DAVID JUSTINO,
EX-MINISTRO DA EDUCAÇÃO
"Não há visão de
futuro para a educação em Portugal"
David Justino quebra o silêncio ao lançar
«Difícil é educá-los», um ensaio que classifica como um «contributo
pedagógico» para uma discussão informada sobre o sistema educativo. Em
entrevista ao Ensino Magazine o ex-ministro lamenta que se discuta a
educação como se discute futebol e considera não existir visão
estratégica sobre o que se quer para o sector para os próximos 15/20
anos. Justino acrescenta que a Lei de Bases em vigor está parcialmente
ultrapassada e que o sistema educativo tem de rapidamente recuperar o
tempo perdido para uma sociedade em permanente mutação. O assessor do
Presidente da República para os assuntos sociais defende que o reforço
das qualificações é o melhor antídoto para combater as desigualdades e a
pobreza.
«Difícil é educá-los» é o quinto volume da colecção de ensaios da
Fundação Francisco Manuel dos Santos em que analisa os factores que
poderão justificar o atraso educativo português. O que concluiu em
traços gerais?
Para começar faço uma distinção de acordo com três eixos fundamentais:
primeiro, o da quantidade da educação (mais escolarização, mais escolas,
mais professores, etc.); segundo, o da qualidade da educação (até que
ponto o modo que estamos a formar se adequa aos tempos actuais); e,
finalmente, a equidade (em que medida existe oportunidade de igualdades
para os diferentes alunos que entram no sistema de ensino). No fundo,
tento demonstrar o progresso verificado relativamente à educação na
vertente quantidade. É uma evolução assinalável, mas não tão rápida
quanto seria de desejar. Há países do mundo que já ultrapassámos, no que
diz respeito à adaptação à rapidez da mudança, mas em relação a outros
ainda estamos atrás.
Em que é que consiste o processo de adaptação à rapidez da mudança?
Em haver mais pessoas com acesso à educação e simultaneamente com grau
de sucesso. Isso pressupõe a existência de mais escolas e professores.
Infelizmente, a minha investigação concluiu que, pese embora os
progressos, não conseguimos sair da cauda. Os estudos internacionais
revelam que Portugal se mantém numa posição modesta. Nomeadamente nos
testes internacionais feitos pela OCDE permanecemos teimosamente na
retaguarda. Basicamente o que se constata ; é que progredimos na
vertente quantitativa, mas não o fizemos no que diz respeito à qualidade
daquilo que é ensinado.
Existe mais equidade no acesso ao ensino?
Os critérios tradicionais de selecção foram substituídos por outros,
menos visíveis. O que vai acontecendo é que com as taxas de insucesso os
jovens vão saindo e vão ficando para trás. Os resultados demonstram que
o sistema de ensino é muito selectivo e fica aquém do desejável que é
alcançar a escolaridade obrigatória dos 12 anos. Urge desenvolver um
sério esforço neste domínio e vai ser preciso trabalhar bastante para
alcançar esse objectivo.
Que reflexos tem na prática um ensino que é melhor em quantidade do
que em qualidade?
Na prática gera níveis de inadequação relativamente aos desafios da
sociedade actual. Isto só pode ser resolvido com uma visão de futuro da
educação. Andámos a perder muito tempo a discutir questões acessórias e
marginais que em nada se traduzem em melhor educação. Desvalorizámos que
a acelerada mutação social não foi acompanhada pela consequente
transformação educativa. A educação não responde aos desafios actuais.
O que é concluiu relativamente ao grau de exigência do sistema?
Deixo uma pergunta: Como é que se mede a exigência? Trata-se de um falso
problema. Isso é o tipo de discussão de bancada e de senso comum em que
eu não entro. Se a exigência é chumbar então o sistema é exigente, mas
creio que é uma falsa exigência. É selectivo, sem ser exigente. Em suma,
o sistema ao ser ilusoriamente facilitador acaba por ser selectivo.
Depois do recato imposto pela sua função de assessor em Belém,
quebrou o silêncio sobre o estado da educação em Março de 2008 no blog
Quarta República, relembrando opiniões sobre a necessidade de reformas
no ensino. Depois de citar textos de Oliveira Martins sobre o «estado da
Educação», publicados em 1888, diz que temos problemas no sector com um
século. Quer concretizar?
Existem duas perspectivas: ou os problemas têm um século, ou a forma
como eles são encarados é que tem um século. Ou seja, o discurso sobre
educação tende a reproduzir estereótipos e alguns deles têm mais de cem
anos. Quando citei Oliveira Martins era para chamar a atenção que o
discurso utilizado no século XIX, em alguns aspectos, não mudou nada.
Insiste-se muito no registo de insatisfação, mas as críticas não são
necessariamente fundamentadas. Hoje toda a gente discute educação como
quem discute futebol. Na verdade, não discutem, porque falam sem saber.
As pessoas não estudam, não analisam e reproduzem o que lêem nos jornais
e ouvem na televisão. Seria preciso debater sobre dados concretos e o
meu ensaio é um contributo pedagógico para isso, procurando transmitir
que certos problemas só se resolvem num contexto mais alargado,
distanciado da agitação do dia-a-dia.
O mediatismo em torno do sector tem prejudicado a resolução dos
problemas mais prementes?
A educação está há demasiado tempo no topo da actualidade. Desde meados
da década de 90 que a educação é uma espécie de constante campo de
batalha. Vivemos numa sociedade de «achistas», em que as pessoas
preferem achar a pensar e que reflecte o nível de escolarização que
existe em Portugal. Não existem hábitos de reflexão e análise sobre os
problemas, preferindo-se enveredar pela lógica do confronto. O problema
é que andamos há 15 anos a porfiar sobre temas que em nada resolvem os
problemas da educação. A opinião pública entretém-se a chafurdar naquilo
que é acessório, ao sabor das notícias dos jornais, e dos casos da
professora que tirou o telemóvel à aluna, do bullying, etc. Muitas das
pessoas que hoje falam mal das novas gerações porventura já se
esqueceram do que é que eram.
Está a referir-se ao termo «geração rasca»?
Esse é um termo injusto, datado de meados da década de 90, porque nessa
altura a maior parte das pessoas era menos escolarizada do que é hoje.
Como é que uma geração, com muitos analfabetos, tem a ousadia de
criticar uma geração bem mais informada e com uma nova perspectiva?
Insurjo-me muito contra essa frase feita de «que no meu tempo é que
era»…Quando eu era aluno a maior parte da população era analfabeta. As
pessoas esquecem-se disso…
A lógica instalada do «diz-se que diz-se» mina a coesão social?
O país precisa de assumir colectivamente uma atitude construtiva e o
ponto de partida é definir claramente o que é que queremos. O problema é
que as pessoas não sabem o que é que querem da educação. Mesmo os que
têm responsabilidades políticas estão de tal forma enredados na teia
mediática que se esquecem de resolver os problemas de médio e longo
prazo, limitando-se a apagar os «fogos» que vão aparecendo todos os
dias. Muitas políticas são introduzidas a reboque das manchetes dos
jornais.
Onde fica a visão de futuro com esta exclusiva gestão do dia-a-dia?
Não existe. Devíamos estar preocupados com o tipo de educação que vai
ter uma criança que entra agora num jardim de infância nos próximos 15
ou 20 anos. Alguém fala disso? Este país consome-se no curto prazo, e a
educação não foge a essa vertigem, e não conseguiremos progredir sem uma
visão de longo prazo.
Portugal aparece bem situado em termos do nível de investimento, mas
o retorno nos vários rankings em matéria de desempenho é escasso. Como
interpreta este desfasamento?
Em termos comparados e relativos sim, em termos absolutos não. O custo
por aluno ponderado pelo PIB por habitante é uma das medidas utilizadas
para mensurar o investimento. Neste indicador somos dos que mais gastam
em comparação com os países que têm resultados mais humildes. Andamos a
gastar e não apresentamos resultados. E é uma tendência preocupante que
se mantém e não dá mostras de inversão. Utilizando um terminologia
económica posso dizer que investimento não tem a rentabilidade
desejável, mas se calhar com o mesmo investimento conseguíamos ter
melhores resultados. Penso que com um nível organizacional e de
qualificação de aprendizagem diferente, para melhor, os resultados
podiam ser outros. O problema não está na quantidade, mas na qualidade
do investimento.
Pode-se falar em investimento perdido quando se forma ainda demasiado
para o desemprego?
É preocupante ver o Estado despender dinheiro em pessoas formadas que no
futuro não terão colocação no mercado. Ninguém teve a coragem de
orientar a oferta educativa para formações mais necessárias. O sistema
não pode estar apenas preparado para formar pessoas para o ensino
superior, mas também tem de orientar-se para o mercado de trabalho.
Estamos a pagar muito caro o erro de o ensino secundário ter estado
durante muito tempo vocacionado apenas para formar pessoas para entrarem
na faculdade. Entretanto, esta situação melhorou. Já temos mais jovens
no ensino profissional. Precisamos de cada vez mais pessoas com
competências profissionais, em detrimento das que não têm qualificação
profissional e cuja saída mais previsível é o desemprego.
O tempo tem feito a selecção natural das universidades, as mais e as
menos capazes, mas a imagem da fábrica de produção em série de
diplomados pode ainda aplicar-se com propriedade às nossas faculdades?
Houve um fenómeno previsível de massificação do ensino superior. Se
alguém tiver vontade e condições para frequentar o ensino superior deve
fazê-lo. O problema é outro: estão a oferecer cursos onde à partida não
há saída profissional. Por vezes os cursos servem mais para justificar a
existência de professores do que propriamente a existência de alunos.
Creio que o ensino superior tem margem de progressão, mas é preciso
tratar com especial atenção a colocação dos alunos em certos cursos,
adequando-a em função dos objectivos.
Se nada for feito em tempo útil o que pode acontecer?
Antes de mais é urgente reflectir seriamente sobre que tipo de sociedade
vamos precisar daqui a 15 ou 20 anos. Vamos continuar a precisar de
médicos e engenheiros, naturalmente, mas também há novas profissões que
despontam. O problema é que se o futuro não é acautelado, só nos resta
resolver os problemas como sempre temos feito, à pressa e sem
preparação. Sem planificação e visão prospectiva dificilmente lá
chegaremos. Insisto: não há uma visão de futuro para a educação em
Portugal.
Não fica incomodado quando vê pessoas que passaram uma vida a estudar
a trabalhar num call center ou a conduzir um táxi?
Não me incomoda. Se o trabalho for digno merece todo o meu respeito. Se
há uma situação de desemprego, é natural que transitoriamente as pessoas
circulem por outras ocupações. Isso acontece em qualquer país da Europa.
Habituámo-nos a pensar que o curso na mão era uma garantia de emprego
para a vida. Isso acabou. As oportunidades são cada vez menores. Por
isso recuso-me a falar de «geração rasca» porque estes jovens têm menos
oportunidades do que a minha geração. Vão ter de competir e de se
sacrificar mais e, como se está a ver, terão de aprender a viver com
menos dinheiro.
Mas os melhores têm saídas e procuram especialmente as oportunidades
que surgem do estrangeiro. Como vê o fenómeno que se acentua da «fuga de
cérebros»?
Esse é um investimento perdido. O País investe e quando devia obter esse
retorno no futuro, ou deixa as pessoas no desemprego ou elas abandonam o
país por iniciativa própria. Neste momento, há uma autêntica “caça” aos
alunos que saem das melhores faculdades portuguesas. Isso é uma política
lesiva do interesse nacional, mas é impossível barrar a saída de quem
quer lutar pelo seu futuro. Trata-se de potencial perdido que podia ser
aproveitado aqui se lhes fossem proporcionadas todas as condições.
Foi ministro da educação entre 2002 e 2004. Desde 1987 passaram 12
ministros diferentes pelo edifício da 5 de Outubro. Não é demasiado,
inviabilizando qualquer política coerente para o sector e em que cada um
tem a tentação de deixar a sua marca?
Essa é outra ideia feita. A mediatização tende a fulanizar demasiado
este cargo político. Em determinadas situações o importante não é o
ministro, mas a política. Não me importo nada se os ministros mudam e as
politicas estruturantes se mantiverem, com os ajustamentos necessários.
Se houver uma consensualização sobre onde queremos chegar, nomeadamente
em termos da avaliação em todo o sistema e a aposta na qualidade (em que
creio todos estão de acordo), é obvio que todos compreenderão que há
politicas que têm de ser tomadas. Um ministro, seja de esquerda ou de
direita, terá de adoptar as medidas próprias em função de um objectivo
que todos querem atingir. Infelizmente, dá-se prioridade a outros
valores, assentes em histórias passadas e em preconceitos, impedindo a
definição clara desses objectivos. Sou daqueles que pensam que é mais
fácil unir as pessoas pelo futuro do que pelo passado.
O braço de ferro entre os sindicatos de professores e a tutela é um
desses exemplos que contribui para neutralizar o progresso?
Os sindicatos têm que existir e é bom que existam. Talvez a relação
nunca tenha sido tão conflituosa como agora. Eu próprio, enquanto
governante, tive alguns problemas com sindicatos. São concepções
diferentes e eles têm que fazer o seu papel. O problema é este: se na
sociedade, no ministério ou nos órgãos de representação política não há
consciência de que há coisas que têm de ser feitas, e podem ser mudadas
de um dia para o outro, então os sindicatos ganham força. No caso de as
respostas a esses problemas fundamentais forem consensualizados, então a
legitimidade dos eleitos tende a sobrepor-se à legitimidade corporativa.
Estou certo que se houvesse uma política educativa, uma estratégia e um
quadro de referência claros, discutia-se antes as políticas e não os
seus intérpretes. Por exemplo, está-se a trabalhar sobre uma Lei de
Bases parcialmente ultrapassada, nomeadamente em termos da organização
do sistema educativo e à enunciação dos grandes objectivos. Tanto que o
mundo e a sociedade mudaram nestes 23 ou 24 anos… O sistema educativo
tem que recuperar este tempo perdido para a sociedade, precisamente
porque forma pessoas a longo prazo.
Defende uma menor exposição pública e mediática dos titulares dos
cargos políticos?
Não. A lógica é essa, não é possível contorná-la. O governante não pode
é deixar de fazer o fundamental do seu trabalho, sacrificando as
políticas à dinâmica do dia-a-dia. Esta mensagem é valida para a
administração pública em geral, para as escolas, para os cidadãos.
Vivemos num mundo onde impera a rápida mutação de modas e o paradigma
tecnológico que condiciona padrões de valores. Aquilo a que chamou o
«período de aceleração distorcida da História”. A internet traz-nos, ao
mesmo tempo, mais informação e um défice de conhecimento. Como
equilibrar ambos?
Esse é o ponto-chave: saber se o que estamos a ensinar aos nossos miúdos
está de acordo com as exigências tecnológicas e culturais que a
sociedade do futuro vai colocar. Educar é sobretudo capacitar e preparar
as novas gerações para os problemas do futuro. Como pressupõe a sua
pergunta, sociedade de informação e sociedade de conhecimento são
distintas. Só há sociedade de informação plena se existir sociedade de
conhecimento. Informação há muita, mas para saber rentabilizá-la e
torná-la socialmente útil, preciso de possuir conhecimento para
pesquisar, sistematizar, tratar e dar valor acrescentado a essa
informação. Perante isto, não é bom tornar os jovens um depósito de
informação, mas antes dotá-los da capacidade de processar e utilizar a
informação.
Hoje é tão fácil procurar em motores de pesquisa, como o Google, que
em poucos segundos substituem uma enciclopédia. Quais os perigos do
excesso de informação, muita dela descontextualizada?
Vivemos na ilusão tecnológica. O computador é como um livro. Mas o
computador só dá as respostas se eu fizer as perguntas adequadas. É como
resolver um problema de matemática. Os grandes problemas que existem é a
abundância e obsolescência da informação, com nova informação a matar a
informação anterior. Há um vórtice enorme. Estamos na sociedade da
informação, mas continuamos muito longe da sociedade do conhecimento.
Creio que só lá chegaremos se prepararmos e capacitarmos as gerações
para saber pensar e reflectir, a partir do conhecimento acumulado, que
não é uma biblioteca fechada. Não basta ser consumidores de informação,
temos de essencialmente ser produtores de nova informação. Qualquer
computador dá uma receita, temos é de ter capacidade de pensar nas
soluções.
Desde 2006 é assessor para os assuntos sociais do Presidente da
Republica, Cavaco Silva. Que trabalho de pesquisa e de terreno
desenvolve como conselheiro do Chefe de Estado?
O meu papel é ajudar. Sirvo-me da experiência que tive como vereador
para as questões sociais durante 8 anos da Câmara de Oeiras e também do
facto de ser professor de Sociologia e estar neste departamento na minha
faculdade a coordenar uma série de investigações. São experiências de
extrema utilidade para municiar o Presidente da República no
enquadramento de problemas de âmbito social, de forma a permitir que ele
responda de forma adequada, nomeadamente nas deslocações que faz ao
terreno.
É licenciado em Economia e doutorado em Sociologia. Em que medida é
que esta crise de contornos económico-financeiros vai fazer mossa em
termos sociais e na alma do povo?
Já fez muita mossa. E aqui entra a questão das qualificações. A situação
de crise é potenciada ainda mais por apresentarmos dos níveis de
escolarização mais baixos da Europa. Pessoas com baixos graus de
escolaridade ficam com maior risco de cair em situações de pobreza. E o
problema agrava-se se se situarem na faixa etária acima dos 40 anos. Há
muitos casos destes. Perderam o emprego e devido ao baixo grau de
qualificação têm dificuldades em regressar ao mercado de trabalho,
potenciando o risco de insolvência. Por outro lado, as pessoas com maior
nível de escolarização integram-se melhor social e profissionalmente. O
melhor antídoto para as desigualdades e a pobreza é haver mais e melhor
educação.
Como sociólogo teme que o clima de insatisfação social acabe por
desencadear situações de conflito?
As conflitualidades geram-se de formas diferentes e em contextos
diferentes. As nossas estruturas, nomeadamente sociais, também são
diferentes de países onde aconteceram confrontos, como a França e a
Grécia. Estamos muito ligados à família e às origens. Os mecanismos de
entreajuda acabam por funcionar mitigando a conflitualidade. Outro
factor que atenua a conflitualidade são os fluxos migratórios que
continuamos a manter. De há 5 ou 6 anos a esta parte que os portugueses
continuam a emigrar, para Espanha, Irlanda, Inglaterra, Luxemburgo,
Angola, etc. Isto já para não falar do recurso à economia subterrânea,
etc. São várias «fugas» que impedem explosões sociais. O que nãO
significa que de um momento para o outro não se registem erupções de
conflitualidade relativamente graves. Pode acontecer.
A «Rede Escolas de Excelência» é um projecto-piloto da Universidade
Nova, coordenado por si, ao qual aderiram cinco concelhos (Castelo
Branco, Batalha, Loulé, Constância e Oeiras). Que princípios estão na
origem desta iniciativa?
O ponto de partida do projecto é municiar as escolas com informação de
modo a que estas melhorem os seus desempenhos. Isso tem sido feito. E
não obstante a instabilidade que existe, já se nota que os
estabelecimentos começam a incorporar e a adoptar medidas internas que
podem ajudar a uma melhor qualificação. Mas tal como na política, a
educação não produz resultados imediatos. Não há milagres possíveis. O
trabalho tem que ser feito com tempo e persistência. Este projecto une,
neste momento, 37 escolas dos cinco concelhos que referiu. Monitorizamos
todas estas instituições e constatamos que os resultados têm melhorado.
A que se deveu a escolha desses cinco concelhos?
Os condicionalismos financeiros levaram a que tivéssemos seleccionado
uma amostra o mais pequena possível, mas ao mesmo tempo representativa,
para além da garantia dos respectivos autarcas de plena colaboração. O
financiamento desta iniciativa não é abundante, contamos com as verbas
dos municípios e da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Em termos
científicos, as mais-valias são imensas e recompensadoras. Considero que
a «Rede Escolas de Excelências» é um laboratório e ao mesmo tempo
permite prestar um serviço às escolas, fornecendo-lhes relatórios
periódicos para que saibam como estão a evoluir, permitindo-lhes uma
auto-avaliação permanente.
Que fases se vão seguir?
Em 2012 termina a primeira fase do projecto. Faremos a avaliação do que
foi feito. Escolas e municípios terão de definir se querem continuar ou
não. Contudo, para não dispersar meios não pensamos adicionar mais
escolas ao projecto, mas sim difundir a experiência para que outras
escolas associadas sigam este modelo.
Nuno Dias da Silva
Cara da Notícia
David Justino nasceu em Oeiras a 29
de Janeiro de 1953. Licenciou-se em Economia pela Universidade
Técnica de Lisboa, em 1976, e doutorou-se em Sociologia pela
Universidade Nova de Lisboa, em 1987. Iniciou a sua carreira como
docente no Instituto Superior de Economia e Gestão (1976-1980),
sendo actualmente Professor Associado da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde integra a
CESNova, uma unidade de investigação na área da Sociologia. Divide
essas funções com as de consultor da Presidência da República para
os Assuntos Sociais, desde 2006. Foi ainda colaborador da
Universidade de Évora (1988-1989), da Bolsa de Valores de Lisboa
(1992-1994), da Fundação Luso-Americana e do Taguspark, em
actividades de investigação e consultoria.
Militante do PSD, foi vice-presidente da Comissão Política Distrital
de Lisboa daquele partido e eleito vereador na Câmara Municipal de
Oeiras, titular do pelouro da Habitação Social (1994-2001) e
deputado à Assembleia da República (1999-2002). Desempenhou funções
governamentais no executivo de Durão Barroso, tendo sido ministro da
Educação, entre 2002 e 2004. Autor de vários livros e artigos,
recebeu, em 1988, o Prémio Calouste Gulbenkian de Ciência e
Tecnologia pela publicação de «A Formação do Espaço Económico
Nacional: Portugal 1810-1913».
ANTÓNIO EÇA DE QUEIROZ EM
ENTREVISTA
O Romance Ilegal de
Eça de Queiroz
António Eça de Queiroz herdou do bisavô o
gosto pela escrita e um dos apelidos mais conhecidos em Portugal.
Bisneto do escritor Eça de Queiroz, estreou-se no romance com O Romance
Ilegal do Sr. Rodolfo (chancela da editora Guerra&Paz), pois desde a
primeira vez que pensou em escrever um livro quis inventar «um patife
divertido com qualidades inesperadas». Em entrevista, por email, o
escritor fala da obra do bisavô e diz conviver bem com o que se escreve
sobre ele, pois por norma é positivo. Quanto às «episódicas tiradas de
dramas pungentes», que se escreveram sobre a vida de Eça, e o levaram a
publicar Eça de Queiroz e os Seus Clones (2006), hoje já só o fazem rir.
Para António Eça de Queiroz a história mais elucidativa do carácter do
seu bisavô aconteceu na sua passagem como diplomata em Cuba.
É autor de outros livros mas O Romance Ilegal do Sr. Rodolfo (2010) é
o seu primeiro romance. Quem é este Sr. Rodolfo?
A primeira vez que pensei em escrever um livro, há já muitos anos, logo
pensei que gostaria de inventar um patife divertido com qualidades
inesperadas. Muito provavelmente na esteira das aventuras de Arsène
Lupin, o gentleman-ladrão novecentista de Maurice Leblanc, que me
encheram de sonhos de grandeza em miúdo. Rodolfo é um marchand de arte e
antiguidades nascido em Portugal mas de origem alemã. Ele vive aqui
embora seja de facto um cidadão do mundo. Ou seja, ele vive no mundo mas
utiliza Portugal como plataforma de operações – porque é aqui que gosta
de a ter (à plataforma de operações), em boa parte pela sua relação
afectiva e emocional com o país e algumas pessoas. É um patife subtil
com algumas qualidades – sendo uma delas o facto de detestar analistas
financeiros e sociedades de investimento.
A ideia para escrever este Romance surge como?
Surge na sequência de duas coisas absolutamente distintas: o contacto
visual com o primeiro modelo de relógios de água realmente eficaz, uma
sofisticada clepsidra do padre-engenheiro Gianbaptistta Embriaco, do
século XIX, a trabalhar na perfeição – objecto que irá desempenhar um
determinado papel ‘filosófico’ na história; isto coincidiu com o
arranque duma crónica epistolar entre dois personagens (Rodolfo e uma
escritora muito esquiva e um pouco estranha), que vão depois dar corpo a
um romance paralelo dentro do todo desta história. Só então surgiu a
necessidade dum personagem onde ancorar o narrador: tinha o presumível
patife, a musa inspiradora, dinheiro a rodos – faltava a polícia
brandindo a lei e a ordem, com as quais Rodolfo não concorda por aí
além...
Convive bem com o muito que se tem escrito sobre a vida do seu bisavô
Eça de Queiroz?
Como por norma o que se escreve dele é positivo convivo naturalmente
muito bem. Às vezes surgem episódicas umas tiradas de «drama pungente»
que hoje – mas só hoje – me fazem rir. Porque no ontem (em 2006)
fizeram-me escrever um ensaio biográfico (e autobiográfico por se
referir também à minha relação pessoal com o escritor) onde à época
zurzi o que entendi por bem zurzir. (O ensaio em causa chama-se Eça de
Queiroz e os seus clones).
Das histórias de vida do seu bisavô qual é a mais elucidativa do seu
carácter?
Sem dúvida a sua breve passagem como diplomata por Cuba. Com 27 anos
enfrentou todo um esquema de escravização «oficial» dos emigrantes
chineses que chegavam a Cuba via Macau: se tivesse feito vista grossa a
tal infâmia, teria enriquecido, como aconteceu com o seu antecessor
Fernando de Gaver; em vez disso arranjou uma caterva de inimigos
perigosos e conseguiu dar ordem de fuga a centenas de chineses que se
encontravam literalmente presos na antiga colónia espanhola.
Para mim é este episódio que dá forma e conteúdo a O Mandarim.
Ter um antepassado tão ilustre causa alguma inibição na hora de
escrever?
Na hora de escrever certamente não, nem nunca tal me passou pela cabeça.
No máximo senti muito vagamente que talvez devesse fazer outra coisa na
vida – e faço outras coisas, claro está. Mas acontece que gosto muito de
escrever, sempre gostei. O nome não me inibe nada, gosto muito dele e
não gosto da ideia de pseudónimo (mas se tivesse um seria obviamente
Arsénio Lobão, que é uma tradução muito minha de Arsène Lupin...). Mas
há naturalmente uma longa história de portas que se abrem e de outras
que se fecham exactamente pela mesma razão.
Qual é o livro de Eça de Queiroz que mais gosta?
É mais fácil apontar o que menos gosto. É um conto, Singularidades de
uma rapariga loira, levado ao cinema recentemente por Manoel de
Oliveira. Em total oposição a um outro pequeno conto dele, o José
Matias, que é uma coisa verdadeiramente genial. Os livros são tantos...
O humor iconoclasta d’A Relíquia, o drama nacional-lisboeta n’Os Maias,
o trágico Crime do Padre Amaro, A Cidade e as Serras, todo ele coração,
Basílio e a crónica dum tempo ainda visível, o total gozo blasé de
Fradique, a clarividência global de Notas Contemporâneas, a diabolização
simbólica do dinheiro n’O Mandarim...
Afirmou querer escrever mais romances, já se encontra a trabalhar num
novo livro?
Ainda estou na ressaca da minha pequena biografia sobre Santo António de
Lisboa e Pádua, que me deu muito trabalho e pelo menos igual prazer. Mas
já tenho alguns alinhamentos: reformular (e em alguns casos reescrever)
Contos Acrónicos, e, possivelmente, arrancar com uma nova biografia. De
romance apenas um esquisso disforme, para já. Mas tudo isso pode mudar
dum momento para o outro.
Escrever é para si um prazer ou uma necessidade?
Necessidade é ir ao quarto-de-banho, isso sim, é uma necessidade.
Começou por ser uma profissão, através do jornalismo, que me pagou a
vida que fui tendo e onde me diverti bastante. Hoje é objectivamente um
prazer, por vezes calculado, outras vezes nem tanto ou tão pouco. É um
acto de vaidade, acho eu.
À semelhança de outros escritores portugueses que também passaram
pela guerra colonial poderá vir a colocar essa experiência num romance?
Escrevi três histórias distintas sobre isso que saíram no meu primeiro
livro – Contos Acrónicos –, e mais umas duas ou três que publiquei no
blogue É Tudo Gente Morta (www.etudogentemorta.com), onde sou ectoplasma
residente mais ou menos activo. No entanto, de todas essas pequenas
histórias a melhor foi realmente inventada do princípio ao fim, sem nada
de biográfico ou factual – se excluirmos os cenários físicos e
políticos.
Digamos que para já não penso nisso.
Quando lhe perguntaram em entrevista qual tinha sido o seu maior
feito, respondeu: «Conseguir, à distância, tirar um amigo de uma prisão
inglesa». Quer contar-nos essa história?
Por duas importantes razões não poderei falar do assunto: a pessoa em
causa morreu entretanto e há terceiros envolvimentos que nunca
revelaria. Limitei-me a arrancar e monitorizar o processo até que
terminasse, e foi de facto o meu maior feito – mas não teve um final
realmente feliz.
Portanto, lamento mas passo.
A coragem e a lealdade são as características que mais estima num ser
humano. Na “bolsa de valores humanos” acredita que apesar de tudo, a
coragem e a lealdade estão bem cotadas?
Nessa «bolsa de valores humanos» seria interessante saber como se
caracteriza o seu índice, ponto por ponto.
Acho que mais tarde ou mais cedo somos confrontados com a necessidade de
sentir uma maior densidade de coragem e lealdade nas nossas vidas. Não
só connosco e entre os que nos estão próximos mas, talvez ainda mais
importante, no conjunto dos principais actores da sociedade. Mas veja-se
como um conceito é traído de acordo com o meio: a coragem e a lealdade
políticas existem essencialmente em termos pessoais ou partidários,
poucas vezes em função do país e dos governados que deveriam servir. A
coragem e a lealdade empresariais podem levar à vizinhança do crime...
Por fim, coragem e lealdade podem ser meras armadilhas, forças tornadas
na fraqueza que outros utilizam por saberem o seu portador moralmente
incapaz de determinados actos. É dentro das pessoas e para as pessoas
que o conceito tem sentido real, objectivo, demonstrativo. É aí que
sobrevive – apesar de tudo.
Eugénia Sousa
Foto
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