Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº121    Março 2008

Opinião

CRÓNICA

Fait Divers

Quanto maior é a crise económica e social, quanto mais nos sobrecarregam de aumentos, impostos e mentiras, maior é a quantidade de fait divers atirados para as notícias. Provavelmente para nos distrair, provavelmente para nos mentirem ainda mais, provavelmente!

É claro que não são os media que assim desejam ou conspiram, é o clima que é propício à palhaçada. Caso contrário a malta põe-se a pensar em parvoíces, dá-lhe uma coisinha má e depois não tem centro de saúde que lhe valha, apesar da coisa estar de novo em banho-maria.

A crise social e económica instalou-se já de tal modo, que não há sector da população que não se manifeste contra o autismo político e a arrogância deste Governo. Há as estatísticas e as sondagens, mas mesmo estas também parecem fazer parte do mesmo circo.

Assim é que, mesmo antes de sabermos quem são e o que querem os protagonistas da campanha eleitoral espanhola, já sabemos que Filipe Gonzalez chamou imbecil a Mariano Rajoy, ou seja, terá verbalizado pela primeira vez algo que já pensava há muito tempo.

Ignoramos em absoluto o que são e para que servem as eleições norte-americanas (refiro-me à substância, claro), porque eu desconfio sempre de “super terças-feiras” eleitorais, quando a final é sempre entre dois gémeos, mas sabemos que Hillary Clinton não conseguiu pronunciar Dmytri Medvedev, que é o senhor que se segue na Rússia, depois Vladimir Putin.

Enoja-nos saber que um senhor de nome Sarkozy, que tem uma namorada boa de nome Carla Bruni, insultou um conterrâneo seu que não lhe apertou a mão, mas ficamos sem saber quantos mais franceses estão nessa disposição.

Como não podia deixar de ser, por cá também o senhor Pinto de Sousa, como lhe chama o outro, protagoniza hilariantes (é uma maneira de dizer) tiradas, e não me refiro àquela graça de oferecer computadores aos estudantes pela televisão, quando as operadoras, impelidas a cumprir prazos nada sabiam das condições socio-económicas daqueles a quem se destinavam, e vai de cobrar 18 Eur. mensais a eito, mas como a que soubemos ter chamado ministra das avaliações àquela que é uma espécie de Ministra da Educação, ou que no parlamento disse a Paulo Portas que não tinha medo dele e vice versa, em que só faltou o desafio de molhar a orelha com cuspo.

Apesar de tudo fico feliz, porque há sempre gente séria que cuida do nosso bem-estar e nos aconselha. Na verdade, ainda hoje me saltaram os olhos para o meu horóscopo (versão Maya), que dizia ali escarrapachadinho: “conseguirá vencer uma crise de dúvidas”. A ser verdade, esta mulher é a cereja em cima do bolo.

João de Sousa Teixeira
teijoao@gmail.com

 

 

 

CONTRABAIXO

A23

Está prestes a começar a terceira edição do Festival de Música da Beira Interior. A Scutvias, empresa concessionária da A23 dá corpo organizativo a este autêntico desafio colocado às escolas de música da região, sempre com o suporte do Governo Civil do distrito de Castelo Branco.

Se tal acontecesse em algum país da Europa desenvolvida, aquele eterno desiderato nacional nunca cumprido, seria encarado com naturalidade, mas como estamos em Portugal, é necessário dar a esta iniciativa os devidos créditos.

Em primeiro lugar, não é todos os dias que uma empresa investe não só no patrocínio mas também na organização de um projecto que dá destaque à música chamada erudita. Temos alguns outros exemplos mas normalmente associados a géneros musicais que garantem um retorno mais óbvio. Só este facto torna o projecto exemplar.

A fórmula encontrada é das mais felizes. Em vez de convidarem músicos mais ou menos conhecidos, o festival desafia todos os anos as Escolas de Ensino Especializado da Música da região a prepararem um concerto específico para a ocasião. É um convite que obriga as escolas a trabalhar para um objectivo convergente e a procurar apresentar o melhor que produzem ao longo do ano lectivo.

Os concertos têm lugar ao longo do eixo da A23, com as escolas a apresentarem-se em outras localidades que não as de origem e a sujeitarem-se a uma avaliação relativamente aos seus pares, algo muito salutar e que faz parte da natureza de qualquer arte performativa. As palavras valem o que valem, mas no palco a exposição é total. Esta característica do festival ao invés de estimular uma estéril competição entre as escolas permite uma salutar partilha de informação e, em muitos casos, de recursos. O conhecimento e reconhecimento mútuo são formas de as comunidades avançarem para patamares mais evoluídos em termos de desenvolvimento e este festival tem a enorme virtude de espalhar essa semente.

A qualidade de muitos dos concertos apresentados nas edições anteriores mostra, por outro lado, a vitalidade das escolas e expõe a riqueza que foi sendo disseminada ao longo dos últimos 15 anos nesta área de influência. O Ensino Especializado da Música e, também, o Ensino Superior, com a Escola Superior de Artes Aplicadas, tem cumprido, nesta região, um papel fundamental no desenvolvimento das comunidades, garantindo o acesso à formação tanto no plano teórico como ao nível dos instrumentos, com uma oferta cada vez mais alargada, desde a percussão até ao canto ou acordeão.

Todo este potencial pode, no entanto, ser amplificado. Já o escrevi, um festival com estas características é uma semente, mas uma semente de quê?

Na minha opinião, de uma verdadeira rede de recursos e pessoas. É possível a partilha estruturada de bibliotecas, instrumentos musicais, professores, músicos. É possível uma programação de proximidade relativamente a comunidades com menor acesso a bens culturais, baseada na partilha de trabalho das várias escolas. É possível fixar mais e melhores músicos na região, se as autarquias encararem os jovens solistas, grupos de música de câmara, os coros e orquestras como um “factor estruturante de desenvolvimento” e não como um adorno instrumental de “eventos”. Quanto maior for a credibilidade da rede, mais reconhecimento político estará garantido. É esse um dos mais importantes sinais dados por este Festival de Música da Beira Interior.

Carlos Semedo 
carlossemedo@gmail.com
 

 

 

 

OPINIÃO

Cartas desde la ilusión

Querido amigo:

Se nota que estamos en la mitad del curso académico. Las cosas se suceden… yo diría que se precipitan. Me gustaría mucho poder comentarte extensamente lo que nos ha sucedido en este último mes, pero no tengo lugar suficiente en la revista para contártelo.

Por eso, a pesar de que te hubiese comentado nuestra experiencia con el uso del blog en Internet, y de los avances que voy observando en el desarrollo de la autoestima de mis alumnos, hoy quiero hablarte de algo más específico que también nos ha sucedido, y puede (y suele) suceder con cierta normalidad en todas las aulas.

Hemos tenido un episodio conflictivo entre dos alumnos (una alumna y un alumno). Lo de menos fue el hecho que causó dicho conflicto, y, por eso, voy a contarte cómo conseguí abordar este tema que nos preocupa a casi todos (por no decir a todos) los profesores.

Cuando me enteré de la situación conflictiva, convoqué una “asamblea” en el aula. Para ello, corté toda la actividad académica y dispuse a mis alumnos alrededor del aula, sentados en el suelo formando un círculo (previamente habíamos colocado las mesas pegadas a las paredes). Una vez se hizo el silencio, solicité a los dos protagonistas que se colocasen en el centro del círculo, entre sus compañeros, en pie.

Entonces, les indiqué que estábamos en esta situación debido al conflicto que se había generado entre ambos. A continuación, pedí a todos los alumnos su consentimiento en que fuese la alumna la primera en hablar. Al dar su conformidad el resto de los alumnos, indiqué a dicha alumna que contase su versión de los hechos, cosa que hizo con naturalidad, aunque se notaba cierto resentimiento en sus palabras. Todos los demás alumnos escucharon su versión en silencio.

Una vez que había acabado su relato, indiqué al alumno, que estaba enfrente de ella dentro del círculo, que narrase su versión de los hechos. Así lo hizo el alumno, contando su visión de lo acontecido.

Una vez que habíamos escuchado la versión de ambos, solicité al resto de los alumnos su intervención, pidiéndoles aclaraciones, si habían sido testigos de los hechos que habían generado el conflicto, o bien su parecer acerca de lo acontecido.

Hubo algunos alumnos que hablaron con libertad, coincidiendo, según su afinidad, con la versión de la alumna, y otros que coincidieron con la versión del alumno.

A la vista de esto, y dado que todos habían expresado su opinión libremente, les propuse una reunión en pequeño grupo para que respondieran a una pregunta: “¿Por qué los seres humanos tenemos conflictos unos con otros?”.

Una vez que terminaron su diálogo en pequeño grupo, hicimos una puesta en común, anotando en la pizarra las razones que ellos habían aducido.

Una de ellas fue más o menos expresada así: “Porque no todos vemos las cosas de la misma manera”.

Cuando apareció esta aseveración pregunté: “¿Por qué no todos vemos las cosas de la misma manera?”. La respuesta fue prácticamente unánimes: “Porque somos diferentes unos de otros”.

Te dejo. Siento que he ocupado el espacio que tengo adjudicado. En mi próxima carta te hablaré de nuestro ejercicio sobre el tema: “Por qué somos diferentes”, y las consecuencias que se desprenden de entender la diversidad.

Un abrazo.

Juan A. Castro
juancastrop@gmail.com

 

 

 

OPINIÃO

Podia ser de outra maneira

“Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas”.


In Trova do Vento que Passa
Adriano Correia de Oliveira

 

De novo em Coimbra. Como nos tempos de estudante, caminho, vagarosamente, pela Rua Ferreira Borges. Ao passar junto aos escaparates das livrarias, procuro não entrar mas como a chamada dos livros é mais forte do que eu, acabo por fazê-lo. Olho as estantes. A dado passo, deparo-me com um livro cujo título “Podia ser de Outra Maneira” desperta a minha curiosidade de leitor compulsivo. “Podia ser de Outra Maneira”, mas foi assim que aconteceu a minha descoberta de Costa Alves, escritor. Como diz o meu companheiro, dos tempos da Universidade, João André, no livro “Diálogo Intercultural, Utopia e Mestiçagens”, editado pela Ariadne, nem sempre é fácil explicar o que nos põe em movimento e o que nos dá que pensar. Há temas que vêm ter connosco, amigos, confidentes: se nos piscam o olho, nós aceitamos o convite. Embarcamos numa aventura que recolhe memórias de outros tempos, olhares de outros espaços, gestos inventados em solidariedades de que não sabemos o nome, a figura e muito menos o código genético”, pois, também foi assim que o livro cujo título diz “Podia ser de Outra Maneira” veio ter comigo ou eu com ele, não sei.

A curiosidade aumentou ao constatar que o autor do livro é Costa Alves que conheci num anoitecer coloquial em terras do “Luso, mas não Iluso”, Amato Lusitano, quando já não me resta tempo para ler tanto quanto gostaria. Automaticamente, pego no livro, passo os olhos, de relance, por algumas páginas e verifico que, em alguns capítulos, o seu conteúdo se reporta a espaços e a tempos (Cronos e Cairos) Albicastrenses que nos são comuns. Pago e saio de curiosidade aguçada.

Regresso à velha casa e, duma assentada, leio o livro, talvez porque não pudesse ser de outra maneira. Além do conteúdo do livro, fascinou-me também a forma e o modo como o autor se move no campo da Filosofia. Costa Alves foi, para mim, a agradável surpresa, não apenas pelas ideias interessantes e pela escrita solta, aqui e ali, salpicada por expressões bem conhecidas, desde a minha infância, como a referência a lugares e situações que nos são comuns.

“Podia ser de outra maneira” mas não foi. Foi assim que descobri Costa Alves, escritor, numa espécie de ajuste de contas com o passado (o que demonstra que Costa Alves não sofre de amnésia) e com os mais recentes acontecimentos históricos, políticos e sociais da nossa história recente. Direi mesmo que Costa Alves, por vezes, parece querer psicanalizar-se, sobretudo, quando viaja “pelas cordilheiras da memória”. Com Costa Alves em “Podia ser de outra maneira” viajamos pela segunda metade do séc. XX através das múltiplas narrativas que compõem o livro e, de quando em quando, regressamos à Grécia, à Idade Moderna, passamos pela época contemporânea e paramos na fase a que comummente alguns chamam pós – modernidade. Pelo livro, perpassa, não raramente, a escrita de um homem lúcido e descontente com os sistemas políticos que nos asfixiam, sobretudo nos capítulos “Estranho este País Estranho”. “Este País está estranho, dizem a torto e a direito por portas e travessas, becos e esquinas do nosso desencanto. Estranho, não estranhes, é forma para dizer para quem já se habituou a tanta demasiada coisa que não vale a pena saber se o mundo está conforme a vida que desejamos”; “América, América! Uma nação sem antiguidade suficiente para ser sábia, continua a comportar-se como quando arrasava tudo à sua volta para que pudesse nascer. Sempre a sair de si, sempre a intrometer-se na esfera dos outros (…)” e “Capitalismo ou Barbárie” e uma lucidez, que direi dolorosa, quando neste capítulo inicia o texto com a seguinte frase de Platão: “o que dissemos não é tudo o que havia para dizer”.

Sobre a unidade do livro “Podia ser de outra maneira” concordo com Zé Ribeiro que no seu Blog afirma: “A unidade há-de o leitor encontrá-la, precisamente, naquela pretensa forma de dialogar com que o autor pretende fazer passar um longo monólogo, onde perpassam o “tempo de chumbo” da ditadura, reflexões acerca dos mitos portugueses, guerra colonial, Revolução de Outubro (aliás de Novembro), Guerra Civil de Espanha, religião, ciência, etc. E também naquele tom civilizado e amável que, na minha humilde opinião, é privilégio dos sábios”.

Costa Alves despertou a minha curiosidade de leitor, por isso, será com prazer que lerei outros escritos que, sei agora, deu à estampa. Espero, de igual modo, que um dia qualquer, numa qualquer esquina da Urbe, em que, de quando em vez, nos movemos, possamos dialogar em jeito Socrático como o faz neste seu livro, sobre estes textos e outros pré-textos (pretextos) que Costa Alves queira dar-nos a conhecer. Por último, se me é permitido um conselho, leiam o livro “Podia ser de Outra Maneira”, editado pela Ulmeiro, pois, como diz Armando Taborda, descobrirão que Costa Alves “transfigura-se no lúcido analista do fenómeno social à força de querer entender-se a si próprio, sob a perspectiva humanista do espectador descontente com a ordem antiga, e também com a nova”. Por tudo isto, procurarei adquirir, tão breve quanto possível, os outros livros de Costa Alves. Espero que me deliciem tanto quanto “Podia ser de Outra Maneira” e que me levem a esse olhar outro sobre a intemporalidade que perpassa o tempo que nos foi dado viver.

João dos Santos Pires

 


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