Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIII    Nº154   Dezembro 2010

Entrevista

DAVID JUSTINO, EX-MINISTRO DA EDUCAÇÃO

"Não há visão de futuro para a educação em Portugal"

David Justino quebra o silêncio ao lançar «Difícil é educá-los», um ensaio que classifica como um «contributo pedagógico» para uma discussão informada sobre o sistema educativo. Em entrevista ao Ensino Magazine o ex-ministro lamenta que se discuta a educação como se discute futebol e considera não existir visão estratégica sobre o que se quer para o sector para os próximos 15/20 anos. Justino acrescenta que a Lei de Bases em vigor está parcialmente ultrapassada e que o sistema educativo tem de rapidamente recuperar o tempo perdido para uma sociedade em permanente mutação. O assessor do Presidente da República para os assuntos sociais defende que o reforço das qualificações é o melhor antídoto para combater as desigualdades e a pobreza.

«Difícil é educá-los» é o quinto volume da colecção de ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos em que analisa os factores que poderão justificar o atraso educativo português. O que concluiu em traços gerais?

Para começar faço uma distinção de acordo com três eixos fundamentais: primeiro, o da quantidade da educação (mais escolarização, mais escolas, mais professores, etc.); segundo, o da qualidade da educação (até que ponto o modo que estamos a formar se adequa aos tempos actuais); e, finalmente, a equidade (em que medida existe oportunidade de igualdades para os diferentes alunos que entram no sistema de ensino). No fundo, tento demonstrar o progresso verificado relativamente à educação na vertente quantidade. É uma evolução assinalável, mas não tão rápida quanto seria de desejar. Há países do mundo que já ultrapassámos, no que diz respeito à adaptação à rapidez da mudança, mas em relação a outros ainda estamos atrás.

Em que é que consiste o processo de adaptação à rapidez da mudança?

Em haver mais pessoas com acesso à educação e simultaneamente com grau de sucesso. Isso pressupõe a existência de mais escolas e professores. Infelizmente, a minha investigação concluiu que, pese embora os progressos, não conseguimos sair da cauda. Os estudos internacionais revelam que Portugal se mantém numa posição modesta. Nomeadamente nos testes internacionais feitos pela OCDE permanecemos teimosamente na retaguarda. Basicamente o que se constata ; é que progredimos na vertente quantitativa, mas não o fizemos no que diz respeito à qualidade daquilo que é ensinado.

Existe mais equidade no acesso ao ensino?

Os critérios tradicionais de selecção foram substituídos por outros, menos visíveis. O que vai acontecendo é que com as taxas de insucesso os jovens vão saindo e vão ficando para trás. Os resultados demonstram que o sistema de ensino é muito selectivo e fica aquém do desejável que é alcançar a escolaridade obrigatória dos 12 anos. Urge desenvolver um sério esforço neste domínio e vai ser preciso trabalhar bastante para alcançar esse objectivo.

Que reflexos tem na prática um ensino que é melhor em quantidade do que em qualidade?

Na prática gera níveis de inadequação relativamente aos desafios da sociedade actual. Isto só pode ser resolvido com uma visão de futuro da educação. Andámos a perder muito tempo a discutir questões acessórias e marginais que em nada se traduzem em melhor educação. Desvalorizámos que a acelerada mutação social não foi acompanhada pela consequente transformação educativa. A educação não responde aos desafios actuais.

O que é concluiu relativamente ao grau de exigência do sistema?

Deixo uma pergunta: Como é que se mede a exigência? Trata-se de um falso problema. Isso é o tipo de discussão de bancada e de senso comum em que eu não entro. Se a exigência é chumbar então o sistema é exigente, mas creio que é uma falsa exigência. É selectivo, sem ser exigente. Em suma, o sistema ao ser ilusoriamente facilitador acaba por ser selectivo.

Depois do recato imposto pela sua função de assessor em Belém, quebrou o silêncio sobre o estado da educação em Março de 2008 no blog Quarta República, relembrando opiniões sobre a necessidade de reformas no ensino. Depois de citar textos de Oliveira Martins sobre o «estado da Educação», publicados em 1888, diz que temos problemas no sector com um século. Quer concretizar?

Existem duas perspectivas: ou os problemas têm um século, ou a forma como eles são encarados é que tem um século. Ou seja, o discurso sobre educação tende a reproduzir estereótipos e alguns deles têm mais de cem anos. Quando citei Oliveira Martins era para chamar a atenção que o discurso utilizado no século XIX, em alguns aspectos, não mudou nada. Insiste-se muito no registo de insatisfação, mas as críticas não são necessariamente fundamentadas. Hoje toda a gente discute educação como quem discute futebol. Na verdade, não discutem, porque falam sem saber. As pessoas não estudam, não analisam e reproduzem o que lêem nos jornais e ouvem na televisão. Seria preciso debater sobre dados concretos e o meu ensaio é um contributo pedagógico para isso, procurando transmitir que certos problemas só se resolvem num contexto mais alargado, distanciado da agitação do dia-a-dia.

O mediatismo em torno do sector tem prejudicado a resolução dos problemas mais prementes?

A educação está há demasiado tempo no topo da actualidade. Desde meados da década de 90 que a educação é uma espécie de constante campo de batalha. Vivemos numa sociedade de «achistas», em que as pessoas preferem achar a pensar e que reflecte o nível de escolarização que existe em Portugal. Não existem hábitos de reflexão e análise sobre os problemas, preferindo-se enveredar pela lógica do confronto. O problema é que andamos há 15 anos a porfiar sobre temas que em nada resolvem os problemas da educação. A opinião pública entretém-se a chafurdar naquilo que é acessório, ao sabor das notícias dos jornais, e dos casos da professora que tirou o telemóvel à aluna, do bullying, etc. Muitas das pessoas que hoje falam mal das novas gerações porventura já se esqueceram do que é que eram.

Está a referir-se ao termo «geração rasca»?

Esse é um termo injusto, datado de meados da década de 90, porque nessa altura a maior parte das pessoas era menos escolarizada do que é hoje. Como é que uma geração, com muitos analfabetos, tem a ousadia de criticar uma geração bem mais informada e com uma nova perspectiva? Insurjo-me muito contra essa frase feita de «que no meu tempo é que era»…Quando eu era aluno a maior parte da população era analfabeta. As pessoas esquecem-se disso…

A lógica instalada do «diz-se que diz-se» mina a coesão social?

O país precisa de assumir colectivamente uma atitude construtiva e o ponto de partida é definir claramente o que é que queremos. O problema é que as pessoas não sabem o que é que querem da educação. Mesmo os que têm responsabilidades políticas estão de tal forma enredados na teia mediática que se esquecem de resolver os problemas de médio e longo prazo, limitando-se a apagar os «fogos» que vão aparecendo todos os dias. Muitas políticas são introduzidas a reboque das manchetes dos jornais.

Onde fica a visão de futuro com esta exclusiva gestão do dia-a-dia?

Não existe. Devíamos estar preocupados com o tipo de educação que vai ter uma criança que entra agora num jardim de infância nos próximos 15 ou 20 anos. Alguém fala disso? Este país consome-se no curto prazo, e a educação não foge a essa vertigem, e não conseguiremos progredir sem uma visão de longo prazo.

Portugal aparece bem situado em termos do nível de investimento, mas o retorno nos vários rankings em matéria de desempenho é escasso. Como interpreta este desfasamento?

Em termos comparados e relativos sim, em termos absolutos não. O custo por aluno ponderado pelo PIB por habitante é uma das medidas utilizadas para mensurar o investimento. Neste indicador somos dos que mais gastam em comparação com os países que têm resultados mais humildes. Andamos a gastar e não apresentamos resultados. E é uma tendência preocupante que se mantém e não dá mostras de inversão. Utilizando um terminologia económica posso dizer que investimento não tem a rentabilidade desejável, mas se calhar com o mesmo investimento conseguíamos ter melhores resultados. Penso que com um nível organizacional e de qualificação de aprendizagem diferente, para melhor, os resultados podiam ser outros. O problema não está na quantidade, mas na qualidade do investimento.

Pode-se falar em investimento perdido quando se forma ainda demasiado para o desemprego?

É preocupante ver o Estado despender dinheiro em pessoas formadas que no futuro não terão colocação no mercado. Ninguém teve a coragem de orientar a oferta educativa para formações mais necessárias. O sistema não pode estar apenas preparado para formar pessoas para o ensino superior, mas também tem de orientar-se para o mercado de trabalho. Estamos a pagar muito caro o erro de o ensino secundário ter estado durante muito tempo vocacionado apenas para formar pessoas para entrarem na faculdade. Entretanto, esta situação melhorou. Já temos mais jovens no ensino profissional. Precisamos de cada vez mais pessoas com competências profissionais, em detrimento das que não têm qualificação profissional e cuja saída mais previsível é o desemprego.

O tempo tem feito a selecção natural das universidades, as mais e as menos capazes, mas a imagem da fábrica de produção em série de diplomados pode ainda aplicar-se com propriedade às nossas faculdades?

Houve um fenómeno previsível de massificação do ensino superior. Se alguém tiver vontade e condições para frequentar o ensino superior deve fazê-lo. O problema é outro: estão a oferecer cursos onde à partida não há saída profissional. Por vezes os cursos servem mais para justificar a existência de professores do que propriamente a existência de alunos. Creio que o ensino superior tem margem de progressão, mas é preciso tratar com especial atenção a colocação dos alunos em certos cursos, adequando-a em função dos objectivos.

Se nada for feito em tempo útil o que pode acontecer?

Antes de mais é urgente reflectir seriamente sobre que tipo de sociedade vamos precisar daqui a 15 ou 20 anos. Vamos continuar a precisar de médicos e engenheiros, naturalmente, mas também há novas profissões que despontam. O problema é que se o futuro não é acautelado, só nos resta resolver os problemas como sempre temos feito, à pressa e sem preparação. Sem planificação e visão prospectiva dificilmente lá chegaremos. Insisto: não há uma visão de futuro para a educação em Portugal.

Não fica incomodado quando vê pessoas que passaram uma vida a estudar a trabalhar num call center ou a conduzir um táxi?

Não me incomoda. Se o trabalho for digno merece todo o meu respeito. Se há uma situação de desemprego, é natural que transitoriamente as pessoas circulem por outras ocupações. Isso acontece em qualquer país da Europa. Habituámo-nos a pensar que o curso na mão era uma garantia de emprego para a vida. Isso acabou. As oportunidades são cada vez menores. Por isso recuso-me a falar de «geração rasca» porque estes jovens têm menos oportunidades do que a minha geração. Vão ter de competir e de se sacrificar mais e, como se está a ver, terão de aprender a viver com menos dinheiro.

Mas os melhores têm saídas e procuram especialmente as oportunidades que surgem do estrangeiro. Como vê o fenómeno que se acentua da «fuga de cérebros»?

Esse é um investimento perdido. O País investe e quando devia obter esse retorno no futuro, ou deixa as pessoas no desemprego ou elas abandonam o país por iniciativa própria. Neste momento, há uma autêntica “caça” aos alunos que saem das melhores faculdades portuguesas. Isso é uma política lesiva do interesse nacional, mas é impossível barrar a saída de quem quer lutar pelo seu futuro. Trata-se de potencial perdido que podia ser aproveitado aqui se lhes fossem proporcionadas todas as condições.

Foi ministro da educação entre 2002 e 2004. Desde 1987 passaram 12 ministros diferentes pelo edifício da 5 de Outubro. Não é demasiado, inviabilizando qualquer política coerente para o sector e em que cada um tem a tentação de deixar a sua marca?

Essa é outra ideia feita. A mediatização tende a fulanizar demasiado este cargo político. Em determinadas situações o importante não é o ministro, mas a política. Não me importo nada se os ministros mudam e as politicas estruturantes se mantiverem, com os ajustamentos necessários. Se houver uma consensualização sobre onde queremos chegar, nomeadamente em termos da avaliação em todo o sistema e a aposta na qualidade (em que creio todos estão de acordo), é obvio que todos compreenderão que há politicas que têm de ser tomadas. Um ministro, seja de esquerda ou de direita, terá de adoptar as medidas próprias em função de um objectivo que todos querem atingir. Infelizmente, dá-se prioridade a outros valores, assentes em histórias passadas e em preconceitos, impedindo a definição clara desses objectivos. Sou daqueles que pensam que é mais fácil unir as pessoas pelo futuro do que pelo passado.

O braço de ferro entre os sindicatos de professores e a tutela é um desses exemplos que contribui para neutralizar o progresso?

Os sindicatos têm que existir e é bom que existam. Talvez a relação nunca tenha sido tão conflituosa como agora. Eu próprio, enquanto governante, tive alguns problemas com sindicatos. São concepções diferentes e eles têm que fazer o seu papel. O problema é este: se na sociedade, no ministério ou nos órgãos de representação política não há consciência de que há coisas que têm de ser feitas, e podem ser mudadas de um dia para o outro, então os sindicatos ganham força. No caso de as respostas a esses problemas fundamentais forem consensualizados, então a legitimidade dos eleitos tende a sobrepor-se à legitimidade corporativa. Estou certo que se houvesse uma política educativa, uma estratégia e um quadro de referência claros, discutia-se antes as políticas e não os seus intérpretes. Por exemplo, está-se a trabalhar sobre uma Lei de Bases parcialmente ultrapassada, nomeadamente em termos da organização do sistema educativo e à enunciação dos grandes objectivos. Tanto que o mundo e a sociedade mudaram nestes 23 ou 24 anos… O sistema educativo tem que recuperar este tempo perdido para a sociedade, precisamente porque forma pessoas a longo prazo.

Defende uma menor exposição pública e mediática dos titulares dos cargos políticos?

Não. A lógica é essa, não é possível contorná-la. O governante não pode é deixar de fazer o fundamental do seu trabalho, sacrificando as políticas à dinâmica do dia-a-dia. Esta mensagem é valida para a administração pública em geral, para as escolas, para os cidadãos.

Vivemos num mundo onde impera a rápida mutação de modas e o paradigma tecnológico que condiciona padrões de valores. Aquilo a que chamou o «período de aceleração distorcida da História”. A internet traz-nos, ao mesmo tempo, mais informação e um défice de conhecimento. Como equilibrar ambos?

Esse é o ponto-chave: saber se o que estamos a ensinar aos nossos miúdos está de acordo com as exigências tecnológicas e culturais que a sociedade do futuro vai colocar. Educar é sobretudo capacitar e preparar as novas gerações para os problemas do futuro. Como pressupõe a sua pergunta, sociedade de informação e sociedade de conhecimento são distintas. Só há sociedade de informação plena se existir sociedade de conhecimento. Informação há muita, mas para saber rentabilizá-la e torná-la socialmente útil, preciso de possuir conhecimento para pesquisar, sistematizar, tratar e dar valor acrescentado a essa informação. Perante isto, não é bom tornar os jovens um depósito de informação, mas antes dotá-los da capacidade de processar e utilizar a informação.

Hoje é tão fácil procurar em motores de pesquisa, como o Google, que em poucos segundos substituem uma enciclopédia. Quais os perigos do excesso de informação, muita dela descontextualizada?

Vivemos na ilusão tecnológica. O computador é como um livro. Mas o computador só dá as respostas se eu fizer as perguntas adequadas. É como resolver um problema de matemática. Os grandes problemas que existem é a abundância e obsolescência da informação, com nova informação a matar a informação anterior. Há um vórtice enorme. Estamos na sociedade da informação, mas continuamos muito longe da sociedade do conhecimento. Creio que só lá chegaremos se prepararmos e capacitarmos as gerações para saber pensar e reflectir, a partir do conhecimento acumulado, que não é uma biblioteca fechada. Não basta ser consumidores de informação, temos de essencialmente ser produtores de nova informação. Qualquer computador dá uma receita, temos é de ter capacidade de pensar nas soluções.

Desde 2006 é assessor para os assuntos sociais do Presidente da Republica, Cavaco Silva. Que trabalho de pesquisa e de terreno desenvolve como conselheiro do Chefe de Estado?

O meu papel é ajudar. Sirvo-me da experiência que tive como vereador para as questões sociais durante 8 anos da Câmara de Oeiras e também do facto de ser professor de Sociologia e estar neste departamento na minha faculdade a coordenar uma série de investigações. São experiências de extrema utilidade para municiar o Presidente da República no enquadramento de problemas de âmbito social, de forma a permitir que ele responda de forma adequada, nomeadamente nas deslocações que faz ao terreno.

É licenciado em Economia e doutorado em Sociologia. Em que medida é que esta crise de contornos económico-financeiros vai fazer mossa em termos sociais e na alma do povo?

Já fez muita mossa. E aqui entra a questão das qualificações. A situação de crise é potenciada ainda mais por apresentarmos dos níveis de escolarização mais baixos da Europa. Pessoas com baixos graus de escolaridade ficam com maior risco de cair em situações de pobreza. E o problema agrava-se se se situarem na faixa etária acima dos 40 anos. Há muitos casos destes. Perderam o emprego e devido ao baixo grau de qualificação têm dificuldades em regressar ao mercado de trabalho, potenciando o risco de insolvência. Por outro lado, as pessoas com maior nível de escolarização integram-se melhor social e profissionalmente. O melhor antídoto para as desigualdades e a pobreza é haver mais e melhor educação.

Como sociólogo teme que o clima de insatisfação social acabe por desencadear situações de conflito?

As conflitualidades geram-se de formas diferentes e em contextos diferentes. As nossas estruturas, nomeadamente sociais, também são diferentes de países onde aconteceram confrontos, como a França e a Grécia. Estamos muito ligados à família e às origens. Os mecanismos de entreajuda acabam por funcionar mitigando a conflitualidade. Outro factor que atenua a conflitualidade são os fluxos migratórios que continuamos a manter. De há 5 ou 6 anos a esta parte que os portugueses continuam a emigrar, para Espanha, Irlanda, Inglaterra, Luxemburgo, Angola, etc. Isto já para não falar do recurso à economia subterrânea, etc. São várias «fugas» que impedem explosões sociais. O que nãO significa que de um momento para o outro não se registem erupções de conflitualidade relativamente graves. Pode acontecer.

A «Rede Escolas de Excelência» é um projecto-piloto da Universidade Nova, coordenado por si, ao qual aderiram cinco concelhos (Castelo Branco, Batalha, Loulé, Constância e Oeiras). Que princípios estão na origem desta iniciativa?

O ponto de partida do projecto é municiar as escolas com informação de modo a que estas melhorem os seus desempenhos. Isso tem sido feito. E não obstante a instabilidade que existe, já se nota que os estabelecimentos começam a incorporar e a adoptar medidas internas que podem ajudar a uma melhor qualificação. Mas tal como na política, a educação não produz resultados imediatos. Não há milagres possíveis. O trabalho tem que ser feito com tempo e persistência. Este projecto une, neste momento, 37 escolas dos cinco concelhos que referiu. Monitorizamos todas estas instituições e constatamos que os resultados têm melhorado.

A que se deveu a escolha desses cinco concelhos?

Os condicionalismos financeiros levaram a que tivéssemos seleccionado uma amostra o mais pequena possível, mas ao mesmo tempo representativa, para além da garantia dos respectivos autarcas de plena colaboração. O financiamento desta iniciativa não é abundante, contamos com as verbas dos municípios e da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Em termos científicos, as mais-valias são imensas e recompensadoras. Considero que a «Rede Escolas de Excelências» é um laboratório e ao mesmo tempo permite prestar um serviço às escolas, fornecendo-lhes relatórios periódicos para que saibam como estão a evoluir, permitindo-lhes uma auto-avaliação permanente.

Que fases se vão seguir?

Em 2012 termina a primeira fase do projecto. Faremos a avaliação do que foi feito. Escolas e municípios terão de definir se querem continuar ou não. Contudo, para não dispersar meios não pensamos adicionar mais escolas ao projecto, mas sim difundir a experiência para que outras escolas associadas sigam este modelo.

Nuno Dias da Silva

 


Cara da Notícia
 

David Justino nasceu em Oeiras a 29 de Janeiro de 1953. Licenciou-se em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa, em 1976, e doutorou-se em Sociologia pela Universidade Nova de Lisboa, em 1987. Iniciou a sua carreira como docente no Instituto Superior de Economia e Gestão (1976-1980), sendo actualmente Professor Associado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde integra a CESNova, uma unidade de investigação na área da Sociologia. Divide essas funções com as de consultor da Presidência da República para os Assuntos Sociais, desde 2006. Foi ainda colaborador da Universidade de Évora (1988-1989), da Bolsa de Valores de Lisboa (1992-1994), da Fundação Luso-Americana e do Taguspark, em actividades de investigação e consultoria.

Militante do PSD, foi vice-presidente da Comissão Política Distrital de Lisboa daquele partido e eleito vereador na Câmara Municipal de Oeiras, titular do pelouro da Habitação Social (1994-2001) e deputado à Assembleia da República (1999-2002). Desempenhou funções governamentais no executivo de Durão Barroso, tendo sido ministro da Educação, entre 2002 e 2004. Autor de vários livros e artigos, recebeu, em 1988, o Prémio Calouste Gulbenkian de Ciência e Tecnologia pela publicação de «A Formação do Espaço Económico Nacional: Portugal 1810-1913».
 

 

 

 

ANTÓNIO EÇA DE QUEIROZ EM ENTREVISTA

O Romance Ilegal de Eça de Queiroz

António Eça de Queiroz herdou do bisavô o gosto pela escrita e um dos apelidos mais conhecidos em Portugal. Bisneto do escritor Eça de Queiroz, estreou-se no romance com O Romance Ilegal do Sr. Rodolfo (chancela da editora Guerra&Paz), pois desde a primeira vez que pensou em escrever um livro quis inventar «um patife divertido com qualidades inesperadas». Em entrevista, por email, o escritor fala da obra do bisavô e diz conviver bem com o que se escreve sobre ele, pois por norma é positivo. Quanto às «episódicas tiradas de dramas pungentes», que se escreveram sobre a vida de Eça, e o levaram a publicar Eça de Queiroz e os Seus Clones (2006), hoje já só o fazem rir. Para António Eça de Queiroz a história mais elucidativa do carácter do seu bisavô aconteceu na sua passagem como diplomata em Cuba.

É autor de outros livros mas O Romance Ilegal do Sr. Rodolfo (2010) é o seu primeiro romance. Quem é este Sr. Rodolfo?

A primeira vez que pensei em escrever um livro, há já muitos anos, logo pensei que gostaria de inventar um patife divertido com qualidades inesperadas. Muito provavelmente na esteira das aventuras de Arsène Lupin, o gentleman-ladrão novecentista de Maurice Leblanc, que me encheram de sonhos de grandeza em miúdo. Rodolfo é um marchand de arte e antiguidades nascido em Portugal mas de origem alemã. Ele vive aqui embora seja de facto um cidadão do mundo. Ou seja, ele vive no mundo mas utiliza Portugal como plataforma de operações – porque é aqui que gosta de a ter (à plataforma de operações), em boa parte pela sua relação afectiva e emocional com o país e algumas pessoas. É um patife subtil com algumas qualidades – sendo uma delas o facto de detestar analistas financeiros e sociedades de investimento.

A ideia para escrever este Romance surge como?

Surge na sequência de duas coisas absolutamente distintas: o contacto visual com o primeiro modelo de relógios de água realmente eficaz, uma sofisticada clepsidra do padre-engenheiro Gianbaptistta Embriaco, do século XIX, a trabalhar na perfeição – objecto que irá desempenhar um determinado papel ‘filosófico’ na história; isto coincidiu com o arranque duma crónica epistolar entre dois personagens (Rodolfo e uma escritora muito esquiva e um pouco estranha), que vão depois dar corpo a um romance paralelo dentro do todo desta história. Só então surgiu a necessidade dum personagem onde ancorar o narrador: tinha o presumível patife, a musa inspiradora, dinheiro a rodos – faltava a polícia brandindo a lei e a ordem, com as quais Rodolfo não concorda por aí além...

Convive bem com o muito que se tem escrito sobre a vida do seu bisavô Eça de Queiroz?

Como por norma o que se escreve dele é positivo convivo naturalmente muito bem. Às vezes surgem episódicas umas tiradas de «drama pungente» que hoje – mas só hoje – me fazem rir. Porque no ontem (em 2006) fizeram-me escrever um ensaio biográfico (e autobiográfico por se referir também à minha relação pessoal com o escritor) onde à época zurzi o que entendi por bem zurzir. (O ensaio em causa chama-se Eça de Queiroz e os seus clones).

Das histórias de vida do seu bisavô qual é a mais elucidativa do seu carácter?

Sem dúvida a sua breve passagem como diplomata por Cuba. Com 27 anos enfrentou todo um esquema de escravização «oficial» dos emigrantes chineses que chegavam a Cuba via Macau: se tivesse feito vista grossa a tal infâmia, teria enriquecido, como aconteceu com o seu antecessor Fernando de Gaver; em vez disso arranjou uma caterva de inimigos perigosos e conseguiu dar ordem de fuga a centenas de chineses que se encontravam literalmente presos na antiga colónia espanhola.
Para mim é este episódio que dá forma e conteúdo a O Mandarim.

Ter um antepassado tão ilustre causa alguma inibição na hora de escrever?

Na hora de escrever certamente não, nem nunca tal me passou pela cabeça. No máximo senti muito vagamente que talvez devesse fazer outra coisa na vida – e faço outras coisas, claro está. Mas acontece que gosto muito de escrever, sempre gostei. O nome não me inibe nada, gosto muito dele e não gosto da ideia de pseudónimo (mas se tivesse um seria obviamente Arsénio Lobão, que é uma tradução muito minha de Arsène Lupin...). Mas há naturalmente uma longa história de portas que se abrem e de outras que se fecham exactamente pela mesma razão.

Qual é o livro de Eça de Queiroz que mais gosta?

É mais fácil apontar o que menos gosto. É um conto, Singularidades de uma rapariga loira, levado ao cinema recentemente por Manoel de Oliveira. Em total oposição a um outro pequeno conto dele, o José Matias, que é uma coisa verdadeiramente genial. Os livros são tantos... O humor iconoclasta d’A Relíquia, o drama nacional-lisboeta n’Os Maias, o trágico Crime do Padre Amaro, A Cidade e as Serras, todo ele coração, Basílio e a crónica dum tempo ainda visível, o total gozo blasé de Fradique, a clarividência global de Notas Contemporâneas, a diabolização simbólica do dinheiro n’O Mandarim...

Afirmou querer escrever mais romances, já se encontra a trabalhar num novo livro?

Ainda estou na ressaca da minha pequena biografia sobre Santo António de Lisboa e Pádua, que me deu muito trabalho e pelo menos igual prazer. Mas já tenho alguns alinhamentos: reformular (e em alguns casos reescrever) Contos Acrónicos, e, possivelmente, arrancar com uma nova biografia. De romance apenas um esquisso disforme, para já. Mas tudo isso pode mudar dum momento para o outro.

Escrever é para si um prazer ou uma necessidade?

Necessidade é ir ao quarto-de-banho, isso sim, é uma necessidade. Começou por ser uma profissão, através do jornalismo, que me pagou a vida que fui tendo e onde me diverti bastante. Hoje é objectivamente um prazer, por vezes calculado, outras vezes nem tanto ou tão pouco. É um acto de vaidade, acho eu.

À semelhança de outros escritores portugueses que também passaram pela guerra colonial poderá vir a colocar essa experiência num romance?

Escrevi três histórias distintas sobre isso que saíram no meu primeiro livro – Contos Acrónicos –, e mais umas duas ou três que publiquei no blogue É Tudo Gente Morta (www.etudogentemorta.com), onde sou ectoplasma residente mais ou menos activo. No entanto, de todas essas pequenas histórias a melhor foi realmente inventada do princípio ao fim, sem nada de biográfico ou factual – se excluirmos os cenários físicos e políticos.

Digamos que para já não penso nisso.

Quando lhe perguntaram em entrevista qual tinha sido o seu maior feito, respondeu: «Conseguir, à distância, tirar um amigo de uma prisão inglesa». Quer contar-nos essa história?

Por duas importantes razões não poderei falar do assunto: a pessoa em causa morreu entretanto e há terceiros envolvimentos que nunca revelaria. Limitei-me a arrancar e monitorizar o processo até que terminasse, e foi de facto o meu maior feito – mas não teve um final realmente feliz.
Portanto, lamento mas passo.

A coragem e a lealdade são as características que mais estima num ser humano. Na “bolsa de valores humanos” acredita que apesar de tudo, a coragem e a lealdade estão bem cotadas?

Nessa «bolsa de valores humanos» seria interessante saber como se caracteriza o seu índice, ponto por ponto.

Acho que mais tarde ou mais cedo somos confrontados com a necessidade de sentir uma maior densidade de coragem e lealdade nas nossas vidas. Não só connosco e entre os que nos estão próximos mas, talvez ainda mais importante, no conjunto dos principais actores da sociedade. Mas veja-se como um conceito é traído de acordo com o meio: a coragem e a lealdade políticas existem essencialmente em termos pessoais ou partidários, poucas vezes em função do país e dos governados que deveriam servir. A coragem e a lealdade empresariais podem levar à vizinhança do crime... Por fim, coragem e lealdade podem ser meras armadilhas, forças tornadas na fraqueza que outros utilizam por saberem o seu portador moralmente incapaz de determinados actos. É dentro das pessoas e para as pessoas que o conceito tem sentido real, objectivo, demonstrativo. É aí que sobrevive – apesar de tudo.

Eugénia Sousa
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