Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XII    Nº137    Julho 2009

Cultura

GENTE & LIVROS

Imre Kertész

(...) «Presentemente, não tenho grandes sonhos que me indicam o caminho. Em vão, durmo, e acordo para nada.
Aridez infinita, quando um sentimento nos deixa. Quando se acaba de ler um livro volumoso, em cujo mundo nos fundimos; quando se dá por finda uma relação amorosa; quando as esporas aladas da inspiração nos abandonam - e, de súbito, cai-te nos braços, dás-te conta de um mundo sem objectivo, sem desejo, sem vontade, sem nenhuma das tuas manipulações, só unicamente como ele é.
Sentes que te falta afecto e compreendes que esta aridez do mundo é, por assim dizer, tua obra.»(...)


In Um Outro - Crónica de uma Metamorfose
 

Escritor de ascendência judaica, Prémio Nobel da Literatura, Imre Kertész nasceu a 9 de Novembro de 1929, em Budapeste, Hungria.

Após a ocupação da Hungria pela Alemanha nazi, Imre Kertész foi deportado em 1944 - tinha 15 anos - juntamente com 7000 judeus húngaros, para Auschwitz e depois Buchenwald. Libertado em 1945 pelas forças aliadas, na sua família, só Imre sobreviveu aos campos de concentração.

De regresso à Hungria, Imre trabalhou como jornalista num jornal de Budapeste, o Világosság (1948-1951), sendo dispensado quando o jornal adoptou uma linha editorial comunista. Serviu no exército entre 1951 e1953, antes de se dedicar por inteiro à escrita. O regime comunista instaurado na Hungria agiu como ameaça à sua liberdade, condicionando a divulgação dos seus livros.

Traduziu obras de Nietzsche, Freud, Elias Canetti, Joseph Roth Wittgenstein, Hofmannsthal e Schnitzler, autores que haveriam de influenciar a sua escrita. A queda do muro de Berlim, em 1949, seria decisiva para o reconhecimento do trabalho de Imre Kertész como escritor. Ganhou inúmeros prémios literários até chegar ao Nobel em 2002, por uma obra que «trata da fragilidade da existência humana contra a arbitrariedade da História».

Da bibliografia de Imre Kertész constam títulos como: Sem Destino ; A Recusa; Kaddish para uma Criança que Não Vai Nascer; Aniquilação; O Fiasco; A Língua Exilada; A Bandeira Inglesa; Um Outro- Crónica de uma Metamorfose.

Um Outro – Crónica de uma Metamorfose. Mais do que uma obra de ficção, Kertész é o autor de notas pessoais que vai escrevendo entre os anos de 1991 e 1995. Tendo como ponto de partida a obra de Wittgenstein, que se encontra a traduzir em Viena, o autor produz várias reflexões, como seja, a perda da identidade face aos regimes totalitários; a sobrevivência ao nazismo como um processo que se estende a uma vida inteira; ou o caminho que a Europa percorre até entrar na «cultura do Holocausto».

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades literárias

D. QUIXOTE. Beloved, de Toni Morrison. Beloved conta a história de uma antiga família de escravos no Ohio, pós-guerra da Secessão. No centro de uma inesquecível galeria de personagens encontra-se Sethe, uma mulher marcada pelo passado. As suas recordações do tempo da escravatura estão sempre acompanhadas do fantasma da primeira filha, Beloved.

O romance venceu o prémio Pulitzer de 1988, e a sua autora o Prémio Nobel de 1993.
 


PRESENÇA. A Terra Pura, de Alan Spence. Século XIX. Um homem abandona a sua terra, na Escócia, e parte rumo ao Japão. Em Nagasáqui, Thomas Glover vai encontrar uma sociedade feudal e fechada, dominada por um senhor da guerra. Poderá a determinação e a força de um estrangeiro mudar a história do Japão?
 


COTOVIA. Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín, de Teresa Veiga. As Parcas; Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín; e O Maldito, Marianinha, e o Feitiço da Rocha da Pena são título dos três contos fantásticos que constituem o livro Vencedor do Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco APE/ CMVNFamalicão de 2008.
 


PIAGET. Introdução às Teorias da Comunicação de Jean-Pierre Meunier e Daniel Peraya. Como apreender as mensagens mediatizadas, sejam orais, escritas ou visuais, a partir dos sinais que as compõem? Como estão organizadas e interagem e quais as condutas afectivas, relacionais, cognitivas que provocam? A estas e outras questões vem os autores dar resposta numa obra de inegável interesse.
 


CAMPO DAS LETRAS. O Outro, de Ryszard Kapuscinski (1932-2007). A Campo das Letras continua a publicar a obra daquele que foi considerado o maior jornalista polaco do século XX. No Outro estão reunidas 6 conferências em que Kapuscinski falou sobre o que é ser ou não europeu, colono ou colonizador, branco ou negro. Numa época globalizada é preciso entender que somos cada vez mais o “Outro”, para os “Outros”.
 


TEXTO. Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, com organização de Jerónimo Pizarro. O livro reúne os textos de oito comunicações proferidas no ciclo de conferências O Guardador de Papéis, no âmbito das comemorações dos 120 anos do nascimento do poeta (1888-2008.).
 


GRADIVA. Cosmos, de Carl Sagan. O contributo de Carl Sagan para as Ciências Espaciais, a Astronomia, e a preservação do meio ambiente é de uma importância maior. Para o físico Carlos Fiolhais «Carl Sagan trata de tudo: “Cosmos é tudo o que existiu, existe ou existirá.”O que o olhar alcança e mais longe ainda, o que a mente humana alcança. Leva-nos numa viagem para a frente no espaço e para trás no tempo. Faz-nos sonhar! Poder-se-à pedir mais, de um livro?». Uma reedição fundamental.
 


DIFEL. Discursos que Mudaram o Mundo. Concebida pela Cambridge Editorial Partnership reúne mais de 50 momentos e oradores, de várias épocas e lugares, que com a força da palavra conseguiram tocar e mudar o mundo. São alguns deles: Jesus Cristo; Moisés; Abraham Lincoln, Gandhi, Churchill, Marthin Luther King, Kennedy, Mandela.
 


PERGAMINHO. O poder da emoção de Esther e Jerry Hicks. Os autores leva-nos a compreender melhor as emoções, a dominá-las, e a viver harmoniosamente com os nossos sentimentos. Na linha do manual de auto-ajuda, O Poder da Emoção diz como usar a lei da atracção para conquistar liberdade, alegria e felicidade. K.
 

 

 

PELA OBJECTIVA DE J. VASCO

As marchas voltaram à avenida

Não há festas de Junho sem Marchas um pouco por todo o lado. Este ano não foi excepção. Estivemos na Avenida da Liberdade em Lisboa, por onde desfilaram na noite de 12 de Junho 23 Marchas, quase todas representantes dos bairros da cidade. Este ano Alfama e Castelo (na foto) venceram “ex-aequo”.

 

 

 

MÚSICA

Black Eyed Peas - The E.N.D.

O tema “Bom boom pow” foi o cartão de visita para o quinto álbum de originais dos Black Eyed Peas, o novo registo recebeu o nome de “The E.N.D.”, que são as iniciais de “The energie never dies”, por isso os fãs da banda podem ficar tranquilos.

A banda de Fergie que recentemente actuou em Portugal apresenta quinze novas faixas que prometem servir de banda sonora para este Verão de 2009. O segundo single “Gotta feelin” já roda nas rádios e promete ter muito air play nos próximos meses. O tema tem uma óptima melodia bem trabalhada e cronometrada, capaz de conquistar rapidamente os nossos ouvidos.

E como o titulo sugere, a energia nunca acaba, e nestes novos temas com o som tradicional da banda podemos viajar no universo do pop, hip hop, funk e electro, sempre com muita energia e boas vibrações. Os fãs da banda podem ainda encontrar uma edição especial deste álbum, que tem mais quatro temas extra e seis remixes. O álbum entrou directamente para o primeiro lugar do top de vendas nos Estados Unidos, os fãs da terra Natal da banda esqueceram a crise por alguns minutos!

Destaque para os singles “Bom boom pow”, “Gotta feelin” e as faixas “Alive” e “Meet me halfway”.

 

Bob Sinclair - Born in 69. Bob Sinclair é um dos Dj´s Produtores de house comercial mais bem sucedidos do momento, nos últimos três anos juntou ao seu currículo alguns dos maiores sucessos das pistas de dança, como “Love Generation”, World hold on”, “Rock this party” e ”Together”.

“Born in 69” apresenta doze novas canções com características diferentes, finalmente ele percebeu que a sua “fórmula mágica” estava a tornar-se repetitiva, os temas tinham samples muito parecidos e as melodias eram muito idênticas, os mais distraídos até podiam confundir alguns temas com facilidade!

O primeiro single foi o tema de “New new new “ que serviu de cartão de visita, depois foi o tema de abertura “Lala song” que teve direito a remisturas de Guy Schreiner, Donovan Dominator e Tocadisco, recentemente foi extraído o terceiro single, “Love you no more” com novas versões com a assinatura de Nicola Fasano, Jean Guy e Count and Sinden, os vocais são de Shabba e o tema é inspirado numa música de Manu Chao, que agora promete ser um dos sucessos deste Verão nas pistas de dança e nas rádios.

O Dj e produtor Francês tem duas actuações agendadas para este verão em Portugal onde vai apresentar nos seus set´s os temas do novo registo. Os temas mais fortes são os singles “Love you no more”, “Lala song” e as faixas “Give me some more” e “Peace song” Mais um disco condenado ao sucesso!

 

Ingrid Michaelson - Be ok. Nos últimos anos as séries televisivas e os anúncios de publicidade que invadem os nossos televisores tem relevado novas estrelas na música.

A Norte Americana Ingrid Michael son teve alguns dos seus temas a passarem em várias series de televisão como foi o caso de Anatomia de Grey, uma serie também muito popular em Portugal. Em pouco tempo as rádios começaram a incluir nas suas play lists alguns temas da Ingrid Michaelson ,e a popularidade da cantora foi rápida.

No nosso país apenas tem rodado o tema mais conhecido que deu nome ao álbum, o single “Be ok”, uma música com uma melodia simples e uma letra contagiante. Ingrid Michaelson já fez a primeira parte de alguns espectáculos de Jason Mraz e da Dave Matthews banda, e com a visibilidade e o sucesso que teve, vão surgir muitas actuações em vários países. A sonoridade dominante deste registo é o indie pop com várias canções suaves e agradáveis.

O álbum inclui uma versão do clássico “Can´t help falling in love” de Elvis Presley, numa leitura muito pessoal e uma versão acústica do single “Be ok”.

Destaque para o lindíssimo “Be ok” e para os temas “Lady in Spain”, “Lady Breathing” e “You and i”.

Mais uma voz interessante para o panorama musical!

Hugo Rafael

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Recordar Robert Mullingan

Há autores cuja obra, não se sabe bem porquê, cai no esquecimento até que, por qualquer acaso, alguém se lembra de vasculhar nos cofres e, helas, descobre-se a pólvora, como soi dizer-se. Um desses casos é justamente o de Robert Mulligan, um dos realizadores da chamada “geração da televisão” que despontou nos anos sessenta do século passado, nomeadamente em Nova Iorque, cujo objectivo maior era criarem uma linha clara de separação entre as suas obras e o status quo dominante em Hollywood. Além do referido, podemos incluir nesta plêiade os nomes de John Frankenheimer, Stanley Kubrik, Sidney Lumet, Martin Ritt, Ralph Nelson, de entre outros. Essencialmente na sua mira estava a criação dum cinema lúcido e inteligente, focado nos grandes temas que preocupavam a ainda hiper puritana sociedade americana à época: o racismo, o aborto, o redutor american dream, etc. De uma forma ou de outra, todos conseguiram tocar, muito ao de leve, a maioria, nalgumas feridas americanas, explorando alguns microcosmos, como o da justiça ou da educação. Sem provocarem uma rotura no sistema, vingou a sua aproximação crítica e realista à sociedade.

Nascido a 23 de Agosto de 1925 no Bronx, em Nova Iorque, filho dum polícia, faleceu em Dezembro do ano passado, dia 20, aos 83 anos, em Lyme, Connecticut. Homem multifacetado, estudou literatura e jornalismo, fez a II Grande Guerra na Marinha e estreou-se na televisão em 1953 onde dirigiu dezenas de episódios. Dali para os filmes foi um pequeno salto ocorrido em 1957 com “Fear Strikes Out” (Vencendo o Medo), com produção de Alan J. Pakula, outro dos nomes que, apesar de mais tarde, também se pode e deve acrescentar à tal geração da televisão. Um filme onde desde logo se nota a marca Mulligan, na forma como expõe os seus personagens: indivíduos solitários, muitas vezes instáveis, marginalizados pela sociedade, quando não são mais que o reflexo dessa mesma sociedade. Aliás, é fulcral em Mulligam a análise sociológica que perpassa nos seus filmes. Neste o de uma estrela do baseball, papel vivido por Anthony Perkins, paralisada pelo medo, devido à excessiva pressão do pai para que fosse sempre o melhor de todos.

Desta ligação com Pakula resultou a criação de filmes com momentos notáveis como “To Kill a Mockingbird” (Na Sombra e no Silêncio), de 1962, adaptação do romance homónimo da escritora Harper Lee, sobre a defesa de um negro acusado da violação de uma jovem branca, oprimida por um pai alcoólico, pelo advogado, branco, Gregory Peck numa magistral interpretação, cuja acção decorre comunidade rural do Sul dos Estados Unidos, e que valeu ao realizador a nomeação para o Oscar de melhor realizador, “Amar Um Desconhecido”, de 1963, uma das incursões do realizador pelo melodrama e no tema do aborto, com Natalie Wood e Steve McQueen. “O Estranho Mundo de Daisy Clover”, de 1966, de novo com Wood no papel de uma estrela de Hollywood marcada por um destino trágico, ou “O Último Degrau”, de 1967, um olhar crítico e desencantado sobre a Escola, através da experiência de uma jovem professora, Sandy Dennis, plena de entusiasmo que lhe permite a sua recente licenciatura, numa escola problemática e excessivamente burocratizada, onde são patentes os conflitos entre grupos de alunos e a complacência surda da direcção e do corpo docente. Um filme, diríamos, excessivamente actual!

Porém, o maior sucesso de Mulligan, tanto cinematográfico como comercial, é de longe “Verão de 42”, realizado em 1971, com Jennifer O’Neil e Gary Grimes. “Todos temos um Verão de 42”, anunciavam os cartazes da época, ou seja, todos procuramos os amores de praia, quase sempre condenados a serem enterrados na areia, ou não. Na fita de Mulligan Gary Grimes recorda a sua primeira experiência de adolescência, a sua iniciação, com uma vulnerável Jennifer O’Neil depois da perda do marido na frente de combate, filmado com a sensibilidade e a atenção ao detalhe emocional tão próprias do realizador. A música de Michael Legrand, usada inteligência, dá o definitivo toque de nostalgia que atravessa todo o filme, através das recordações daquele adolescente do Verão da sua vida. Em 1973 Paul Bogart avançou com uma sequela, “Class of 44”, com Grines, que passou despercebida, de pouco ambiciosa. Uma tentativa falhada de apanhar o comboio do êxito de Mulligan.

Deste realizador esquecido, de obra irregular, mas também, e injustamente, pouco valorizada, podemos ainda referir outros filmes como “Emboscada na Sombra”, de 1969, que marca a sua incursão na temática do western, ou “O Mestre Impostor” e “Idílio em Setembro”, de 1961, duas obras onde Mulligam muda de registo e de género, experimenta a comédia, tendo como protagonistas Tony Curtis e Rock Hudson, respectivamente. Este último surge em “Labirinto de Paixões”, de 1962. De 1971 é “Em Busca da Felicidade”, com Michael Sarrazin, de novo um olhar sobre a juventude americana, merecendo ainda alguma atenção “A Estrada do Amanhã”, de 1978, à volta da comunidade ítalo-americana, “blue collar”, de Nova Iorque e que lança um jovem Richard Gere para a primeira linha do estrelato e “O Outro”, de 1972, um filme pouco conhecido, estranho e perturbante, onde o realizador faz uma fascinante abordagem do fantástico ligado à psicologia da infância e ao Bem e ao Mal, o horror que surge pouco a pouco numa pequena aldeia de província, personificado em duas crianças gémeas que se entregam a estranhos “jogos” cheios de maldade.

O seu último filme, “The Man In The Moon”, de 1991, tal como o anterior, “Clara’s Heart”, de 1988, ambos inéditos entre nós, passaram agora num recente ciclo que a Cinemateca Portuguesa dedicou ao realizador. Ainda bem!

Até à próxima e bons filmes!.

Luís Dinis da Rosa
Joaquim Cabeças


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