Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIII    Nº150   Agosto 2010

Entrevista

GONÇALO PEREIRA, EM ENTREVISTA

Portugal avança na Biodiversidade

Gonçalo Pereira é o director da edição portuguesa da National Geographic. Em véspera de comemorações do décimo aniversário da Revista em Portugal, Gonçalo Pereira fala de desafio difícil, de expectativas cumpridas, e de um balanço positivo. Menos positiva é a avaliação de Portugal na protecção da Biodiversidade. Quanto à eleição das 7 Maravilhas Naturais de Portugal, a Revista é parceira do projecto e “O Homem do Leme” da National Geographic elegeu com o coração, os lugares portugueses que gostaria de ver classificados como Património Mundial da Humanidade.

Como têm sido estes quatro anos ao leme da National Geographic Portugal?

Têm sido um desafio, um desafio difícil. A crise dos Media está à vista, com fecho de publicações, com publicações a enfrentar uns anos muito difíceis. Portanto, nesse aspecto, qualquer publicação no mercado português tem sentido dificuldades. Mas tem sido um desafio, creio que, cumprido. A Revista está bem e recomenda-se e de alguma maneira estamos a cumprir as expectativas dos leitores, agora que estamos a entrar no início das comemorações do décimo aniversário da revista. A revista fará dez anos em Abril do próximo ano e estamos a começar a preparar esse processo. Julgo que o balanço, não só de 2006 para cá, mas de 2001 para cá, é positivo. Preenchemos um nicho no mercado.

O que é que o levou até à National Geographic?

Eu fazia parte de um grupo editorial, que entretanto já foi extinto, o grupo Volta ao Mundo. Tinha trabalhado noutras publicações do Grupo, e em Setembro de 2000, quando se começou a montar a equipa que faria a National Geographic, a partir de Abril de 2001, fui convidado. A Revista sempre esteve em minha casa. A edição americana sempre se assinou lá em casa. Desde miúdo que me lembro de ver a Revista. Tinha uma paixão muito grande por ela, pela aventura, pela Biologia, pela História. De alguma maneira foi um sonho poder entrar neste barco e estar aqui há nove anos.

É fácil chegar a uma decisão final sobre os artigos a serem publicados em cada número da Revista?

Não, por que há expectativas grandes dos leitores e esta é uma revista que sendo de nicho, no sentido que é de divulgação científica, abrange áreas vastíssimas. É uma revista que tem Arqueologia, que tem Biologia, que tem Antropologia, que tem História pura e dura. Cada leitor terá as suas expectativas sobre o que deve ser a National Geographic, portanto, quando estamos a decidir que artigos é que devem ser incluídos, quer os de produção local, quer os da casa mãe, sabemos que vamos deixar alguém descontente com a escolha. Não há ninguém, julgo eu, que goste de tudo. Temos leitores que preferiam que a Revista fosse mais arqueológica, preferiam que fosse mais de vida selvagem, etc etc etc. Há um jogo de equilíbrios que tem de ser feito mensalmente, daí que a escolha possa ser muito difícil.

No número de Julho da National Geographic, assinou o artigo A Mansão e o Filósofo sobre a Quinta da Regaleira, em Sintra. O que é que lhe despertou o interesse para este espaço?

O espaço em si é único no país. Não há mais nenhum projecto de jardim, sobretudo de jardim, mas também de área construída, igual em Portugal. Conhecia a Quinta da Regaleira, já há três ou quatro anos, mas foi de certa maneira um desafio da Fundação CulturSintra de investigarmos melhor, nós e eles, quem teria sido aquele homem. É um homem que se conhece mal, o fundador da Quinta da Regaleira, o António Carvalho Monteiro. As pessoas sabem que foi um homem extraordinamente rico na viragem do século XIX para o século XX, mas conhecia-se pouco. Foi um desafio grande, muito divertido. Eu aqui comentava muitas vezes na redacção que cada descoberta de uma faceta nova, de um recorte de jornal onde ele era mencionado, acrescentava uma dimensão a uma personalidade que foi verdadeiramente única no final do século XIX Português, alguém muito especial. Deu-me muito gozo fazer esse artigo e achei que os leitores pensariam da mesma maneira. Estaria a dar uma novidade grande aos leitores, desmultiplicando as personalidades do António Carvalho Monteiro e mostrando que ele não era só o capitalista que acumulara uma fortuna.

São regulares os contactos com a casa mãe?

São. Diria, se não diários, duas ou três vezes por semana temos de comunicar e de acompanhar. Por vários motivos. Por um lado, para acompanhar as decisões que vão sendo tomadas. Lá estão sempre a pensar a revista 6 ou 7 meses à frente. O que estamos agora a planear é basicamente para o início do próximo ano, o que dá uma ideia do esforço de planeamento. Tem de ser feito esse acompanhamento, quais são as tendências que estão lá a ser seguidas. Por outro lado, digo isto com alguma ironia, mas há um trabalho de lobby que têm de ser feito, para que eles não se esqueçam de Portugal, e do mundo lusófono, na cobertura jornalística que decidem fazer. Mas não têm esquecido. Portugal, nesse aspecto, não se pode queixar, tem sido alvo de temas da Revista com alguma frequência.

A qualidade dos artigos, a força e beleza das fotografias, a infografia, os mapas, qual é o segredo do sucesso da National Geographic?

Depende um bocadinho a quem perguntar. Há aqueles que a vêem sobretudo como uma revista de fotografia. Esse é um legado que não pode ser esquecido, até porque nas grandes revoluções do fotojornalismo do século XX, a National Geographic esteve sempre na dianteira. Foi a primeira a usar fotografia subaquática a cores, foi a primeira a colocar fotógrafos nas expedições, trabalhar jornalisticamente expedições pioneiras, foi a primeira a colocar câmaras em animais e a fazer fotografia por controlo remoto. Há um legado fotográfico que é claramente uma chave da Revista. As pessoas esperam ver fotografia diferente na National Geographic. Em termos de gráficos e de infografias - aqui sou um bocadinho parcial porque estou a falar da minha própria casa – nos últimos vinte anos construímos uma reputação sólida de uma Revista que trabalha muito bem a informação em infografia. Também espero que o estilo de reportagem contribua um bocadinho para a fama que temos. Construir reportagens equilibradas que tanto suportam os hard acess da ciência, como a opinião e a percepção das pessoas, mais ou menos anónimas, que são afectadas por projectos, por fenómenos. Não há um factor primordial. Quer a fotografia, quer o tratamento gráfico, quer o estilo de reportagem, constituem de alguma maneira a nossa imagem de marca.

São uma Redacção preocupada com o ambiente?

Somos. Tentamos ser, sem ser fundamentalistas, mas nem sempre conseguimos. Há aqui alguns “Ayatollahs” do ambientalismo. Mas sim, somos. Tentamos, na medida do possível, por em prática algumas das coisas que trazemos à estampa.

Qual é a avaliação que faz de Portugal na protecção da sua Biodiversidade?

Dois níveis de avaliação. Se compararmos com o que se fazia nos anos 70, quando verdadeiramente se classifica o primeiro Parque Natural, e quando começam as preocupações conservacionistas, evidentemente que Portugal avançou imenso. Em grande parte também porque teve o estímulo da entrada na Comissão Europeia e da aplicação para a Legislação Portuguesa de directivas Internacionais. Se olharmos para o início deste século XXI, o meu balanço é negativo. Acho que se devia estar a fazer muito mais, se devia estar a gastar muito mais em protecção da Biodiversidade, em salvaguarda, até em conhecimento e investigação. Vejo com muitíssima preocupação o que aconteceu no últimos quatro, cinco anos, com os malfadados PINS (Projectos de Interesse Nacional) que superaram valores ecológicos. O que deveria ser uma excepção tornou-se muitas vezes uma regra, com prejuízos claros para o ambiente, em alguns casos.

Já votou em alguma das 21 Maravilhas Naturais do país, no concurso para as 7 Maravilhas Naturais de Portugal?

Já. Nós somos parceiros do projecto e de alguma maneira associamo-nos ao esforço de divulgação. Mas sou, como qualquer pessoa, muito parcial, gosto de sítios que conheço melhor. De alguma maneira pus isso em prática. Votei por exemplo no Pontal da Carrapateira, porque lá vou com frequência, conheço aquele espaço muitíssimo bem; votei também no Algar do Carvão, conheço bem, sempre que vou à Terceira vou lá. De alguma maneira foram escolhas muitíssimo subjectivas.

Deixou falar o sentimento?

Foi claramente o sentimento. Não foi a razão, não estive a avaliar méritos, votei com o coração. Aliás as pessoas aqui da redacção, cada uma votou para seu lado, muito por força da subjectividade e bairrismo. Mas acho que é precisamente esse o mérito da iniciativa, apela ao bairrismo. Por um lado as pessoas votarem naquilo que conhecem, e por outro, espero eu, se interessem por aquilo que não conhecem e partam à descoberta.

Há algum lugar do país que gostava de ver aceder rapidamente à classificação de Património Mundial?

Lembro-me de três sítios que poderiam, sem favor, merecer uma classificação de Património Mundial. Uma já está em curso. Em início de dossier, ainda estamos longe de chegar à UNESCO com uma proposta. Mas eu gostaria imenso que fosse a bom porto, que era a Universidade de Coimbra. Como edifício histórico quase único no mundo, gostaria ; imenso que esse projecto fosse até ao fim e fosse uma das candidaturas. O segundo sítio que tive muita pena que o dossier fosse retirado, salvo erro em 2005, ou 2004 talvez, foi o das Ilhas Selvagens, a Sul da Madeira, que são verdadeiramente um repositório daquilo que ainda poderia ser um mundo pristino, um mundo com muito pouco contacto humano. Infelizmente a UNESCO mandou para trás, e o dossier, tanto quanto sei, ficou parado, não está a ser alvo de reformulação. E, uma vez mais não é tanto a razão, mas o coração a falar, gostava muito que a Arrábida conseguisse estruturar uma proposta válida para a UNESCO. Tenho algumas dúvidas que o consiga, até por que tem lá algumas indústrias que tornam bastante difícil que a Arrábida possa vir a ser classificada como Património Mundial. Mas gostaria imenso que esse dossier, que esta semana voltou a ser reactivado, chegasse a bom porto também.

Em que medida a Ciência Social, a sua área de estudo, entra no seu trabalho como jornalista?

Primeiro fiz Licenciatura em Ciências da Comunicação como jornalista, essa é a minha formação de base. Fiz depois mestrado, e agora o doutoramento estou a acabá-lo - vamos bater na madeira - já mais virado para a Ciência Social, do ponto de vista da Sociologia do Jornalismo. A minha preocupação é tentar passar para o outro lado do espelho e tentar perceber que tipo de cobertura os Media dão a determinados fenómenos. Distanciando-me do meu trabalho do dia-a-dia e perceber um bocadinho quais são as tendências, e quais são os mecanismos que levam os Media a interessar-se por alguns fenómenos e a esquecerem outros. Fiz a minha tese de mestrado sobre a Quercus. Analisei quase vinte anos da Quercus nos Media para tentar perceber em que medida, e em que circunstâncias, uma Organização Não Governamental consegue aceder ao debate público, consegue ter visibilidade nos Media, que valências é que tem de ter para se tornar um parceiro no debate. Esse trabalho já está publicado em livro, está terminado. No campo do doutoramento, estou a tentar investigar o processo de representação social nos Media de incidências de risco, temas de risco. Que temas acedem aos media e porquê. É no fundo à volta disso. A motivação é simples: tentar perceber, fora do meu contexto diário de trabalho jornalístico, onde é que eu me insiro. Porque é que, como os meus colegas de outros jornais e revistas, faço as escolhas que faço.

Eugénia Sousa


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