GONÇALO PEREIRA, EM
ENTREVISTA
Portugal avança na
Biodiversidade

Gonçalo Pereira é o director da edição
portuguesa da National Geographic. Em véspera de comemorações do décimo
aniversário da Revista em Portugal, Gonçalo Pereira fala de desafio
difícil, de expectativas cumpridas, e de um balanço positivo. Menos
positiva é a avaliação de Portugal na protecção da Biodiversidade.
Quanto à eleição das 7 Maravilhas Naturais de Portugal, a Revista é
parceira do projecto e “O Homem do Leme” da National Geographic elegeu
com o coração, os lugares portugueses que gostaria de ver classificados
como Património Mundial da Humanidade.
Como têm sido estes quatro anos ao leme da National Geographic
Portugal?
Têm sido um desafio, um desafio difícil. A crise dos Media está à vista,
com fecho de publicações, com publicações a enfrentar uns anos muito
difíceis. Portanto, nesse aspecto, qualquer publicação no mercado
português tem sentido dificuldades. Mas tem sido um desafio, creio que,
cumprido. A Revista está bem e recomenda-se e de alguma maneira estamos
a cumprir as expectativas dos leitores, agora que estamos a entrar no
início das comemorações do décimo aniversário da revista. A revista fará
dez anos em Abril do próximo ano e estamos a começar a preparar esse
processo. Julgo que o balanço, não só de 2006 para cá, mas de 2001 para
cá, é positivo. Preenchemos um nicho no mercado.
O que é que o levou até à National Geographic?
Eu fazia parte de um grupo editorial, que entretanto já foi extinto, o
grupo Volta ao Mundo. Tinha trabalhado noutras publicações do Grupo, e
em Setembro de 2000, quando se começou a montar a equipa que faria a
National Geographic, a partir de Abril de 2001, fui convidado. A Revista
sempre esteve em minha casa. A edição americana sempre se assinou lá em
casa. Desde miúdo que me lembro de ver a Revista. Tinha uma paixão muito
grande por ela, pela aventura, pela Biologia, pela História. De alguma
maneira foi um sonho poder entrar neste barco e estar aqui há nove anos.
É fácil chegar a uma decisão final sobre os artigos a serem
publicados em cada número da Revista?
Não, por que há expectativas grandes dos leitores e esta é uma revista
que sendo de nicho, no sentido que é de divulgação científica, abrange
áreas vastíssimas. É uma revista que tem Arqueologia, que tem Biologia,
que tem Antropologia, que tem História pura e dura. Cada leitor terá as
suas expectativas sobre o que deve ser a National Geographic, portanto,
quando estamos a decidir que artigos é que devem ser incluídos, quer os
de produção local, quer os da casa mãe, sabemos que vamos deixar alguém
descontente com a escolha. Não há ninguém, julgo eu, que goste de tudo.
Temos leitores que preferiam que a Revista fosse mais arqueológica,
preferiam que fosse mais de vida selvagem, etc etc etc. Há um jogo de
equilíbrios que tem de ser feito mensalmente, daí que a escolha possa
ser muito difícil.
No número de Julho da National Geographic, assinou o artigo A Mansão
e o Filósofo sobre a Quinta da Regaleira, em Sintra. O que é que lhe
despertou o interesse para este espaço?
O espaço em si é único no país. Não há mais nenhum projecto de jardim,
sobretudo de jardim, mas também de área construída, igual em Portugal.
Conhecia a Quinta da Regaleira, já há três ou quatro anos, mas foi de
certa maneira um desafio da Fundação CulturSintra de investigarmos
melhor, nós e eles, quem teria sido aquele homem. É um homem que se
conhece mal, o fundador da Quinta da Regaleira, o António Carvalho
Monteiro. As pessoas sabem que foi um homem extraordinamente rico na
viragem do século XIX para o século XX, mas conhecia-se pouco. Foi um
desafio grande, muito divertido. Eu aqui comentava muitas vezes na
redacção que cada descoberta de uma faceta nova, de um recorte de jornal
onde ele era mencionado, acrescentava uma dimensão a uma personalidade
que foi verdadeiramente única no final do século XIX Português, alguém
muito especial. Deu-me muito gozo fazer esse artigo e achei que os
leitores pensariam da mesma maneira. Estaria a dar uma novidade grande
aos leitores, desmultiplicando as personalidades do António Carvalho
Monteiro e mostrando que ele não era só o capitalista que acumulara uma
fortuna.
São regulares os contactos com a casa mãe?
São. Diria, se não diários, duas ou três vezes por semana temos de
comunicar e de acompanhar. Por vários motivos. Por um lado, para
acompanhar as decisões que vão sendo tomadas. Lá estão sempre a pensar a
revista 6 ou 7 meses à frente. O que estamos agora a planear é
basicamente para o início do próximo ano, o que dá uma ideia do esforço
de planeamento. Tem de ser feito esse acompanhamento, quais são as
tendências que estão lá a ser seguidas. Por outro lado, digo isto com
alguma ironia, mas há um trabalho de lobby que têm de ser feito, para
que eles não se esqueçam de Portugal, e do mundo lusófono, na cobertura
jornalística que decidem fazer. Mas não têm esquecido. Portugal, nesse
aspecto, não se pode queixar, tem sido alvo de temas da Revista com
alguma frequência.
A qualidade dos artigos, a força e beleza das fotografias, a
infografia, os mapas, qual é o segredo do sucesso da National Geographic?
Depende um bocadinho a quem perguntar. Há aqueles que a vêem sobretudo
como uma revista de fotografia. Esse é um legado que não pode ser
esquecido, até porque nas grandes revoluções do fotojornalismo do século
XX, a National Geographic esteve sempre na dianteira. Foi a primeira a
usar fotografia subaquática a cores, foi a primeira a colocar fotógrafos
nas expedições, trabalhar jornalisticamente expedições pioneiras, foi a
primeira a colocar câmaras em animais e a fazer fotografia por controlo
remoto. Há um legado fotográfico que é claramente uma chave da Revista.
As pessoas esperam ver fotografia diferente na National Geographic. Em
termos de gráficos e de infografias - aqui sou um bocadinho parcial
porque estou a falar da minha própria casa – nos últimos vinte anos
construímos uma reputação sólida de uma Revista que trabalha muito bem a
informação em infografia. Também espero que o estilo de reportagem
contribua um bocadinho para a fama que temos. Construir reportagens
equilibradas que tanto suportam os hard acess da ciência, como a opinião
e a percepção das pessoas, mais ou menos anónimas, que são afectadas por
projectos, por fenómenos. Não há um factor primordial. Quer a
fotografia, quer o tratamento gráfico, quer o estilo de reportagem,
constituem de alguma maneira a nossa imagem de marca.
São uma Redacção preocupada com o ambiente?
Somos. Tentamos ser, sem ser fundamentalistas, mas nem sempre
conseguimos. Há aqui alguns “Ayatollahs” do ambientalismo. Mas sim,
somos. Tentamos, na medida do possível, por em prática algumas das
coisas que trazemos à estampa.
Qual é a avaliação que faz de Portugal na protecção da sua
Biodiversidade?
Dois níveis de avaliação. Se compararmos com o que se fazia nos anos 70,
quando verdadeiramente se classifica o primeiro Parque Natural, e quando
começam as preocupações conservacionistas, evidentemente que Portugal
avançou imenso. Em grande parte também porque teve o estímulo da entrada
na Comissão Europeia e da aplicação para a Legislação Portuguesa de
directivas Internacionais. Se olharmos para o início deste século XXI, o
meu balanço é negativo. Acho que se devia estar a fazer muito mais, se
devia estar a gastar muito mais em protecção da Biodiversidade, em
salvaguarda, até em conhecimento e investigação. Vejo com muitíssima
preocupação o que aconteceu no últimos quatro, cinco anos, com os
malfadados PINS (Projectos de Interesse Nacional) que superaram valores
ecológicos. O que deveria ser uma excepção tornou-se muitas vezes uma
regra, com prejuízos claros para o ambiente, em alguns casos.
Já votou em alguma das 21 Maravilhas Naturais do país, no concurso
para as 7 Maravilhas Naturais de Portugal?
Já. Nós somos parceiros do projecto e de alguma maneira associamo-nos ao
esforço de divulgação. Mas sou, como qualquer pessoa, muito parcial,
gosto de sítios que conheço melhor. De alguma maneira pus isso em
prática. Votei por exemplo no Pontal da Carrapateira, porque lá vou com
frequência, conheço aquele espaço muitíssimo bem; votei também no Algar
do Carvão, conheço bem, sempre que vou à Terceira vou lá. De alguma
maneira foram escolhas muitíssimo subjectivas.
Deixou falar o sentimento?
Foi claramente o sentimento. Não foi a razão, não estive a avaliar
méritos, votei com o coração. Aliás as pessoas aqui da redacção, cada
uma votou para seu lado, muito por força da subjectividade e bairrismo.
Mas acho que é precisamente esse o mérito da iniciativa, apela ao
bairrismo. Por um lado as pessoas votarem naquilo que conhecem, e por
outro, espero eu, se interessem por aquilo que não conhecem e partam à
descoberta.
Há algum lugar do país que gostava de ver aceder rapidamente à
classificação de Património Mundial?
Lembro-me de três sítios que poderiam, sem favor, merecer uma
classificação de Património Mundial. Uma já está em curso. Em início de
dossier, ainda estamos longe de chegar à UNESCO com uma proposta. Mas eu
gostaria imenso que fosse a bom porto, que era a Universidade de
Coimbra. Como edifício histórico quase único no mundo, gostaria ; imenso
que esse projecto fosse até ao fim e fosse uma das candidaturas. O
segundo sítio que tive muita pena que o dossier fosse retirado, salvo
erro em 2005, ou 2004 talvez, foi o das Ilhas Selvagens, a Sul da
Madeira, que são verdadeiramente um repositório daquilo que ainda
poderia ser um mundo pristino, um mundo com muito pouco contacto humano.
Infelizmente a UNESCO mandou para trás, e o dossier, tanto quanto sei,
ficou parado, não está a ser alvo de reformulação. E, uma vez mais não é
tanto a razão, mas o coração a falar, gostava muito que a Arrábida
conseguisse estruturar uma proposta válida para a UNESCO. Tenho algumas
dúvidas que o consiga, até por que tem lá algumas indústrias que tornam
bastante difícil que a Arrábida possa vir a ser classificada como
Património Mundial. Mas gostaria imenso que esse dossier, que esta
semana voltou a ser reactivado, chegasse a bom porto também.
Em que medida a Ciência Social, a sua área de estudo, entra no seu
trabalho como jornalista?
Primeiro fiz Licenciatura em Ciências da Comunicação como jornalista,
essa é a minha formação de base. Fiz depois mestrado, e agora o
doutoramento estou a acabá-lo - vamos bater na madeira - já mais virado
para a Ciência Social, do ponto de vista da Sociologia do Jornalismo. A
minha preocupação é tentar passar para o outro lado do espelho e tentar
perceber que tipo de cobertura os Media dão a determinados fenómenos.
Distanciando-me do meu trabalho do dia-a-dia e perceber um bocadinho
quais são as tendências, e quais são os mecanismos que levam os Media a
interessar-se por alguns fenómenos e a esquecerem outros. Fiz a minha
tese de mestrado sobre a Quercus. Analisei quase vinte anos da Quercus
nos Media para tentar perceber em que medida, e em que circunstâncias,
uma Organização Não Governamental consegue aceder ao debate público,
consegue ter visibilidade nos Media, que valências é que tem de ter para
se tornar um parceiro no debate. Esse trabalho já está publicado em
livro, está terminado. No campo do doutoramento, estou a tentar
investigar o processo de representação social nos Media de incidências
de risco, temas de risco. Que temas acedem aos media e porquê. É no
fundo à volta disso. A motivação é simples: tentar perceber, fora do meu
contexto diário de trabalho jornalístico, onde é que eu me insiro.
Porque é que, como os meus colegas de outros jornais e revistas, faço as
escolhas que faço.

Eugénia Sousa
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