Duas escolas, dois
países
Grande parte dos portugueses tem um
défice de tempo para a família. Um número significativo de portugueses
sofre de níveis de iliteracia assustadores, se comparados com os
registados nos outros países da União Europeia. Uma quantidade
apreensiva de portugueses é info-excluída, não conseguindo os pais
acompanhar os seus filhos durante elevado número de horas que estes
passam em frente aos computadores. Por seu lado, inúmeros professores
sentem-se incapazes de acompanhar os seus alunos no domínio que estes
revelam sobre tecnologias da informação e da comunicação. A televisão
perdeu importância para os nossos jovens, já que, para a maioria, a
Internet há muito que constitui a principal forma de ocupação dos tempos
livres quando estão em casa e o telemóvel é o aparelho do qual já não
seriam capazes de se separar.
Uma das operadoras móveis acaba de lançar no mercado nacional um
telemóvel especial, em ergonomia e funcionalidades, exclusivo para
crianças a partir do pré escolar, e o Ministério da Educação encontra-se
a distribuir, a cerca de 500 mil alunos do 1ª ciclo do Ensino Básico, um
minicomputador portátil (o Magalhães), pretendendo equipar os
estabelecimentos de ensino do Básico e do Secundário com 310 mil novos
computadores, 9 mil quadros interactivos e 25 mil vídeo projectores.
Portugal tem cerca de 10 milhões de habitantes que detêm 12 milhões de
telemóveis e 18 milhões de cartões bancários de débito em conta. O Banco
de Portugal divulgou que, no primeiro trimestre deste ano, se verificou
um aumento em 9,6% nas despesas dos residentes em Portugal em viagens ao
estrangeiro que, nesse período já atingiram o montante de 710,9 milhões
de euros. O salário mínimo em vigor em Portugal cola-se aos 400 euros.
Aqui ao nosso lado, em Espanha, já ronda os 800 euros. No Luxemburgo os
trabalhadores não auferem menos de 1500 euros.
Em Lisboa, no Alto do Lumiar, os pais encerraram a cadeado a escola,
alegando a existência de ratos e formigas. O presidente da Câmara de
Lisboa admitiu que, em termos de degradação, apenas 4 por cento das
escolas da rede pública desse mesmo concelho poderiam ser consideradas
como de qualidade. No passado ano lectivo, cerca de 300 casos de
bullying tiveram lugar nas escolas portuguesas, tendo sido apreendidas
cerca de 84 armas de fogo. A literatura admite haver uma correlação
positiva entre o desânimo dos professores e o aumento da agressividade
nos alunos. Um estudo da ANP e do IPCB revelou que 44 por cento dos
professores portugueses confessava que, se hoje pudesse escolher uma
profissão, não seria a de professor.
O insuspeito investigador Sérgio Niza afirma que o actual processo de
avaliação dos professores constitui um extenso e blindado programa de
vigilância e controlo das escolas e da profissão docente. Entre a
preparação das avaliações e outras questões, as escolas farão este ano,
em média, mais de 90 reuniões. O total de aposentações de professores,
em 2008, já é de 5060. Só este mês, foram publicadas, em Diário da
República, mais 1106 aposentações, referentes a novos processos.
Associações profissionais e sindicatos convergem em afirmar que os
pedidos de aposentação ainda vão aumentar mais, dado o descontentamento
dos docentes, sobretudo devido à aplicação do novo modelo de avaliação e
ao aumento exponencial da burocracia nas escolas, que relega para
segundo plano as tarefas pedagógicas. E acrescentam que os que se estão
a ir embora são também os que poderiam contribuir para a melhoria do
sistema, face à sua experiência.
Um professor, coordenador das TIC no seu agrupamento de escolas, relata
no seu espaço Web na Internet que foi convocado para se deslocar ao
parque tecnológico de Cantanhede para receber uma formação de dois dias
sobre o computador portátil Magalhães. Para que não se sentisse só
viu-se acompanhado nessa acção de formação por mais 200 colegas. Para
ocupar uma tarde e uma manhã dessa formação, três formadoras, vindas dos
Estados Unidos, e expressamente convidadas para o efeito, solicitaram
aos 200 participantes que inventassem, em grupos, uma cantiga ao
Magalhães, a qual, posteriormente, seria apresentada, com dramatização e
cenografia, a todos os presentes…
Os meios de comunicação tradicionais entre professores foram
ultrapassados pelas mensagens enviadas a partir de telemóveis. Os
sistemas de organização tradicional viram-se frequentemente substituídos
por apelos espontâneos à acção. Os comentários de referência dos líderes
de opinião encontram-se alojados em dezenas de blogues, cuja consulta se
revela hoje indispensável se quisermos perceber o pulsar das escolas e o
sentido que os educadores querem imprimir à educação.
E é assim que vamos, dia a dia, tentando inventar o futuro...
João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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