Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XII    Nº141    Novembro 2009

Editorial


Porque querem avaliar os professores?

Por teimosia? Para castigo? Por rancor? Por mero princípio de igualitarismo social? Para imprimir uma diferenciação meritocrática à sua carreira?

Diríamos: há quem o queira fazer por tudo isso, mas também há quem deseje outra qualquer coisa que conviria esclarecer de momento.

O que imprime esta repentina fúria determinista quanto à avaliação de desempenho dos docentes, com objectivos meramente burocráticos e administrativos, é um movimento mais profundo e subliminar de fazer projectar na escola um conjunto de princípios e valores de uma sociedade neo-liberal a que a instituição escolar, enquanto reduto de cultura e saber, tinha conseguido escapar. Movimento esse que está relacionado com a necessidade de controlo social de uma classe que, até ao termo século XX, reclamou a autonomia da sua profissionalidade e exerceu uma eficaz gestão democrática das escolas.

O que se pretende não é aplicar um “modelo” de avaliação. A actual legislação não prevê qualquer “modelo”. Um modelo, todos o sabemos, é um paradigma, é um arquétipo, um exemplo alicerçado numa filosofia de princípios e de valores. Um modelo, diria Weber, é um “tipo ideal” e, por isso mesmo, dificilmente atingível, mas que nos deve guiar no estabelecimento de alvos e de condutas. E, precisamente porque é difícil alcançar, admite o erro e a justa tentativa de remediação. 

Por exemplo: não há nenhuma sociedade que, em rigor, corresponda a todas as especificações do “modelo” de democracia parlamentar. Mas, sem esse “modelo ideal”, as sociedades democráticas perderiam o paradigma que as leva à auto-crítica e ao aperfeiçoamento contínuo.

Ora, dizíamos, o que lemos na actual legislação sobre a avaliação de professores não corresponde a um “modelo” sólido de um projecto contínuo e consistente. Quando muito, vemos aí um conjunto de “instrumentos” e “normativos” que pretendem aplicar um “sistema operacional”, diferenciador da função docente, com base em critérios duvidosos, e cuja aplicação redunda num desesperado e fatigante esforço diário dos professores, e cujo resultado só serve a tentativa de maior instrumentalização, docilização, estratificação, burocratização e controlo da classe. 

Sob o princípio - “Não pensem. Cumpram e façam!” – co-existe uma vergonhosa tentativa de retirar à classe a sua profissionalidade, aumentando o seu desgaste profissional e contribuindo para a sua “proletarização”.

Faz agora um ano que tentámos responder à pergunta: “Avaliar professores é fácil?” (ver Ensino Magazine, nº 130, Dezembro 2008 - http://www.ensino.eu/2008/dez2008/editorial.html). 

Então, escrevíamos: “Não! A avaliação de professores não é uma tarefa simples. Que o digam os supervisores que, durante décadas, promoveram a formação inicial e permanente dos nossos docentes. Para avaliar professores requerem-se características pessoais e profissionais especiais, para além de uma formação especializada e de centenas de horas de treino, dedicadas à observação de classes e ao registo e interpretação dos incidentes críticos aí prognosticados. Cuidado com as ratoeiras! Quem foi preparado para avaliar alunos não está, apenas pelo exercício dessa função, automaticamente preparado para avaliar os seus colegas…”

O que levou cerca de cem mil professores à rua não foi, certamente, a tentativa de cair na ratoeira. Não foi, seguramente, a tentação de erguer o “albergue espanhol” que resultará da inconsistente combinação da aplicação do actual “sistema” de avaliação, com a célere e ambígua construção de um novo “pseudo modelo” que se lhe deverá seguir, sem qualquer interrupção...

Os professores merecem mais que isso. Merecem o respeito que se exige num olhar responsável e atento da sua actuação profissional, a qual não se reduz aos indicadores observados e coligidos dentro da sala de aula. 

Um bom professor é-o em inúmeras situações: como pedagogo, como homem de ciência, como gestor, como negociador, como mediador, e até como benemérito assistencialista. Logo, como se verá, a elaboração cuidada dos indicadores de avaliação remeterá muitas das preocupações do actual “sistema” para outros momentos avaliativos, como o são a avaliação externa das escolas, a auto-avaliação e o resultado das actividades de mútuo desenvolvimento e de avaliação recíproca proporcionados pelo coaching. 

A avaliação de um professor requer, pois, uma actividade continuada, com a múltipla intervenção de uma diversidade de agentes, porque importam mais as actividades de reformulação que venham a ser consideradas e aconselhadas do que o simples diagnóstico da sua situação em determinado momento.

O compromisso com essa indispensável tarefa requer mais tempo e muita responsabilidade institucional. A não ser que os intervenientes que se sentam à mesa da actual negociação estejam dispostos a encontrar um “modo” que sirva a todos, em vez de procurarem elaborar um “modelo” que favoreça a melhoria da escola e o crescimento pessoal e profissional dos professores e dos educadores.

João Ruivo
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