Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº123    Maio 2008

Editorial


Maio 68 & 40 depois

Em Maio de 68 eu estava em Castelo Branco a curtir uma doce e inesquecível vida proporcionada por um premeditado preguiçar, a que me permitia o estatuto de pré finalista do Liceu.

Por esse tempo, o nosso grupo de amigos passeava-se entre a pastelaria Belar e a Avenida Nuno Álvares, numa contestação caseira do possível, construindo imaginários de mudança, porque a demarcação se nos apresentava, no mínimo, necessária, já que a festa, aqui e então, se adivinhava impossível. No limite, fomos apenas observadores distantes dos acontecimentos de Maio de 68 em França, sorvendo, aqui e ali, os ecos que a imprensa da ditadura permitia transparecer, ou que ouvíamos nas roqueiras rádios piratas, tipo Radio Caroline.

Mesmo assim, promovíamos a festa colectiva à nossa medida. O Zé Manel Castanheira (actual director do Teatro Nacional, mas que na altura apenas treinava as asas em arquitecturas de artes menores) armou-se em empresário do nosso grupo de rock que ensaiava na garagem do seu avô, massacrando os ouvidos à vizinhança. E lá íamos, eu, o Rui Pipas (que me observa por entre as nuvens), o Quim Teixeira (irmão do João, o arquitecto, que passava a vida a imaginar esquemas para fugir ao controlo do pai) e o Dâmaso Filipe (agora ilustre melómano e proprietário dum restaurante de primeira água em Constância), todos numa de dar o corpo e a alma pelo nosso conjunto. Registe-se o nome: Clube 21. Grupo para consumo imediato de chás dançantes no salão dos bombeiros, ou concertos e récitas no Cine Teatro Avenida. A contestação acontecia quando conseguíamos pôr duas dúzias de miúdas a dançar e a gritar.

Nos intervalos, e ainda à margem de certa maneira, ouvíamos o Sgt. Pepper's e o Álbum Branco dos Beatles, íamos ao cinema ver o Peter Fonda em o Easy Ryder, líamos Mead, Ievtuchenko, Pauwels, Russel, Alegre, Poe, toneladas de BD e despertávamos para outros mundos com a edição francesa do Politzer que o Luis Geirinhas tinha suprimido à biblioteca do pai.

Neste espírito de contestação provinciana, à moda dos sixties, ainda nos deu para produzir e vender um ilegalíssimo jornal/revista, O Êxito de seu nome, em que se envolveram de corpo e alma o João Carlos Antunes, mais o Tó Luís Carmona e o Zé Manel Guardado Moreira.

O que lá vai, lá vai. E já lá vão quatro décadas… Mas o que mais propriamente eu hoje vos queria dizer é que, deste Maio adolescente, à nossa escala provinciana de País ditatorialmente silenciado, policiado e em estado de sítio, sobrou para muitos, agora cinquentões de um Maio mais maduro, o desejo da utopia, o direito à indignação, a necessidade de alimentar o imaginário, na busca permanente dos novos rumos que emprestam sentido à vida.

Passados 40 anos, e se todos esforçarmos um olhar com olhos de ver, todos nós continuamos a partilhar os espaços e os tempos das nossas escolas com novas gerações de jovens que insistem em acreditar ser possível sobreviver ao "pântano", apesar de tudo, apesar do sistema que teima em nos sufocar.

É certo: os jovens de hoje terão outras linguagens, modelaram diferentes gestos, assumiram comportamentos e gostos diversos. Mas estão aí, no eterno sobressalto do desencanto com que as desigualdades escolares e sociais os continuam a marcar. Com a presciência dum futuro intranquilo que lhes reservou a sociedade pouco utópica e nada solidária que nós (os tais do outro Maio) lhes deixámos no colo.

Pouco mais nos exigem do que os deixemos ser sobreviventes, para também um dia o poderem contar. E olham-nos com a desconfiança que se lança aos acomodados e aos leais conselheiros. No fundo, apenas mendigam que ninguém permita que venham a ser perdedores ou derrotados.

Seria pedir muito às escolas e aos educadores que assumissem a coragem de contribuírem para o desenvolvimento pessoal destes jovens, qualificando o desempenho dos seus papéis sociais, no respeito da sua integridade afectiva, da sua individualidade valorativa e das suas escolhas quanto aos estilos de vida?

Não adiem mais: façam-no. Mesmo que em nome de um outro Maio. Um pouco mais maduro, talvez...

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

 

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