP) desde 2002, sucedendo ao histórico Nogueira Simões,
até meados de Janeiro deste ano. Abandonou o poderoso e influente
cargo de «patrão dos patrões», no passado dia 7 de Janeiro,
sucedendo-lhe António Saraiva.
Tomou posse no dia 9 de Janeiro deste ano como coordenador do
Conselho para a Promoção da Internacionalização das Empresas,
convidado pelo Primeiro-Ministro, José Sócrates.
A sua experiência associativa vem de longe, fazendo parte da
direcção da CIP desde 1982. Toda a sua vida tem sido dedicada à
actividade industrial. Foi, durante 14 anos, dirigente da Associação
Portuguesa das Empresas Químicas.
Em 2006 foi distinguido com a Grã-Cruz da Classe de Mérito
Industrial.
VALTER HUGO MÃE
Ao Ritmo da Palavra
Escreve naturalmente como quem respira e
é senhor de uma energia imparável. Valter Hugo Mãe pertence à “ilustre
geração” de novos escritores portugueses, é vocalista da banda Governo,
venceu o Prémio José Saramago e tem um novo romance, A máquina de fazer
espanhóis. Em conversa por email o escritor fala deste livro e de outras
histórias, do fascínio pelas pessoas, dos encontros que marcam a
escrita, e da importância do amor.
O seu último romance tem o título
curioso de a máquina de fazer espanhóis, e a chancela de uma nova
editora, a Editora Objectiva. O que é os portugueses vão encontrar nesta
máquina de fazer espanhóis?
Os meus livros passam sempre pela relação difícil entre aquilo que somos
e aquilo que julgamos ser. Esta máquina é mais um pretexto para
identificar tiques e características que nos possam definir como
cidadãos deste país e do mundo, para entendermos como os justificar,
eventualmente para sabermos como encontrar um caminho para sermos
indivíduos melhores.
Como surgiu a ideia de escrever este
livro?
Parti da necessidade de entender como tornar a vida suportável após um
acontecimento fracturante, como a morte de alguém que nos é essencial.
Como se entende que isso aconteça sobretudo quando, pela força da idade,
tudo parece propor a precipitação para o fim. O que é que nos falta
fazer quando o que parece falta é apenas a morte.
O remorso de baltazar serapião
venceu o Prémio Literário José Saramago. José Saramago afirmou que, pela
sua força, o livro era um Tsunami. O que inspirou essa força?
Trata-se de um livro acerca da subjugação histórica da mulher ao homem.
Uma aventura terrível de um jovem homem enredado num ciúme doentio que o
faz destruir aquilo que tem de mais precioso. A violência da história
aliada à voracidade da linguagem, acabam por envolver o leitor num
universo muito próprio. Creio que essa expressão de Saramago passa por
essa energia de grande aceleração rítmica e narrativa que caracteriza a
obra.
Os Prémios Literários têm que
significado para si?
Os prémios podem ser um retorno importante para o trabalho de um autor
que, por definição, tende a ver-se num ofício de solidão. Receber-se um
prémio pode implicar uma atenção, como uma garantia de leitores, o que
não muda a escrita, ou o acto criativo, mas muda a relação do autor com
os seus leitores e, sobretudo, aponta um autor aos seus potenciais
leitores. O escritor nunca se define pela quantidade de gente que o lê,
mas, se for como eu, alegra-se com cada pessoa que o faça. Sinto como
uma generosidade dos outros a atenção que possam ter no emprego do seu
tempo na companhia do que escrevo. Os prémios ajudam a conquistar isso.
No seu percurso houve encontros que
marcaram a sua escrita?
Sim, muitos encontros. Muitas pessoas participam activamente do meu
imaginário, ainda que algumas não o saibam. Sou verdadeiramente
fascinado pelas pessoas e encontrar alguém é sempre um dos melhores
caminhos para passar um tempo feliz e, como tal, é sempre mote para
tanto e tanto texto que escrevo. Enfim, embora alguns espíritos mais mal
encarados também me tenham inspirado, como é inevitável que aconteça.
Escritor, artista plástico, editor,
cantor, DJ. São muitas vidas numa vida. É um homem de acção?
Estar vivo é, de algum modo, agir. Eu estou muito vivo, se posso dizer
assim. Tenho uma impaciência profunda em relação às lentidões e ao
inerte. Preciso de criar e de me recriar constantemente. Preciso de ser
tudo agora, porque não acredito na transcendência e não tenho como
deixar para a próxima o que quero mesmo experimentar.
Encontra paz na arte, ou a
inquietação é um bom motor?
A arte procura apaziguar-nos com as nossas inquietações, mas esse
apaziguamento é efémero porque há que recomeçar uma e outra vez. O motor
da arte será a insatisfação permanente, essa constante que nos leva a
procurar incessantemente uma resposta para o infinito poço de perguntas.
Tem uma licenciatura em Direito. O
que o levou a entrar e a sair de Direito?
O Direito é uma ciência do rigor discursivo, sobretudo no que diz
respeito aos seus objectivos. Esse rigor favorece grandemente quem
importado com o domínio da linguagem, oferecendo ao estudante um
exercício muito valioso para uma aprendizagem da escrita. Encontrei no
Direito um modo de me sensibilizar para as grandes questões das
liberdades, para a defesa da justiça e construção de um mundo mais
humano.
O Amor é uma presença obrigatória na
vida de um livro? E na vida do escritor?
Diria que na vida de toda a gente. Sou um homem amado e amo. Tenho um
profundo azar no jogo porque estou entregue no amor.
Portugal é uma boa pátria para um
escritor?
Portugal é um país maravilhoso com um povo maravilhoso. Somos um país de
boa gente, com defeitos pontuais, como convém, e outros mais sérios,
mas, genericamente, somos o melhor país do mundo.
Já afirmou numa entrevista ao Jornal
de Letras que quando fosse grande ainda queria ser cantor. E quando era
pequenino, o que queria ser?
Queria ser cantor. Enfim, esporadicamente colocava a hipótese de vir a
ser polícia, padeiro, professor, empregado do correio, e sei lá que
mais. Mas queria ser cantor a todo o tempo.
Viver é escrever sem rascunho, ou,
pelo contrário, em qualquer ponto da história é possível dar a volta ao
“texto”?
Podemos sempre encontrar novos caminhos. Sou um optimista, acredito que
a vida é sobretudo o que fazemos dela. Gosto de pensar que somos capazes
de muito mais do que aquilo que se espera. Progressivamente acredito
mais e mais em mim, como acredito mais e mais nos outros.
Fez planos para 2010? Quer
partilhá-los connosco?
Encontrar os leitores do meu novo livro um pouco por todo o país, nos
encontros para os quais estou a ser convidado. Gravar o primeiro álbum
do projecto Governo, ao qual pertenço como vocalista (já com um primeiro
disco, «propaganda sentimental» disponível para download gratuito na
internet). Escrever sempre, avançar com um outro romance, afunilando as
ideias para essa nova história com um novo grupo de personagens.
Texto: Eugénia Sousa
Fotos: Nelson D'Aires
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