EDUARDO CATROGA,
ECONOMISTA
"Estamos na ressaca da
crise"
«O “monstro” da despesa pública deixou de
engordar, mas continua gordo». O ex-ministro das Finanças não está
optimista quanto à recuperação do nosso país do ponto de vista económico
e estima que a retoma chegue apenas em 2011. Eduardo Catroga defende que
as reformas de fundo, como a do sistema educativo, são um longo e
contínuo processo e aponta o fim do ensino técnico-profissional como um
dos «piores erros» do 25 de Abril, referindo a carência de formação
técnica ao nível do secundário como uma das explicações para a elevada
taxa de desemprego que Portugal regista na actualidade. O antigo
governante é defensor do aumento do pendor presidencialista, «no mínimo
à francesa», do nosso regime político, não escondendo a sua preocupação
pelo facto de a dispersão de votos contribuir para dificultar a obtenção
de maiorias absolutas em actos eleitorais.
Um autêntico «tsunami financeiro»
abalou o Globo. Pensa que o pior já passou ou estamos ainda na fase das
réplicas?
Creio que estamos na fase das réplicas e, por vezes, com receio que
apareça uma nova onda. Predomina ainda a incerteza, mas existem sinais
encorajadores que, a pouco e pouco, se caminha para a estabilização do
sistema financeiro internacional e dos mercados de capitais. Sem esta
estabilização, não haverá retoma económica. Contudo, é cedo para
garantir que já se iniciou a recuperação económica.
Quer dizer que temos de padecer mais
algum tempo?
Penso que o pior já foi ultrapassado, só que a ressaca na economia real
ainda se vai reflectir durante o que resta de 2009. A primeira economia
a dar sinais de recuperação será a norte-americana, lá por volta de
meados de 2010. O que significa que teremos alguma, ténue, recuperação
europeia na parte final desse ano.
E quando é que a retoma chega
verdadeiramente a Portugal?
Só lá para 2011. No entanto, a economia nacional, não nos iludamos,
atravessa duas crises que se sobrepõem. A crise conjuntural, em
consequência da quebra da actividade económica a nível mundial, e a
crise estrutural, que radica nas nossas próprias debilidades e que se
estende desde 2001. Na primeira década do século XXI tivemos o pior
desempenho relativo das últimas 8 décadas. Registaram-se diversas
flutuações durante o processo histórico mais recente, mas os últimos 9
anos foram verdadeiramente desastrosos.
Que factores estão na origem desse
mau desempenho?
A economia e a sociedade portuguesas estão com dificuldades de adaptação
estrutural ao novo contexto que é caracterizado por um acréscimo da
concorrência global e pela introdução da moeda única. Infelizmente, não
tivemos, ainda, respostas estratégicas coerentes, quer da política
empresarial, quer das políticas públicas, de modo a retomar um processo
de crescimento sustentado fundamental para atingirmos os padrões dos
países mais desenvolvidos.
Porque é que diz que entre 1995 e
2001 perdeu-se uma oportunidade de ouro para estabilizar o país do ponto
de vista económico?
Se fizermos uma breve resenha histórica, concluímos que os portugueses
são especialistas em dar tiros nos pés e em desperdiçar oportunidades
soberanas. Não soubemos fazer a transição da ditadura para a democracia,
acompanhada pela descolonização, o que nos custou uma estagnação de 10
anos em termos de nível de vida. Por outro lado, desaproveitámos o
contexto económico e financeiro internacional de entrada no euro para
aprofundarmos um conjunto de reformas estruturais. Ao invés, num período
de alguma prosperidade, entre 1995 e 2001, engordámos desmesuradamente o
sector público e criámos um «monstro» de despesa pública, aumentando a
carga fiscal sobre as famílias e as empresas. Isto para além de termos
falhado a reforma de sistemas públicos fundamentais, como são os da
educação e formação profissional, justiça, concorrência e regulação dos
mercados. Estamos a pagar uma elevada factura resultante da inacção
estrutural.
Em termos empresariais, também tem
faltado dinâmica?
Um número significativo do universo empresarial ainda se mantém num
estado de adormecimento, ignorando as mutações da economia
internacional. Os desafios da inovação e da internacionalização não
foram convenientemente enfrentados. Mas o problema não se resume às
empresas. As famílias continuam a achar que podem gastar mais do que os
seus rendimentos e deixaram cair as respectivas taxas de poupança para
metade. As taxas de juro baixas foram uma grande ilusão em que todos
embarcaram através do endividamento para consumo. Foram melhorados os
índices de bem-estar, mas não foi criada uma base produtiva capaz de
criar condições para um desenvolvimento económico sustentado. Penso que
este é o grande desafio para a próxima década. E para começar é precisar
interiorizar as nossas verdadeiras vulnerabilidades estruturais no
“mundo novo” para redefinir as prioridades estratégicas.
Mas as vulnerabilidades estruturais
estão identificados há muito…
É verdade, mas o seu ataque exige um combate continuado e sustentado.
Por exemplo, não é de um dia para o outro que se melhora o nível de
empreendorismo da sociedade, a qualidade do sistema educativo / formação
profissional e de justiça. Todos os dias temos de tomar medidas com
vista a seguir no rumo certo.
Como explica que a batalha contra o
défice, que parecia vencida, tenha dado um passo atrás? A crise explica
esse recuo?
O que se passou é que o Governo reduziu contabilisticamente o défice,
mas não fez consolidação orçamental. Em 1995, a despesa pública corrente
primária era de 32 por cento do PIB, a despesa pública total rondava os
40 por cento do PIB. O nível de carga fiscal na casa dos 32 por cento do
PIB. Em termos destes indicadores estávamos melhor do que a Espanha. O
que é que aconteceu nos seis anos seguintes? A Espanha chegou a 2001 com
as finanças públicas equilibradas, enquanto Portugal regrediu em todos
os indicadores que atrás referi. Criámos um «monstro» na despesa pública
e uma carga fiscal exagerada face ao nosso nível de riqueza. Entre 1995
e 2001, foi gerado o «cancro» das finanças públicas. Nos últimos anos,
pouco se progrediu, excepto alguns esforços pontuais. Em 2008, antes de
a crise eclodir, tínhamos uma despesa pública corrente primária na casa
dos 40 por cento do PIB, semelhante à verificada em 2004. Ou seja, o
«monstro» continua vivo, deixou é de engordar, mas continua gordo.
O Estado recorreu a cosmética
orçamental?
Sem dúvida. Através do aumento da carga fiscal, de receitas
extraordinárias, de artifícios contabilísticos e da transferência de
investimento do sector público administrativo para outras entidades que
não entram nas contas públicas. O que acontece é que o investimento
público cai em consequência da transferência de investimento público
para as parcerias público-privadas, os hospitais empresas públicas,
entes públicos empresariais, empresas regionais e municipais que não
entram no domínio contabilístico do sector público administrativo. Mas o
problema das finanças nacionais reside no excesso de despesa pública
face ao nível de riqueza do país. Isto significa que logo que há uma
constipação conjuntural que leva a uma quebra da receita fiscal, vem
logo à superfície um défice muito elevado. Ainda em relação à
sustentabilidade das finanças públicas, o governo tomou duas medidas de
sinal contrário. Primeiro, lançou mão de medidas positivas em relação ao
modo de cálculo das pensões para acautelar a sustentabilidade do sistema
no futuro. Pelo contrário, está a atirar para o futuro encargos muito
avultados com as parcerias público-privadas. Isto é uma forma de
aumentar a dívida pública indirecta, ou seja a que não está directamente
contabilizada. Se os projectos previstos forem todos realizados isso
totalizará cerca de 25 por cento do PIB. É um exagero.
É consensual que a máquina fiscal
atingiu nos últimos anos um patamar elevado de eficiência no arrecadar
de receitas. Perante este cenário, o próximo executivo tem ou não margem
para baixar impostos?
Com o montante da despesa pública a ser atirado para o futuro e com os
encargos em termos de prestações sociais, na área da Saúde e da
Segurança Social, confesso que não vejo como é possível sermos
competitivos em termos fiscais. A única hipótese que vislumbro, e mesmo
assim difícil, é conseguirmos dar o salto em termos de crescimento
económico. Se isso não acontecer, estará em risco, o financiamento
adequado do nosso modelo social. Por outras palavras, ou conseguimos
crescer a uma média de 3 por cento nos próximos 20 anos ou então está
seriamente ameaçado o bem-estar económico e o nível de vida dos
portugueses.
O emprego é um problema sem solução
nos próximos tempos?
A criação de emprego no sector público está esgotada e a tendência é
para a redução líquida do número de efectivos na função pública.
Significa isto que temos de fazer crescer as empresas, a inovação e o
sector dos bens e serviços transaccionáveis.
Preocupa-o que em Portugal existam
12 empresas a falir por dia?
Isso é natural. As empresas nascem, vivem e morrem. Faz parte da
dinâmica da economia de mercado a falência de empresas, o que é
fundamental é que no tecido empresarial a taxa de natalidade seja
superior à taxa de mortalidade. A renovação contínua do nosso tecido
produtivo é o grande desafio que se coloca à sociedade portuguesa nos
próximos anos. E não podemos ter a veleidade de desperdiçar as
oportunidades.
A que oportunidades se refere?
Temos que saber aproveitar as oportunidades que existem em todos os
sectores da economia. Por exemplo, pouca gente sabe que andámos
adormecidos durante décadas, porque consumíamos 60 mil toneladas de
azeite e só produzíamos cerca de metade. Só agora, com o novo olival que
está a ser desenvolvido no Alentejo, é que dentro de 2/3 anos seremos
auto-suficientes no consumo de azeite e, porventura, excedentários para
exportação. No vinho melhorámos exponencialmente a qualidade da nossa
produção e a respectiva penetração internacional.
Em que outros sectores podemos dar
cartas?
Os “clusters” em que podemos ser competitivos são diversos. Por exemplo,
na exploração oceânica. O mar é uma riqueza muito inexplorada. Temos a
fileira da floresta e um grande potencial de desenvolvimento neste
domínio, na produção de pasta, papel, na biomassa, etc. No campo das
energias renováveis há imenso por fazer, tanto no campo da energia
solar, energia eólica, biomassa, etc. Isto já para não falar no domínio
dos serviços a empresas, novas tecnologias da informação, actividades da
cultura e lazer, turismo residencial e nas indústrias da saúde. O campo
de oportunidades é, como vê, vasto. Só se está mesmo à espera é que
sejamos mais empreendedores e que o Estado desenvolva politicas públicas
adequadas para incentivar esse dinamismo, seja no campo do capital de
risco, na burocracia, incentivos fiscais, etc.
Há incentivos suficientes para as
novas gerações mostrarem o seu potencial?
Os jovens têm que pensar também em ser empreendedores. A minha geração,
dos anos 60, quando saiu da universidade encontrou um clima de
facilidades. Era amplo o campo de escolha de emprego, em qualquer
sector, e quase todos bem remunerados. Os jovens de hoje têm uma vida
muito mais árdua, fruto da feroz concorrência. Há uma imensa mole de
estudantes que saem das universidades todos os anos e que se deparam com
muitas incertezas e nenhumas garantias. É preciso procurar encontrar
soluções criativas.
O que defende que se deve mudar na
abordagem nacional do ensino?
No domínio do ensino secundário, só muito recentemente, se começou a dar
importância a partir do 9.º ano ao ensino técnico-profissional. Nem
todos os jovens têm vocação ou querem ir para a universidade, mas
seguramente, todos têm que ter uma profissão. Por isso, o ensino
técnico-profissional é fundamental. Eu próprio passei por uma escola
técnica.
Desprezar esta vertente do ensino
foi prejudicial para o sistema educativo?
Um dos piores erros estratégicos do 25 de Abril foi ter acabado com o
ensino técnico-profissional. O ensino técnico-profissional tem de ser um
ramo autónomo dentro do sistema educativo, com instalações e professores
adequados, com uma boa interligação com o meio empresarial e local. Só
com mais inovação, criatividade e risco é que se torna possível gerar
empregos e crescer de forma sustentada.
Este ano aumentaram as vagas para o
ensino superior. Por exemplo, na advocacia, o Bastonário assegura que
seria possível prescindir de aproximadamente metade dos 26 mil advogados
inscritos na Ordem. Não é um contra-senso?
Em Portugal, somos especialistas em perpetuar ideias que estão
ultrapassadas. Repare: o facto de um indivíduo tirar um curso de
Direito, não quer dizer que siga esta área. A formação de base é que é
fundamental. A formação universitária tem que ser entendida, sobretudo
nos três primeiros anos, como de banda larga, permitindo uma adaptação
posterior ao projecto de vida profissional.
Mas os mercados profissionais estão
saturados...
Com certeza. Por isso é que é urgente descobrir novas profissões. No
campo dos tele-serviços e da multimédia, só para citar dois exemplos, há
novos trabalhos, para além das funções clássicas, que também tendem para
uma especialização por segmentos ou nichos. Creio também que temos
pessoas em excesso com formação generalista e humanista, quando
precisamos é de mais recursos com formação técnica, capazes de trabalhar
em laboratórios, oficinas, fábricas, em design ou protótipos. O que
aconteceu nos últimos 20/30 anos, e que explica, parcialmente a taxa de
desemprego, foi uma falta de formação técnica ao nível do secundário. O
resultado está à vista: electricistas e canalizadores a menos e muitos
candidatos a empregos como administrativos que, pura e simplesmente, não
existem. Da mesma forma que temos psicólogos, sociólogos e jornalistas a
mais para o mercado e carência de efectivos no domínio das tecnologias
da informação.
Quer dizer o universo educativo está
autista perante a realidade que o rodeia?
Essa realidade deriva de juízos errados formulados pelas famílias e
pelas pessoas e reside em factores sociológicos e culturais. Felizmente,
vai-se reagindo e hoje em dia temos mais jovens à procura do ensino
técnico-profissional, de ramos tecnológicos e até de profissões que há
duas décadas eram rejeitadas.
É comum ouvir-se que muitos jovens
recusam empregos dignos como trabalhar num café ou num restaurante. É um
preconceito trabalhar nessas áreas?
Essa relutância explica-se pelos tais preconceitos de natureza cultural
e sociológica. No estrangeiro, é banal os universitários trabalharem na
área da restauração para angariarem dinheiro para fazer face aos
encargos dos estudos. Estas experiências são, aliás, muito importantes
em termos de preparação para a vida. A reforma das mentalidades é um
processo lento. Não há milagres de curto prazo. Por vezes, é preciso
cometer erros para reencontrar novos caminhos. O que é preciso é que,
todos juntos, pessoas, famílias, empresas, governos e elites,
interiorizem que o nível de emprego, a qualidade de iniciativa
empresarial e dos sistemas públicos só melhora se todos fizerem por
isso. Não é em 2 ou 3 anos que se faz uma reforma da administração
pública, da Segurança Social ou do sistema educativo. São processos
contínuos. Nada está concluído e, para além disso, as políticas devem
adaptar-se à evolução do contexto.
Foi um dos subscritores do
“Manifesto dos 28”, que apelava ao governo para reavaliar as prioridades
dos vários investimentos públicos projectados. Este não é o timing para
o TGV e o novo aeroporto?
Importa esclarecer que os subscritores deste manifesto não estão contra
qualquer dos projectos que está em discussão. O que se passa é que o
novo contexto económico e financeiro representa, na perspectiva dos
subscritores , o fim da era do endividamento fácil para as famílias, as
empresas e os Estados. É preciso ter consciência que os mercados
financeiros internacionais vão, a partir de agora, ser mais selectivos e
aumentar o rigor na análise de risco. Por outro lado, a economia
portuguesa registou, nos últimos anos, um crescimento explosivo do seu
endividamento externo. Significa isto que temos que pagar cada vez mais
juros aos credores estrangeiros. Ou seja, uma boa parcela da riqueza
produzida internamente não fica no país. Se o PIB tem crescido pouco, o
rendimento nacional que cá fica tem estagnado. A concretizarem-se, todos
os projectos de investimento público em curso e anunciados,
(auto-estradas, hospitais, três troços de TGV, tribunais, prisões,
expansão de redes de metro, etc.), estamos a falar de aproximadamente 50
mil milhões de euros de encargos, com elevada concentração na próxima
década, que teremos de pagar por muitos e bons anos. Perante isto,
achamos que o bom senso aconselha a redefinir prioridades de
investimento considerando as vulnerabilidades estruturais críticas.
Costuma dizer-se que quem não tem
dinheiro, não tem vícios…
O problema é que investimentos desta magnitude vão ter impacto, directa
ou indirectamente, na dívida externa, uma vez que não há poupança
nacional bruta (famílias, Estado e empresas) para tamanho investimento.
Já para não falar na fraca eficiência económica de muitos dos projectos.
Na sua opinião, que projecto deveria
avançar, devidamente sustentado?
Um ou outro projecto sem viabilidade financeira até se pode justificar,
por razões estratégicas. Mas é fundamental dizer o seguinte: eu
compreendo que os contribuintes devem financiar os prejuízos de
exploração do serviço público de transportes, mas não creio tolerável
que suportem os prejuízos financeiros de exploração do TGV ou das
auto-estradas. Como tal, esses projectos só devem ser executados se os
contribuintes não subsidiarem a exploração. Por outro lado, quando o
Estado fornece garantias, directas e indirectas, à rentabilidade desses
projectos está a fazer muito mal à economia portuguesa. Porquê? Porque
as entidades bancárias, sejam nacionais ou estrangeiras, preferem
emprestar, por hipótese, 10 mil milhões de euros para financiar estes
projectos do que para as Pequenas e Médias Empresas. Trata-se de uma
questão de risco. Só lamento que os políticos na altura de fazer opções
deixem cair a prioridade que deve ser dada ao financiamento do
desenvolvimento das empresas onde se joga a nossa competitividade
externa.
Os estádios do Euro 2004 e a Expo
98, aqui mesmo no Parque das Nações, onde estamos a gravar a entrevista,
foram projectos de grande dimensão. Os governos, independentemente da
cor política, gostam ficar associados a obras de regime?
Existe sempre essa tentação, que por vezes acaba por ser paga bem caro.
Os estádios dos Euro 2004 foram flagrantes. Já quanto à Expo 98 creio
que foi um investimento que acabou por se justificar. Mas a maior
preocupação é a dimensão, a concentração temporal, e o previsível défice
de exploração de muitos projectos que agora estão em discussão. Os
governos têm que redefinir prioridades e os calendários.
Defendeu recentemente o reforço dos
poderes presidenciais. Pensa que o actual regime político é um entrave
ao desenvolvimento?
A bipolarização que tem havido entre PS e PSD tem tendência a tornar-se
mais complexa, devido à dispersão dos votos. Significa que será cada vez
mais difícil obter maiorias absolutas. O PS é um partido do sistema, que
defende a economia de mercado, o projecto europeu, a NATO, enquanto os
seus partidos mais à esquerda, o BE e o PCP, são politicamente
anti-sistema, contra aquilo que os socialistas defendem, o que torna
inviável uma coligação. Foi a década perdida da economia que criou um
caldo favorável a que crescesse a simpatia por posições políticas
populistas, demagógicas e anti-sistema. Por isso, a esquerda mais à
esquerda, congrega 20 por cento do eleitorado. O país precisa de
estabilidade e de uma maioria parlamentar estável e coerente, que dure
uma legislatura completa, com vista a desenvolver políticas continuadas.
Se os partidos não puserem os interesses do país à frente dos interesses
partidários e se a prazo não for possível criar maiorias políticas
naturais, precipitando a queda de executivos, esse cenário coloca em
causa a própria Constituição e o regime eleitoral.
Um Presidente mais intervencionista
é a solução?
Penso que temos duas opções a médio e longo prazo: ou enveredamos por um
regime mais presidencialista, no mínimo à francesa, ou então alteramos a
lei eleitoral no sentido de facilitarmos a criação de maiorias absolutas
em duas voltas – por exemplo, 30 por cento já seria suficiente para um
executivo maioritário. O regime semi-presidencial pode ser melhorado mas
os próximos anos vão pô-lo à prova e ditar as alterações e ajustamentos
necessários no sentido da criação de soluções governativas estáveis de
legislatura.
E o que lhe parece a solução “Bloco
Central”?
Creio que seria um cenário aplicável apenas em emergência nacional. Não
é saudável para o nosso sistema político uma coligação PS e PSD. Isso
acarretaria desgaste de ambos e reforçaria os partidos da franja da
esquerda e da direita. É verdade que a confluência de políticas no
domínio económico, social e política externa é grande, mas seria bom que
ambos se mantenham como partidos de alternância do poder.
Colhe o argumento da
ingovernabilidade caso não exista maioria absoluta nas próximas
legislativas?
Parto do pressuposto que Portugal é governável. Na pior das hipóteses,
teremos um governo de maioria relativa. Por ser da minha área política,
tenho esperança que o PSD e o CDS possam formar governo, mas caso isso
não aconteça, pelo menos que o PS e o CDS, o consigam. Se nem isso for
possível, há acordos pós-eleitorais, de incidência parlamentar. Lembro
que já tivemos um governo minoritário, que foi o do Prof. Cavaco Silva,
e que primou pela eficiência. Foi derrubado por uma moção de censura e
depois foi a votos e o povo sufragou-o com a maioria absoluta dos votos.
Com mais ou menos custos, com mais ou menos rapidez, em democracia há
sempre soluções.
Como ex-ministro que foi, que
mensagem deixaria aos políticos?
Os sinais recentes indicam que o actual regime partidário carece de uma
renovação de pessoas e de métodos, tendendo para o esgotamento. Os
partidos e os líderes devem pôr os interesses da nação acima dos
interesses das respectivas forças políticas e realizar as reformas no
sistema político que se impõem.
Textos: Nuno Dias da Silva
Foto: Nuno Botelho e Carlos Santos/Expresso
PEDRO ALVES E JOÃO PAULO
RODRIGUES, EM ENTREVISTA
Humor sem crise
Pedro Alves (conhecido por Zeca
Estacionâncio) e João Paulo Rodrigues (Quim Roscas) formam uma das
duplas de humoristas portugueses mais vista. Em entrevista ao Ensino
Magazine, os dois actores, contam como se pode fazer humor em Portugal,
numa conversa a três vozes. O resultado aqui fica. Façam o favor de
também se rir, porque contra a crise não há melhor remédio.
Os vossos patrocinadores são bem
antigos e mantêm-se muito fieis?
Zeca E. Continuam a pagar. Alguns deles disseram-nos assim: “a gente vai
patrocinar mas ainda não temos empresa feita, inventem qualquer cena”. A
gente inventava, depois as coisas resultavam. Mais tarde fizeram as
empresas e os produtos vendem-se aí que é uma categoria. Em tempo de
crise a coisa está a correr bem para os nossos patrocinadores.
A crise ainda é a melhor coisa para
o humor e a stand-up comedy?
Quim Roscas. O nosso humor ainda é o mais popular, é barato. Mas
há aquele riso mais carito. Mas o nosso é para toda a gente, é popular,
é baratucho, toda a gente se ri, toda gente percebe.
Zeca E. Em tempo de crise toda a gente pode comprar. Mas isso da
crise acho que é uma treta do caneco. A crise é uma coisa que as pessoas
usam para justificar uma coisa que não tem justificação.
Quim Roscas. Ia dizer uma coisa mesmo bonita para rematar e
esqueci-me por tua causa, pá.
Zeca E. Tu também me interrompes quando estou a dar entrevistas.
Chegas aqui “Ai as mulheres badalhocas”… Não tem nada a ver. É bonito,
não é?
Quim Roscas. Mas eu não falei das de cá, falei das de lá.
Zeca E. Das de lá ou de cá, não interessa, eu estava a falar de
um assunto e interrompeste-me.
Quim Roscas. Mas eu estava a falar de uma coisa assim hipotética,
que são aqueles animais que andam na selva.
Zeca E. Hipoteticamente também estragas-te a linha de pensamento
que estava a usar na altura, que é uma linha que já se perdeu.
Quim Roscas. Tu sabes que eu tinha um amigo que era gago que foi
naquelas coisas para África? Como é que se chama?
Zeca E. Safari.
Quim Roscas. Então ia um grupo de 100 pessoas, ou 50 pessoas, e
começa ele: hip… hip… hip. E o pessoal “Hurra”, “Hurra”. No dia seguinte
foram todos degolados por um bando de hipopótamos.
Os vossos espectáculos são planeados
ou há muito improviso à mistura?
Zeca E. Nunca dá para fazer um alinhamento de um espectáculo
destes porque nós não sabemos o tipo de público que vamos ter ali à
frente. Depois no palco, naqueles primeiros cinco minutos, analisamos
bem a situação e decidimos por onde se vai, mas é tudo de improviso.
Temos coisas que já fazemos há anos, outras que vamos alterando, mas é
praticamente sempre na hora que as coisas acontecem.
Ficam satisfeitos com a reacção,
principalmente às músicas com aquelas letras um pouco manhosas?
Quim Roscas. Ficamos. Nós já há muito tempo que cantamos essas
músicas e as pessoas já há muito tempo que nos conhecem e acompanham o
nosso trabalho. Se é que se pode chamar trabalho, é mais diversão para
nós. Somos bem recebidos e as pessoas gostam de nós. E sentimo-nos bem,
como é óbvio.
Além dos espectáculos, há também a
televisão. Estão satisfeitos com o resultado final do vosso programa na
RTP 1?
Zeca E. Claro que sim é sempre bom estarmos a fazer um trabalho e
percebermos que as pessoas o consomem. E os resultados têm sido
excelentes. É um reconhecer do nosso trabalho. As pessoas estão a gostar
e isso deixa-nos satisfeitos, porque o projecto inicialmente era algo
que nós não sabíamos se ia resultar, mas afinal resultou e conseguimos
chegar a quase todos os extractos sociais. Temos um programa abrangente,
é fixe.
Como é que surgiu a ideia de um
programa com aquelas características e principalmente no Curral de
Moinas?
Zeca E. Foi na praça da Alegria. Na altura tinham-nos pedido para
fazermos uma coisa durante 15 dias, que era só para um tempo de férias
lá da Praça. Então surgiu a ideia, juntamente com os nossos guionistas,
de fazer o TeleRural. Era para ser 15 dias, mas como vês, continuamos.
As notícias como é que são feitas?
Têm uma equipa que escreve para vocês, ou são da vossa autoria?
Zeca E. Temos os nossos guionistas que são o Frederico e o
Henrique. Obviamente que às vezes partilhamos ideias com eles. Estamos
sempre ali a pensar ideias novas, mas são eles que depois fazem os
textos. Eles pedem-nos a nossa opinião, partilhamos ideias. E depois é
aquele resultado que toda a gente vê, que a gente gosta muito.
Nos espectáculos ao vivo ou nos
directos de televisão onde sentem mais adrenalina?
Quim Roscas. São duas coisas diferentes. O improviso em televisão
é sempre uma responsabilidade enorme, estás a ser visto por milhões de
pessoas. Aqui nos espectáculos é um trabalho mais descontraído, podemos
estar mais à vontade, podemos desatinar mais. O trabalho ao vivo com o
público é muito mais solto.
Nos directos com a RTP 1 já
aconteceu alguma situação que ia para sair uma palavra mais picante?
Quim Roscas. Posso falar de uma. Nós estávamos num directo, num
programa ao vivo que a RTP faz. Depois de almoço o Pedro virou-se para
um senhor da Guarda e perguntou-lhe o que ele tinha almoçado. O Pedro
tentou emendar “ele disse que comeu uma sandezona”. E o senhor “ Comi
mesmo uma sandes de ….”. São coisas que acontecem em directo, para a
RTP, com milhões de pessoas a ver, em Portugal e no estrangeiro. E um
gajo tem de se desenrascar, e desenrascamo-nos bem.
Sendo vocês homens do Norte não
gostam de brincar com o Benfica?
Quim Roscas. Eu não ligo a futebol, aqui o meu sócio é ferrenho
do Futebol Clube do Porto, e eu gosto de dizer que sou do Sporting para
o picar. Mas sou do Sporting de Braga. Não ligo ao futebol, o futebol a
mim não me diz nada.
Projectos para o futuro?
Quim Roscas. Tenho agora um projecto porreiro de uma casa que
estou a fazer. A ver se o banco me dá dinheiro.
Gostávamos de fazer Teatro. Temos um projecto na forja que os nossos
argumentistas estão a começar a escrever. Irmos de teatro em teatro,
pelo país fora, com o teatro do Quim e do Zé, com as personagens da
televisão. É uma questão de se acabar de escrever e de ensaiar. Daqui um
ano vamos levar o Quim e o Zé às terras.
Há muitas datas já agendadas?
Quim Roscas. Todos os fins-de-semana temos espectáculos
agendados, durante o ano. No próximo fim de semana temos um espectáculo,
daqui a duas semanas estamos nos Açores; há 3 semanas estivemos no
Canadá, Suiça. Passamos a vida cá, ou fora de Portugal a actuar para as
comunidades. Todos os fins de semana temos sempre espectáculos
agendados.
Em Portugal já há mais condições
para o stand-up comedy progredir?
Quim Roscas. Já começam a haver melhores condições. Houve ai três
ou quatro programas de televisão que abriram a mentalidade às pessoas.
Começou-se a fazer uma comédia mais inteligente. As mentalidades já são
mais abertas. Há coisa de 10 anos não conseguias. Quando nós começamos,
dizer uma piada sobre qualquer coisa já era um escândalo. Agora as
pessoas já entendem. Já podemos dizer uma asneirada, o pessoal já
entende na boa.
O Vosso sotaque também é uma mais
valia para as piadas?
Zeca E. Não é uma questão de sotaque, é o ênfase que damos às
coisas ao falar. No Norte temos uma maneira especial de fazer isso. Se
calhar noutras zonas do país as pessoas são mais lineares a dizer as
coisas, nós cá damos um bocadinho mais de ênfase.
Em Portugal o humor tem cada vez
mais inteligência na sua escrita?
Zeca E. Sim, claro. O programa Levanta-te e Ri foi descobrir
pessoal que escreve muito bem, e o humor em Portugal está muito fixe.
Entrevista: Hugo Rafael
Texto: Eugénia Sousa
KISRSTY GUSMÃO EM
ENTREVISTA
Desafios de Timor
Depois de anos de cooperação bem-sucedida
no terreno entre a Escola Superior de Educação do Porto (ESE.IPP) e o
governo timorense, Katty Sword Gusmão expressou ao embaixador de
Portugal em Díli a vontade de conhecer in loco a realidade das
instituições, como a ESE.IPP que vêm contribuindo de forma determinante
para o progresso da educação timorense.
Para a esposa do primeiro-ministro de Timor-Leste e herói da resistência
maubere, Xanana Gusmão, “a educação é tudo” e ainda mais o é num país
que se está a construir desde o zero, como é o caso de Timor-Leste, cujo
maior activo, mais do que os recursos naturais, são as pessoas, que
precisam de instrumentos para revelarem e desenvolverem todo o seu
enorme potencial.
A Embaixadora de Timor-Leste para a educação, também presidente do
Conselho Nacional de Educação timorense e Presidente da Fundação Alola
(dedicada originalmente à defesa das mulheres da violência e alargada
progressivamente à actividade social na educação, e saúde) recordou a
condição de Professores de seus pais e também o facto de ela própria ser
Professora para reafirmar a transversalidade crucial da importância da
cooperação educativa no desenvolvimento duradouro da nação de
Timor-Leste. A entrevista aqui fica.
A Kirsty disse que tinha vários
“chapéus” (Embaixadora para a Educação, Presidente do Conselho Nacional
da Educação e Presidente da Fundação Alola”). Qual o balanço que faz do
trabalho que tem desenvolvido em Timor e quais as próximas metas a
atingir?
Como ponto alto, tenho muito orgulho em ter criado a Fundação Alola em
2001, que é uma organização com programas nas áreas do desenvolvimento
económico, educação, saúde materno-infantil e defesa das mulheres. Tem
sido difícil concretizar num curto espaço de tempo todos os objectivos
que nos propomos, porque não somos uma organização que constrói
infra-estruturas. Somos uma organização que tem por objectivo principal
mudar mentalidades, educar, e sabemos bem que é trabalho para durar uma
geração. Todavia, tem sido fantástico trabalhar com um grupo de mulheres
impressionante, altamente empenhadas e dedicadas, extremamente dignas.
No campo da educação, tenho tido imenso prazer em trabalhar em
proximidade com o nosso Ministério da Educação, apoiando-o, chamando a
atenção para as necessidades mais prementes e ajudando a passar a
mensagem que “a educação é tudo”.
Percebe-se pelo que diz que deposita
uma grande fé na próxima geração. Sendo que a geração mais nova, em
Timor, representa uma larga faixa da população total, podemos estar a
falar de uma grande mudança de mentalidades na nação timorense num
espaço de 20 a 30 anos, fazendo de Timor um outro país. Como vê esse
país?
Muito avançado em muitas áreas como a educação, a saúde e a habitação.
Quando visito escolas como a Escola Superior de Educação do Politécnico
do Porto fico muito feliz, mas também ambiciosa em conseguir para Timor
o mesmo nível de qualidade que aqui é a regra. É uma inspiração. Vai
levar ainda muito anos a ter este nível de instalações e de recursos
humanos. Mas vamos lá chegar.
Considera que construindo a melhoria
dos recursos materiais e humanos a mudança de mentalidades que vê como
urgente está garantida? Qual a dimensão em que está mais insegura, a
logística ou a educacional?
Estou insegura em relação às duas, mas estou convicta que com uma melhor
colaboração entre a sociedade civil e organizações como a Fundação Alola
e o governo, com a colaboração de outros interlocutores como as Nações
Unidas e governos de países amigos como Portugal, poderemos certamente
fazer muito por ambas as dimensões: a material e a humana.
Qual foi o grande objectivo desta
visita a Portugal?
Esta visita foi muito centrada na educação, mas tem muitos objectivos.
Pretendo apresentar o trabalho da minha Fundação (Alola) ao povo
português, pois a Fundação tem uma base de apoio muito forte na
Austrália (que é a minha terra natal) mas é pouco conhecida em Portugal.
Também queria apresentar os meus filhos a Portugal, que não conheciam
ainda. Para todos nós, para a minha Família, Portugal é uma segunda
pátria. Só o meu filho Alexandre tinha vindo em 2001 com o pai, mas com
15 meses e, portanto, não se lembra de nada.
Um dos lemas do Politécnico do Porto
é “Ensinar a Aprender. De que forma é que este lema se adequa às
necessidades de Timor-Leste? De que forma é que o trabalho que os
professores do Politécnico do Porto (e da sua escola de Educação)
contribui para um melhor desenvolvimento de Timor?
É fundamental! Os nossos professores precisam de aprender a ensinar e os
nossos jovens estudantes precisam muito de saber como estudar, porque
nunca tiveram a oportunidade nem as condições de vida adequadas para
estudar, para ter método e desenvolver a curiosidade sobre o saber. Em
casa têm muitas pressões para se dedicarem a trabalhos rurais e
domésticos. No caso das raparigas verificamos ainda muitas pressões
culturais que as afastam da escola. Não têm o luxo de poder estudar em
casa, de aí poderem ler livros. Os livros não são valorizados em Timor.
Eu sei que é um desafio também em outros países. Sei que em Portugal
existe também um Plano Nacional de Leitura para promover a leitura, mas
em Timor é um outro desafio.
Havendo consciência que é uma
batalha difícil, ela seria bem pior sem a cooperação de Escolas como a
ESE.IPP, não? Como é que vê o trabalho que estes professores realizam em
Timor?
O nosso próprio governo tem reconhecido a importância enorme deste
trabalho e tem pedido o reforço dos recursos alocados a ele, defendendo
o Português contra as pressões concorrentes a que ele é sujeito.
Com maior prosperidade económica em
Timor devida aos recursos petrolíferos, gostaria de ver crescer também o
investimento do respectivo governo na área da educação?
O governo tem reconhecido que é necessário aumentar este investimento,
pois não é suficiente depender dos apoios de países e organizações
amigas. Acontece que, também no ensino do e em português outros países
que não Portugal poderiam colaborar. O que sabemos, porém, é que os
apoios destes países são também ditados por razões económicas e
estratégicas e, aí, o Português não é a sua prioridade.
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