Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº123    Maio 2008

Destaque

DAVID BUCKINGHAM, INVESTIGADOR DA UNIVERSIDADE DE LONDRES, GARANTE

Educação para os média: é urgente formar docentes

A formação na área dos média é uma necessidade para todos os púbicos, mas deve começar o mais cedo possível, designadamente na escola. É que hoje o conhecimento chega sobretudo através dos média, os quais não apresentam a realidade, mas sim construções feitas a partir da realidade. Por isso, é fundamental que os cidadãos estejam preparados para fazerem uma interpretação crítica das mensagens média, e que saibam usar os média para também eles comunicarem.

A ideia é defendida por David Buckingham, um dos maiores especialistas mundiais na área da Educação para os Média, que concedeu uma entrevista ao Ensino Magazine, em Dublin, na República da Irlanda, onde foi o principal orador da conferência Youth Media & Democracy, que teve lugar no Dublin Institute of Technology.

O director do Centre for the Study of Children, Youth and Media, do Instituto de Educação da Universidade de Londres, explica que a investigação na área tem ainda um longo caminho a percorrer, no sentido serem definidos critérios e formas de avaliar a efectividade dos programas de Educação para os Média. Mas diz-se plenamente confiante que essa efectividade é real. De caminho, explica em que consiste o seu próximo projecto de investigação, considera que os média devem abrir as portas à colaboração dos jovens, sobretudo os jornais, ao mesmo tempo que comenta os previsíveis efeitos do programa Media Smart em Portugal, que está a ajudar a implementar.
 

Em sua opinião, a formação das pessoas na área dos média deve acontecer sobretudo em relação aos média digitais ou também em relação aos média tradicionais, como os jornais, a rádio ou a televisão?

Definitivamente em relação a ambos. Quando olhamos para a dieta dos jovens em termos de consumo de média, percebemos que continuam a dedicar muito tempo aos chamados velhos média. Na Grã-Bretanha, as crianças dedicam diariamente entre duas horas e meia e três horas à televisão. Em Portugal talvez dediquem um pouco menos, mas não muito menos. A televisão é o média dominante entre os jovens. E se os jornais serão dos média menos importantes, os filmes e a música continuam a sê-lo.
 

Mas existe uma ligação entre velhos e novos média?

A ligação entre velhos e novos média tem vindo a aumentar. Se falarmos, por exemplo, em jogos de computador, em muitos casos esses jogos tiveram origem em filmes e os filmes estão ligados a programas de televisão. É por isso que necessitamos de ensinar acerca dos média em geral, em lugar de nos centrarmos num ou noutro média, ou nos novos média excluindo os mais antigos.
 

Em 2003 escreveu que, "tal como em qualquer prática educacional, a Educação para os Média necessita de encontrar um modelo de curriculum e uma teoria coerente de aprendizagem". Na Europa estamos no bom caminho para o conseguir ou isso é algo ainda muito difícil?

Isso está a começar a acontecer. Há um diálogo internacional, mas as actividades de Educação para os Média estão a acontecer ao nível nacional. Por isso temos de pensar mais em que espaços curriculares a Literacia dos Média pode acontecer. No Reino Unido, um dos espaços tem sido a disciplina de Inglês, ou seja, no ensino da língua materna. É, de facto, um espaço muito importante e muitos dos professores interessados na Educação para os Média são professores de Inglês. Então, temos de olhar para cada situação nacional, porque pode não acontecer apenas na disciplina de língua materna mas, por exemplo, em disciplinas da área dos estudos sociais.
 

É possível desenvolver a Educação para os Média em espaços do currículo dedicados às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)?

Essa é uma questão que, de momento, me preocupa bastante. No espaço curricular chamado TIC, aquilo que acontece é muito limitado, pelo menos no Reino Unido. Esse é um espaço onde a Educação para os Média deve acontecer de forma muito mais consistente. Penso que a Unesco pode desempenhar aí um papel importante, tal como a Comissão Europeia, pois podem insistir junto dos governos. No final do ano passado, a Comissão Europeia publicou uma comunicação que pode ajudar, pois faz pressão junto dos governos nacionais. E cada um deles é que define o que muda nas escolas.
 

O Professor Buckingham tem referido que o papel do professor tem de ser alterado. Qual será o novo papel do professor?

Não é fácil ser professor na área da Educação para os Média. Às vezes as pessoas dizem que toda a gente vê televisão, pelo que todas as pessoas percebem o que deve ser ensinado. Isso não é verdade. Essa é apenas uma parte do conhecimento que o professor deve ter. Sobretudo agora, quando o ambiente dos média está a mudar rapidamente, é muito difícil que cada um saiba o que deve ser ensinado. Os professores devem possuir um corpo de conhecimento sobre como funcionam os média. Mas precisam também, e acima de tudo, de pensar seriamente a sua pedagogia.
 

Qual é a grande diferença das actividades de Educação para os Média em relação às actividades das áreas disciplinares?

Não estamos numa situação em que os professores têm todo o conhecimento e os alunos não têm nenhum. Não é como no ensino da Física. É uma área onde, na realidade, os estudantes têm conhecimento, onde nós esperamos que os professores tenham conhecimento. A questão está em como conseguir criar um diálogo entre estes dois tipos de conhecimento. Tal é, muitas vezes, difícil para os professores, pois eles necessitam de respeitar o conhecimento dos estudantes. Deveriam escutá-los para saberem o que eles já sabem e respeitar as suas opiniões, ao mesmo tempo que procuram incrementar o conhecimento dos alunos. Por isso, os professores têm de estar preparados sobre os média, conhecer a investigação desenvolvida em relação aos média, tal como acontece com um professor de História em relação à História. Isto sem esquecer a perspectiva pedagógica. E isso tem de ser feito ao nível da formação inicial de professores, na Universidade.
 

E é possível preparar os professores para trabalharem numa escola com alunos muito diferentes entre si?

Essa é a outra questão. Vivemos numa sociedade diversificada, em que os jovens têm cada vez mais acesso aos média. Mas nem todos preferem os mesmos média e nem todos estarão preparados para desenvolver gostos especializados. Pensemos, por exemplo, em relação à área dos jogos de computador, que é verdadeiramente importante para muitos estudantes, enquanto outros odeiam esses jogos. Há uma questão de género, pois os rapazes gostam mais dos jogos do que as raparigas, mas há raparigas que gostam. Por outro lado, eu não conheço muitos professores que joguem jogos de computador, embora existam alguns. Há portanto aqui uma questão por resolver. É preciso ensinar nesta área, mas essa tarefa não é fácil, seja pela diversidade das opções dos alunos nesta matéria, seja pela falta de preparação dos professores.
 

A Comissão Europeia quer ver definidos os critérios que um cidadão deve cumprir para poder ser considerado literato em média. Na sua opinião, quais poderão ser alguns desses critérios?

Esta é uma questão muito difícil. Como é que medimos a Literacia dos Média? Na Grã-Bretanha, a entidade reguladora Ofcom tentou fazer essa medição. Têm uma iniciativa chamada Media Literacy Audit, através da qual tentam avaliar o nível de literacia de diferentes grupos da população e não apenas entre as crianças. A entidade reguladora está também preocupada com a falta de literacia dos média entre os mais idosos. No questionário perguntaram às pessoas se sabiam usar um comando a distância ou se sabiam usar um browser ou se tinham colocado algo na Internet. Ora, o que eles foram capazes de medir foram sobretudo capacidades técnicas.
 

Então o que foi medido no Reino Unido não foi o nível de literacia aos média…

Para a Ofcom, a Literacia dos Média assenta em três aspectos: aceder, compreender e criar. Acesso significa se sabem usar os média numa perspectiva meramente funcional. Compreender significa compreensão crítica, fazer juízos acerca de como os média representam o mundo, perceber a sua linguagem. Criar implica, obviamente, fazer média. O problema é que só se consegue medir o acesso, a percentagem de pessoas que usam computador, ou que têm acesso à Internet, a percentagem de pessoas que comunica por SMS ou que consegue fazer uma fotografia com o telemóvel. O que é difícil de medir é a compreensão e a criatividade, os quais são pelo menos tão importantes como o acesso. Frequentemente, quando falamos em Literacia dos Média em contexto educacional, não estamos a falar tanto em capacidades técnicas, mas sim de compreensão crítica e de criatividade. Há assim um problema aqui. Quer a Ofcom quer a Comissão querem ser capazes de dizer qual é o nível de literacia dos média de uma dada população num dado momento. Querem ser capazes de dizer que, ao promoverem a Educação para os Média, esse nível subiu para determinado nível. Mas o perigo que correm é estarem a medir algo trivial, algo que não é realmente importante.
 

Mas será possível medir o nível de literacia dos média da população, ou não?

A pergunta é realmente muito boa. Nós precisamos de saber se a Educação para os Média faz alguma diferença. Eu acredito que faz. Defendo há muito tempo que é importante que as crianças possam e devam aprender acerca deste assunto. As pessoas podem perguntar-me se eu tenho provas de que aquilo que as crianças aprendem sobre média, na sala de aula, influi no modo como se relacionam com os média fora da sala de aula. De momento, considero que não temos uma resposta. Temos uma fé, o que faz a diferença. Mas não temos uma prova. E para termos provas, necessitamos de encontrar uma maneira de medir níveis ou critérios de literacia dos média. O desafio é medir estas coisas de uma forma sofisticada e não de uma forma simples.
 

De acordo com a Convenção dos Direitos da Criança, os mais jovens têm direito a ser ouvidos e a expressarem-se através dos média. Mas a investigação tem mostrado que tal não acontece, como se verificou recentemente através do projecto da professora Cristina Ponte, em Portugal. Considera que há forma de alterar esta situação? O que podem fazer, por exemplo, os jornalistas?

Há aqui duas questões. Uma acerca de como os adultos representam os jovens e outra acerca de como os jovens se representam a si mesmos. Em primeiro lugar os jornalistas devem perguntar a si próprios de que forma representam os jovens. Quando olhamos para os estudos em vários países, incluindo Portugal, fica claro que os jovens são frequentemente marginalizados, são invisíveis, mesmo quando se abordam assuntos que lhes dizem directamente respeito. Por exemplo, em peças jornalísticas acerca de educação, os jornalistas falam com adultos, mas não falam com crianças. As crianças aparecem sobretudo em peças acerca de jovens especiais, que atingiram objectivos impressionantes em termos educativos, desportivos ou nas artes, ou então sobre crianças e jovens que criam problemas na sociedade. Estamos perante uma espécie de anjos e diabos, mas a maioria dos jovens não são nem diabos nem anjos. A este respeito considero que a ANDI está a fazer um trabalho fantástico no Brasil, pois ajuda as pessoas a monitorizar o conteúdo dos média e parecem bastante efectivos a fazer pressão sobre os média, no sentido de fazerem uma representação mais diversificada e correcta dos jovens. Em segundo lugar, considero que os média e as suas organizações devem criar condições para que os jovens possam representar-se a si mesmos. E isto hoje mais fácil através dos novos média. Os jovens podem produzir vídeos e outras mensagens para falarem uns com outros, mas também com os adultos, com todas as audiências.
 

Considera que já existem exemplos de média que estão a proporcionar aos jovens esse contacto com as audiências?

De momento não vemos ainda muitos. Mas há exemplos em que os jovens têm um controle editorial, em que definem as peças jornalísticas, em que fazem as entrevistas, editam as peças e escrevem o comentário. Na realidade há muitos jovens, incluindo alguns mais novos, que são capazes de fazer este trabalho, com apoio, com treino de jornalistas profissionais. Por isso é necessário dar-lhes espaço, não apenas na Internet, mas nos média mais consumidos, como a televisão.
 

E em relação aos jornais?

O grande problema aqui é que a maioria dos jovens não lê jornais. Existe aqui um círculo vicioso. Os jovens não se vêem representados nos jornais, não têm a possibilidade de escreverem para aparecer nos jornais, pelo que não estão interessados. A continuar assim, podem concluir que os jornais não são dirigidos a jovens, mas sim a adultos. E é por isso que eles não lêem jornais. Se pensássemos de forma diferente, se tivéssemos, por exemplo, secções ou suplementos especificamente dirigidos a jovens, onde eles pudessem definir os conteúdos, talvez estivessem mais dispostos a ler jornais. Um dos problemas dos editores de jornais é que os seus leitores estão a ficar velhos. Naturalmente irão morrer e os jornais podem vir a desaparecer.
 

O Programa Media Smart, relativo à literacia dos média na área da publicidade, está a ser desenvolvido em Portugal de acordo com a experiência britânica e com o apoio do professor Buckingham. Que vantagens vê neste programa?

Existe uma suspeita em relação ao Media Smart que eu penso não ser injustificada. Temos anunciantes a financiar um programa de Literacia dos Média. Se formos injustos podemos afirmar que o fazem por uma questão de imagem, para mostrarem que não estão a explorar as crianças e que são altamente responsáveis. Na minha opinião em relação à Grã-Bretanha, o Media Smart foi uma oportunidade, sobretudo para trabalharmos com crianças mais jovens. Já temos uma Educação para os Média implementada para crianças mais velhas, nas escolas secundárias. Mas fizemos muito pouco em relação a crianças mais jovens, nas escolas do 1º Ciclo. A minha experiência é que, em Portugal, recorreram a pessoas muito experientes ao nível da produção dos materiais e ouviram também educadores. Haveria certamente um problema se tudo tivesse sido feito no mundo dos anunciantes. Mas a colaboração foi muito boa, além de que foram testados em escolas. Outra questão importante está na grande flexibilidade dos materiais educativos, o que permite que os professores os adaptem aos conteúdos que estão a leccionar e aos alunos a quem estão a leccionar.
 

Podemos assim considerar que foi ultrapassado o facto dos anunciantes estarem a pagar para que as crianças possam desenvolver capacidades que lhes permitam analisar criticamente os anúncios…

Um dos problemas nesta discussão é que as pessoas pensam que o objectivo da Educação para os Média é de enfraquecer o efeito da publicidade, como se fosse uma espécie de inoculação contra a publicidade. Na minha opinião, as crianças, mesmo as mais jovens, já sabem muito acerca de publicidade. Mas há coisas que eles não sabem e que era importante que soubessem. E, com estes materiais, podem perceber como é que funciona a indústria da publicidade, sobretudo áreas acerca das quais não teriam de pensar necessariamente.
 

O Professor Buckingham vai iniciar um novo projecto de investigação, precisamente relacionado com as crianças mais novas. Em que consiste o projecto e quais são os objectivos?

O projecto, a três anos, centra-se na questão da progressão na aprendizagem ao nível da Educação para os Média. Na Grã-Bretanha, a investigação centrou-se na Educação para os Média para crianças mais velhas, com 14 ou mais anos. E as crianças com 11 ou mais anos têm actividades nas aulas de Inglês. Mas há muito pouco em relação a crianças mais novas. Uma das questões a que queremos responder é o que as crianças necessitam de saber em diferentes idades. O que deve saber uma criança de sete anos em relação aos média, o que consegue compreender e aprender acerca de média. E depois o mesmo em relação a uma criança de 11, 12 ou de 15 anos. A pouca experiência que temos com crianças mais novas sugere que elas podem ser sofisticadas e que compreendem muito. E muitas das coisas que estamos a ensinar a crianças de 14 anos podem ser aprendidas por crianças de sete anos. A ideia não é tanto definir idades ou estádios, mas enveredar pelo currículo em espiral de Bruner. No Reino Unido, o currículo dos média está baseado num quadro de conceitos como linguagem média, representação, produção e audiência. Eu penso que muitos deles podem ser ensinados a crianças mais novas. Temos de os ensinar de forma diferente, com diferentes materiais e estratégias, mas deverá ser possível usar a abordagem em espiral, que vamos construindo à medida que crescem. É que neste momento não sabemos nada acerca disto. Mas imagino que uma crianças de 15 anos poderá fazer um melhor trabalho ao nível do vídeo se tiver iniciado essa actividade aos sete anos em vez de só o fazer aos 15 anos.

Vitor Tomé

 


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