Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XII    Nº143    Janeiro 2010

Entrevista

ENTREVISTA A FRANCISCO VAN ZELLER, EMPRESÁRIO

"Há uma grande falta de engenheiros"

O ex-presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) afirma que Portugal está a pagar «caríssimo» a preferência pelo ensino académico, preterindo a vertente profissional e lamenta que os cursos técnicos tenham «caído em desuso», tanto nas universidades como nos politécnicos. Francisco Van Zeller mostra-se resignado com a maneira portuguesa de viver e confrontado com a impossibilidade de mudar a cultura do povo da noite para o dia, defende que se formem elites de educação internacional que comandem o país, adaptando a economia e as empresas à sua cultura. O empresário não tem dúvidas em identificar o nosso maior defeito: a falta de «cultura organizacional».
 

Foi recentemente nomeado coordenador do Conselho para a Promoção da Internacionalização das Empresas. A queda das exportações foi um dos pontos-chave para a perda de competitividade das nossas empresas. Em que produtos se devia apostar para reconquistar mercados externos, perante o incontornável contexto da globalização?

Infelizmente não foi a queda das exportações que determinou a perda de competitividade das nossas empresas exportadoras, mas o contrário. É por serem pouco competitivas que as empresas perdem exportações. Mas não só, deve dizer-se que foi a crise nos mercados de exportação europeus que precipitou as quebras observadas e que também revelaram as nossas debilidades estruturais.

Tem que se continuar a investir nas indústrias tradicionais por serem as que absorvem mais mão de obra não qualificada – que infelizmente abunda em Portugal – e porque temos nichos e qualidade que nos coloca como lideres em vários mercados. É o caso do calçado de couro e dos têxteis-lar, entre outros.

Mas simultaneamente é preciso fomentar as exportações de produtos com o máximo valor adicionado nacional (VAN) o que já é conseguido nalgumas áreas tecnológicas e nos produtos florestais: cortiça, papel, móveis. Há que explorar as nossas capacidades na agro-indústria, serviços de aeronáutica, hotelaria especializada e muitos outros sectores da tecnologia e intermédia e alto VAN.
 

Confiança e estabilidade política e social são condições decisivas para desenvolver negócios e gerar valor. Quando é público e notório que estas características estão arredias da vida portuguesa, como é possível manter o capital de esperança no famigerado objectivo dos 3 por cento de crescimento?

Estabilidade política é útil e necessária, mas há factores que nos fazem mais falta como seja a desburocratização (sobretudo dos licenciamentos) e flexibilização das relações de trabalho. Os investidores, nacionais ou estrangeiros, têm muitos locais atractivos onde investir, e sem criação de condições – que não são subsídios – não seremos atractivos. Sem investimento privado não haverá crescimento.
 

O desemprego atingiu um ritmo galopante, com alguns economistas a estimarem que possa chegar aos 15 por cento. O que fazer para estancar esta hemorragia de destruição de postos de trabalho?

O desemprego não é um fenómeno isolado que possa ser curado com medidas próprias. É antes uma consequência de perda de vendas das empresas e esta resulta em parte da crise internacional, e em parte da nossa falta de competitividade. Com criação de novos empregos em novas empresas pode reduzir-se o desemprego, bem como o crescimento das empresas existentes, mas em ambos os casos é preciso que os nossos produtos e serviços, tanto no mercado interno, como externo, sejam: ou mais baratos, ou melhores, ou mais inovadores, ou mais bem apresentados, ou mais bem servidos, ou, ou, ou,…
 

O endividamento de pessoas, empresas e do Estado é quase uma maneira de estar, comum a estes agentes, que se vem agravando a cada dia que passa. «Mudar de vida», como dizia um ex-governante, passa por sensibilizar todos que não há margem para mais endividamento? Defende o despedimento de funcionários públicos e o corte nas prestações sociais?

Ninguém pode defender despedimentos ou cortes de regalias. Mas temos que estar preparados para a sua inevitabilidade perante alternativas mais gravosas, como por exemplo a subida incomportável dos juros dos empréstimos internacionais, ou a escassez de oferta de crédito.
 

Concorda com uma frase dita pelo ex-ministro das Finanças, Ernâni Lopes, de que «produzimos como marroquinos e consumimos como alemães»? Perdura uma mentalidade de um novo-riquismo?

Em absoluto e traduz-se no défice crónico da balança comercial que ronda os 10% do PIB. É incomportável continuarmos a consumir produtos importados sem conseguirmos compensar com produtos que exportamos.
 

O debate sobre o aumento ou não de impostos voltou à ordem do dia. Empresas e sujeitos passivos podem estar na contingência de ver a sua carga fiscal aumentada. Há margem para aumentar impostos num futuro próximo?

É sempre possível aumentar impostos, mas há que atender às consequências. A evasão fiscal e a fuga de capitais é a mais imediata. O fim do investimento segue-se logo. A corrupção e o aumento do trabalho informal são consequências também previsíveis. No fundo é um regresso a economias do Terceiro-Mundo.
 

Nas recentes negociações sobre o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN), os patrões foram, uma vez mais, vistos aos olhos da opinião pública como os «maus da fita», tendo os sindicatos questionando os patrões se conseguiam viver com o montante neste momento em vigor. Nessa acesa troca de argumentos, de que lado mora a razão?

É uma estupidez demagógica questionar se se pode viver com o SMN. Nem com 475 euros, nem com 575 euros, nem com 675 euros, se teria o nível de vida que ambicionamos. Por outro lado existem centenas de milhares de trabalhadores de empresas exportadoras, que não podem subir o preço dos seus produtos, que arriscam ficar à beira do desemprego. Entre o desemprego e o baixo valor do SMN os patrões obviamente preferem travar o desemprego.
 

É um acérrimo crítico da maneira portuguesa de viver, argumentando que «somos um país de gente mal qualificada e pouco ambiciosa». Este quase fado pode inverter-se em quantas gerações? O problema é de cultura organizacional?

Não podemos ambicionar alterar a cultura de um povo. É uma ilusão que os países comunistas constataram antes de desistir da sua doutrina do “homem novo”. O mais que podemos fazer é formar elites de educação internacional que comandem o país e adaptar a economia e as empresas à sua cultura, tirando das pessoas o melhor que elas têm. Concretamente é de facto a falta de “cultura organizacional” o nosso maior defeito e sempre que culturas internacionais nos comandam somos tão bons como os outros, veja-se a Siemens e a Autoeuropa.
 

A pouca exigência deriva igualmente do nível de ensino e educação ministrados. Como avalia o sistema de ensino básico e universitário e os recursos humanos que forma? Continuamos a diplomar para o desemprego, sem a perspectiva das necessidades do mercado?

Sim, tudo isso é verdade, mas esta mesmíssima queixa posta nestes exactos termos é ouvida em Espanha ou Itália ou Inglaterra ou Bélgica. É uma queixa generalizada que indica que o problema não é fácil de resolver. Por isso há empresas que não exigem nenhuma especialização universitária, mas sim qualidades pessoais, sendo a formação necessária feita em casa à medida das necessidades e das possibilidades intelectuais dos indivíduos.
 

Os cursos de lápis e papel registaram uma enorme explosão e são, hoje em dia, os que acusam mais desemprego. Entende que os cursos de que o país mais carece, nomeadamente os de natureza técnica ou profissional, sofrem uma espécie de estigma social?

Em parte sim. Há uma grande falta de engenheiros e de outros cursos técnicos, tanto universitários como politécnicos. Caíram em desusos em favor da “Gestão”, “Economia”, “Direito”, que são mais limpos e de acesso mais rápido ao emprego e normalmente localizados em cidades grandes. Itália declarou que tem falta hoje de 80 mil engenheiros e não haverá nunca maneira de os obter onde quer que seja. Não estamos sós!
 

Numa mensagem a propósito do «Dia Nacional Sobre Educação», escreveu que «tem faltado, nas últimas dezenas de anos, uma visão prática do ensino», prevalecendo concepções teóricas, em detrimento das de natureza estratégia. Quer concretizar? Falta um projecto de educação para Portugal?

É uma forma de dizer que no ensino secundário, desde final dos anos 60 se deu preferência absoluta ao ensino académico em desfavor do ensino profissional. Foi uma moda por toda a Europa com enormes prejuízos para as indústrias europeias, que estamos a pagar caríssimo com a excessiva dependência da importação de produtos manufacturados de que precisamos. A situação está a reverter-se e todos os países ambicionam agora um mínimo de 50% de formação profissional no ensino secundário, valor que Portugal também já está a atingir.

Nuno Dias da Silva
Fotos: Direitos reservados

 

 

Cara da Notícia

Engenheiro químico formado pelo Instituto Superior Técnico, em 1961, Francisco Van Zeller desempenhou o cargo de presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) desde 2002, sucedendo ao histórico Nogueira Simões, até meados de Janeiro deste ano. Abandonou o poderoso e influente cargo de «patrão dos patrões», no passado dia 7 de Janeiro, sucedendo-lhe António Saraiva.

Tomou posse no dia 9 de Janeiro deste ano como coordenador do Conselho para a Promoção da Internacionalização das Empresas, convidado pelo Primeiro-Ministro, José Sócrates.

A sua experiência associativa vem de longe, fazendo parte da direcção da CIP desde 1982. Toda a sua vida tem sido dedicada à actividade industrial. Foi, durante 14 anos, dirigente da Associação Portuguesa das Empresas Químicas.

Em 2006 foi distinguido com a Grã-Cruz da Classe de Mérito Industrial.

 

 

VALTER HUGO MÃE

Ao Ritmo da Palavra

Escreve naturalmente como quem respira e é senhor de uma energia imparável. Valter Hugo Mãe pertence à “ilustre geração” de novos escritores portugueses, é vocalista da banda Governo, venceu o Prémio José Saramago e tem um novo romance, A máquina de fazer espanhóis. Em conversa por email o escritor fala deste livro e de outras histórias, do fascínio pelas pessoas, dos encontros que marcam a escrita, e da importância do amor.
 

O seu último romance tem o título curioso de a máquina de fazer espanhóis, e a chancela de uma nova editora, a Editora Objectiva. O que é os portugueses vão encontrar nesta máquina de fazer espanhóis?

Os meus livros passam sempre pela relação difícil entre aquilo que somos e aquilo que julgamos ser. Esta máquina é mais um pretexto para identificar tiques e características que nos possam definir como cidadãos deste país e do mundo, para entendermos como os justificar, eventualmente para sabermos como encontrar um caminho para sermos indivíduos melhores.
 

Como surgiu a ideia de escrever este livro?

Parti da necessidade de entender como tornar a vida suportável após um acontecimento fracturante, como a morte de alguém que nos é essencial. Como se entende que isso aconteça sobretudo quando, pela força da idade, tudo parece propor a precipitação para o fim. O que é que nos falta fazer quando o que parece falta é apenas a morte.
 

O remorso de baltazar serapião venceu o Prémio Literário José Saramago. José Saramago afirmou que, pela sua força, o livro era um Tsunami. O que inspirou essa força?

Trata-se de um livro acerca da subjugação histórica da mulher ao homem. Uma aventura terrível de um jovem homem enredado num ciúme doentio que o faz destruir aquilo que tem de mais precioso. A violência da história aliada à voracidade da linguagem, acabam por envolver o leitor num universo muito próprio. Creio que essa expressão de Saramago passa por essa energia de grande aceleração rítmica e narrativa que caracteriza a obra.
 

Os Prémios Literários têm que significado para si?

Os prémios podem ser um retorno importante para o trabalho de um autor que, por definição, tende a ver-se num ofício de solidão. Receber-se um prémio pode implicar uma atenção, como uma garantia de leitores, o que não muda a escrita, ou o acto criativo, mas muda a relação do autor com os seus leitores e, sobretudo, aponta um autor aos seus potenciais leitores. O escritor nunca se define pela quantidade de gente que o lê, mas, se for como eu, alegra-se com cada pessoa que o faça. Sinto como uma generosidade dos outros a atenção que possam ter no emprego do seu tempo na companhia do que escrevo. Os prémios ajudam a conquistar isso.
 

No seu percurso houve encontros que marcaram a sua escrita?

Sim, muitos encontros. Muitas pessoas participam activamente do meu imaginário, ainda que algumas não o saibam. Sou verdadeiramente fascinado pelas pessoas e encontrar alguém é sempre um dos melhores caminhos para passar um tempo feliz e, como tal, é sempre mote para tanto e tanto texto que escrevo. Enfim, embora alguns espíritos mais mal encarados também me tenham inspirado, como é inevitável que aconteça.
 

Escritor, artista plástico, editor, cantor, DJ. São muitas vidas numa vida. É um homem de acção?

Estar vivo é, de algum modo, agir. Eu estou muito vivo, se posso dizer assim. Tenho uma impaciência profunda em relação às lentidões e ao inerte. Preciso de criar e de me recriar constantemente. Preciso de ser tudo agora, porque não acredito na transcendência e não tenho como deixar para a próxima o que quero mesmo experimentar.
 

Encontra paz na arte, ou a inquietação é um bom motor?

A arte procura apaziguar-nos com as nossas inquietações, mas esse apaziguamento é efémero porque há que recomeçar uma e outra vez. O motor da arte será a insatisfação permanente, essa constante que nos leva a procurar incessantemente uma resposta para o infinito poço de perguntas.
 

Tem uma licenciatura em Direito. O que o levou a entrar e a sair de Direito?

O Direito é uma ciência do rigor discursivo, sobretudo no que diz respeito aos seus objectivos. Esse rigor favorece grandemente quem importado com o domínio da linguagem, oferecendo ao estudante um exercício muito valioso para uma aprendizagem da escrita. Encontrei no Direito um modo de me sensibilizar para as grandes questões das liberdades, para a defesa da justiça e construção de um mundo mais humano.
 

O Amor é uma presença obrigatória na vida de um livro? E na vida do escritor?

Diria que na vida de toda a gente. Sou um homem amado e amo. Tenho um profundo azar no jogo porque estou entregue no amor.
 

Portugal é uma boa pátria para um escritor?

Portugal é um país maravilhoso com um povo maravilhoso. Somos um país de boa gente, com defeitos pontuais, como convém, e outros mais sérios, mas, genericamente, somos o melhor país do mundo.
 

Já afirmou numa entrevista ao Jornal de Letras que quando fosse grande ainda queria ser cantor. E quando era pequenino, o que queria ser?

Queria ser cantor. Enfim, esporadicamente colocava a hipótese de vir a ser polícia, padeiro, professor, empregado do correio, e sei lá que mais. Mas queria ser cantor a todo o tempo.
 

Viver é escrever sem rascunho, ou, pelo contrário, em qualquer ponto da história é possível dar a volta ao “texto”?

Podemos sempre encontrar novos caminhos. Sou um optimista, acredito que a vida é sobretudo o que fazemos dela. Gosto de pensar que somos capazes de muito mais do que aquilo que se espera. Progressivamente acredito mais e mais em mim, como acredito mais e mais nos outros.
 

Fez planos para 2010? Quer partilhá-los connosco?

Encontrar os leitores do meu novo livro um pouco por todo o país, nos encontros para os quais estou a ser convidado. Gravar o primeiro álbum do projecto Governo, ao qual pertenço como vocalista (já com um primeiro disco, «propaganda sentimental» disponível para download gratuito na internet). Escrever sempre, avançar com um outro romance, afunilando as ideias para essa nova história com um novo grupo de personagens.

Texto: Eugénia Sousa
Fotos:
Nelson D'Aires


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