Revolução digital: já
chegou a terceira vaga
Iniciada a segunda década do século XXI,
temos a bater-nos à porta a terceira vaga da revolução digital. Ela aí
está, mais enérgica que qualquer das outras, a deixar-nos cada vez mais
interdependentes, a mudar tudo à nossa volta, a mergulhar-nos num mundo
de ficção, de perplexidade e de imaginário.
A primeira vaga foi sustentada pela popularização e democratização dos
computadores pessoais e dos telemóveis; a segunda, pela massificação do
acesso à Internet e da oferta low cost da banda larga; a terceira está a
ser protagonizada pela redução de todas as fontes da cultura, do saber e
do lazer ao formato digital, acompanhada pela vulgarização do comércio
electrónico de bens e serviços, também eles em formato digital. A
tendência é apetecível, as novas gerações de consumidores já lhe deram o
seu consentimento, logo, o caminho anuncia-se irreversível. Sem ilusões:
nada mais vai ser como dantes…
Metaforicamente, poderíamos afirmar que, no futuro próximo, as grandes
“fontes de poder” vão estar ancoradas nas “fontes de água” e nas “fontes
de saber”. As primeiras vão rarear, as segundas, pelo contrário, irão
proliferar. O que resultar desta antinomia, deste confronto dialéctico
entre o “saber” da natureza e o “saber” do Homem, converter-se-á no
futuro, futuro esse onde iremos passar o resto das nossas vidas.
Mais depressa, e de forma mais eficaz e definitiva, do que os CDs
substituíram os discos de vinil, a música em formato digital fará
desaparecer, num curtíssimo espaço de tempo, o suporte musical em
formato de CD. Hoje, quem entrar num quarto de um adolescente já não vê
caixas de CDs, nem livros espalhados por todo o lado. A música e os
textos circulam em suportes digitais, configurados em leitores Mp3, em
Pen Flash Drives, discos rígidos externos, ou em leitores tipo Kindle. E
os filmes também. Não se vai à loja, à discoteca ou à livraria formais.
Vai-se à Net e faz-se um download, legal ou ilegal, tanto faz, desde que
cumprido o objectivo. Permutam-se discos, filmes e textos à velocidade
de um clic, toma lá, dá cá. Uma parte das revistas e livros em suporte
de papel têm os dias contados. As bases de dados digitais constituirão
uma fonte inesgotável de conhecimento ao alcance dos dedos de uma das
mãos. Devido a isso, o crescimento do conhecimento vai evoluir de uma
forma exponencial. A humanidade poderá combater melhor as desigualdades,
as doenças, a fome, a miséria, o nepotismo e todas as formas de
degradação do Homem. A humanidade poderá, ainda, ser una e mais
solidária, face ao desenvolvimento social e ao progresso científico
proporcionado por esta revolução digital.
A Amazon divulgou que, em 2009, quarenta e sete por cento dos livros
vendidos o foram já em formato digital (e-books). Ao preço de um
telemóvel topo de gama pode-se comprar um gadget (Kindle, Cool-Er…)
armazenador e leitor de revistas e livros com capacidade para guardar
uma biblioteca de cerca de quatro mil volumes. Estes livros e revistas
podem ser adquiridos on-line, por wireless, a preços populares, devido à
óbvia diminuição de custos, em livrarias virtuais. Pouco faltará para
que se possa trazer no bolso a biblioteca de Oxford, com possibilidade
de aceder aos textos através de um motor de busca à base de
palavras-chave. Cinquenta mil filmes são alugados ou comprados no iTunes
todos os dias. A publicidade na Net já alcançou metade do valor
investido nos meios tradicionais de comunicação social…
Aviso: não se trata do fim dos livros, jornais e revistas em suporte de
papel. Como não o foi o anunciado fim dos discos de vinil. Mas é um novo
renascer dos modelos de divulgação da cultura, da informação e da
ciência, só comparável ao renascimento proporcionado, nos finais da
época de quatrocentos, pela prensa de Gutenberg. Um novo renascimento
que possibilitará crescimentos culturais e científicos em ordem
geométrica, dada a possibilidade de divulgação da informação de forma
generalizada e em poucos segundos.
E a escola? E os professores e educadores? Já o afirmámos variadíssimas
vezes: vivemos um tempo que pretende reconfigurar a sociedade e a
escola, atribuindo-lhe um novo formato, centrado em renovadas formas de
receber e transmitir a informação. Isto implica uma busca permanente do
conhecimento disponível e das suas fontes de informação. Para alcançar
tal objectivo, imputa-se à escola mais uma responsabilidade: a de
contribuir significativamente para que se atinja o que se convencionou
designar por analfabetismo digital zero.
Para tal, a educação para a utilização das novas tecnologias digitais
precisa ser planeada, com base no conhecimento pedagógico, desde o
jardim-de-infância. Sem preconceitos ou desnecessárias coacções, sem
substituir atabalhoadamente o analógico pelo digital, mas sim reforçando
a capacidade cognitiva dos alunos e guiando a descoberta de novos
horizontes. Formando os professores e equipando as escolas. Este
movimento deve ser capaz de preparar os jovens para serem leitores
críticos e escritores aptos a desenvolver essas competências em qualquer
dos meios suportados pelas diferentes tecnologias.
Os professores da designada geração digital também já estão a chegar às
escolas. E, com eles, as mudanças pedagógicas vão ser mais rápidas,
porque baseadas no domínio de novas competências, na experiência e na
forte motivação para o uso das novas tecnologias. A escola tradicional
vai mudar. Desde logo necessitará de menos espaços físicos. Através da
comunicação on-line, o contacto com o mundo exterior e com as outras
escolas da aldeia global será permanente. Desta “conexão” de escolas
globais – as connecting classrooms - resultarão aprendizagens, também
elas globais, e em simultâneo, proporcionadas pelos vários docentes
globalizantes, porque globalizadores do conhecimento e da tutoria dos
aprendentes.
O que vamos fazer do “pátio dos recreios” quando, nos intervalos, os
jovens já só se confinarem à manipulação dos telemóveis ou das iPads? A
resposta depende de acreditarmos, ou não, de que a escola nunca deixará
de ser a Escola e de que nós nunca deixaremos de ser Professores.
João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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