Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XII    Nº134    Abril 2009

Entrevista

EMÍLIO RUI VILAR, PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

"O ensino tem um problema de custo-benefício"

52 anos depois do seu nascimento, a Fundação Gulbenkian é uma das instituições mais importantes e conhecidas de Portugal, sendo por vezes comparada a um ministério da Cultura e da Educação informal. Rui Vilar, que dirige os destinos da Fundação desde 2002, explica, em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», os objectivos da campanha «País Solidário», como forma de tentar acudir às solicitações decorrentes da crise económica a que o Estado não consegue dar resposta. Sobre o sector do ensino, Vilar defende que urge dotar os recursos disponíveis de maior eficiência, declara que a escola não pode estar divorciada da comunidade e alerta que muitos professores não estão preparados para as transformações sociais e os desafios étnicos-culturais dos tempos modernos.
 

Ensino Magazine – O que representa a Fundação Calouste Gulbenkian para o País e para o mundo?

Aquando da sua criação, ainda em pleno regime ditatorial, foi um grande factor de modernização e abertura para Portugal, tendo desempenhado um papel único na transformação da nossa sociedade, trazendo até nós muitos acontecimentos e pessoas que, de outro modo, não viriam até cá, permitindo que muitos portugueses fossem estudar para o estrangeiro. Nessa época, a Fundação mobilizou e disponibilizou recursos em áreas onde o Estado e a sociedade eram escassos, como a cultura e a investigação científica. O salto nestes domínios foi muito grande, graças à intervenção da Fundação e à sua dimensão, então inusitada. No mundo, a Fundação Calouste Gulbenkian é uma das maiores fundações europeias e intervém em muitos países, em temas globais, na ajuda ao desenvolvimento e no apoio às comunidades arménias.
 

Como se operou a transição para a democracia?

Com o regime democrático e, sobretudo, com a integração europeia, em meados dos anos 80, o País evoluiu e o Estado passou a ter mais recursos. Surgiram, entretanto, outras instituições da sociedade civil a actuar nas áreas da Fundação Gulbenkian. Esta nova realidade levou a que a instituição se orientasse preferencialmente para objectivos de vanguarda e inovação, procurando antecipar a evolução dos tempos.
 

Em que medida o legado do seu fundador, o arménio Calouste Gulbenkian, inspira e condiciona os destinos da instituição?

Embora a Fundação seja uma instituição portuguesa, o fundador terá dito ao seu primeiro «trustee», Lord Radcliffe – que acabaria por não ter funções na Fundação, mas que estava designado para ser o seu primeiro presidente –, que a Fundação se destinava a servir toda a Humanidade. A Fundação tem tido uma permanente intervenção fora de Portugal, quer através da delegação em Londres, que faz o grant giving no Reino Unido e na Irlanda, e do Centro Cultural, em Paris, com uma atenção permanente no apoio aos arménios da diáspora, sobretudo nos países onde esta comunidade tem mais dificuldades, como na Síria, no Líbano, no norte do Iraque e do Irão, no Egipto e na Turquia. Sem esquecer os programas de ajuda ao desenvolvimento dirigidos, sobretudo, para os países africanos de língua oficial portuguesa e para Timor. Nos anos mais recentes, temos alargado a nossa intervenção internacional através da participação em parcerias e redes internacionais de filantropia, em áreas como as migrações, a saúde global, onde a nossa acção faz mais sentido inserida numa rede e não isoladamente. Calouste Gulbenkian era um homem que fazia a ponte entre duas culturas – a oriental, do seu nascimento, e a ocidental, da sua educação e vivência – e a Fundação inspira-se naturalmente no seu exemplo para contribuir para o tão necessário diálogo de ; culturas nos dias de hoje.
 

A Fundação Gulbenkian é um referencial cultural e artístico em Portugal. Duas exposições, Amadeu Souza-Cardozo e Darwin (ainda em exibição), registaram dezenas de milhares de visitantes. Significa esta adesão que a percepção e sensibilidade cultural dos portugueses está a mudar?

Creio que é patente a maior procura de iniciativas culturais, em particular pelos públicos mais jovens. É reconfortante ver as exposições cheias de gente interessada, ávida de conhecer e experimentar.
 

Tem-se assistido à proliferação de fundações, como a Champalimaud, na área da Saúde, ou a Francisco Manuel dos Santos, na investigação dos grandes temas nacionais. Como presidente do Centro Português de Fundações, em cujo site se pode ver mais de 100 fundações associadas, acha que estas instituições têm tido o reconhecimento público que merecem? Devem aperfeiçoar e divulgar os seus propósitos?

É importante que a sociedade civil portuguesa se afirme através da criação de novas fundações que, como nos exemplos que citou, representam de algum modo uma devolução à comunidade da riqueza acumulada pelos seus instituidores. Por outro lado, as fundações devem prosseguir as suas actividades com preocupação de aperfeiçoamento institucional, designadamente no que toca a transparência e prestação de contas.
 

Na semana em que gravamos a entrevista, a Fundação apresentou a iniciativa «País Solidário». Que objectivos presidiram a esta campanha?

A Fundação Gulbenkian tomou a iniciativa, tendo-se posteriormente associado, a Fundação EDP e a Fundação Millenium BCP, a CGD e o BPI. As questões sociais estiveram sempre na primeira linha das nossas prioridades e, nesta crise em particular, verificámos que havia áreas da nossa sociedade que não estavam a ser preenchidas pelos esquemas de protecção social gerais e que eram constituídas por famílias em situações de carência extrema, sobretudo com crianças em creches ou no pré-escolar ou idosos e deficientes a seu cargo. A campanha está lançada e vai ser executada no terreno pela Cáritas, Cruz Vermelha e Federação dos Bancos Alimentares.
 

A campanha abarca todo o País?

Inicialmente serão cobertas quatro regiões (Grande Porto, Península de Setúbal, Vales do Ave e Tâmega), aquelas em que os indicadores de precariedade familiar fornecidos pelo INE apontam ser de maior gravidade. Mas se os meios crescerem, como esperamos, a iniciativa vai expandir-se a outras regiões. Para começar, temos 1 milhão de euros, assegurado pelas cinco instituições de partida, para fazer face às dificuldades, mas esperamos que este valor se multiplique.
 

Fica-se com a sensação que a Fundação funciona para colmatar as lacunas do Estado. Sente isso no dia-a-dia?

É um dado da evidência que o Estado não pode acorrer à totalidade das solicitações que lhe chegam. Por outro lado, o Estado rege-se por critérios de legalidade e equidade que são mais morosos na sua execução. Cabe à Fundação trabalhar em complementariedade, porque também é responsabilidade da sociedade civil acudir a essas situações. A atitude de tudo esperar do Estado não representa o assumir uma cidadania responsável, quando ela é cada vez mais necessária nos nossos tempos.
 

Não crê que este esperismo (que caracteriza a sociedade civil) vem-se arrastando há demasiado tempo?

É um facto. Insisto que entendo tratar-se de uma atitude que não é responsável. Ainda para mais quando sabemos que o Estado não pode resolver todos os problemas.
 

O aumento da criminalidade e do desemprego, as manifestações de rua, o descrédito das instituições, nomeadamente a Justiça, são sintomas de mal-estar social. Qual a sua fotografia da sociedade actual?

A sociedade portuguesa está a sofrer uma profunda transformação, desde logo, em termos demográficos, visto que estamos a envelhecer. Por outro lado, operou-se um deslocamento de pessoas das áreas tradicionais, do sector primário para o sector terciário, e do interior para o litoral. Em terceiro lugar, somos uma sociedade que está a conhecer, desde há muito pouco tempo, o fenómeno da imigração, depois de durante séculos termos sido um País de emigrantes. Isto sem esquecer a escolarização consolidada, a possibilidade de alfabetização a 100 por cento e a multiplicação por 10 vezes do número de alunos no ensino superior.
 

Que efeitos práticos teve a adesão à União Europeia?

Sobretudo a partir da integração europeia, e em particular aquando da entrada na Zona Euro, houve um crescimento significativo em termos económicos e a transição para uma sociedade de consumo. Os níveis de aforro caíram e a tendência é para que as aspirações de consumo se situem ao nível da média europeia, o que conduziu, sobretudo nos últimos anos, a um crescimento, a meu ver excessivo, do crédito e do endividamento externo. Quando surge uma crise internacional com a dimensão e a profundidade da que estamos a experimentar, o crédito e o endividamento externo experimentam cortes abruptos e, portanto, criam-se tensões e dificuldades para as quais as pessoas não estavam preparadas. Temos, simultaneamente, a crise global, que afecta as nossas exportações e cria desemprego, em conjugação com as dificuldades internas de reagir à adversidade, em boa parte devido ao excesso de endividamento com origem no crédito externo.
 

A vulnerabilidade das instituições, nomeadamente as judiciais, fragilizou a capacidade de resposta aos problemas?

As instituições da nossa arquitectura político-social têm revelado grandes dificuldades de adaptação aos tempos modernos, como é, claramente, o caso da Justiça. Certamente que incorporaram as tecnologias, mas em termos culturais e de resolução dos problemas com celeridade e eficácia, bem como no relacionamento com os meios de comunicação social, persistem sinais de inadaptação.
 

O poder mediático tem conferido uma visibilidade que não existia a problemas como a Justiça...

Creio que não é correcto designar a comunicação social por «quarto poder», mas sim um contra-poder, em oposição ao poder político e ao poder económico. Mas um contra-poder útil. Precisamente o facto de ser um contra-poder obriga a comunicação social a maiores exigências de natureza ética e deontológica.
 

Enfatiza-se, quiçá demasiado, o Portugal menos positivo. O que é que o País tem de bom e que devia ser exponenciado?

Um dos aspectos positivos prende-se com uma nova geração que saiu das universidades e que se doutorou em Portugal ou no estrangeiro, competindo lá fora nos patamares mais exigentes em termos de investigação científica e novas tecnologias. Temos pessoas muito capazes nesses domínios. Por outro lado, segundo relatórios com a autoridade dos da OCDE, temos sido dos países da Europa que melhor tem sabido integrar as comunidades imigrantes. No fundo, são sinais positivos e que nos devem encorajar, colectivamente, com sentido de responsabilidade e com a coesão necessária, a ultrapassar as dificuldades presentes.
 

Um dos últimos entrevistados do “Ensino Magazine”, Luís Campos e Cunha, não escondeu a sua frustração por ver os seus melhores alunos abandonarem o País. É dos que fica resignado perante a realidade?

Permita-me discordar. Vivemos num mundo global e de fronteiras abertas, como tal, temos de aceitar, com naturalidade, que alguns dos nossos cientistas abandonem o País, nunca perdendo de vista a criação de condições para atrair profissionais do exterior. Trata-se de uma circulação perfeitamente normal e que deve ser estimulada. O “Erasmus”, por exemplo, foi um passo muito importante na abertura de horizontes aos estudantes. Para além disso, as nossas universidades têm de ser capazes, e algumas estão a fazê-lo, de atrair estudantes estrangeiros. Posso dar o exemplo do Instituto Gulbenkian de Ciência que tem formado pessoas que estão a trabalhar no estrangeiro, mas também tem sido capaz de atrair muitos cientistas que não são portugueses a virem trabalhar nos nossos laboratórios.
 

«Faz falta um bom exercício de autoridade em Portugal», disse numa entrevista recente. Quer concretizar?

As sociedades precisam de âncoras, de referências e de balizas. Só assim é possível competir num mundo global. O facilitismo e o laxismo não são compatíveis em sociedades que vivem num mundo altamente competitivo. Os sistemas democráticos assentam na existência de leis que resultam da vontade do povo, através dos seus representantes. Por isso, o exercício da autoridade, no cumprimento das leis, ; deve ser legítimo, não apenas um direito, mas sobretudo um dever de quem está investido em funções de autoridade. A complacência com práticas ilícitas ou que contrariem o interesse geral, tem resultados francamente negativos, visto que não conduz à necessária ética de responsabilidade que deve prevalecer nas sociedades, contribuindo para o descrédito das instituições.
 

Foi ministro durante a década de 70. Conhecedor que é do exercício de funções de carácter público, como reage quando os cidadãos acusam os políticos de todos os males?

A culpa reparte-se entre eleitos e eleitores. A grande vantagem dos sistemas democráticos é que os eleitos podem ser substituídos, porque é aos eleitores que cabe avaliar o modo como exercem as funções. Normalmente há nas democracias dois tipos de abordagem: numa delas, os eleitores privilegiam mais o programa e as ideias avançadas pelos candidatos. Noutro caso, olham mais para os candidatos, no sentido em que avaliam a sua capacidade para resolver problemas, independentemente do programa político subjacente.
 

A que tipo de abordagem é que os eleitores são mais sensíveis?

Creio que pendem mais para a segunda abordagem, em que o carisma pessoal e a capacidade de liderança sobrelevam a base ideológica dos candidatos. É por isso, que temos a tendência para dizer que não há grandes diferenças nas propostas políticas actuais, e o traço que separa os políticos é a respectiva personalidade e não as ideias.
 

Os cidadãos valorizam mais o carisma do que a competência?

Penso que os eleitores entendem carisma como a competência para resolver problemas. Por isso, apostam mais numa pessoa que lhes pareça capaz de resolver as dificuldades que possam surgir do que noutra que se mostre apta a executar um programa com base ideológica e estruturado de A a Z. Mas volto a dizer que a grande vantagem do sistema democrático é o julgamento que as eleições permitem e a substituição de quem os eleitores achem que não cumpriu o programa ou não resolveu os problemas.
 

Desempenhou as funções de presidente da Caixa Geral de Depósitos e vice-governador do Banco de Portugal. Como viu a sucessão de acontecimentos decorrente do turbilhão financeiro que devastou a credibilidade dos bancos e alarmou os mercados?

Esta crise remete-nos para a ética e o cumprimento das boas regras da profissão e a um apelo generalizado ao “back to basics”. Os sistemas bancários, não apenas o português, aproveitaram este longo período de inflação baixa para alavancarem o seu crescimento para além daquilo que eram as boas regras da profissão. O que aconteceu foi uma excessiva alavancagem do crédito à custa da exposição excessiva das instituições financeiras e da colocação no mercado de produtos dificilmente inteligíveis, mesmo para os iniciados. Isso conduziu a que surgissem os colapsos que tivemos oportunidade de testemunhar.
 

A quem deve ser atribuído o desrespeito e o atropelo pelos valores éticos?

Há uma quota de responsabilidade da parte dos dirigentes dos bancos, mas também por parte do legislador, que facilitou em determinados domínios, dos supervisores, agências de rating e auditores, que actuaram ao arrepio das boas regras enquadradoras da profissão.
 

É possível restaurar os danos infligidos na imagem dos bancos, mesmo depois de a tormenta ser vencida?

Vai demorar tempo. A confiança quebra-se num minuto e recupera-se em anos. Mas o grande desafio que o mundo financeiro tem agora pela frente passa por restabelecer os equilíbrios internos e a relação de confiança com o público. Um sistema financeiro credível é essencial porque é o grande redistribuidor de riqueza e o sistema vascular das economias.
 

Licenciou-se em Direito, em Coimbra. Quis ser magistrado, mas acabou por dedicar-se à gestão profissional de grandes empresas e instituições. Um dos seus lemas de vida foi «fazer sempre bem». Sendo a escola o espelho da sociedade, pensa que falta exigência e rigor no ensino actual?

Sou um observador distante e certamente os meus juízos podem carecer de toda a informação necessária. Penso, contudo, que a nossa escola foi invadida por um conjunto de doutrinas em que se acentuou o aspecto lúdico e o prazer na aprendizagem, em detrimento de valores como o esforço, o mérito e a disciplina. De facto, a aprendizagem é um esforço e o prazer da descoberta, de ser capaz de resolver problemas ou entender um texto mais complexo, só vem depois do processo de assimilação. Creio que, neste momento, essas doutrinas estão a ser corrigidas, o que faz com que a exigência, o mérito e o trabalho voltem a ser elementos centrais na escola.
 

O clima de contestação parece ainda longe do fim. Como explica que a instabilidade tenha colocado o ensino sobre brasas?

Essa instabilidade acaba por ser natural, fruto da fase de transformação e crescimento que temos vindo a experimentar. A necessidade de adaptação gera naturais dificuldades e tensões, que explicam os epifenómenos de turbulência no funcionamento do sistema de ensino.
 

A Gulbenkian está a desenvolver um programa de combate ao insucesso e abandono escolar. Quais são os objectivos do projecto?

Pretendemos melhorar o ensino e a aprendizagem. Esse Programa Gulbenkian destina-se a apoiar iniciativas que visam combater o abandono precoce ou o insucesso escolar e a apoiar a divulgação dos bons exemplos e boas práticas de modo a que possam ser replicados noutros estabelecimentos de ensino. A escola de hoje confronta-se com transformações sociais e desafios étnico-culturais de diversa natureza, para os quais muitos professores não estão preparados. Um professor que enfrenta uma turma em que há alunos com 7 ou 8 línguas maternas diferentes, carece de um treino específico, distinto do docente que tinha uma turma com estudantes apenas com o Português como língua materna. Para além disso, as transformações em curso e o decréscimo demográfico, com menos alunos nas escolas e a reorganização geográfica dos equipamentos, levaram a que a procura de professores tenha diminuído. São novos ingredientes, factores de contexto e factores intrínsecos, que devem merecer a melhor adaptação do sistema de ensino e dos seus actores.
 

São recorrentes as críticas que o mundo real não faz parte do ensino. Seria desejável uma maior aproximação da escola, nomeadamente das universidades, por exemplo, com o mundo empresarial?

Nenhuma escola pode singrar se estiver divorciada da comunidade que serve. As experiências de aproximação de algumas das nossas universidades às empresas são positivas e há aí um largo terreno a explorar por umas e por outras.
 

Considera um exagero dizer que a performance no sistema de ensino nacional é uma das grandes falhas dos 34 anos que levamos de democracia?

Não diria falha da democracia, mas há, de facto, para usar uma linguagem dura, um problema de custo-benefício no sistema de ensino. No sector da educação, temos despesas per capita equivalentes a outros países europeus e os resultados estão longe de ser semelhantes. Na cadeia do ensino há que melhorar alguns indicadores, visto que não é por falta de recursos que não atingimos objectivos, mas sim pela deficiente utilização desses mesmos recursos. É um desafio neste período de transição que estamos a viver.

Texto: Nuno Dias da Silva
Fotos: Fundação Glubenkien

 

 

 

Cara da notícia

Emílio Rui Vilar tem um curriculum invejável. Quase que se pode dizer que esteve nos cargos de mais alta responsabilidade das empresas e instituições nacionais, no domínio cultural e financeiro. Na década de 70, desempenhou funções políticas.

Nasceu no Porto, em 1939. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra em 1961, é Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian desde 2 de Maio de 2002, tendo sido administrador desde 1996. É presidente da Partex Oil and Gas (Holdings) Corporation desde 16 de Julho de 2002. É Presidente do Centro Europeu de Fundações (EFC), desde Junho 2008, do Centro Português de Fundações desde 2006 e também do Steering Committee do projecto Europe In the World.

Desde 1996 é Presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal.

Cumpriu serviço militar entre 1962 e 1965. No ano seguinte entrou para a Função Pública, onde esteve até 1969. Nesse ano assumiu funções directivas no Banco Português do Atlântico, onde permaneceu até 1973.

No início dos anos setenta faz parte do grupo de cidadãos que viria a fundar a SEDES, de que foi o primeiro presidente. A sua carreira política começa em 1974 como Secretário de Estado do Comércio Externo e Turismo do I Governo Provisório. No mesmo ano é-lhe confiada a tutela do ministério da Economia dos II e III governos provisórios (1974/75). Foi eleito deputado em 1976. Entre 1976 e 1978, foi ministro dos Transportes e Comunicações do I Governo Constitucional e, entre 1986 e 1989, Director-Geral da Comissão das Comunidades Europeias, em Bruxelas.

Como gestor, foi vice-governador do Banco de Portugal, entre 1975 e 1984, presidente do Conselho de Gestão do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (1985/86). Foi presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos (1989-1995), presidiu ao Grupo Europeu dos Bancos de Poupança (1991-94) e foi presidente do Conselho de Administração da GalpEnergia, entre 2001 e 2002.

Presidiu à Comissão de Fiscalização do Teatro Nacional de São Carlos (1980-86) e foi Comissário-Geral para a Europália, entre 1989 e 1992. Entre 1989 e 1990, foi vice-presidente da Fundação de Serralves. Foi administrador da Porto 2001, SA, em 1999.
 

 

 

FRANCISCO FERREIRA EM ENTREVISTA

Em nome da Terra

O país conhece o seu trabalho em defesa do ambiente na mais famosa Organização Não Governamental Ambiental (ONGA) portuguesa, Quercus. Em entrevista por email ao Ensino, Francisco Ferreira fala da ideia que está por detrás da Declaração de Gaia, das novas metas para Quioto e de como a crise mundial poderá ser uma oportunidade para resolver problemas económicos e ambientais.
 

Os países em desenvolvimento contribuem menos para o aquecimento global e as alterações climáticas mas sofrem igualmente, ou mais, com as suas consequências. A campanha de preservação do planeta Declaração de Gaia pode ajudar a mudar este quadro?

A ideia de ter cada um dos cidadãos, das regiões, dos países como elementos de um condomínio que é o planeta Terra, tratando cada um devidamente das partes comuns entre elas a atmosfera, é evidente que é um passo de um modelo que gostaríamos fosse aplicado à escala global. Infelizmente, a urgência do tema das alterações climáticas obriga a uma concertação mais célere sobre as medidas a tomar, envolvendo compromissos dos países desenvolvidos limitando as suas emissões de gases com efeito de estufa de forma significativa mas também dos países em desenvolvimento através de medidas que tornem o seu crescimento mais sustentável em termos ambientais. É preciso ainda assegurar que países mais vulneráveis possam ter recursos financeiros para lidar com as consequências do aquecimento global. Assim, a Declaração de Gaia é um modelo excelente para o longo prazo, sendo que por agora o importante é haver um acordo no fórum que são as Nações Unidas, que em Dezembro deste ano em Copenhaga terão uma reunião onde se pretende que fique decidido o futuro após 2012, quando o pequeno passo que é o Protocolo de Quioto for (espera-se) ampliado em termos de ambição e com metas de redução de emissões para 2020 e 2050.
 

A Crise económica mundial pode levar a que se esqueçam os problemas ambientais?

A crise deveria ser uma oportunidade para precisamente resolvermos no longo prazo, em termos económicos e ambientais, os problemas que são agora visíveis. Já se percebeu que o paradigma de cada vez maior consumo é insustentável para o planeta mas também para a economia global. É preciso apostar-se na eficiência energética, na conservação de recursos e de energia, nas energias renováveis, e esta é uma oportunidade que não devemos perder. As tecnologias na área do ambiente são criadoras de emprego. Dar prioridade à reabilitação urbana, à ferrovia, ao comércio local, são todas iniciativas que num quadro mundial de redução de consumo e de maior eficiência dos produtos contribuirá certamente para um desenvolvimento mais equilibrado.
 

O Movimento Earth Hour convidou o mundo a apagar as luzes no dia 29 de Março às 20,00 horas. Iniciativas como Hora da Terra são decisivas na resolução de problemas ambientais ou este é um pequeno passo numa longa caminhada?

As iniciativas como o apagão no dia 28 de Março organizado pela WWF (World Wildlife Fund for Nature) são importantes à escala mundial para chamar à atenção sobre as questões do aquecimento global e das consequentes alterações climáticas. É importante porém um desafio maior para os portugueses: uma verdadeira mudança de comportamentos a par de alguns investimentos que podem reduzir de forma significativa o seu consumo de electricidade ou gás, e consequentemente as suas emissões de gases com efeito de estufa. Podemos mostrar que cada cidadão pode também ser um motor de mudança do seu município e do país nesta matéria.
 

O Protocolo de Quioto não foi ratificado pelos EUA e os países que o assinaram não reduziram as emissões de gases poluentes para os níveis a que se comprometeram, nomeadamente Portugal. Especialistas afirmam que as taxas de redução de gases com efeito de estufa acordadas em Quioto não são suficientes. Qual o nível de esperança que podemos ter com este Protocolo?

O Protocolo de Quioto é um dos instrumentos mais complexos gerado no quadro das Nações Unidas pela filosofia e regras que tem no sentido de obrigar os países à redução das emissões de gases com efeito de estufa. À escala mundial precisaremos de reduzir as emissões em 60 a 80% em relação a 1990 para conseguirmos uma estabilização do clima abaixo de um limiar onde as consequências seriam catastróficas. O Protocolo de Quioto é insuficiente por agora – o objectivo é a redução de cerca de 5% das emissões dos países desenvolvidos entre 1990 e 2008-2012, e com os EUA sem o terem ratificado nem esse objectivo será atingido. O futuro do Protocolo a partir de 2012 está ainda em definição e terá que ser muito mais ambicioso.
 

O aquecimento global pode ser travado por cada um de nós, ou estamos em grande escala dependentes da vontade política dos nossos governantes?

A nossa actuação é muito relevante. Vejam-se os exemplos:

O recurso à água quente solar pode significar uma poupança anual por família de aproximadamente 1000kWh/ano, representando, em média, cerca de 20% do consumo total da família em electricidade e gás, o que, multiplicado por cerca de 3,6 milhões das famílias existentes no país, representa 3600GWh por ano. Se um quarto das famílias portuguesas fizesse este investimento poupar-se-iam 750 mil toneladas de dióxido de carbono/ano.

Se um televisor por família fosse desligado da corrente em vez de ser deixado em stand-by, conseguir-se-ia uma poupança de 70 mil toneladas de dióxido de carbono/ano.

Se uma lâmpada incandescente por família fosse substituída por uma lâmpada de alta eficiência, conseguir-se-ia uma poupança de 100 mil toneladas de dióxido de carbono/ano.

Se por mês uma pessoa da família utilizasse o comboio em 60Km em vez de ir de carro sozinha, conseguir-se-ia uma poupança de 420 mil toneladas de dióxido de carbono/ano.

O total destas quatro medidas permitiria poupar cerca de 1,34 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, o que representa perto de 2,5% do cumprimento do Protocolo de Quioto por Portugal, que tem por base o valor de 60 milhões de toneladas/ano emitidas no ano base de 1990.
 

A receptividade dos portugueses ao Minuto Verde na RTP1 corresponde às expectativas que tinham quando pensaram o programa?

O programa acabou por ser melhor sucedido do que esperávamos tanto que já vamos no quarto ano de emissões. Reconhecemos que acertámos no formato – um conselho dado num curto espaço de tempo. Recebemos muitas questões e sabemos que muitas pessoas seguem as recomendações que fazemos o que é o nosso principal objectivo. Há muitos pedidos de escolas e de instituições para usarem o programa como instrumento de educação ambiental, o que nos deixa também satisfeitos.
 

Que nota atribuiria hoje a Portugal pelo empenho num desenvolvimento sustentável?

10 valores – os Governos portugueses não tiveram ainda a coragem de passar das palavras às acções; os investimentos em mais e mais rodovias não pára, a par de um discurso efectivamente mais amigo do ambiente no que respeita à eficiência energética e energias renováveis, mas muito ampliado em relação às acções concretas possíveis e necessárias.
 

Mais de vinte anos depois da fundação da Quercus, como descreve o seu percurso até ao momento?

A Quercus tem vindo a crescer em termos de actividade, participação, credibilidade e áreas de actuação e é sem dúvida uma referência no trabalho e na análise crítica na área do ambiente. Porém, estamos ainda aquém do muito que gostaríamos de desenvolver, nomeadamente no que respeita ao envolvimento de voluntários e numa maior mobilização social em prol das questões do desenvolvimento sustentável. É assim preciso a colaboração de todos os que possam ajudar, sejam sócios ou não da associação, e nomeadamente olhando para os tempos de crise económica como uma oportunidade para investimentos certos na melhoria da qualidade de vida dos portugueses.

Eugénia Sousa

 


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