QUATRO RODAS
Navegador o ilustre
desconhecido
Não sei se repararam que nos ralis se
corre em equipa, que é composta por um condutor e o navegador. Claro que
grande parte do êxito desta equipa se deve ao virtuosismo do piloto,
sempre glorificado quando das vitórias, mas se as coisas correm mal, a
fava calha quase sempre ao navegador.
Aparentemente com um trabalho menor, cabe ao navegador o planeamento
total da prova, desde o esquema de assistência às comidas, combustível
etc. Já na pista é ele que tem de se preocupar em ter as contas certas,
entrar nos controlos a horas e ditar as notas de andamento ao piloto de
uma forma milimétrica, alertando ao mesmo tempo para as situações menos
habituais. Para além disso ainda tem de fazer de treinador incentivando
o piloto ou reconfortando quando a coisa lhe corre menos bem.
Sobre a vida de navegador deixem-me contar uma história, que em grande
parte presenciei em directo. Estávamos em 2007 na especial de Almodôvar
em pleno Rali de Portugal a contar para o WRC. Como responsável por
aquele troço ocupava o meu lugar no local da partida com os ouvidos
pregados no rádio e demais meios de comunicação. Depois de montar a
especial praticamente nada tenho de fazer a não ser que algum acidente
ou incidente me obrigue a tomar medidas. Nessa altura quanto menos
trabalho tiver melhor, pois significa que tudo está a correr bem.
A determinado momento já com os primeiros WRC´s em pista soa o alarme.
Chris Atkinson o piloto oficial da Subaru sai de estrada a alta
velocidade. O primeiro relatório refere que o carro está direito mas a
fumegar. Passaram alguns momentos de tensão pois o Hirvonen devia partir
dentro de segundos e eu aguardava uma ordem para interromper as partidas
e fazer entrar os meios de socorro. Entretanto os helis munidos de
câmaras com transmissão de imagens em directo para o centro coordenador
de segurança, mostram a equipe a sair pelos seus próprios meios e o
veículo a duzentos metros da estrada, não obstruindo os outros
concorrentes. Tudo OK, não passou de um grande susto podendo as partidas
dos outros concorrentes continuar.
Depois de todos partirem, avanço com os meios de extracção para o local
do despiste. Dou-me então conta do verdadeiro voo protagonizado pelo
Subaru. Foram cerca de duzentos metros pelo ar com uma aterragem de
barriga para baixo, o que juntamente com órgãos de segurança do carro
fez com que nada de problemático acontecesse aos ocupantes. Tratava-se
de uma curva à esquerda muito rápida, dando a sensação que o carro
seguiu em frente sem se fazer à mesma.
No local apenas encontrei o navegador, o australiano Glenn Mcneall, uma
vez que o piloto tinha "apanhado boleia" no heli de um observador. Quem
ficou a apanhar seca junto ao carro acidentado, claro que foi o Glenn
como qualquer navegador que se preze. Falei um pouco com ele e achei-o
excessivamente calmo para quem tinha passado por um susto tão grande.
Efectuou alguns telefonemas mantendo um ar circunspecto, mas sempre
atento ao que fazíamos para retirar o automóvel. Realmente uma atitude
super profissional apesar de ter sido abandonado pelo condutor, acabando
por apanhar 4 horas de seca, uma vez que só foi possível retirar a
viatura após a segunda passagem dos concorrentes.
Passou-se o rali e nos dias seguintes li na comunicação social que por
"motivos familiares" o Glenn rescindiu o contrato que tinha com a Subaru.
"Cheirou-me" aquela desculpa que sempre aparece quando um político é
demitido.
Fica por saber a verdadeira razão que originou este "despedimento", mas
mais uma vez me parece que o navegador arcou com as culpas daquele
acidente, e que nos telefonemas que recebeu enquanto guardava a viatura
esteve de certeza um com "guia de marcha".
Nunca mais ouvi falar do Glenn e continuo sem saber o que realmente se
passou em todo este episódio, mas faça-se justiça aos navegadores pois
são muitos os que depois de abandonarem as suas carreiras no banco do
lado direito se tornaram grandes dirigentes. Exemplos como Jean Tood da
Ferrari, David Richards director desportivo da Subaru e da Aston Martin
Le Mans e até o nosso Pedro de Almeida director do Rali de Portugal
assim o atestam.
Paulo Almeida
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