MARIANO GAGO DEFENDE MAIS
ALUNOS NO ENSINO SUPERIOR
Portugal mais Superior

O Ministro da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior defende a reorganização da rede de ensino superior em
Portugal e quer que até 2020 mais de 40 por cento dos indivíduos com
idades entre 30 e 34 anos, tenham um diploma de ensino superior. Uma
meta ambiciosa, mas não impossível. No imediato, Mariano Gago lembra que
as instituições devem entender-se entre si, de forma a constituírem
consórcios. De caminho fala do novo estatuto da carreira docente no
ensino superior e das metas que Portugal deve atingir em matéria de
novos diplomados. Em resposta às questões colocadas pelo Ensino Magazine
e pela Imprensa, após a inauguração da Escola Superior de Saúde, em
Castelo Branco, o Ministro considera que o número de alunos nos
politécnicos e universidades vai crescer nos próximos anos.
A União Europeia estabeleceu que até
2020 deveria haver um mínimo de 40 por cento das pessoas com idades
entre os 30 e 34 anos, com um diploma de ensino superior. Portugal está
no bom caminho para alcançar isso?
Essa é uma decisão que está a ser preparada à escala de toda a União
Europeia e que todos os países devem cumprir até 2020. Neste momento
Portugal tem cerca de 1/3 dos jovens com 20 anos a frequentarem o ensino
superior, o que está dentro das médias europeias. Aquilo que também se
verifica é que esse número tem vindo a subir e é muito superior, nalguns
pequenos países europeus - como os nórdicos - em que apostaram há vários
anos no ensino superior para as suas populações. Penso que Portugal deve
seguir essa via, ou seja, tem que ter um número muito superior de jovens
no ensino superior, e não me espantaria que, dentro de algumas décadas,
tivéssemos cerca de 60 por cento dos jovens a frequentar o ensino
superior. Claro que, neste caso, pouco importa se os jovens têm 20 ou 30
anos, pois muitos deles entram na vida activa e depois decidem continuar
os seus estudos. O que importa é que no total da população activa
tenhamos cerca de 50 por cento dessa mesma população tenha formação
superior. Nos Estados Unidos da América esse número é de 60 por cento.
Portanto o objectivo é ultrapassar a
média europeia?
Sim, o objectivo é estarmos muito acima da média europeia.
Mudando um pouco de assunto, ao
nível das instituições de ensino superior importa estabelecer parcerias?
É extremamente importante que exista uma associação entre institutos
politécnicos, de forma a que, sobretudo à escala regional, trabalhem uns
com os outros, evitando a duplicação das suas formações. É importante
que nos Politécnicos, mas também nas universidades, haja reorganização
das escolas, pois em muitos casos existe uma duplicação. Hoje existe a
necessidade de se rentabilizarem recursos de forma a que se forneçam
melhores serviços aos seus utilizadores e para que os estudantes tenham
melhor ensino. Neste momento, tenho muita esperança no movimento que se
está a verificar no interior dos politécnicos para que venham a ser
feitos consórcios regionais, de modo a que haja uma especialização dos
institutos - uns em relação aos outros -, que não haja dispersão de
esforços em pólos sem viabilidade e que se verifique uma concentração de
recursos em benefício dos estudantes, os quais estão a aumentar nos
politécnicos.
Há alguma data estabelecida pelo
Governo para que as instituições de ensino se entendam umas com as
outras de forma a criarem consórcios?
Não, esse é um trabalho que tem que ser feito pelos próprios
politécnicos. É evidente que há sempre a possibilidade de se estabelecer
uma data, mas creio que não é necessário. Na maioria dos institutos
temos que aguardar pela eleição dos Conselhos Gerais e dos seus órgãos,
pois cabe a esses novos órgãos tomarem as decisões. Neste momento tenho
muita confiança daquilo que foi transmitido ao Governo pelos institutos,
que progressivamente vão criando consórcios à escala regional.
O alargamento do acesso ao ensino
superior passa pelos Institutos Politécnicos?
Já passou nos últimos anos. E essa aposta está a ser ganha. O aumento do
número de estudantes no ensino superior, passa essencialmente pela
subida do número de alunos no ensino politécnico. Os estudantes
universitários também estão a aumentar, mas em menor ritmo.
E esse facto deve-se a que razões?
O ensino superior politécnico recolhe alunos de várias proveniências.
Tal como acontece com o ensino universitário, absorve alunos através do
concurso geral de acesso, pelo programa maiores de 23, mas recolhe
também estudantes que entram nos politécnicos através dos cursos de
especialização tecnológica. Muitos desses jovens que entram para os
Cet’s (que estão no mercado de trabalho) normalmente prosseguem os seus
estudos no ensino superior.
Relativamente à reorganização da
rede de ensino superior, a questão dos consórcios é importante, mas não
é o único vector dessa transformação...
Há uma parte da reorganização que tem vindo a ser feita através da
oferta formativa, da progressiva fusão de cursos, e de possibilitarmos
que cursos que estavam artificialmente divididos uns dos outros
passassem a oferecer um leque mais amplo de oferta formativa, o que
beneficia as escolhas dos alunos, pois se eles tiverem uma formação
inicial muito fechada terão mais dificuldades no mercado de trabalho. Um
outro vector importante nessa reorganização da rede, diz respeito à nova
Agência de Avaliação e Acreditação, a qual vai separar o trigo do joio.
É essa Agência que vai verificar quais os cursos que têm condições para
continuar a ser ministrados e quais terão que ser reformulados para se
manterem, ou que simplesmente não se devem manter e os seus recursos
devem ser afectos a outras formações.
Uma das questões que o seu
Ministério quer ver resolvida, diz respeito ao Estatuto da Carreira
Docente do Ensino Superior. Já há datas para que ele venha a ser
aprovado?
Estamos a fazer a revisão dos estatutos da carreira docente
universitária, politécnica e de investigação. Neste momento foram
aprovados, em Conselho de Ministros, os documentos de revisão dos
estatutos da carreira docente para a universidade e para os
politécnicos, no sentido de se aumentar os níveis de qualificação dos
docentes, de rejuvenescer o corpo docente e de consolidar as
instituições, sobretudo aquelas que têm muito pessoal precário.
Iniciámos o período de negociação com as várias estruturas sindicais e
esperamos que esse período fique concluído este mês.
A aposta, ao nível dos politécnicos,
passa pela abertura das instituições aos profissionais que se encontram
no activo, os quais podem desempenhar uma função docente?
Essa é já uma intenção dos próprios politécnicos. O Conselho Coordenador
dos Institutos Superiores Politécnicos propôs que esse número fosse da
ordem dos 25 por cento do total do número de docentes. Uma percentagem
que seria ocupada por profissionais que, em tempo parcial, procedessem à
leccionação nos politécnicos, e desse modo contribuíssem para melhorar a
relação dos estudantes com a vida activa e profissional. Penso que essa
meta é razoável e será incorporada nos estatutos de carreira.

PEDRO ALMEIDA VIEIRA
O Despertar da
História

É jornalista e escritor, licenciou-se em
engenharia biofísica e foi ambientalista. Em entrevista concedida por
email, Pedro Almeida Vieira fala d`A Mão Esquerda de Deus. O romance
cruza a vida do andaluz Perez de Saavedra com a História de Portugal
numa ficção histórica em torno do inquisidor-Geral de Portugal, uma
figura intrigante que numa época de medo e convulsões usou a mentira ao
serviço do bem.
O seu último romance, A Mão Esquerda
de Deus tem como protagonista Alonso Perez de Saavedra, o falso núncio
andaluz que no reinado de D. João III seria o primeiro Inquisidor-Geral
de Portugal. Como é que Saavedra entra na sua vida?
Foi um acaso que me fez conhecer esta fábula, considerada verídica
durante alguns séculos, acreditada mesmo por homens como Voltaire.
Quando estava ainda a escrever o meu anterior romance, O Profeta do
Castigo, sobre uma profecia em redor do terramoto, a ascensão ao poder
do marquês de Pombal e a vida do jesuíta Gabriel Malagrida (último
condenado à morte pela Inquisição portuguesa), deparei-me com
referências a esta fábula, num livro francês do século XVIII que a
transcrevia. Por essa altura, ainda descobri, por um suspeitoso acaso,
uma suposta biografia espanhola deste falso núncio e, depois de a ler,
surpreendido por nunca antes ter visto tal relato em livros de História
convencional, pesquisei mais e constatei ter aqui uma matéria
excepcional para romancear.
Ao contrário do que se poderia
esperar da figura de um inquisidor, Saavedra é um homem que quer fazer o
bem e se move por um amor…
Aí está a ficção do meu romance. Nas várias versões desta fábula até ao
século XVIII, Saavedra surge ora como um simples falsário com intuitos
de mero poder ora como alguém que assumia ter uma função divina. Mas
mesmo neste segundo caso, com o objectivo de combater as heresias. Em
todo o caso, ele não seria um burlão perfeito, porque na fábula original
acaba por ser descoberto. Ora, isso não me interessava como romancista.
Assim, recriando esta personagem, A Mão Esquerda de Deus é uma alegoria:
se a burla e a mentira, por norma, surgem associadas à maldade, eu
inverto este sistema, criando alguém que, para praticar o bem naquela
época histórica, não usa a verdade. Usar ou dizer a verdade naquela
época poderia resultar em morte. Tento também mostrar como a mentira e a
dissimulação podem ser, em muitos casos, a única forma de praticar o
bem. Porém, o romance também encerra uma história que mostra ser o amor
(aos homens ou a uma só pessoa) que em muitos casos nos faz mover e que
a vida deixa de ter sentido quando não se alcança esse propósito. Mas
este romance é muito mais do que isto: pretendi também, com rigor
histórico, retratar um período de grandes convulsões sociais e
religiosas, questionado também a conduta da Igreja e de Deus perante a
Inquisição, uma das páginas mais negras da nossa História.
Se os sentimentos são comuns a
personagens do século XVI ou XXI, a forma de os exprimir mudaram. Na Mão
Esquerda de Deus existiu uma preocupação especial com a linguagem?
Entre a nossa geração e as antepassadas, os vícios e as virtudes são
semelhantes. Pensamos de forma similar, temos os mesmos anseios, dúvidas
e desejos, apenas com a diferença de que hoje possuímos mais tecnologia
e o mundo encolheu.
Aliás, renego a ideia dicotómica de que existem os romances e os
romances históricos, estes apresentados quase como um subgénero da
literatura. Para mim há só romances. Bem ou mal escritos, com boas ou
más histórias. É bom recordar que o mais conhecido livro do nosso Nobel,
José Saramago, se passa no século XVIII (Memorial do Convento) e o
último no século XVI (A Viagem do Elefante). São romances ou romances
históricos? Pouco importa. São excelentes romances, basta isso. Em
qualquer dos casos, um romancista deve ter em conta o enquadramento da
época, evitar anacronismos e ter em consideração os contextos históricos
e as relações interpessoais dos períodos retratados. Infelizmente, nem
sempre isso sucede nos romances ditos históricos, que em muitos casos
são feitos às três pancadas e se tornam em biografias romanceadas
maçudas e pouco atraentes. Mas isso também sucede com os romances de
época. Escrever é fácil, escrever um mau livro ainda mais fácil é. Por
tudo isto, preocupa-me apenas o cuidado nos enredos e no tipo de
linguagem, algo barroca mas inteligível, para dar credibilidade e maior
beleza à história. No entanto, ainda estou muito longe do apuro
estilístico de escritores como José Saramago, Mário de Carvalho, Miguel
Real ou sobretudo Fernando Campos – só para citar escritores vivos que
andam ou andaram na ficção histórica.
O que é que levou um engenheiro
biofísico, que também é jornalista e ambientalista, a escrever romances?
Bem, se sou licenciado em Engenharia Biofísica, se já fui ambientalista
e se sou também jornalista, por que não poderia escrever romances? Eu
percebo o sentido da pergunta. Hoje estamos habituados à especialização,
mas o meu percurso acaba, ligando as pontas, por ser natural. O meu
primeiro romance, Nove Mil Passos, sobre a construção do Aqueduto das
Águas Livres, nasce do meu interesse como engenheiro perante uma obra
pública. Depois, toda a parte de investigação e selecção de informação
aproveita a minha costela jornalística. Ter continuado depois,
escrevendo mais romances, deveu-se ao gosto pela primeira experiência. E
por não ter encontrado argumentos para me levarem a desistir. Além
disso, escrever leva-me a reflectir e a compreender melhor a natureza
humana – e não se duvide que se encontram muitas explicações para aquilo
que hoje somos escrevendo sobre assuntos passados há séculos.
As boas histórias da História
explicam a preferência por escrever romances do género ou a explicação é
outra?
Nunca pensei muito nisso. Como atrás disse, o importante é uma boa
história e uma boa escrita, independentemente do período em que se
passa. O período histórico é secundário para fazer um bom romance. Como
leitor, sinto-me atraído por romances que retratem aquilo que desconheço
ou por via de me apresentarem algo numa perspectiva diferente. Agora, do
ponto de vista de probabilidades, como o tempo passado é muito maior do
que o da minha geração, há mais histórias dentro da História
susceptíveis de se tornarem bons romances. Mas também há histórias
dentro da História que são interessantes mas que terão sempre de ter um
dedo grande de criatividade para se tornarem romances apelativos. Por
exemplo, se eu tivesse pegado simplesmente na fábula do falso núncio,
sem recriar completamente o personagem, o romance não seria
interessante. Ninguém quereria ler a história de um burlão que tinha
sido apanhado.
Quais as características que fazem
de um personagem um bom personagem e de um escritor um bom escritor?
Já atrás referi alguns aspectos. Mas penso que os leitores são soberanos
nessas matérias, sobretudo sobre se um escritor é ou não bom. Em todo o
caso, as personagens têm de possuir «substrato»: não podem ser fúteis (a
não ser que seja essencial na narrativa), têm de ter algo de
surpreendente sem serem incoerentes ao longo do seu percurso. Mas não
existem receitas. E sobretudo o mais importante é a forma como se
escolhe o narrador. Nesse aspecto, eu gosto de narradores interventivos,
que são também personagens, que entrem em diálogo com os leitores. Tenho
procurado isso nos meus romances, com a escolha de Francisco de Holanda
(no Nove Mil Passos), do próprio Diabo (no Profeta do Castigo Divino), e
de Alonso Perez de Saavedra (n’A Mão Esquerda de Deus).
Venceu o Prémio Ambiental Fernando
Pereira (2003) por um vasto trabalho em defesa do ambiente e publicou O
Estrago da Nação um perfil ambiental do nosso país. Seis anos depois
qual é a análise que faz de Portugal na área do desenvolvimento
sustentável?
Nos últimos tempos tenho procurado evitar tecer muitas considerações
sobre o estado do ambiente em Portugal e sobre um Governo liderado por
um antigo ministro do Ambiente, porque, por respeito à educação dada
pela minha mãe, desejo evitar o uso de demasiadas expressões vernáculas.
Assim, acrescentaria apenas que estamos pior, involuímos e este Governo
tem estado a implodir os alicerces de décadas de política ambiental,
mesmo se antes dele as coisas já não estavam nada bem.
Pode falar-nos do livro que está
escrever?
Tenho estado em reflexão sobre dois ou três projectos que tenho em mãos,
um deles será um ensaio biográfico sobre um dos irmãos do marquês de
Pombal, que teve mais influência no pombalismo do que aquilo que se
imagina. Já tenho alguns capítulos elaborados, mas talvez venha a
publicar antes disso um romance sobre a expulsão da Companhia de Jesus
em Portugal e a sua extinção mais tarde pelo papa em 1773, mas relatando
estes episódios de uma forma sui generis.

Texto: Eugénia Sousa
Foto: Zuraida Guedes
TOMAZ MORAIS,
SELECCIONADOR NACIONAL
Râguebi, uma escola de
vida


Ele é o líder da «alcateia» dos «Lobos» e
o grande responsável por um dos maiores fenómenos desportivos dos
últimos anos em Portugal, o sucesso da selecção de Râguebi e a
consequente adesão dos mais jovens à sua prática. Tomaz Morais defende
que é possível aplicar a receita da modalidade às empresas e às escolas.
Basta querer. Para Morais, o ensino, tal como este desporto, deve ser
mais colectivo e baseado em valores, princípios e ética. O ex-jogador
vai mais longe ao afirmar que, hoje em dia, um bom curriculum desportivo
é meio caminho andado para se singrar numa carreira profissional.
O Mundial de França, em 2007,
representou a primeira participação de sempre do Râguebi português neste
certame. Que recordações guarda?
O Râguebi nacional tem progredido bastante fruto de um trabalho de
muitos anos. Esta é uma modalidade centenária e, como tal, era injusto
da nossa parte invocar que foi o Mundial 2007 que permitiu a
consolidação e o crescimento do Râguebi. A primeira grande vitória foi
uma equipa amadora como a nossa atingir um certame que reuniu a nata das
selecções do Planeta, para além do facto de a prestação ter superado as
melhores expectativas. Foi a alma e a unidade apresentada em campo que
entusiasmaram os portugueses. O Râguebi demonstrou através dos nossos
jogadores os valores que defende e que é uma modalidae que pode ser uma
opção e uma alternativa em termos desportivos para os jovens em
Portugal, desde o ensino primário até ao ensino universitário.
Essa foi outra grande conquista.
O entoar do hino nacional por parte
dos «Lobos» no jogo com a Escócia, no Mundial de França, deixou a nação
emocionada. Qual o simbolismo desse momento?
É normal em qualquer jogo de Râguebi de selecções. Explica-se com o jogo
em si. Penso que os portugueses não estavam habituados a ver uma
manifestação desta natureza. O hino nacional é um momento de união e
coesão. Mas estou a lembrar-me que quando jogámos na Sibéria, com um
estádio cheio e sem qualquer compatriota nosso nas bancadas, a equipa
cantou “A Portuguesa” com a mesma alma.
Há um orgulho e um compromisso dos jogadores quando envergam a camisola
das “quinas”. Naquele momento, nada mais interessa do que a prestação
colectiva.
O interesse pela modalidade aumentou
nestes dois últimos anos?
Cresceu mais de 50 por cento. E, neste momento, não cresce mais porque
nos debatemos com dificuldades estruturais financeiras para poder
receber tantos jovens, porque os campos são os mesmos, as equipas são as
mesmas, etc. Para alguns clubes não é fácil num espaço onde já jogam 300
ou 400 atletas, admitir pelo menos metade deste número. A procura da
prática do Râguebi continua a verificar-se, mas a capacidade de resposta
a este “boom” é que não é compatível. A nossa preocupação primordial é
receber jogadores e acolhê-los da melhor forma que for possível, mas é
certo que com outro tipo de espaço e estruturas a progressão podia ser
outra.
O próximo Mundial é na Nova
Zelândia, em 2011. Que possibilidades temos de qualificação?
Estamos classificados no terceiro lugar do nosso grupo, que nos daria o
acesso à repescagem. A partir de Janeiro, temos 2 jogos em casa e 3
fora. Pelo menos, ganhar à Roménia e à Geórgia em casa e à Rússia fora,
torna-se imperativo. As expectativas são boas. Estamos a trabalhar
diariamente no Estádio Nacional num regime físico muito intenso, visando
aproveitar estes próximos meses em que não há competição.
Os jogadores dizem que é como um
«pai» para eles. A que técnicas psicológicas recorre para motivar o
grupo?
São simples e dependem do momento e do conhecimento que temos dos
jogadores e das respectivas necessidades. Uma das minhas funções
enquanto treinador é inspirar estes rapazes e procurar encontrar formas
de os cativar e concentrar para o jogo. Mas nada de revolucionário. O
segredo está, sobretudo, em conhecer bem a equipa.
«Lobos» foi um baptismo da autoria
de um ex-dirigente federativo. Parece que o nome pegou...
Foi um nome muito bem conseguido, corria o ano de 2000. Primeiro
aplicado à selecção de «sevens» e depois à de quinze. Hoje em dia, há os
«Lobos» e os «Lobitos», e muitos outros jovens que ambicionam integrar
estas equipas.
«O Râguebi é um ensaio para a vida»,
é o slogan da Federação da modalidade. Sabendo-se que os níveis de
prática desportiva em Portugal são dos mais baixos da Europa, acha que
se deve começar a incentivar a prática de qualquer modalidade, e em
particular o Râguebi, desde tenra idade?
Sem dúvida. O desporto não faz sentido se não tiver valores e princípios
e deve ser um meio para desenvolver a formação integral dos indivíduos.
Cada vez mais temos de procurar ganhar cultura desportiva. O principal
meio para atingir esse desiderato é a prática do desporto escolar e da
educação física. É nesse momento que tem que se agarrar os jovens para o
desporto. Se isso acontecer, significa que o trabalho está a ser bem
feito.
A crónica instabilidade no sector
educativo não é um obstáculo?
Há problemas no sistema educativo que importa erradicar, mas
congratulo-me com o facto de as escolas já irem dando, com imaginação e
criatividade, respostas muito positivas. Compete, claro, às entidades
responsáveis proporcionarem mais condições para dotar de melhor
qualidade o desporto escolar. Eu próprio reconheço que o centro
desportivo do Instituto do Desporto no Estádio Nacional, onde nos
encontramos, não tem as condições ideais para a alta competição, mas o
que é facto é que se preparam aqui atletas olímpicos e equipas que
disputam mundiais. Pelo menos para nós não tem sido desculpa para
justificar algo que corra mal no nosso trabalho.
A questão do profissionalismo é,
muitas vezes, invocada para explicar resultados menos bons. É um
estatuto que pode fazer a diferença?
Pode. Repare que é cada vez mais difícil a um jovem conciliar a sua
actividade, laboral ou académica, com o desporto de alto rendimento. O
que a selecção de Râguebi fez, sendo constituída por amadores, deve ser
visto como um exemplo, mas não como um fim em si. As coisas têm corrido
bem, mas nós próprios já arrancámos para o semi-profissionalismo, com o
consequente apoio financeiro e contratual aos atletas, porque estávamos
a sentir que só com o amadorismo estávamos a perder o comboio das
grandes selecções. Não podemos continuar a pensar que o desporto amador
resolve os problemas que o desporto profissional já há muito resolveu.
Já colaborou com o Sporting na área
da formação e, portanto, conhece bem o futebol. Qual o motivo porque o
futebol não tem a fibra do Râguebi?
Não creio que seja tão linear como diz. Tudo depende do enquadramento e
de cada equipa. O Râguebi é um desporto muito característico, com
contacto físico, muito choque e tem uns traços especiais, assentes em
valores e princípios, no fundo, em fair-play. O processo de ensino da
modalidade também é diferente. Aqui não se valoriza a vitória, nem o
individualismo, mas sim o colectivo e o prazer de jogar. No futuro, essa
lógica pedagógica dará frutos.
Desde 2003 que ministra palestras e
formações em empresas no âmbito da liderança, motivação e comunicação.
Que mensagem procura transmitir?
Procuro ser igual a mim próprio quando comunico com as pessoas que estão
à minha frente. Essencialmente, procuro nas empresas aplicar a gestão
que faço com o grupo de trabalho que dirijo no Râguebi. A lógica que
aqui desenvolvo é aplicável em qualquer estrutura funcional. Os
princípios são os mesmos, muda apenas a área negocial, os objectivos e a
área comportamental. Já quanto às estratégias e à forma de estar, podem
ser «importadas» para qualquer ambiente.
A sua «receita» pode ser transposta
do Râguebi e das empresas para uma sala de aula?
Claro que sim. As escolas já me convidaram para várias palestras. Com
orgulho tenho dado o meu contributo, abordando o exemplo do meu caso
pessoal, com vista a enriquecer a formação integral dos jovens que me
escutam. Eu entendo que é com os bons exemplos que nos formamos. Creio
que o nosso ensino mudou radicalmente e tem vindo a melhorar, através de
maior criatividade, inovação e novas formas de motivar os alunos para a
vida. Mas é possível e necessário ir mais longe.
Em 2005, publicou um livro chamado
«Compromisso: nunca desistir», em que aponta inúmeros obstáculos no
País, nomeadamente a inveja, a dificuldade trabalhar em grupo, etc.
Estes entraves permanecem com a mesma intensidade?
Esse livro foi elaborado segundo um determinado contexto. Não significa
que o que foi descrito seja generalizado, mas de facto há pessoas que
têm dificuldade em conviver com o sucesso dos outros, de equipas e de
pessoas, nas mais diferentes áreas. Realço que importa não generalizar,
porque creio que essa resistência está a ser atenuada. A cultura esta a
mudar. As pessoas estão a refrescar a sua forma de estar, a demonstrar
uma competitividade salutar, menos conformismo, mais trabalho. Se formos
à procura de conflitos positivos podemos vencer mais e não nos
preocuparmos tanto com aquilo que é feito ao nosso lado. Se se mantiver
este rumo, penso que o trabalho dos outros tenderá a ser mais
valorizado. Portugal tem muito para dar. Basta ver o que os nossos
antepassados fizeram pelo Mundo fora e as adversidades que venceram.
Isso devia servir-nos de inspiração.
O pensamento negativo ainda
prevalece muito na tomada de decisões e atitudes?
Dramatizamos muito, atiramos muito para baixo e desvalorizamos o que é
bom, realçando, em demasia, o que é negativo.
Fala-se que existe, em várias áreas,
falta de líderes. Sente que vivemos perante uma crise de homens do leme?
Não concordo com esse quadro que traçou. Temos excelentes líderes. É
falso dizer que há falta de capacidade de liderança em Portugal. Há, e
até de excelência. Tenho convivido e privado com inúmeras personalidades
do meio empresarial e tenho aprendido imenso com essas pessoas, cheias
de iniciativa e de valor. O que talvez seja preciso é mais coesão e dar
as mãos, remando na mesma direcção.
Pensa que o futebol é o único
objectivo mobilizador do País?
O futebol é um escape. Em todo o Mundo. Quanto maior for a crise
económica, maior será a necessidade de fugir à realidade. É o futebol,
enquanto fenómeno de massas, que leva as pessoas a aplaudirem e
assobiarem em conjunto. A crise que atravessamos é mundial, não
exclusivamente nossa, de natureza financeira, especulativa e também de
falta de valores, principalmente a emergência dos individualismos em
proveito próprio. Se as referências e o sentido ético se tivessem
conservado, esta crise não teria eclodido com tamanha intensidade.
Educar para os valores é uma tarefa
que começa na escola. Tem-se falhado na difusão de uma mensagem de
respeito e responsabilidade?
O ensino deve ser cada vez mais colectivo. Pede-se um esforço para viver
em sociedade e em equipa, mas muitas vezes nas escolas o que fazemos é
seguir o ensino por uma via unicamente competitiva, baseado no «eu tenho
de ter boa nota». Penso também que os alunos deviam ser melhor motivados
na escolha da sua vocação. Defendo que desde o princípio da instrução se
deve valorizar o ensino com valores, princípios e ética. Em Portugal, há
estabelecimentos de ensino público e privado com excelente qualidade que
cumprem estes requisitos, mas é preciso generalizar esta prática. É
preciso ensinar de forma mais direccionada, apelando aos valores do
trabalho em equipa, o saber partilhar, cultivar o respeito pelo próximo,
etc.
E onde fica a prática desportiva na
escola?
O desporto é fundamental. Nos países mais desenvolvidos do mundo o
desporto é parte integrante da forma de estar de pequenos e graúdos.
Isso vê-se nos Jogos Olímpicos e no quadro dos países mais medalhados.
Não é por acaso que cada vez mais pessoas com bom curriculum desportivo
estão a ser contratadas pelas grandes empresas. Não há nenhum jovem que
passe pelas selecções nacionais de Râguebi que tenha dificuldade em
entrar no mercado de trabalho. Isso quer dizer qualquer coisa.
É uma mais-valia aliar os estudos a
uma carreira desportiva?
Não tenho dúvidas. Aprende-se o que é sacrifício, o que é viver em
equipa, para além de lidar com a elevada competitividade. Tudo assente
num espírito de missão a uma causa, neste caso o Râguebi. No fundo,
características que lhes dão, no futuro, «endurance» para melhor singrar
numa qualquer carreira profissional.
Para quando uma participação
portuguesa nas Olímpiadas com um resultado acima das 10 medalhas?
Se calhar até temos tido uma performance superior ao investimento feito.
Não é possível ganhar aos melhores do Mundo, com quase nada. O povo
gosta desses milagres, mas eles raramente acontecem. Habituámo-nos com
pouco a fazer muito. Para não ir mais longe, veja-se, aqui ao lado, o
exemplo espanhol, em que cada autarquia tem centenas de praticantes,
dezenas de campos de Râguebi, futebol, andebol, piscinas de 50 metros e
as medalhas são o corolário lógico deste investimento. Creio que temos
grandes desportistas, mas o potencial humano tem que ser acompanhado por
um investimento maior a todos os níveis, desde as estruturas, à área
técnica, directiva, enquadramento dos atletas, etc. Há muito trabalho
pela frente. Seria desonesto prometer que nos próximos Jogos Olímpicos
vamos trazer um saco cheio de medalhas. Para já, temos de ter muito
desporto e de qualidade. Estou certo que se seguirmos esta lógica irão
surgir inúmeras medalhas.

Nuno Dias da Silva
Cara da notícia
Tomaz Morais, nasceu em Lobito (Angola),
a 6 de Abril de 1970. Jogou no Grupo Dramático e Sportivo de Cascais
onde conquistou 6 campeonatos nacionais e duas Taças Ibéricas. Morais
jogou ainda 22 vezes na selecção nacional de Râguebi. Em 1996, contraiu
uma lesão traumática nas costas o que o impediu de jogar mais tempo. Foi
a partir de então que se passou a dedicar exclusivamente a dirigir
equipas de Râguebi, actividade que vinha desempenhando desde 1993, tendo
iniciado a sua carreira de treinador com a equipa de juvenis do GDS
Cascais, com quem se sagrou campeão de Portugal no mesmo ano. É
treinador das selecções nacionais (de «quinze» e de «sevens») desde
2001. Tem alcançado os maiores sucessos internacionais de sempre do
Râguebi português, que teve como corolário a presença no Mundial de
França. Em 2003, iniciou-se como prelector e organizador de acções de
formação em empresas, nas áreas de Gestão de Equipas, Liderança,
Motivação e Comunicação. Foi nomeado para melhor treinador do mundo em
2004. É o autor do livro “Compromisso: Nunca Desistir”, da editora
Booknomics, em que a realidade das equipas desportivas é transposta e
equiparada à realidade das empresas. Neste âmbito, foi colaborador
próximo do treinador do Sporting, Paulo Bento. É licenciado em Educação
Física e Desporto pela Universidade Lusófona de Humanidade e
Tecnologias. Actualmente, é comentador-residente do programa desportivo
do canal TVI24, «MaisFutebol», exibido todas as sextas-feiras à noite.

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