PEPETELA EM ENTREVISTA
Pepe(tell) me another
story

Pepetela tem um novo romance que chegou a
Portugal em Abril. O Planalto e a Estepe é baseado em pessoas e factos
reais, e conta a história de um amor impossível entre uma jovem mongol e
um estudante angolano. Em entrevista concedida por email, o Prémio
Camões de 1997 fala de O Planalto e a Estepe e da contribuição da
literatura africana para um género ameaçado como o romance. Sobre o
Ensino Superior em Angola defende que os grandes desafios são ganhar
qualidade e credibilidade e fazer a ligação com a pesquisa que quase não
existe.
«Uma viagem no tempo e no espaço, de
uma geração cansada de guerra num mundo cada vez mais pequeno» Pepetela
falou assim de O Planalto e a Estepe na apresentação do livro em
Portugal. Baseada em factos verídicos, a ideia de escrever esta história
surgiu em que circunstâncias?
A ideia surgiu quando vi aparecer os dois protagonistas finalmente
juntos. Disse-lhes: vou escrever a vossa estória. Levou anos, mas cumpri
a promessa.
O Planalto e a Estepe, a história do
narrador e de Sarangerel também prova que o amor é sempre possível,
principalmente “o impossível”?
Não só o amor mas sobretudo o relacionamento entre as pessoas, a amizade
e o companheirismo, por exemplo. São possíveis e são necessários. Se o
homem não tiver relacionamentos fortes, não melhora. E o mundo também
não.
O Planalto e a Estepe - chancela da
Dom Quixote - teve a primeira edição em Portugal, em Abril de 2009, e
vai na 3ª edição. O livro está a ter a receptividade que esperava do
público português?
Estou bastante satisfeito, não só pelo facto de haver reedições rápidas,
mas sobretudo pela reacção das pessoas. Têm sido muito positivas em
relação a este livro. É tudo o que um escritor mais pode desejar, que as
pessoas gostem de ler um livro seu.
O escritor também se comove com as
histórias que conta?
Não sei dos outros. Falo por mim. Acho que se um escritor não se diverte
a escrever um livro, também não diverte os leitores. O mesmo para as
emoções.
Jaime Bunda – paródia de James Bond
- é o herói/anti-herói dos seus policiais. Como é a relação do autor com
esta personagem?
Contraditória. Por um lado, não posso dizer que o personagem represente
uma boa pessoa. Nem sequer é inteligente. Mas, por ser patético e
ridículo, por vezes comove-me. E deixo que ele se adoce um pouco.
O contacto com os leitores em
sessões de autógrafos, lançamentos, feiras do livro é feito por prazer
ou é uma obrigação inerente à profissão de escritor?
É a única parte interessante do ofício de escritor, depois de o livro
estar escrito. Detesto entrevistas, sessões de fotografia, lançamentos e
brindes. Protesto sempre comigo depois de ter aceite participar numa
coisa dessas. Já o contacto com os leitores em Feiras do Livro ou
sessões de autógrafos ou em escolas, sim, isso agrada-me, não o faço por
obrigação do marketing.
É escritor mas também professor
universitário na Universidade Agostinho Neto, em Luanda. O professor
ensina, ou aprende, com o escritor?
Deixei a docência o ano passado. Mas um aprendia com o outro, sem
dúvida.
Quais são os grandes desafios que o
Ensino Superior em Angola enfrenta neste momento?
Ganhar qualidade e credibilidade. Fazer a ligação com pesquisa,
actualmente quase inexistente.
África é o continente forte que
sofre, é rico mas vive pobre, é berço da humanidade e lugar de atropelos
à dignidade humana. Para além das contradições, o romance africano está
a ser escrito em que palavras?
Tem havido um real crescimento da literatura africana, apresentando não
só as dores mas também as esperanças do continente. Começam a dizer que
África tem ultimamente contribuído para colorir o romance, esse género
sempre ameaçado de extinção. Estou de acordo. Temos muitas estórias para
contar. E a ironia suficiente.
Ao dar título ao romance Geração
Utopia estaria também a dar o nome à geração que lutou pela liberdade em
Angola. Angola está no caminho do sonho dessa geração?
Não. Parou pelo meio. Atingiu a independência. Falta tudo o resto:
sociedade livre, justa, solidária, sem racismos, nem etnicismos, nem
xenofobia.
Viveu e estudou em Portugal, conhece
o país e conhece os portugueses. Qual é o perfil que traça do povo
português?
Dá-me a ideia que se queixam demais de si próprios. Deviam ter maior
auto-estima e confiança no País.
A eleição do presidente Barack Obama
é o tal sinal de esperança que o mundo esperava?
Até agora ainda não desiludiu.
Mas é cedo para julgar. Por outro lado, não sei se o mundo tem deficit
de esperança. Merecia mais?
Pelo conjunto da sua obra, Pepetela
recebeu o Prémio Camões 1997. O que significou esse prémio para si?
Foi o reconhecimento de que escrevi algumas obras interessantes por
algumas pessoas que faziam parte de um júri. É só. Tão falível como
qualquer outro julgamento.
Podemos esperar em breve um novo
livro?
Para breve, certamente não. Isto é, a menos que haja um “terramoto”, no
próximo ano não penso ter livro para publicar.

Eugénia Sousa
LAR MAJOR RATO
RVJ - Editores lança
monografia

A RVJ - Editores acaba de editar uma
monografia sobre os 150 anos do Lar Major Rato, em Alcains, da autoria
de Florentino Beirão. As páginas do livro contam uma aventura com 150
anos de história, fruto da generosidade de um homem e de um povo que não
deixou que a obra acabasse.
A história de um homem que depois de morrer deixou a sua fortuna aos
mais desprotegidos, criando uma instituição de solidariedade social,
está agora contada num livro apresentado dia 27 de Junho, no auditório
do Centro Cultural de Alcains. “História do Lar Major Rato – 150 Anos a
Fazer o Bem” é uma obra a que ninguém fica indiferente.
“A partir de hoje, já ninguém tem desculpa de desconhecer a grande
aventura que tem sido a história do albergue fundado em 1859”, referiu o
autor na cerimónia de apresentação, que começou com um concerto musical,
com Rui Barata e Roberto. Florentino Beirão dedicou o livro ao falecido
Joaquim Manuel Rafael, que o iniciou enquanto desempenhava a função de
presidente da Assembleia Geral do lar. A obra está à venda naquela
Instituição.

ANTÓNIO VICTORINO
D'ALMEIDA, MAESTRO:
"Os medíocres tomaram
de assalto a sociedade"

Para o maestro a revolução de Abril abriu
uma comporta que libertou uma «enxurrada de medíocres» que se apoderaram
dos lugares de decisão em todas as organizações do País. Como caso
flagrante aponta a actual direcção de programas da RTP, que qualifica de
«ditadora e cobarde», por recusar as sucessivas propostas que lhe têm
sido apresentadas. Victorino d’Almeida afirma que a política para a
Cultura «não tem critério», criticando o facto de não se semear para
colher mais tarde, ao mesmo tempo que aponta o dedo aos mais altos
responsáveis políticos nacionais quando se «gabam do seu próprio
analfabetismo», quando, por exemplo, afirmam nada perceberem de música.
É verdade que compôs a sua primeira
música aos 5 anos?
Isso é um exagero. Talvez tivesse 5 ou 6 anos quando, sem saber nada de
música, assobiei ou trauteei uma melodia que utilizei no meu «Opus 1»,
muito posteriormente. Obra escrita terei feito com uns 8 anos.
De que forma a família o
influenciou?
O meu pai era advogado. A minha mãe é que tinha estudado canto. Já o meu
avô paterno era músico e dramaturgo amador com um talento multifacetado
para as artes. Era uma pessoa fascinante. Outra pessoa importante para
mim foi uma professora de música da minha mãe que vivia no estrangeiro e
um dia, quando veio a Portugal, me viu a acompanhar numa bateria de
brinquedo o que a rádio estava a tocar. Ou seja, foi através de uma
bateria, e não de um piano, que chamei a atenção de uma professora para
a minha eventual musicalidade. Devo dizer que ainda hoje sou um fã de
bateria e procuro integrar esse instrumento em todas as minhas
orquestrações. Sinto-me uma espécie de pescador de baleias na Suiça.
Viena, onde viveu muitos anos,
influenciou-o como terra da música por excelência?
Não tanto como poderia pensar. São bons, mas em Londres e Nova Iorque
também pode escutar boa música. Portugal é que é a terra da não música
por excelência e Lisboa a capital dos defeitos do País, o que é estranho
quando temos imensas qualidades, só que não são potenciadas. Somos
especialmente maus do ponto de vista musical e cultural.
Qual o motivo que nos leva a ficar
na cauda em indicadores tão importantes como a cultura, por exemplo?
Houve sempre uma grande tendência para que a mediocridade se apoderasse
de Portugal. Basta recuar ao período de Camões. Naquilo que
corresponderia, à época, a uma enciclopédia, não figura o nome do poeta
de «Os Lusíadas» entre os nomes da literatura. Estão lá o Avelar de
Caminha, o Sá de Miranda, o António Ferreira, mas o Camões está omisso.
Por inveja e valorização da mediocridade.
Tenta-se abafar quem tem valor e
foge ao padrão instalado?
Há um horror aos valores que sobem acima de uma determinada média. Não é
por acaso que Camilo Castelo Branco se suicidou, que o Eça de Queiroz
sempre que estava em Portugal dizia que vinha «à choldra». O Saramago
vive em Espanha e já é espanhol. Sou o primeiro a dizer que o regime de
Salazar era fascista, criminoso e medonho, mas durante a sua vigência
evitou a situação com que agora nos vemos confrontados.
Refere-se ao que se passou após a
revolução?
O 25 de Abril abriu uma comporta de forma indiscriminada, dando vazão a
uma mediocridade assustadora. A revolução trouxe uma enxurrada de
mediocridade. O regime do Estado Novo não dava liberdade a ninguém, mas
também não permitia esta mistura explosiva e indesejada entre as pessoas
com valor e qualidade e os medíocres. Não estou a dizer que a revolução
foi negativa, mas trouxe este lado menos bom à superfície. Portugal é
hoje uma mediocracia, porque a maioria é medíocre e tomou todos os
sectores da sociedade de assalto. Onde quer que vamos, encontramos um
medíocre. Perante este cenário, a sociedade não pode sair da cepa torta.
A mediocridade reflecte-se, também,
na cultura?
Também aqui o papel dos medíocres tem sido nocivo, infiltrando-se
naquilo que está ao seu alcance, ou seja na organização. Por isto: o
medíocre não sabe compor, não sabe escrever, etc. Todas as organizações
portuguesas, quase sem excepção, são dirigidas por gente medíocre, sem
capacidade para fazer melhor. A cultura é o espelho disso.
Está a pintar um quadro medonho do
País…
O 25 de Abril abriu espaço a novos talentos e muitos deles explodiram
nos anos e nas décadas seguintes, com especial relevo para o cinema
português. Penso que os progressos verificados foram assinaláveis. Boa
parte do que tem sido exibido tem qualidade. E a música, verdade seja
dita, também melhorou. Temos uma verdadeira geração de ouro de jovens
músicos, intérpretes e compositores, com tremenda qualidade. O problema
é que a liderar as instituições onde estes tocam estão os medíocres. E
são estes senhores que aconselham os ministros.
Actualmente, temos maestros de
primeiro plano?
Há alguns. A Joana Carneiro, o Rui Massena, são casos flagrantíssimos e
produtos da libertação do talento depois da revolução.
Como reage quando ouve os governos,
como aconteceu com o actual, a assumir culpas por não investir na
cultura?
São argumentos eleitoralistas. O Primeiro-Ministro e o seu partido, o
PS, levaram uma tareia nas urnas e quer com essa retórica conquistar os
intelectuais. Lamento muito, mas não tenho complacência para o executivo
do engenheiro Sócrates. É um governo de direita. E o PS é um partido de
direita e traidor dos ideais da esquerda, ao contrário do PSD que se tem
mantido fiel aos valores. Na cultura, a política tem sido um desastre. O
que tem sido feito em termos culturais é mau, isento de critério, ao
calhas. Semear para colher e multiplicar é o objectivo de qualquer
política cultural. Em Portugal, na melhor das hipóteses, paga-se um
concerto, sem qualquer preocupação de atrair novo público. É o caso da
Gulbenkian, porque tem dinheiro, mas o número de espectadores está a
diminuir a olhos vistos pela falta de renovação do seu público.
As pessoas estão convencidas que a morte do Michael Jackson (NDR:
falecido na véspera da gravação desta entrevista) foi uma perda para a
Humanidade maior do que morte do Stravinsky. Jackson não era mais do que
alguém com escândalos relacionados com a pedofília com indiscutível
talento para dançar.
A educação musical devia ser
obrigatória nas escolas?
É totalmente diferente fazer música e saber o que é a música. É
precisamente esta última vertente que as pessoas desconhecem por
completo e devia ser ensinada nas escolas. Para começar, a música não é
uma coisa necessariamente cantada, dançável e dançada, contrariando a
esmagadora maioria das opiniões. Por exemplo, se levar pessoas oriundas
de determinados estratos sociais e etários da sociedade portuguesa a uma
sala de concertos vão logo perguntar onde está o vocalista. São estes
conceitos que não são ensinados na escola e que, para mim, têm mais
importância do que o «dó», «ré», «mi». É preciso desmistificar a ideia
de que a música é um “bicho de sete cabeças”. Os rudimentos do solfejo
ensinam-se em uma semana, se tanto. E as crianças que denotarem mais
aptidão para a música devem ser recrutadas de imediato. A ministra da
Educação afirmou que se conseguisse levar a bom termo os seus projectos,
teríamos 1 milhão e quinhentas mil crianças a saber música. Era uma
enormidade, quase um pesadelo. Eu já ficaria muito contente se todos os
portugueses tivessem umas noções básicas do que é música.
Está a ministrar um curso de
História da Música, em Almada, até Outubro. Qual interesse dos seus
alunos por esta temática?
São apenas 40 horas de ensino, o que é manifestamente curto. Ainda assim
destaco a gratificante fidelidade dos alunos que ajuda a compensar a
frustração da escassa duração do curso. Em dias de praia, visto que o
curso é ministrado ao sábado à tarde, estão quase todos os que se
inscreveram, o que me estimula a dar o meu melhor e tudo o que sei. Nas
aulas, traço o percurso da História da Música ocidental da Idade Média
até aos nossos dias, falo sobre os compositores, as respectivas
biografias e características principais, dando a ouvir pequenos excertos
das suas músicas.
Como vê proliferação de programas
musicais com crianças nos canais portugueses?
Acho horrível e de péssimo gosto. Não gosto de ver os macacos no circo e
menos ainda gosto de ver as crianças em macacos…de circo. São concursos
que incitam à hipocrisia, com aquela sucessão interminável de abraços e
beijinhos.
Lembro-me que há cerca de duas
décadas o canal do Estado tinha, em horário nobre, teatro e ópera, uma
vez por semana. Como explica que estes programas tenham desaparecido da
antena ou sejam emitidos a desoras?
Respondo-lhe assim: sem desprimor para o meu amigo Fernando Mendes, eu
gostaria de saber as audiências que teria o «Preço Certo», às 2 da
manhã. Era zero ou perto disso, certamente. É uma fraude emitirem os
programas de qualidade, nomeadamente os de índole cultural, na
madrugada, alegando que eles não têm audiência.
As responsabilidades são apenas da
RTP, enquanto canal de serviço público por excelência, ou também devem
ser assacadas aos privados?
Os privados têm alvará para funcionar, logo, devem cumprir essa missão,
tal e qual como a RTP. Imagine que compra um táxi, não vai utilizá-lo
para vender nabiça!. O que importa saber é se cumprem os mínimos. Pior
ainda é se o canal 2 da RTP não cumpre…Já é o cúmulo dos cúmulos.
Falta coragem para dar mais cultura
às massas?
Os responsáveis pela programação do canal do Estado são ditadores,
medíocres e cobardes.
Quando volta ao pequeno ecrã?
Estou saneado pela RTP e proibido de fazer qualquer programa. Eu agora
só apareço mesmo, e de forma regular, na RTP-Memória. Considero até uma
pulhice usarem a minha imagem num canal, quando me impedem de trabalhar
noutro, da mesma empresa.
Considera-se incómodo para alguém?
Oiço dizer que há pessoas que estão zangadas comigo. Já mandei diversas
cartas ao actual director de programas, José Fragoso, para agendarmos
uma reunião de trabalho e nunca obtive resposta. Considero que não
merecia ser maltratado desta maneira, quando tenho mais de 40 anos de
trabalho na RTP. É uma cobardia moral que estes senhores se recusem a
sentar-se comigo para falarmos. Recentemente propus um programa à RTP
que se chamaria «O som a seu dono», com 13 making off de gravações de 13
compositores portugueses, entre os quais eu não estava. Um programa que,
humildemente, considero de interesse e que divulgaria o trabalho de
compositores nossos. Isto era serviço público e promoveria a música
nacional, visto que sairia também em disco, com o apoio da RDP. O
programa foi liminarmente recusado. Sem mais. Isto não é democrático.
Não faz mesmo ideia do que se passa?
O último programa que fiz para a RTP teve a luz verde do então director
de programas, Nuno Santos, que entretanto foi para a SIC. Recebi um
telefonema da RTP, quando já tinha 4 programas entregues, 7 gravados e 3
escritos, a propor-me que desistisse da emissão dos mesmos. Respondi que
não o podia fazer e salientei que não tinha assinado contrato com o Nuno
Santos, mas com a RTP.
Acha que Portugal tem condições para
superar a crise que muitos consideram das mais graves de sempre?
A crise é global, mas pode ter lados positivos. Descobriu-se que o
socialismo, afinal de contas, não é aberrante. O PS é que não percebeu.
Porque o liberalismo selvagem não está a dar bons resultados.
Lamentavelmente os ordenados chorudos e escandalosos dos gestores
mantêm-se. Mas a moralização há-de chegar, estou convicto. Todos os
pobres foram afectados, mas a crise também vai chegar ao bolso dos
ricos. O que dificilmente terá retorno é o fosso enorme que se tem
cavado entre ricos e pobres.
Dentro de meses teremos dois actos
eleitorais. É da opinião que o País é ingovernável sem um governo de
maioria absoluta?
Os grandes capitalistas acham que sim, não vejo porquê. É falacioso
invocar esse argumento. É como dizer que sem maioria absoluta de um
partido, mais vale viver no regime ditatorial. Qualquer país democrático
é governável, desde que as pessoas que o dirigem sejam honestas. O poder
eleito tem que se confrontar com uma oposição que, necessariamente, terá
de integrar o processo democrático.
Em que sectores é que o país está
mais carenciado?
Saúde, em primeiro lugar. Exemplifico com um caso pessoal: esta situação
passou-se no Verão de 2007, quando necessitei de uma consulta de
oftalmologia de urgência. Constatei que a partir das 8 da noite, em todo
o norte do país, havia apenas uma profissional especializada a
trabalhar. Esta é a realidade nua e crua. Às 11 da noite lá encontrei
uma jovem médica, muito simpática, que me atendeu, esfomeada, por não
ter jantado. Veja: médicos, professores, polícias, não são propriamente
santos. São pessoas com defeitos e que podem não ter razão em muitos dos
seus protestos, mas têm na maioria. Vivemos é de modo ditatorial, em que
quem é contra a política do governo, é visto como alguém que pretende
tornar o país ingovernável. Assim torna-se impossível progredir.
Como vê o braço de ferro que se
arrasta na educação entre a tutela e os docentes?
Os professores têm que ser avaliados. É preciso é saber por quem e como.
O extremar de posições na educação e noutros sectores acaba por tornar
populares estas corporações, quando o que é preciso é equilíbrio e bom
senso. Infelizmente este governo não cultiva o diálogo, preferindo o
“quero, posso e mando”. Perante isto, as pessoas têm a tendência para se
unirem aos contestatários. É normal.
Preocupa-o a fuga dos nossos
melhores talentos para o estrangeiro?
Sem dúvida. É impressionante o baixo nível cultural e educativo que
existe em Portugal. Somos dos países mais ignorantes da Europa e não me
refiro aos analfabetos convencionais, mas ao analfabetismo dos que sabem
ler. Voltando à música, qualquer político diz, alegremente e quase que
orgulhosamente para que todos oiçam, que não percebe nada do assunto. No
estrangeiro é o mesmo que dizer que nunca leu um livro ou nunca foi a um
museu de pintura. Cá, pessoas com responsabilidade, gabam-se do seu
próprio analfabetismo.
Com frequência ministra palestras
motivacionais em empresas. Quais os objectivos que lhe são pedidos?
Várias empresas têm-me convidado para eu fazer uma associação entre a
coordenação de uma orquestra e o modo de funcionamento de uma
organização. São sessões que têm corrido muito bem, e em que estão
presentes as chefias e os colaboradores. No final, todos se têm mostrado
satisfeitos e elucidados. Reconhecem que é preciso haver um chefe, que
estabeleça regras, mas a liderança não é uma ditadura. O bom colaborador
é aquele que participa e, se necessário, que critica. É preciso saber
ouvir. O pior que pode haver é cultivar a política da mordaça nas
empresas.
Qual é o segredo para fazer passar a
sua mensagem?
Nada de mais. Procuro elucidar sobre um aspecto que muitos desconhecem:
quais são as reais funções do maestro numa orquestra. E, a partir daí,
as pessoas vão associando esta lógica da orquestra ao funcionamento da
sua empresa.
Transportando os valores da
orquestra para uma escola. O que dizia se estivessem na sua plateia,
professores e alunos?
Os valores da orquestra aplicam-se nas empresas e nas escolas. Eu há
dias tive uma experiência muito curiosa. Fui convidado para fazer um
concerto em Oeiras. Pediram-me que antes fizesse uma pequena palestra
para um grupo de jovens alunos, mas cuja proveniência desconhecia. A
conversa correu o melhor possível. Depois, no concerto, acabei por
vê-los na plateia, sempre participativos e disciplinados. Quando
perguntei a que escola pertenciam, disseram-me que eram reclusos, a
maioria delinquentes em alto grau. Curiosamente, não dei por nada na
abordagem que tinha feito anteriormente. Porventura, se tivesse moldado
o discurso, dirigindo-o para presos, eles sentir-se-iam discriminados.
Moral da história: é fundamental que não se mude o conteúdo do discurso
consoante o destinatário.
É preciso encontrar denominadores comuns entre as pessoas, procurar que
o discurso seja entendido por todos. É este o segredo para os meus
programas de televisão e a popularidade que eles tiveram. Estimo que
cerca de 95 por cento dos portugueses conhecem-me da Televisão e não da
música que faço ou dos livros que escrevo.
É verdade que sonha compilar toda a
sua obra em disco?
Pelo menos fazer uma selecção do melhor do repertório. É a realização
suprema de qualquer compositor. Ninguém gosta de escrever para a gaveta
e o que não está gravado não existe. Não me posso queixar, porque das 34
sinfónicas escritas, 29 já foram tocadas, algumas delas de forma
repetida, o que é uma média extraordinária. Só que quem assistiu aos
espectáculos, não reteve. E o disco tem o condão de perpetuar. Se for à
República Checa verá que há 50 ou 70 discos de compositores locais. Em
Portugal, por falta de apoio, não há. As editoras não têm dinheiro e o
Ministério da Cultura terminou com todo e qualquer subsídio à edição
discográfica. Só resta arranjar patrocínios, mas o sistema estalinista
instalado impede isso. A Lei do Mecenato diz que é o Estado que define o
que tem valor para ser incluído ao abrigo da legislação em vigor. Dá-se
o caso que, se eu não apoiar este governo ou qualquer outro em funções,
dificilmente serei contemplado.
Consegue estimar quanto custa editar
um disco?
Aproximadamente, entre 7 a 10 mil euros. Creio que com 15/20 mil euros
gravava uns quatro discos.
A internet tem sido apontada como
uma das responsáveis pela crise da indústria musical. Como olha para
este fenómeno dos tempos modernos?
A revolução tecnológica é algo de extraordinário, mudou o mundo como
aconteceu com a revolução industrial, mas a internet está a anos-luz da
importância que se lhe dá. É um mau elemento para a sociedade. Sou
contra. Para o meu recente livro, «Toda a música que eu conheço»,
praticamente não me servi dessa ferramenta. Quem me garante que o que lá
está é verdade?

Nuno Dias da Silva
|