Ser professor
Durante o passado mês assistiu-se à
divulgação de um livro intitulado Ser Professor, editado pelo Instituto
Politécnico de Castelo Branco e pela Associação Nacional de Professores.
A obra torna público um estudo que divulga dados de uma sondagem
nacional sobre a satisfação profissional dos professores e educadores e
sobre o papel das organizações de docentes.
Em resumo, a pesquisa revela-nos que os sujeitos estudados (educadores e
professores dos ensinos básico e secundário) se sentem satisfeitos
quando avaliam a sua auto-estima bem como a sua imagem profissional. A
maioria revela que não sente que a sociedade reconheça o seu trabalho
profissional, o que desde logo se traduz num vencimento que não
corresponde ao esforço dispendido para cumprir as funções exercidas,
pelo que experimenta alguma preocupação com o futuro.
Demonstram ter capacidade e vontade para serem educadores e professores
e gostam da profissão. Contudo sentem-se merecedores de mais e melhor
reconhecimento, melhor vencimento e, sobretudo, de mais garantias
relativamente ao futuro. Em geral manifestam-se satisfeitos com a escola
e com os alunos, designadamente com a transparência na gestão da escola,
com o bom ambiente aí vivido, e com a atenção que se disponibiliza aos
alunos com dificuldades educativas especiais.
A maioria não está satisfeita com o interesse revelado pelos alunos nas
questões de aprendizagem escolar e também apresenta uma insatisfação
quanto às políticas educativas do Ministério da Educação. Concordam com
a criação de uma Ordem dos professores e reflectem desilusão com o
processo de progressão na carreira docente.
O que está a montante destas afirmações? Quanto a nós, desde logo o
facto de vivermos uma conjuntura política, económica, social e até
cultural que não motiva a escolha da profissão docente. Ser professor
não é fácil. O Estado e a Sociedade olham para a escola e obrigam-na a
sarar todos os males sociais que os governos não são capazes de
enfrentar. A escola obriga-se a prevenir a toxicodependência, a educar
para a cidadania, a formar para o empreendedorismo, a promover uma
cultura ecológica e de defesa do meio ambiente, a motivar para a
prevenção rodoviária, a transmitir princípios de educação sexual, a
desenvolver hábitos alimentares saudáveis, a prevenir a Sida e outras
doenças sexualmente transmissíveis, a utilizar as novas tecnologias da
comunicação e da informação, a combater a violência, o racismo e o
belicismo, a reconhecer as vantagens do multiculturalismo, a impregnar
os jovens de valores socialmente relevantes, a prepará-los para
enfrentarem com sucesso a globalização e a sociedade do conhecimento, e
sabe-se lá mais o quê…
Porém, os professores foram treinados para saberem fazer o que sempre
fizeram e bem: ensinar. Mas, além disso, todo o dia se lhes exige o
cumprimento de cada vez mais objectivos educativos que a sociedade não
consegue alcançar.
Entregues a si próprios, sem acompanhamento nem adequada e suficiente
formação complementar, os docentes sentem sobre os seus ombros o peso da
enorme responsabilidade que lhes é imputada pelo Estado e pelas
famílias.
Hoje, a profissão de professor caracteriza-se por oferecer poucos
estímulos, incentivos, e até razões para que os docentes se envolvam num
processo de motivação e evolução qualitativa das suas capacidades
pessoais e profissionais. Por cada nova competência que se lhes exige,
sem a correspondente e adequada formação, o professor vai atingindo
níveis cada vez mais preocupantes de incompetência no cumprimento desses
novos saberes que se lhe impõem e para os quais não foi preparado,
aumentando os seus níveis de stress e de erosão profissional. Ou seja, o
professor desprofissionaliza-se. E esta desprofissionalização determina
o emergir de um progressivo clima de mal-estar que, a não ser alterado,
pode vir a ter consequências muito negativas na aprendizagem dos alunos.
João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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