Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XII    Nº139    Setembro 2009

Cultura

GENTE & LIVROS

Ryszard Kapuscinski

«Quando reflicto sobre as minhas viagens pelo mundo durante todos estes anos, às vezes penso que o problema principal residia, não tanto nas fronteiras, nas frentes de combate, no cansaço, ou nos perigos, mas antes numa inquietude, tantas vezes reavivada, sobre a qualidade e o desenrolar do encontro com outras pessoas que se ia encontrar pelo caminho. Isto acontecia porque sabia que muito, e algumas vezes até tudo, ia depender disso. Cada um desses encontros era uma incógnita: como ia decorrer, o que ia acontecer, como ia terminar?

Obviamente que perguntas deste tipo são eternas. O encontro com outra pessoa ou com outras pessoas sempre foi a experiência básica e universal do género humano. (...)»


O Encontro com o Outro como Desafio do século XXI- In O Outro
 

Ryszard Kapuscinski nasceu a 4 de Março de 1932, na cidade polaca de Pinsk, actual Biolorrússia. Licenciado em História, começa a carreira como jornalista em 1955. Ainda nos anos 50 é enviado como correspondente para a Ásia e o Médio Oriente. Nos anos 60 trabalha como correspondente da Agência de Notícias Polaca PAP, atravessa cenários de guerra na América Latina e na África, onde reporta a actividade dos movimentos nacionalistas de países como a Etiópia, Gana, Ruanda e Uganda. A experiência como repórter na Polónia fica registada no livro de The Polish Bush.

Passa a escrever para a revista semanal Kultura em 1974, e o seu nome ganha projecção internacional com os livros O Imperador, sobre a queda do imperador etíope Haile Selassie (1892-1975), e Xá dos Xás que trata a revolução iraniana de 1979, que afasta do poder o Xá Reza Pahlevi (1919-1980) e inicia o regime dos Ayatollah`s.

O espírito de aventura e vontade de mundo levaram Kapuscinski ao palco de 27 revoluções e a ser condenado 4 vezes por fuzilamento.

Mas o homem livre haveria de se cansar da censura Polaca e em 1980 começar a colaborar com jornais e revistas internacionais, como o The New York Times ou o Frankfurter Allgemeine Zeitung.

Considerado o melhor jornalista polaco do século XX, consegue o Prémio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2003; e o doutoramento “Honoris Causa” pela Universidade Ramón Llull, em 2005.

«O verdadeiro mestre do jornalismo», como lhe chamou Gabriel García Márquez, despedia-se do mundo, que conheceu e reportou, a 23 de Janeiro de 2007.

Da sua bibliografia fazem parte os títulos: Mais um Dia de Vida - Angola (1975); Ébano - Febre Africana (2001); O Imperador (2004); O Império (2005); O Outro (2006); Heranças Com Heródoto (2007). Em Portugal os seus livros estão publicados pela editora Campo das Letras.
 

O Outro, de Ryszard Kapuscinski. O livro reúne seis conferências proferidas em 1990 e 2004 em diferentes ocasiões. Para Kapuscinski o contacto com a verdade do Outro, era a grande aventura. O o que poderá ser o encontro com o homem livre ou privado de direitos, europeu ou não europeu, branco ou negro? Para o jornalista: «…devemos procurar o diálogo concordante com o outro. A experiência de viver durante anos entre longínquos Outros ensinou-me que só a afabilidade com a outra parte permite despertar nela o sentido da humanidade».

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades literárias

OCEANOS. A Rainha no Palácio das Correntes de Ar, de Stieg Larsson. O volume fecha a trilogia Millennium que se iniciou com Os Homens que Odeiam as Mulheres e segue com A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo. No último livro da série, Lisbeth Salander sobrevive aos ferimentos provocados pelo atentado, mas tem de permanecer semanas hospitalizada. Lisbeth só pode contar com Mikael Blomkvist para a ajudar a desmascarar a conspiração que visa eliminá-la.

 

PRESENÇA. A Música as Borboletas, de Rachael King. Ano de 1903. Thomas Edgar, coleccionador de borboletas deseja encontrar uma espécie rara. Ao ser convidado por um magnata da borracha a participar numa expedição científica ao Brasil, vê nessa viagem a sua oportunidade. Mas Thomas mudou nessa viagem. Conheceu a beleza extraordinária do Amazonas, mas também um lado negro para o qual não estava preparado. A Música das Borboletas é um primeiro romance notável.
 

PIAGET. Noções de Cultura Científica e Tecnológica – Conceitos de Base Progressos Históricos e Concepções Frequentes, de Marcel Thouin. A obra vem permitir a aquisição de conhecimentos nas mais variadas áreas da ciência, ao abordar a natureza da actividade científica e tecnológica situando-a numa perspectiva histórica. Recomendado a alunos, professores e demais interessados.
 

TEXTO. O Senhor Cinco Por Cento, de Ralph Hewins. Escrita com a colaboração do filho, Nubar Sarkis Gulbenkian, esta é a biografia do homem que construiu um império assente no petróleo, e em meados do século XX era apontado como o «Homem mais rico do mundo». A faceta de mecenas de Calouste Gulbenkian deixaria marcas no mundo e também no nosso país. Uma biografia autorizada mas não branqueada.
 

EUROPA-AMÉRICA. Picasso, de Henry Gidel. Vencedor do Prémio Goncourt na área das Biografias, Henry Gidel escreveu a história do artista que revolucionou a pintura no século XX. O cubismo, as mulheres, as paixões, as amizades famosas, tudo traços de um criador genial, autor de uma obra que é património da humanidade.
 

LIVROS D’HOJE. Educar Os Filhos - Uma Urgência nos Dias que Correm, de Aldo Naori. Aldo Naori, um dos mais conceituados pediatras mundiais, defende, entre muitas coisas, que as influências recebidas pela criança nos primeiros anos de vida são fundamentais para que esta se torne um adulto equilibrado. Para tal, ensina os pais a educar os filhos.
 

ESFERAS DOS LIVROS. Os Melhores Contos Espirituais do Oriente, de Ramiro Calle. Os mestres espírituais da Índia recorriam à narrativa para instruírem os discípulos. Ramiro Calle, em mais de 70 viagens à Ásia, selecciona 250 desses contos belíssimos e partilha através deles conhecimentos profundos que revelam uma nova percepção sobre a vida.
 

ESPUMA DOS DIAS. A Pintora de Xangai, de Jennifer Cody Epstein. Aos catorze anos Pan Yuliang é vendida e obrigada a prostituir-se. A sua sorte muda quando conhece um homem que a toma como concubina e a leva a descobrir a vida sofisticada de Xangai, a Paris Boémia dos anos 20, e o talento para a pintura.
 

DIFEL. Os Diários Perdidos de Adrian Mole, de Sue Townsend. Adrian já entrou na casa dos 30 e continua a ser o mais desesperado diarista da Grã- Bretanha. As preocupações de Mole são agora a sua condição de pai solteiro e divorciado; a relação sentimental conturbada com a assistente social; ou a paixão platónica pela namorada de infância, e pelos dois terapeutas. Os Diários Perdidos é uma grande criação de humor das Terras de sua Majestade.
 

BERTAND. Volto para te Levar, de Guillaume Musso. Um homem, uma mulher, uma criança. Um encontro decisivo e a vida de Ethan, Céline e Jessie joga-se em 24 horas. Ainda é tudo possível ou o ponto de não retorno já foi ultrapassado?
Volto para te Levar já vendeu 2 milhões de exemplares, e é nº 1 do top de vendas em França.
 

 

 

PELA OBJECTIVA DE J. VASCO

Dia de regresso às aulas

No próximo dia 10 de Setembro recomeçam as aulas. Vão voltar estas imagens de pequenas crianças transportando às costas enormes “caixas do saber”. Não podia ser de outra maneira? Que consequências terá no futuro este modo de frequentar a escola?

 

 

 

MÚSICA

Lenka - Lenka. Lenka começou a dar nas vistas na televisão como apresentadora de um programa para crianças, e com participações em algumas séries de tv, na sua terra Natal, a Austrália. Recentemente mudou-se para Los Angeles onde apostou numa carreira ligada a música. O tema “The show” foi o single que deu a conhecer a voz de Lenka nas rádios, em campanhas publicitárias e algumas séries televisivas como “90210” , “Betty Feia”e “Anatomia de Grey”.

A gravações dos temas começaram em Dezembro de 2008 em Montreal e Los Angeles ainda sem nenhum contracto com uma editora, mas no final das gravações já havia várias propostas para a edição do cd no mercado. Os onze temas foram compostos pela própria Lenka com a produção de Mike Elizondo. As letras dos temas são simples, sem códigos ou enigmas, mergulhados num pop rock suave, doce e fascinante!

No passado mês de Agosto foi extraído o segundo single deste álbum, o tema “Trouble is a friend” que teve direito a várias remisturas e já roda nas rádios. Neste trabalho o destaque vai para os dois singles “The show” ,“Trouble is a friend” e as faixas “Bring me down” e “Anything I´m not”. É caso para dizer the show...must go on!
 

 

Jonas Brothers - Vines and trying times. Os manos Jonas Brothers estão de regresso aos discos com o quarto álbum de originais que recebeu o título de “Vines and trying times”. O cd chegou rapidamente ao primeiro lugar dos top´s de vendas em vários países e o sucesso também se estendeu a Portugal, demonstrando que a banda tem muitos admiradores no nosso País.

Kevin, Joe e Nick ganharam muita visibilidade ao participarem em várias séries televisivas muito populares entre os mais novos, como Hannah Montana e no filme Camp Rock. “Paranoid” foi escolhido para ser o primeiro single do álbum, e roda nas rádios desde o início deste Verão.

As novas faixas com sonoridades vincadas no rock mostram uma evolução na qualidade dos temas, a experiência nos palcos começou a dar mais frutos.

Este “Vines and trying times” apresenta doze novos temas, o destaque vai para o primeiro single “Paranoid” e para os temas “Fly with me”, “What did i do to your heart” e “before the storm” que tem a participação especial de Miley Cyrus. A banda actuou recentemente em Espanha, e não tem Portugal na agenda nesta tour, para grande desilusão dos fãns Portugueses.

 

 

Empire of the Sun - Walking on a dream. Os Empire of the Sun são provavelmente a melhor revelação dos últimos tempos no mundo da Música. Na Austrália, além dos Cangurus, dos Bomerangs e das magnificas paisagens, há pessoas com um enorme talento musical! A dupla é composta por Luke Steele e Nick Littlemore e poderá ter-se inspirado no filme de Steven Spielberg para a escolha do nome para o projecto.

O álbum já foi editado em 2008, mais foi neste Verão que a Europa ficou rendida ao som dos Astralianos. Os temas apresentam um electro pop muito suave com melodias simplesmente fantásticas com um visão muito inovadora.

A outra surpresa é no campo visual. Nos vídeos dos singles, os dois elementos apresentam-se de forma excêntrica , estravagante, cheios de cor e muita fantasia. O single “We are the people” é um dos temas fortes deste Verão de 2009, a música merece mesmo nota máxima!

Destaque ainda para os singles “Walking on a dream” e “Standing on the shore”. Esta dupla poderá tornar-se num grande ícone na música. A mistura de ritmos vai dar que falar. Um disco entre o bom, e o muito bom!

Hugo Rafael

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Dillinger não morreu

Se há coisas que não passam de moda, o cinema é indiscutivelmente uma delas. Não só pela Arte em si, mas também pela enorme capacidade que tem de se renovar bem como de rejuvenescer alguns dos seus ícones. Vem isto a propósito do filme de Michael Mann, “Inimigos Públicos”, que revisita um dos géneros fetiche de Hollywood, os filmes de gangsters, tão populares nas décadas de 30 e 40 do século passado, com sucessivas visitas ao longo dos anos, como veremos.

O filme “Inimigos Públicos” vai na esteira de um género que parece nunca ter perdido com as crises. Michael Mann, o realizador, ressuscita o escorregadio e legendário salteador de bancos na zona ocidental dos EUA, John Hubert Dillinger, célebre pelas suas audaciosas fugas, mesmo das prisões de alta segurança, o que lhe valeu chegar a “Inimigo Público nº1”. Mann evoca 14 meses da sua vida, desde a saída da prisão em 1933 até à sua morte em 22 de Julho de 1934.

Dillinger soube cultivar a sua imagem e tornar-se um herói popular, em plena crise económica, conquistando a simpatia do público, nunca levava o dinheiro dos clientes dos bancos que assaltava, e até gostava de se deixar fotografar com os polícias. Desde o cinema mudo que os filmes de polícias, ladrões, raptos, assassinatos, etc. são os mais populares e que maior público atraem às salas de cinema. Biografias de criminosos, polícias corruptos, lutas entre bandos e os inevitáveis detectives particulares, por vezes carregados de um peculiar romantismo. Situações e histórias com argumentos muitas vezes adaptados de mestres da literatura policial como Dashiel Hammett, Raymond Chandler, Horace McCoy e outros.

No princípio dos anos 30 do século passado, a acentuada crise económica origina uma onda de crimes que alastra como fogo, sucedendo-se os raptos, os roubos e os assassinatos. A histeria atinge não só a população, como os polícias estaduais e o FBI, não poupando as altas esferas de Washington. Com medidas conhecidas como New Deal, o presidente F. D. Roosevelt é levado a intervir na economia, com vista a suavizar as estruturas da sociedade americana, a braços não só com os gangsters mas com uma crise até então nunca vista.

Em 1930 a “Comissão de Crime de Chicago” elaborou uma lista dos inimigos Públicos e contabilizou 28 nomes. Al Capone ocupava o 1º lugar. A realidade superava a ficção e a ficção encontra aqui um filão de argumentos. Não tarda que surjam películas consideradas fundamentais no género como “Scarface” (1932), de Howard Hawks; “Little Caesar”, de Mervyn LeRoy (1930), “O Inimigo Público”(1931), de William Wellman, obras que marcaram uma época e que nos trazem as histórias dos homens que a viveram do outro lado da lei, com os seus riscos, os seus medos e as suas angústias. Não se pense que o cinema só despertou para o género com a grande depressão. Já em 1921 Griffith em “The Musketeers of Pig Alley” mostrava a vida quotidiana dos bandidos que ameaçavam os bairros da baixa da Nova Iorque. Outros se seguiram como “Vidas Tenebrosos” (1927) e “As Docas de Nova Iorque” (1929), ambos de Von Stenberg, para citar apenas estes pois a lista é longa.

O ano de 1945, com o fim da guerra, marcou o começo de um novo ciclo dos chamados filmes de gangsters quando Max Nosseck, um cineastas de origem polaca, um pouco caído no esquecimento, (filmou em Portugal “Gado Bravo”, em 1933) deu novo ímpeto ao género com “Dillinger” onde Lawrence Tierney consegue uma poderosa interpretação no papel do conhecido fora-da-lei. Outros actores vestiram a pele de Dillinger. Em “Baby Face Nelson”, de Don Siegel (1957) o criminoso é Leo Gordon e Nick Adams também o foi em “Os Crimes de Dillinger”(1965), de Terry O. Morse. Warren Oates também o é em “Dillinger”(1973) , de John Millius, uma obra de reconstituição séria e rigorosa da tal Idade de Ouro dos gangsters, evocando uma reflexão sobre a violência em plena crise de 1929, com um final apoteótico, em que os membros da quadrilha são liquidados um a um. No filme “The Lady in Red”, dirigido em 1979 por Lewis Teague, Dillinger (Robert Conrad) é denunciado ao FBI pela sua última namorada, Polly Franklin (Pamela Sue Martin).

Com esta película Mann traz de volta o género, uma já antiga atracção do cinema norte-americano, aqui com Johnny Depp no papel de Dillinger, um dos actores que actualmente tem elevada cotação junto do público. Aqui não nos decepciona e quase podemos afirmar que “Public Enemies” pode já ser considerado um dos melhores filmes do ano e Depp um sério candidato ao Oscar. Ao seu lado poderá estar Christian Bale na pele do agente Melvin Purvis que travou um longo duelo com o criminoso. Auxiliado por 19 agentes, Purvis contribuiu para a morte de Dillinger, montando-lhe uma espera quando saía pacatamente com duas acompanhantes do cinema Biograph Theatre, em Chicago, onde tinha assistido à exibição do filme “Manhattan Melodrama” (curiosamente entre nós correu com o título de “Inimigo Público nº1”), de W. S. Van Dyke II. Clark Gable fazia o papel de um gangster condenado à cadeira eléctrica.

John Dillinger – o homem e o mito – foi criado pelo seu tempo e permaneceu como símbolo do fora-da-lei moderno. A morte foi ao seu encontro depois de ver o filme, acabando vítima da violência em que sempre vivera. Dillinger era um amante do cinema. O cinema se encarregou de o imortalizar.

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa
Joaquim Cabeças

 


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