CRÓNICA
Fait Divers

Quanto maior é a crise económica e
social, quanto mais nos sobrecarregam de aumentos, impostos e mentiras,
maior é a quantidade de fait divers atirados para as notícias.
Provavelmente para nos distrair, provavelmente para nos mentirem ainda
mais, provavelmente!
É claro que não são os media que assim desejam ou conspiram, é o clima
que é propício à palhaçada. Caso contrário a malta põe-se a pensar em
parvoíces, dá-lhe uma coisinha má e depois não tem centro de saúde que
lhe valha, apesar da coisa estar de novo em banho-maria.
A crise social e económica instalou-se já de tal modo, que não há sector
da população que não se manifeste contra o autismo político e a
arrogância deste Governo. Há as estatísticas e as sondagens, mas mesmo
estas também parecem fazer parte do mesmo circo.
Assim é que, mesmo antes de sabermos quem são e o que querem os
protagonistas da campanha eleitoral espanhola, já sabemos que Filipe
Gonzalez chamou imbecil a Mariano Rajoy, ou seja, terá verbalizado pela
primeira vez algo que já pensava há muito tempo.
Ignoramos em absoluto o que são e para que servem as eleições
norte-americanas (refiro-me à substância, claro), porque eu desconfio
sempre de “super terças-feiras” eleitorais, quando a final é sempre
entre dois gémeos, mas sabemos que Hillary Clinton não conseguiu
pronunciar Dmytri Medvedev, que é o senhor que se segue na Rússia,
depois Vladimir Putin.
Enoja-nos saber que um senhor de nome Sarkozy, que tem uma namorada boa
de nome Carla Bruni, insultou um conterrâneo seu que não lhe apertou a
mão, mas ficamos sem saber quantos mais franceses estão nessa
disposição.
Como não podia deixar de ser, por cá também o senhor Pinto de Sousa,
como lhe chama o outro, protagoniza hilariantes (é uma maneira de dizer)
tiradas, e não me refiro àquela graça de oferecer computadores aos
estudantes pela televisão, quando as operadoras, impelidas a cumprir
prazos nada sabiam das condições socio-económicas daqueles a quem se
destinavam, e vai de cobrar 18 Eur. mensais a eito, mas como a que
soubemos ter chamado ministra das avaliações àquela que é uma espécie de
Ministra da Educação, ou que no parlamento disse a Paulo Portas que não
tinha medo dele e vice versa, em que só faltou o desafio de molhar a
orelha com cuspo.
Apesar de tudo fico feliz, porque há sempre gente séria que cuida do
nosso bem-estar e nos aconselha. Na verdade, ainda hoje me saltaram os
olhos para o meu horóscopo (versão Maya), que dizia ali
escarrapachadinho: “conseguirá vencer uma crise de dúvidas”. A ser
verdade, esta mulher é a cereja em cima do bolo.
João de Sousa Teixeira
teijoao@gmail.com
CONTRABAIXO
A23

Está prestes a começar a terceira edição
do Festival de Música da Beira Interior. A Scutvias, empresa
concessionária da A23 dá corpo organizativo a este autêntico desafio
colocado às escolas de música da região, sempre com o suporte do Governo
Civil do distrito de Castelo Branco.
Se tal acontecesse em algum país da Europa desenvolvida, aquele eterno
desiderato nacional nunca cumprido, seria encarado com naturalidade, mas
como estamos em Portugal, é necessário dar a esta iniciativa os devidos
créditos.
Em primeiro lugar, não é todos os dias que uma empresa investe não só no
patrocínio mas também na organização de um projecto que dá destaque à
música chamada erudita. Temos alguns outros exemplos mas normalmente
associados a géneros musicais que garantem um retorno mais óbvio. Só
este facto torna o projecto exemplar.
A fórmula encontrada é das mais felizes. Em vez de convidarem músicos
mais ou menos conhecidos, o festival desafia todos os anos as Escolas de
Ensino Especializado da Música da região a prepararem um concerto
específico para a ocasião. É um convite que obriga as escolas a
trabalhar para um objectivo convergente e a procurar apresentar o melhor
que produzem ao longo do ano lectivo.
Os concertos têm lugar ao longo do eixo da A23, com as escolas a
apresentarem-se em outras localidades que não as de origem e a
sujeitarem-se a uma avaliação relativamente aos seus pares, algo muito
salutar e que faz parte da natureza de qualquer arte performativa. As
palavras valem o que valem, mas no palco a exposição é total. Esta
característica do festival ao invés de estimular uma estéril competição
entre as escolas permite uma salutar partilha de informação e, em muitos
casos, de recursos. O conhecimento e reconhecimento mútuo são formas de
as comunidades avançarem para patamares mais evoluídos em termos de
desenvolvimento e este festival tem a enorme virtude de espalhar essa
semente.
A qualidade de muitos dos concertos apresentados nas edições anteriores
mostra, por outro lado, a vitalidade das escolas e expõe a riqueza que
foi sendo disseminada ao longo dos últimos 15 anos nesta área de
influência. O Ensino Especializado da Música e, também, o Ensino
Superior, com a Escola Superior de Artes Aplicadas, tem cumprido, nesta
região, um papel fundamental no desenvolvimento das comunidades,
garantindo o acesso à formação tanto no plano teórico como ao nível dos
instrumentos, com uma oferta cada vez mais alargada, desde a percussão
até ao canto ou acordeão.
Todo este potencial pode, no entanto, ser amplificado. Já o escrevi, um
festival com estas características é uma semente, mas uma semente de
quê?
Na minha opinião, de uma verdadeira rede de recursos e pessoas. É
possível a partilha estruturada de bibliotecas, instrumentos musicais,
professores, músicos. É possível uma programação de proximidade
relativamente a comunidades com menor acesso a bens culturais, baseada
na partilha de trabalho das várias escolas. É possível fixar mais e
melhores músicos na região, se as autarquias encararem os jovens
solistas, grupos de música de câmara, os coros e orquestras como um
“factor estruturante de desenvolvimento” e não como um adorno
instrumental de “eventos”. Quanto maior for a credibilidade da rede,
mais reconhecimento político estará garantido. É esse um dos mais
importantes sinais dados por este Festival de Música da Beira Interior.
Carlos Semedo
carlossemedo@gmail.com
OPINIÃO
Cartas desde la
ilusión
Querido amigo:
Se nota que estamos en la mitad del curso académico. Las cosas se
suceden… yo diría que se precipitan. Me gustaría mucho poder comentarte
extensamente lo que nos ha sucedido en este último mes, pero no tengo
lugar suficiente en la revista para contártelo.
Por eso, a pesar de que te hubiese comentado nuestra experiencia con el
uso del blog en Internet, y de los avances que voy observando en el
desarrollo de la autoestima de mis alumnos, hoy quiero hablarte de algo
más específico que también nos ha sucedido, y puede (y suele) suceder
con cierta normalidad en todas las aulas.
Hemos tenido un episodio conflictivo entre dos alumnos (una alumna y un
alumno). Lo de menos fue el hecho que causó dicho conflicto, y, por eso,
voy a contarte cómo conseguí abordar este tema que nos preocupa a casi
todos (por no decir a todos) los profesores.
Cuando me enteré de la situación conflictiva, convoqué una “asamblea” en
el aula. Para ello, corté toda la actividad académica y dispuse a mis
alumnos alrededor del aula, sentados en el suelo formando un círculo
(previamente habíamos colocado las mesas pegadas a las paredes). Una vez
se hizo el silencio, solicité a los dos protagonistas que se colocasen
en el centro del círculo, entre sus compañeros, en pie.
Entonces, les indiqué que estábamos en esta situación debido al
conflicto que se había generado entre ambos. A continuación, pedí a
todos los alumnos su consentimiento en que fuese la alumna la primera en
hablar. Al dar su conformidad el resto de los alumnos, indiqué a dicha
alumna que contase su versión de los hechos, cosa que hizo con
naturalidad, aunque se notaba cierto resentimiento en sus palabras.
Todos los demás alumnos escucharon su versión en silencio.
Una vez que había acabado su relato, indiqué al alumno, que estaba
enfrente de ella dentro del círculo, que narrase su versión de los
hechos. Así lo hizo el alumno, contando su visión de lo acontecido.
Una vez que habíamos escuchado la versión de ambos, solicité al resto de
los alumnos su intervención, pidiéndoles aclaraciones, si habían sido
testigos de los hechos que habían generado el conflicto, o bien su
parecer acerca de lo acontecido.
Hubo algunos alumnos que hablaron con libertad, coincidiendo, según su
afinidad, con la versión de la alumna, y otros que coincidieron con la
versión del alumno.
A la vista de esto, y dado que todos habían expresado su opinión
libremente, les propuse una reunión en pequeño grupo para que
respondieran a una pregunta: “¿Por qué los seres humanos tenemos
conflictos unos con otros?”.
Una vez que terminaron su diálogo en pequeño grupo, hicimos una puesta
en común, anotando en la pizarra las razones que ellos habían aducido.
Una de ellas fue más o menos expresada así: “Porque no todos vemos las
cosas de la misma manera”.
Cuando apareció esta aseveración pregunté: “¿Por qué no todos vemos las
cosas de la misma manera?”. La respuesta fue prácticamente unánimes:
“Porque somos diferentes unos de otros”.
Te dejo. Siento que he ocupado el espacio que tengo adjudicado. En mi
próxima carta te hablaré de nuestro ejercicio sobre el tema: “Por qué
somos diferentes”, y las consecuencias que se desprenden de entender la
diversidad.
Un abrazo. 
Juan A. Castro
juancastrop@gmail.com
OPINIÃO
Podia ser de outra
maneira
“Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas”.
In Trova do Vento que Passa
Adriano Correia de Oliveira
De novo em Coimbra. Como nos tempos de
estudante, caminho, vagarosamente, pela Rua Ferreira Borges. Ao passar
junto aos escaparates das livrarias, procuro não entrar mas como a
chamada dos livros é mais forte do que eu, acabo por fazê-lo. Olho as
estantes. A dado passo, deparo-me com um livro cujo título “Podia ser de
Outra Maneira” desperta a minha curiosidade de leitor compulsivo. “Podia
ser de Outra Maneira”, mas foi assim que aconteceu a minha descoberta de
Costa Alves, escritor. Como diz o meu companheiro, dos tempos da
Universidade, João André, no livro “Diálogo Intercultural, Utopia e
Mestiçagens”, editado pela Ariadne, nem sempre é fácil explicar o que
nos põe em movimento e o que nos dá que pensar. Há temas que vêm ter
connosco, amigos, confidentes: se nos piscam o olho, nós aceitamos o
convite. Embarcamos numa aventura que recolhe memórias de outros tempos,
olhares de outros espaços, gestos inventados em solidariedades de que
não sabemos o nome, a figura e muito menos o código genético”, pois,
também foi assim que o livro cujo título diz “Podia ser de Outra
Maneira” veio ter comigo ou eu com ele, não sei.
A curiosidade aumentou ao constatar que o autor do livro é Costa Alves
que conheci num anoitecer coloquial em terras do “Luso, mas não Iluso”,
Amato Lusitano, quando já não me resta tempo para ler tanto quanto
gostaria. Automaticamente, pego no livro, passo os olhos, de relance,
por algumas páginas e verifico que, em alguns capítulos, o seu conteúdo
se reporta a espaços e a tempos (Cronos e Cairos) Albicastrenses que nos
são comuns. Pago e saio de curiosidade aguçada.
Regresso à velha casa e, duma assentada, leio o livro, talvez porque não
pudesse ser de outra maneira. Além do conteúdo do livro, fascinou-me
também a forma e o modo como o autor se move no campo da Filosofia.
Costa Alves foi, para mim, a agradável surpresa, não apenas pelas ideias
interessantes e pela escrita solta, aqui e ali, salpicada por expressões
bem conhecidas, desde a minha infância, como a referência a lugares e
situações que nos são comuns.
“Podia ser de outra maneira” mas não foi. Foi assim que descobri Costa
Alves, escritor, numa espécie de ajuste de contas com o passado (o que
demonstra que Costa Alves não sofre de amnésia) e com os mais recentes
acontecimentos históricos, políticos e sociais da nossa história
recente. Direi mesmo que Costa Alves, por vezes, parece querer
psicanalizar-se, sobretudo, quando viaja “pelas cordilheiras da
memória”. Com Costa Alves em “Podia ser de outra maneira” viajamos pela
segunda metade do séc. XX através das múltiplas narrativas que compõem o
livro e, de quando em quando, regressamos à Grécia, à Idade Moderna,
passamos pela época contemporânea e paramos na fase a que comummente
alguns chamam pós – modernidade. Pelo livro, perpassa, não raramente, a
escrita de um homem lúcido e descontente com os sistemas políticos que
nos asfixiam, sobretudo nos capítulos “Estranho este País Estranho”.
“Este País está estranho, dizem a torto e a direito por portas e
travessas, becos e esquinas do nosso desencanto. Estranho, não
estranhes, é forma para dizer para quem já se habituou a tanta demasiada
coisa que não vale a pena saber se o mundo está conforme a vida que
desejamos”; “América, América! Uma nação sem antiguidade suficiente para
ser sábia, continua a comportar-se como quando arrasava tudo à sua volta
para que pudesse nascer. Sempre a sair de si, sempre a intrometer-se na
esfera dos outros (…)” e “Capitalismo ou Barbárie” e uma lucidez, que
direi dolorosa, quando neste capítulo inicia o texto com a seguinte
frase de Platão: “o que dissemos não é tudo o que havia para dizer”.
Sobre a unidade do livro “Podia ser de outra maneira” concordo com Zé
Ribeiro que no seu Blog afirma: “A unidade há-de o leitor encontrá-la,
precisamente, naquela pretensa forma de dialogar com que o autor
pretende fazer passar um longo monólogo, onde perpassam o “tempo de
chumbo” da ditadura, reflexões acerca dos mitos portugueses, guerra
colonial, Revolução de Outubro (aliás de Novembro), Guerra Civil de
Espanha, religião, ciência, etc. E também naquele tom civilizado e
amável que, na minha humilde opinião, é privilégio dos sábios”.
Costa Alves despertou a minha curiosidade de leitor, por isso, será com
prazer que lerei outros escritos que, sei agora, deu à estampa. Espero,
de igual modo, que um dia qualquer, numa qualquer esquina da Urbe, em
que, de quando em vez, nos movemos, possamos dialogar em jeito Socrático
como o faz neste seu livro, sobre estes textos e outros pré-textos
(pretextos) que Costa Alves queira dar-nos a conhecer. Por último, se me
é permitido um conselho, leiam o livro “Podia ser de Outra Maneira”,
editado pela Ulmeiro, pois, como diz Armando Taborda, descobrirão que
Costa Alves “transfigura-se no lúcido analista do fenómeno social à
força de querer entender-se a si próprio, sob a perspectiva humanista do
espectador descontente com a ordem antiga, e também com a nova”. Por
tudo isto, procurarei adquirir, tão breve quanto possível, os outros
livros de Costa Alves. Espero que me deliciem tanto quanto “Podia ser de
Outra Maneira” e que me levem a esse olhar outro sobre a intemporalidade
que perpassa o tempo que nos foi dado viver.
João dos Santos Pires
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