Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIII    Nº154   Dezembro 2010

Cultura

GENTE & LIVROS

André Frossard

«Tendo entrado às dezassete horas e dez numa capela do Quartier Latin em busca de um amigo, saí de lá às dezassete horas na companhia de uma amizade que não era terrena.

Entrei lá céptico e ateu de extrema esquerda, e ainda mais céptico e ainda mais do que ateu, indiferente e ocupado com algo bem diferente de um Deus que eu já nem sequer sonhava em negar, de tal maneira me parecia ter caído há muito tempo na conta dos lucros e perdas da inquietação e da ignorância humanas, saí alguns minutos mais tarde «católico, apostólico, romano», levado erguido, retomado e enrolado pela vaga de uma alegria inesgotável.

Tinha vinte anos ao entrar. Ao sair, era uma criança pronta para o baptismo e que olhava à sua volta, de olhos semicerrados, aquele céu habitado, aquela cidade que não sabia estar suspensa no ar, aqueles seres em pleno sol que pareciam andar na escuridão, sem verem o imenso rasgão que acabava de ser feito na tela deste mundo. Os meus sentimentos, as minhas paisagens interiores, as construções intelectuais em que me sentira à vontade já não existiam; os meus próprios hábitos tinham desaparecido e os meus gostos tinham mudado.»


In Deus Existe, Eu Encontrei-o

 

André Frossard (14 de Janeiro de 1915 - 2 de Fevereiro de 1995) jornalista e escritor, membro da Academia Francesa de Letras, nasceu em Saint Maurice-Colombier, França.

O pai foi Louis-Oscar Frossard, jornalista, homem político da III República e primeiro secretário-geral do Partido Comunista Francês. Proveniente de uma família em que o pai era ateu, a avó paterna judia e os avós maternos protestantes, André Frossard foi criado como ateu. Aos vinte anos converteu-se à religião católica romana e foi baptizado a 8 de Julho de 1935, na Chapelle des Religieuses de l’Adoration. A sua conversão ficou registada no livro Deus Existe, eu encontrei-O (Chancela da Esfera dos Livros).

Jornalista do jornal Le Fígaro, durante a II Guerra Mundial alistou-se na marinha Francesa. Fez parte do movimento de Resistência à ocupação da França pela Alemanha Nazi, e acabou por ser preso pela Gestapo. Durante um ano esteve prisioneiro na «Barraca dos Judeus», na prisão de Fort Montluc. Quando a guerra terminou recebeu do presidente Francês, Charles de Gaulle, a Légion d’Honneur, a mais alta condecoração militar de França.

Foi redactor-Chefe e jornalista em diversos jornais como Le Temps Présent, L’Aurore e Paris-Matche; e, desde 1946, escrevia uma crónica quotidiana para o jornal L’Aurore, com o título de O Cavaleiro Solitário, que continuou depois no Fígaro.

Ao longo da sua vida escreveu mais de 15 mil artigos para jornais e publicou 23 livros, muitos deles de carácter religioso. Recebeu do papa João Paulo II a condecoração religiosa Grã-cruzada de Pio IX, em 1990.

Da sua Bibliografia constam títulos como: O Sal da Terra (1956); Viagem ao País de Jesus (1958); A Arte de Acreditar (1979); Crime contra a Humanidade ( 1988); Retrato de João Paulo II (1988); Deus em perguntas (1990); O Mundo de João Paulo II (1991); e Defesa do Papa (1993).
 

Deus Existe, Eu Encontrei-O. Nesta obra autobiográfica, não confessional, André Frossard relata os anos de infância e juventude e retrata a família onde cresceu. Contra todas as probabilidades, o pai era um homem com preocupações sociais, mas sem preocupações espirituais, e os avós dividiam-se em protestantes e judeus, acabou por se converter ao catolicismo. Numa família onde não havia lugar para a religião, existiu todavia sempre um lugar para Jesus Cristo. Pelo seu amor aos pobres, pela sua severidade com os poderosos, por ter sido condenado pelo poder religioso da época.

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades literárias

D. QUIXOTE. Um traidor dos Nossos, John Le Carré. Perry, jovem professor académico de Oxford, e a namorada passam férias na ilha de Antígua, quando travam conhecimento com Dima.Dima é um milionário russo que se faz acompanhar sempre dos guarda-costas e da família, possui estranhos sinais de riqueza e uma tatuagem não menos suspeita. Quando Dima entra na vida de Perry e Gail começa uma ligação perigosa que conduzirá o jovem casal até às mãos dos Serviços Secretos britânicos.

Um Traidor dos Nossos é o celebrado regresso do melhor escritor de espionagem da actualidade.
 

ÂNCORA. A Estátua – A Tortura preferida pela Pide, de José António Pinho. Este livro é um relato contado na primeira pessoa. O despertar para a realidade de um país oprimido pela falta de liberdade, leva um grupo de jovens portugueses - a quem a figura de Jesus Cristo e Che Guevera inspiram - até ao Partido Comunista Português. Mas a demanda de um ideal de liberdade também os fará cair nas mãos da Pide. Aqui ficam registados os quarenta dias de prisão do autor e os sete dias de tortura.
 

OFICINA DO LIVRO. Portugal Revisitado, de Chakall. O cozinheiro argentino Chakall criou um roteiro de Viagem pelos sabores de Portugal. A partir de um périplo que o levou de Norte a Sul do país, numa cozinha improvisada sobre rodas, o chef utilizou os ingredientes típicos de cada região para criar receitas simples, saborosas, com poucos ingredientes, mas de excelente qualidade. Portugal Revisitado é uma deliciosa proposta pelo que de melhor existe na gastronomia portuguesa.
 

PRESENÇA. Cinco Minutos Antes de Adormecer, de Geronimo Stilton. De países próximos como a Espanha, ou tão longínquos como a China, o autor escolheu belas histórias e lendas de todo o mundo. Para ler bem aconchegado um bocadinho antes de dormir. Cinco Minutos Antes de Adormecer é uma boa forma de desejar Feliz Natal aos mais pequeninos.
 

ESFERA DOS LIVROS. Longe do meu Coração, de Júlio Magalhães. Atrás do sonho de uma vida melhor, Joaquim deixou Portugal a salto. Para chegar a França andou a pé durante quilómetros, debaixo de neve e chuva, viajou em camionetas de gado e quase perdeu a vida na travessia dos Pirineús. Ao chegar ao destino à sua espera estava um bairro de lata de barracas tristes, com fardos de palha em vez de cama. Mas Joaquim não foi tão longe para desistir. Naquele lugar teria de começar a construir o futuro.
 

EUROPA-AMÉRICA. Os Senhores da Sombra, de Daniel Estulin. No seguimento da obra O Clube Bilderberg, Daniel Estulin, um premiado jornalista de investigação, volta a falar da face obscura dos Senhores que governam o mundo. Os Senhores da Sombra expõe as ligações entre Governos e Serviços Secretos com traficantes de droga e terroristas mundiais, com vista a assegurar o poder e o lucro.
 

GATAFUNHO. O Alfabeto Trapalhão, de Lurdes Breda, com ilustrações de Rute Reimão. Cada uma das letras do alfabeto é a protagonista de uma quadra, e todas juntas vão construir a história de um alfabeto trapalhão, mas muito divertido.
 

 

 

PELA OBJECTIVA DE J. VASCO

SWAN LAKE ON ICE no Porto e em Lisboa

Com música de Tchaikovsky, O Lago dos Cisnes conta a história de um príncipe que se apaixona por uma rapariga-cisne, vivendo um amor impossível mas enternecedor.

O Lago dos Cisnes no Gelo tem produção da Imperial Ice Stars, uma companhia de renome internacional, que reúne os melhores patinadores de gelo do mundo. Passaram por Portugal no passado mês de Novembro.

 

 

 

Música

Duffy - Endlessly. Com o aproximar do Natal multiplicam-se as novidades no mundo da música, trata-se de uma época estratégica para as editoras e músicos. Uma das grandes novidades é o regresso de Duffy, dois anos depois do álbum de estreia, ela está de volta com “Endlessly”. O primeiro avanço do novo registo foi o single” Well well well”, que chegou às rádios algumas semanas antes do trabalho chegar às lojas. O tema foi produzido por Albert Hammond e contou com a participação especial dos The Roots. A escolha não podia ser mais acertada, o tema é sem sombra de dúvidas a faixa mais forte do alinhamento do trabalho, possui um ritmo contagiante e um refrão esmagador!

Os novos temas mostram uma evolução na sonoridade da Gaulesa. A melancolia é trocada pelo optimismo, o soul é trocado pelo funk e hip hop e as baladas apresentam uma envolvência mais romântica e pessoal. Aimee Duffy mostrou que consegue colocar a sua poderosa voz em baladas relaxantes ou em temas bastante energéticos no triângulo do pop, funk e hip hop, sem copiar nenhuma das divas da música. Destaque para o single ” Well well well” e os temas “My boy”,”Keeping my baby” e “Lovestruck”.

É uma boa proposta para aquecer os dias frios deste Inverno!

 

Black Eyed Peas - The Beginning. Os Black Eyed Peas tem novo álbum no final deste ano de 2010. O trabalho recebeu o título de “The Beginning” e sucede ao multi-platinado “The E.N.D”. O cartão de visita foi o single “The time (Dirty bit)”, uma nova versão do tema “The time of my life” da banda sonora do filme Dirty Dancing” de 1987. A nova versão deste tema constituiu uma enorme surpresa, pelo facto de não ser um tema original, e por pegarem num verdadeiro clássico da música e darem-lhe uma roupagem electrónica actual inserida no som da banda. As reacções foram bem distintas, o público mais jovem gostou da nova versão deste tema, mas os amantes da música dos anos oitenta tiveram uma opinião bem diferente. Wil.i.am, um dos membros deste quarteto, continua a ser o criativo do grupo, tendo produzindo algumas das novas faixas, mas a produção de “The Beginning” contou também com DJ Ammo e o conceituado David Guetta. Em relação à sonoridade das novas músicas, não surgiram grandes novidades, o som é muito parecido com anterior “The E.N.D”.Continua a mistura da pop Americana com a electrónica que se produz na Europa. Os temas fortes são o single “The time (Dirty bit)” e os temas “light up the night”,” Love you log time” e “Whenever”. Apesar da banda ter chegado ao topo do sucesso, neste álbum dificilmente poderá haver um tema com tanta notoriedade como “I got this feeling”.

 

Rihanna - Loud. Em apenas cinco anos, Rihanna editou cinco álbuns no mercado, num impressionante ritmo de trabalho. O primeiro avanço deste registo foi o single “Only girl (In the world)” que foi dado a conhecer no final do passado Verão. Recentemente foi editado o segundo single deste “Loud”, trata-se do tema “What´s my name” que conta com a participação especial de Drake. Para a produção do disco foram convidados vários nomes bem credenciados como Alex da Kid, Tricky Stewart, Star Gate e Polow da Don. Rihanna convidou ainda Nicki Minaj que dá a voz no tema “Raining men”, e a fechar o alinhamento do álbum surge ainda a segunda versão do tema “Love the way you lie” que tem a participação de Eminem. O novo álbum é bastante ambicioso em vários aspectos. A personalidade de Rihanna é camuflada através das experiências com novos sons, de uma forma versátil.

A sonoridade dos novos tema é dominada por uma inteligente mistura de Soul, Hip Hop, Dance Hall e Rap sempre com a carismática energia vocal da cantora. As faixas que mais emergem neste disco são os singles “Only girl (In the world)”, “What´s my name”, o tema “Fading” e a segunda versão de “Love the way you lie”.Até o Pai Natal vai gostar de ouvir este “Loud”!!!

Hugo Rafael

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Adeus Mr. Berlanga!

No panorama do cinema europeu, a que temos dado a devida relevância neste espaço, não por falta de vontade, mas pelo quase monopólio que o cinema de fala inglesa, principalmente o americano, impõe, a cinematografia do nosso vizinho ibérico teve sempre relativa relevância, nomeadamente por via de um punhado de realizadores que se impuseram à escala mundial. E, se outra medida não tivesse, as nomeações para o Oscar podem ser um ponto de partida, mais ainda quando trazem a cobiçada estatueta para casa. E em ambos os casos a lista já é distinta.

De “A Vingança”, de Juan Antonio Bardem (1958), passando por “O Amor Bruxo”, de Francisco Rovira Beleta (1967) “Tristana”, (1970) e “Esse Obscuro Objecto do Desejo”, de Luis Buñuel, “Mamãe Faz Cem Anos”, (1979) e “Carmen”, (1983) de Carlos Saura, “Sessão Contínua”, (1984), “Matéria Aprovada” (1987) e “O Avô” (1998) de José Luis Garci ou ainda “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988), de Pedro Almodóvar, são alguns dos filmes nomeados para o galardão de Hollywood, sendo que foram galardoados, em 1972, Luis Buñuel, pelo Melhor Filme de Fala Não Inglesa com “O Charme Discreto da Burguesia”, até que em 1983 um espanhol volta a ganhar o Óscar para Melhor Filme de Fala não Inglesa, na altura José Luis Garci com “Voltar a Começar”. Fernando Trueba é premiado em 1993 pelo Melhor Filme de Fala Não Inglesa, com “Belle Époque”, um filme com co-produção portuguesa e uma lasca do Oscar com sabor albicastrense, uma vez que um dos assistentes de realização foi o meu amigo Fernando Centeio (há tanto tempo que não o vejo que lhe mando daqui um grande abraço). Por seu lado Pedro Almodóvar, recebe estatuetas de o Melhor Filme de Fala não Inglesa com “Tudo Sobre inha mãe” em 1999 e em 2003, para o Melhor Guião de “Fala Com Ela” e com Alejandro Amenábar Espanha volta ganhar em 2004 o Óscar para o Melhor Filme de Fala não Inglesa com “Mar Adentro”, para já não falar dos dois Oscar para melhores secundários de Javier Bardem em 2008 no filme dos irmãos Coen “Este País não é para Velhos” e no ano seguinte Penélope Cruz arrecada o seu em “Vicky Cristina Barcelona”, de Woody Allen.

Curiosamente aquele que unanimemente é considerado o melhor realizador espanhol, Luis García Berlanga, apesar duma primeira nomeação em 1961 por “Plácido”, que com “Bienvenido, Mr. Marshall!” (1952) e “El Verdugo” (1963) formam a trilogia de obras-primas que o imortalizaram, por elas se ficou.

Nascido em Valência, no seio de uma família burguesa, neto de um governador da cidade e filho de um deputado da União Republica (Frente Popular), estudou Direito, Filosofia e Letras, que abandonou para intervir nos últimos meses da Guerra Civil (1936-1939) pela facção republicana. Mais tarde, integrou a Divisão Azul e, no seu regresso da Rússia, dedicou-se à pintura e criou um cineclube em Valência.

Das suas primeiras curtas-metragens, destacam-se “Paseo por Una Guerra Antigua” e “Tres Cantos”, ambas de 1948, “El Circo” (1949) e “Se Vende un Tranvia” (1950).

A sua estreia na longa-metragem foi em 1951 com o filme “Esa Pareja Feliz”, co-dirigido com Juan António Bardem. “Bienvenido, Mr. Marshall” foi o seu primeiro filme, tendo sido premiado em Cannes. Na década de 1950, rodou “Novio a la Vista” (1953), “Calabuch” (1956) que recebeu o Prémio OCIC em Veneza, e “Los Jueves, Milagro” (1957). Na década de 1960 filma “Plácido” (1961) e “El Verdugo” (1963). Da sua produção da década de 1970 destaca-se “Tamaño Natural” (1973) e a sua original denúncia da corrupção do poder em “La Escopeta Nacional” (1977). Na década de 1980, em que recebeu o Prémio Nacional de Cinematografia (1981) e a Medalha de Ouro de Belas-Artes, voltou a representar a Espanha na corrida ao Óscar com “Património Nacional” (1981), e estreou “La Vaquilla” (1985) e “Moros y Cristianos” (1987). Em 1993, com “Todos a la Cárcel”, recebeu três Prémios Goya (Melhor Filme, Realizador e Som) e o Círculo de Escritores Cinematográficos distinguiu-o como o Melhor Realizador. “París-Tombuctú” (1999) fechou esta década e a sua filmografia, tendo recebido o Prémio da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica (Fipresci) e um galardão do Festival Internacional de Mar de Plata. A sua produção cinematográfica caracteriza-se por uma ironia mordaz e sátiras sobre diferentes situações sociais e políticas, sendo que durante a ditadura franquista, apesar da censura, sempre consegui contornar as situações com diálogos esmerados alguns da autoria do seu grande colaborador o guionista Rafael Azcona.

Berlanga tido como “libertário e individualista”, fez um “brilhante trabalho” em prol do cinema espanhol enquanto presidente da Filmoteca Nacional (1979-1982), trabalho que rematou em 1989, inaugurando a nova sede da Filmoteca e o restauro do Cine Doré. Presidente honorário da Academia Espanhola do Cinema, de que foi um dos artífices, retirado desde 2000, apareceu em público pela última vez a 16 de Maio na inauguração da Sala Berlanga (antigo cinema Califórnia, que antes fora um cinema “de barrio” e depois porno ), um espaço destinado a tornar-se um ponto de referência do cinema espanhol, ibero-americano e europeu independente.

Morreu no passado dia 13 de Novembro na sua casa em Madrid. Até sempre!

Luís Dinis da Rosa

 

 

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