EMÍLIO RUI VILAR,
PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
"O ensino tem um
problema de custo-benefício"

52 anos depois do seu nascimento, a
Fundação Gulbenkian é uma das instituições mais importantes e conhecidas
de Portugal, sendo por vezes comparada a um ministério da Cultura e da
Educação informal. Rui Vilar, que dirige os destinos da Fundação desde
2002, explica, em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», os
objectivos da campanha «País Solidário», como forma de tentar acudir às
solicitações decorrentes da crise económica a que o Estado não consegue
dar resposta. Sobre o sector do ensino, Vilar defende que urge dotar os
recursos disponíveis de maior eficiência, declara que a escola não pode
estar divorciada da comunidade e alerta que muitos professores não estão
preparados para as transformações sociais e os desafios
étnicos-culturais dos tempos modernos.
Ensino Magazine – O que representa a
Fundação Calouste Gulbenkian para o País e para o mundo?
Aquando da sua criação, ainda em pleno regime ditatorial, foi um grande
factor de modernização e abertura para Portugal, tendo desempenhado um
papel único na transformação da nossa sociedade, trazendo até nós muitos
acontecimentos e pessoas que, de outro modo, não viriam até cá,
permitindo que muitos portugueses fossem estudar para o estrangeiro.
Nessa época, a Fundação mobilizou e disponibilizou recursos em áreas
onde o Estado e a sociedade eram escassos, como a cultura e a
investigação científica. O salto nestes domínios foi muito grande,
graças à intervenção da Fundação e à sua dimensão, então inusitada. No
mundo, a Fundação Calouste Gulbenkian é uma das maiores fundações
europeias e intervém em muitos países, em temas globais, na ajuda ao
desenvolvimento e no apoio às comunidades arménias.
Como se operou a transição para a
democracia?
Com o regime democrático e, sobretudo, com a integração europeia, em
meados dos anos 80, o País evoluiu e o Estado passou a ter mais
recursos. Surgiram, entretanto, outras instituições da sociedade civil a
actuar nas áreas da Fundação Gulbenkian. Esta nova realidade levou a que
a instituição se orientasse preferencialmente para objectivos de
vanguarda e inovação, procurando antecipar a evolução dos tempos.
Em que medida o legado do seu
fundador, o arménio Calouste Gulbenkian, inspira e condiciona os
destinos da instituição?
Embora a Fundação seja uma instituição portuguesa, o fundador terá dito
ao seu primeiro «trustee», Lord Radcliffe – que acabaria por não ter
funções na Fundação, mas que estava designado para ser o seu primeiro
presidente –, que a Fundação se destinava a servir toda a Humanidade. A
Fundação tem tido uma permanente intervenção fora de Portugal, quer
através da delegação em Londres, que faz o grant giving no Reino Unido e
na Irlanda, e do Centro Cultural, em Paris, com uma atenção permanente
no apoio aos arménios da diáspora, sobretudo nos países onde esta
comunidade tem mais dificuldades, como na Síria, no Líbano, no norte do
Iraque e do Irão, no Egipto e na Turquia. Sem esquecer os programas de
ajuda ao desenvolvimento dirigidos, sobretudo, para os países africanos
de língua oficial portuguesa e para Timor. Nos anos mais recentes, temos
alargado a nossa intervenção internacional através da participação em
parcerias e redes internacionais de filantropia, em áreas como as
migrações, a saúde global, onde a nossa acção faz mais sentido inserida
numa rede e não isoladamente. Calouste Gulbenkian era um homem que fazia
a ponte entre duas culturas – a oriental, do seu nascimento, e a
ocidental, da sua educação e vivência – e a Fundação inspira-se
naturalmente no seu exemplo para contribuir para o tão necessário
diálogo de ; culturas nos dias de hoje.
A Fundação Gulbenkian é um
referencial cultural e artístico em Portugal. Duas exposições, Amadeu
Souza-Cardozo e Darwin (ainda em exibição), registaram dezenas de
milhares de visitantes. Significa esta adesão que a percepção e
sensibilidade cultural dos portugueses está a mudar?
Creio que é patente a maior procura de iniciativas culturais, em
particular pelos públicos mais jovens. É reconfortante ver as exposições
cheias de gente interessada, ávida de conhecer e experimentar.
Tem-se assistido à proliferação de
fundações, como a Champalimaud, na área da Saúde, ou a Francisco Manuel
dos Santos, na investigação dos grandes temas nacionais. Como presidente
do Centro Português de Fundações, em cujo site se pode ver mais de 100
fundações associadas, acha que estas instituições têm tido o
reconhecimento público que merecem? Devem aperfeiçoar e divulgar os seus
propósitos?
É importante que a sociedade civil portuguesa se afirme através da
criação de novas fundações que, como nos exemplos que citou, representam
de algum modo uma devolução à comunidade da riqueza acumulada pelos seus
instituidores. Por outro lado, as fundações devem prosseguir as suas
actividades com preocupação de aperfeiçoamento institucional,
designadamente no que toca a transparência e prestação de contas.
Na semana em que gravamos a
entrevista, a Fundação apresentou a iniciativa «País Solidário». Que
objectivos presidiram a esta campanha?
A Fundação Gulbenkian tomou a iniciativa, tendo-se posteriormente
associado, a Fundação EDP e a Fundação Millenium BCP, a CGD e o BPI. As
questões sociais estiveram sempre na primeira linha das nossas
prioridades e, nesta crise em particular, verificámos que havia áreas da
nossa sociedade que não estavam a ser preenchidas pelos esquemas de
protecção social gerais e que eram constituídas por famílias em
situações de carência extrema, sobretudo com crianças em creches ou no
pré-escolar ou idosos e deficientes a seu cargo. A campanha está lançada
e vai ser executada no terreno pela Cáritas, Cruz Vermelha e Federação
dos Bancos Alimentares.
A campanha abarca todo o País?
Inicialmente serão cobertas quatro regiões (Grande Porto, Península de
Setúbal, Vales do Ave e Tâmega), aquelas em que os indicadores de
precariedade familiar fornecidos pelo INE apontam ser de maior
gravidade. Mas se os meios crescerem, como esperamos, a iniciativa vai
expandir-se a outras regiões. Para começar, temos 1 milhão de euros,
assegurado pelas cinco instituições de partida, para fazer face às
dificuldades, mas esperamos que este valor se multiplique.
Fica-se com a sensação que a
Fundação funciona para colmatar as lacunas do Estado. Sente isso no
dia-a-dia?
É um dado da evidência que o Estado não pode acorrer à totalidade das
solicitações que lhe chegam. Por outro lado, o Estado rege-se por
critérios de legalidade e equidade que são mais morosos na sua execução.
Cabe à Fundação trabalhar em complementariedade, porque também é
responsabilidade da sociedade civil acudir a essas situações. A atitude
de tudo esperar do Estado não representa o assumir uma cidadania
responsável, quando ela é cada vez mais necessária nos nossos tempos.
Não crê que este esperismo (que
caracteriza a sociedade civil) vem-se arrastando há demasiado tempo?
É um facto. Insisto que entendo tratar-se de uma atitude que não é
responsável. Ainda para mais quando sabemos que o Estado não pode
resolver todos os problemas.
O aumento da criminalidade e do
desemprego, as manifestações de rua, o descrédito das instituições,
nomeadamente a Justiça, são sintomas de mal-estar social. Qual a sua
fotografia da sociedade actual?
A sociedade portuguesa está a sofrer uma profunda transformação, desde
logo, em termos demográficos, visto que estamos a envelhecer. Por outro
lado, operou-se um deslocamento de pessoas das áreas tradicionais, do
sector primário para o sector terciário, e do interior para o litoral.
Em terceiro lugar, somos uma sociedade que está a conhecer, desde há
muito pouco tempo, o fenómeno da imigração, depois de durante séculos
termos sido um País de emigrantes. Isto sem esquecer a escolarização
consolidada, a possibilidade de alfabetização a 100 por cento e a
multiplicação por 10 vezes do número de alunos no ensino superior.
Que efeitos práticos teve a adesão à
União Europeia?
Sobretudo a partir da integração europeia, e em particular aquando da
entrada na Zona Euro, houve um crescimento significativo em termos
económicos e a transição para uma sociedade de consumo. Os níveis de
aforro caíram e a tendência é para que as aspirações de consumo se
situem ao nível da média europeia, o que conduziu, sobretudo nos últimos
anos, a um crescimento, a meu ver excessivo, do crédito e do
endividamento externo. Quando surge uma crise internacional com a
dimensão e a profundidade da que estamos a experimentar, o crédito e o
endividamento externo experimentam cortes abruptos e, portanto, criam-se
tensões e dificuldades para as quais as pessoas não estavam preparadas.
Temos, simultaneamente, a crise global, que afecta as nossas exportações
e cria desemprego, em conjugação com as dificuldades internas de reagir
à adversidade, em boa parte devido ao excesso de endividamento com
origem no crédito externo.
A vulnerabilidade das instituições,
nomeadamente as judiciais, fragilizou a capacidade de resposta aos
problemas?
As instituições da nossa arquitectura político-social têm revelado
grandes dificuldades de adaptação aos tempos modernos, como é,
claramente, o caso da Justiça. Certamente que incorporaram as
tecnologias, mas em termos culturais e de resolução dos problemas com
celeridade e eficácia, bem como no relacionamento com os meios de
comunicação social, persistem sinais de inadaptação.
O poder mediático tem conferido uma
visibilidade que não existia a problemas como a Justiça...
Creio que não é correcto designar a comunicação social por «quarto
poder», mas sim um contra-poder, em oposição ao poder político e ao
poder económico. Mas um contra-poder útil. Precisamente o facto de ser
um contra-poder obriga a comunicação social a maiores exigências de
natureza ética e deontológica.
Enfatiza-se, quiçá demasiado, o
Portugal menos positivo. O que é que o País tem de bom e que devia ser
exponenciado?
Um dos aspectos positivos prende-se com uma nova geração que saiu das
universidades e que se doutorou em Portugal ou no estrangeiro,
competindo lá fora nos patamares mais exigentes em termos de
investigação científica e novas tecnologias. Temos pessoas muito capazes
nesses domínios. Por outro lado, segundo relatórios com a autoridade dos
da OCDE, temos sido dos países da Europa que melhor tem sabido integrar
as comunidades imigrantes. No fundo, são sinais positivos e que nos
devem encorajar, colectivamente, com sentido de responsabilidade e com a
coesão necessária, a ultrapassar as dificuldades presentes.
Um dos últimos entrevistados do
“Ensino Magazine”, Luís Campos e Cunha, não escondeu a sua frustração
por ver os seus melhores alunos abandonarem o País. É dos que fica
resignado perante a realidade?
Permita-me discordar. Vivemos num mundo global e de fronteiras abertas,
como tal, temos de aceitar, com naturalidade, que alguns dos nossos
cientistas abandonem o País, nunca perdendo de vista a criação de
condições para atrair profissionais do exterior. Trata-se de uma
circulação perfeitamente normal e que deve ser estimulada. O “Erasmus”,
por exemplo, foi um passo muito importante na abertura de horizontes aos
estudantes. Para além disso, as nossas universidades têm de ser capazes,
e algumas estão a fazê-lo, de atrair estudantes estrangeiros. Posso dar
o exemplo do Instituto Gulbenkian de Ciência que tem formado pessoas que
estão a trabalhar no estrangeiro, mas também tem sido capaz de atrair
muitos cientistas que não são portugueses a virem trabalhar nos nossos
laboratórios.
«Faz falta um bom exercício de
autoridade em Portugal», disse numa entrevista recente. Quer
concretizar?
As sociedades precisam de âncoras, de referências e de balizas. Só assim
é possível competir num mundo global. O facilitismo e o laxismo não são
compatíveis em sociedades que vivem num mundo altamente competitivo. Os
sistemas democráticos assentam na existência de leis que resultam da
vontade do povo, através dos seus representantes. Por isso, o exercício
da autoridade, no cumprimento das leis, ; deve ser legítimo, não apenas
um direito, mas sobretudo um dever de quem está investido em funções de
autoridade. A complacência com práticas ilícitas ou que contrariem o
interesse geral, tem resultados francamente negativos, visto que não
conduz à necessária ética de responsabilidade que deve prevalecer nas
sociedades, contribuindo para o descrédito das instituições.
Foi ministro durante a década de 70.
Conhecedor que é do exercício de funções de carácter público, como reage
quando os cidadãos acusam os políticos de todos os males?
A culpa reparte-se entre eleitos e eleitores. A grande vantagem dos
sistemas democráticos é que os eleitos podem ser substituídos, porque é
aos eleitores que cabe avaliar o modo como exercem as funções.
Normalmente há nas democracias dois tipos de abordagem: numa delas, os
eleitores privilegiam mais o programa e as ideias avançadas pelos
candidatos. Noutro caso, olham mais para os candidatos, no sentido em
que avaliam a sua capacidade para resolver problemas, independentemente
do programa político subjacente.
A que tipo de abordagem é que os
eleitores são mais sensíveis?
Creio que pendem mais para a segunda abordagem, em que o carisma pessoal
e a capacidade de liderança sobrelevam a base ideológica dos candidatos.
É por isso, que temos a tendência para dizer que não há grandes
diferenças nas propostas políticas actuais, e o traço que separa os
políticos é a respectiva personalidade e não as ideias.
Os cidadãos valorizam mais o carisma
do que a competência?
Penso que os eleitores entendem carisma como a competência para resolver
problemas. Por isso, apostam mais numa pessoa que lhes pareça capaz de
resolver as dificuldades que possam surgir do que noutra que se mostre
apta a executar um programa com base ideológica e estruturado de A a Z.
Mas volto a dizer que a grande vantagem do sistema democrático é o
julgamento que as eleições permitem e a substituição de quem os
eleitores achem que não cumpriu o programa ou não resolveu os problemas.
Desempenhou as funções de presidente
da Caixa Geral de Depósitos e vice-governador do Banco de Portugal. Como
viu a sucessão de acontecimentos decorrente do turbilhão financeiro que
devastou a credibilidade dos bancos e alarmou os mercados?
Esta crise remete-nos para a ética e o cumprimento das boas regras da
profissão e a um apelo generalizado ao “back to basics”. Os sistemas
bancários, não apenas o português, aproveitaram este longo período de
inflação baixa para alavancarem o seu crescimento para além daquilo que
eram as boas regras da profissão. O que aconteceu foi uma excessiva
alavancagem do crédito à custa da exposição excessiva das instituições
financeiras e da colocação no mercado de produtos dificilmente
inteligíveis, mesmo para os iniciados. Isso conduziu a que surgissem os
colapsos que tivemos oportunidade de testemunhar.
A quem deve ser atribuído o
desrespeito e o atropelo pelos valores éticos?
Há uma quota de responsabilidade da parte dos dirigentes dos bancos, mas
também por parte do legislador, que facilitou em determinados domínios,
dos supervisores, agências de rating e auditores, que actuaram ao
arrepio das boas regras enquadradoras da profissão.
É possível restaurar os danos
infligidos na imagem dos bancos, mesmo depois de a tormenta ser vencida?
Vai demorar tempo. A confiança quebra-se num minuto e recupera-se em
anos. Mas o grande desafio que o mundo financeiro tem agora pela frente
passa por restabelecer os equilíbrios internos e a relação de confiança
com o público. Um sistema financeiro credível é essencial porque é o
grande redistribuidor de riqueza e o sistema vascular das economias.
Licenciou-se em Direito, em Coimbra.
Quis ser magistrado, mas acabou por dedicar-se à gestão profissional de
grandes empresas e instituições. Um dos seus lemas de vida foi «fazer
sempre bem». Sendo a escola o espelho da sociedade, pensa que falta
exigência e rigor no ensino actual?
Sou um observador distante e certamente os meus juízos podem carecer de
toda a informação necessária. Penso, contudo, que a nossa escola foi
invadida por um conjunto de doutrinas em que se acentuou o aspecto
lúdico e o prazer na aprendizagem, em detrimento de valores como o
esforço, o mérito e a disciplina. De facto, a aprendizagem é um esforço
e o prazer da descoberta, de ser capaz de resolver problemas ou entender
um texto mais complexo, só vem depois do processo de assimilação. Creio
que, neste momento, essas doutrinas estão a ser corrigidas, o que faz
com que a exigência, o mérito e o trabalho voltem a ser elementos
centrais na escola.
O clima de contestação parece ainda
longe do fim. Como explica que a instabilidade tenha colocado o ensino
sobre brasas?
Essa instabilidade acaba por ser natural, fruto da fase de transformação
e crescimento que temos vindo a experimentar. A necessidade de adaptação
gera naturais dificuldades e tensões, que explicam os epifenómenos de
turbulência no funcionamento do sistema de ensino.
A Gulbenkian está a desenvolver um
programa de combate ao insucesso e abandono escolar. Quais são os
objectivos do projecto?
Pretendemos melhorar o ensino e a aprendizagem. Esse Programa Gulbenkian
destina-se a apoiar iniciativas que visam combater o abandono precoce ou
o insucesso escolar e a apoiar a divulgação dos bons exemplos e boas
práticas de modo a que possam ser replicados noutros estabelecimentos de
ensino. A escola de hoje confronta-se com transformações sociais e
desafios étnico-culturais de diversa natureza, para os quais muitos
professores não estão preparados. Um professor que enfrenta uma turma em
que há alunos com 7 ou 8 línguas maternas diferentes, carece de um
treino específico, distinto do docente que tinha uma turma com
estudantes apenas com o Português como língua materna. Para além disso,
as transformações em curso e o decréscimo demográfico, com menos alunos
nas escolas e a reorganização geográfica dos equipamentos, levaram a que
a procura de professores tenha diminuído. São novos ingredientes,
factores de contexto e factores intrínsecos, que devem merecer a melhor
adaptação do sistema de ensino e dos seus actores.
São recorrentes as críticas que o
mundo real não faz parte do ensino. Seria desejável uma maior
aproximação da escola, nomeadamente das universidades, por exemplo, com
o mundo empresarial?
Nenhuma escola pode singrar se estiver divorciada da comunidade que
serve. As experiências de aproximação de algumas das nossas
universidades às empresas são positivas e há aí um largo terreno a
explorar por umas e por outras.
Considera um exagero dizer que a
performance no sistema de ensino nacional é uma das grandes falhas dos
34 anos que levamos de democracia?
Não diria falha da democracia, mas há, de facto, para usar uma linguagem
dura, um problema de custo-benefício no sistema de ensino. No sector da
educação, temos despesas per capita equivalentes a outros países
europeus e os resultados estão longe de ser semelhantes. Na cadeia do
ensino há que melhorar alguns indicadores, visto que não é por falta de
recursos que não atingimos objectivos, mas sim pela deficiente
utilização desses mesmos recursos. É um desafio neste período de
transição que estamos a viver.

Texto: Nuno Dias da Silva
Fotos: Fundação Glubenkien
Cara da notícia
Emílio Rui Vilar tem um curriculum
invejável. Quase que se pode dizer que esteve nos cargos de mais alta
responsabilidade das empresas e instituições nacionais, no domínio
cultural e financeiro. Na década de 70, desempenhou funções políticas.
Nasceu no Porto, em 1939. Licenciado em Direito pela Universidade de
Coimbra em 1961, é Presidente do Conselho de Administração da Fundação
Calouste Gulbenkian desde 2 de Maio de 2002, tendo sido administrador
desde 1996. É presidente da Partex Oil and Gas (Holdings) Corporation
desde 16 de Julho de 2002. É Presidente do Centro Europeu de Fundações (EFC),
desde Junho 2008, do Centro Português de Fundações desde 2006 e também
do Steering Committee do projecto Europe In the World.
Desde 1996 é Presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal.
Cumpriu serviço militar entre 1962 e 1965. No ano seguinte entrou para a
Função Pública, onde esteve até 1969. Nesse ano assumiu funções
directivas no Banco Português do Atlântico, onde permaneceu até 1973.
No início dos anos setenta faz parte do grupo de cidadãos que viria a
fundar a SEDES, de que foi o primeiro presidente. A sua carreira
política começa em 1974 como Secretário de Estado do Comércio Externo e
Turismo do I Governo Provisório. No mesmo ano é-lhe confiada a tutela do
ministério da Economia dos II e III governos provisórios (1974/75). Foi
eleito deputado em 1976. Entre 1976 e 1978, foi ministro dos Transportes
e Comunicações do I Governo Constitucional e, entre 1986 e 1989,
Director-Geral da Comissão das Comunidades Europeias, em Bruxelas.
Como gestor, foi vice-governador do Banco de Portugal, entre 1975 e
1984, presidente do Conselho de Gestão do Banco Espírito Santo e
Comercial de Lisboa (1985/86). Foi presidente do Conselho de
Administração da Caixa Geral de Depósitos (1989-1995), presidiu ao Grupo
Europeu dos Bancos de Poupança (1991-94) e foi presidente do Conselho de
Administração da GalpEnergia, entre 2001 e 2002.
Presidiu à Comissão de Fiscalização do Teatro Nacional de São Carlos
(1980-86) e foi Comissário-Geral para a Europália, entre 1989 e 1992.
Entre 1989 e 1990, foi vice-presidente da Fundação de Serralves. Foi
administrador da Porto 2001, SA, em 1999.

FRANCISCO FERREIRA EM
ENTREVISTA
Em nome da Terra

O país conhece o seu trabalho em defesa
do ambiente na mais famosa Organização Não Governamental Ambiental (ONGA)
portuguesa, Quercus. Em entrevista por email ao Ensino, Francisco
Ferreira fala da ideia que está por detrás da Declaração de Gaia, das
novas metas para Quioto e de como a crise mundial poderá ser uma
oportunidade para resolver problemas económicos e ambientais.
Os países em desenvolvimento
contribuem menos para o aquecimento global e as alterações climáticas
mas sofrem igualmente, ou mais, com as suas consequências. A campanha de
preservação do planeta Declaração de Gaia pode ajudar a mudar este
quadro?
A ideia de ter cada um dos cidadãos, das regiões, dos países como
elementos de um condomínio que é o planeta Terra, tratando cada um
devidamente das partes comuns entre elas a atmosfera, é evidente que é
um passo de um modelo que gostaríamos fosse aplicado à escala global.
Infelizmente, a urgência do tema das alterações climáticas obriga a uma
concertação mais célere sobre as medidas a tomar, envolvendo
compromissos dos países desenvolvidos limitando as suas emissões de
gases com efeito de estufa de forma significativa mas também dos países
em desenvolvimento através de medidas que tornem o seu crescimento mais
sustentável em termos ambientais. É preciso ainda assegurar que países
mais vulneráveis possam ter recursos financeiros para lidar com as
consequências do aquecimento global. Assim, a Declaração de Gaia é um
modelo excelente para o longo prazo, sendo que por agora o importante é
haver um acordo no fórum que são as Nações Unidas, que em Dezembro deste
ano em Copenhaga terão uma reunião onde se pretende que fique decidido o
futuro após 2012, quando o pequeno passo que é o Protocolo de Quioto for
(espera-se) ampliado em termos de ambição e com metas de redução de
emissões para 2020 e 2050.
A Crise económica mundial pode levar
a que se esqueçam os problemas ambientais?
A crise deveria ser uma oportunidade para precisamente resolvermos no
longo prazo, em termos económicos e ambientais, os problemas que são
agora visíveis. Já se percebeu que o paradigma de cada vez maior consumo
é insustentável para o planeta mas também para a economia global. É
preciso apostar-se na eficiência energética, na conservação de recursos
e de energia, nas energias renováveis, e esta é uma oportunidade que não
devemos perder. As tecnologias na área do ambiente são criadoras de
emprego. Dar prioridade à reabilitação urbana, à ferrovia, ao comércio
local, são todas iniciativas que num quadro mundial de redução de
consumo e de maior eficiência dos produtos contribuirá certamente para
um desenvolvimento mais equilibrado.
O Movimento Earth Hour convidou o
mundo a apagar as luzes no dia 29 de Março às 20,00 horas. Iniciativas
como Hora da Terra são decisivas na resolução de problemas ambientais ou
este é um pequeno passo numa longa caminhada?
As iniciativas como o apagão no dia 28 de Março organizado pela WWF (World
Wildlife Fund for Nature) são importantes à escala mundial para chamar à
atenção sobre as questões do aquecimento global e das consequentes
alterações climáticas. É importante porém um desafio maior para os
portugueses: uma verdadeira mudança de comportamentos a par de alguns
investimentos que podem reduzir de forma significativa o seu consumo de
electricidade ou gás, e consequentemente as suas emissões de gases com
efeito de estufa. Podemos mostrar que cada cidadão pode também ser um
motor de mudança do seu município e do país nesta matéria.
O Protocolo de Quioto não foi
ratificado pelos EUA e os países que o assinaram não reduziram as
emissões de gases poluentes para os níveis a que se comprometeram,
nomeadamente Portugal. Especialistas afirmam que as taxas de redução de
gases com efeito de estufa acordadas em Quioto não são suficientes. Qual
o nível de esperança que podemos ter com este Protocolo?
O Protocolo de Quioto é um dos instrumentos mais complexos gerado no
quadro das Nações Unidas pela filosofia e regras que tem no sentido de
obrigar os países à redução das emissões de gases com efeito de estufa.
À escala mundial precisaremos de reduzir as emissões em 60 a 80% em
relação a 1990 para conseguirmos uma estabilização do clima abaixo de um
limiar onde as consequências seriam catastróficas. O Protocolo de Quioto
é insuficiente por agora – o objectivo é a redução de cerca de 5% das
emissões dos países desenvolvidos entre 1990 e 2008-2012, e com os EUA
sem o terem ratificado nem esse objectivo será atingido. O futuro do
Protocolo a partir de 2012 está ainda em definição e terá que ser muito
mais ambicioso.
O aquecimento global pode ser
travado por cada um de nós, ou estamos em grande escala dependentes da
vontade política dos nossos governantes?
A nossa actuação é muito relevante. Vejam-se os exemplos:
O recurso à água quente solar pode significar uma poupança anual por
família de aproximadamente 1000kWh/ano, representando, em média, cerca
de 20% do consumo total da família em electricidade e gás, o que,
multiplicado por cerca de 3,6 milhões das famílias existentes no país,
representa 3600GWh por ano. Se um quarto das famílias portuguesas
fizesse este investimento poupar-se-iam 750 mil toneladas de dióxido de
carbono/ano.
Se um televisor por família fosse desligado da corrente em vez de ser
deixado em stand-by, conseguir-se-ia uma poupança de 70 mil toneladas de
dióxido de carbono/ano.
Se uma lâmpada incandescente por família fosse substituída por uma
lâmpada de alta eficiência, conseguir-se-ia uma poupança de 100 mil
toneladas de dióxido de carbono/ano.
Se por mês uma pessoa da família utilizasse o comboio em 60Km em vez de
ir de carro sozinha, conseguir-se-ia uma poupança de 420 mil toneladas
de dióxido de carbono/ano.
O total destas quatro medidas permitiria poupar cerca de 1,34 milhões de
toneladas de dióxido de carbono por ano, o que representa perto de 2,5%
do cumprimento do Protocolo de Quioto por Portugal, que tem por base o
valor de 60 milhões de toneladas/ano emitidas no ano base de 1990.
A receptividade dos portugueses ao
Minuto Verde na RTP1 corresponde às expectativas que tinham quando
pensaram o programa?
O programa acabou por ser melhor sucedido do que esperávamos tanto que
já vamos no quarto ano de emissões. Reconhecemos que acertámos no
formato – um conselho dado num curto espaço de tempo. Recebemos muitas
questões e sabemos que muitas pessoas seguem as recomendações que
fazemos o que é o nosso principal objectivo. Há muitos pedidos de
escolas e de instituições para usarem o programa como instrumento de
educação ambiental, o que nos deixa também satisfeitos.
Que nota atribuiria hoje a Portugal
pelo empenho num desenvolvimento sustentável?
10 valores – os Governos portugueses não tiveram ainda a coragem de
passar das palavras às acções; os investimentos em mais e mais rodovias
não pára, a par de um discurso efectivamente mais amigo do ambiente no
que respeita à eficiência energética e energias renováveis, mas muito
ampliado em relação às acções concretas possíveis e necessárias.
Mais de vinte anos depois da
fundação da Quercus, como descreve o seu percurso até ao momento?
A Quercus tem vindo a crescer em termos de actividade, participação,
credibilidade e áreas de actuação e é sem dúvida uma referência no
trabalho e na análise crítica na área do ambiente. Porém, estamos ainda
aquém do muito que gostaríamos de desenvolver, nomeadamente no que
respeita ao envolvimento de voluntários e numa maior mobilização social
em prol das questões do desenvolvimento sustentável. É assim preciso a
colaboração de todos os que possam ajudar, sejam sócios ou não da
associação, e nomeadamente olhando para os tempos de crise económica
como uma oportunidade para investimentos certos na melhoria da qualidade
de vida dos portugueses.

Eugénia Sousa
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