Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº125    Julho 2008

Motor

QUATRO RODAS

Navegador o ilustre desconhecido

Não sei se repararam que nos ralis se corre em equipa, que é composta por um condutor e o navegador. Claro que grande parte do êxito desta equipa se deve ao virtuosismo do piloto, sempre glorificado quando das vitórias, mas se as coisas correm mal, a fava calha quase sempre ao navegador.

Aparentemente com um trabalho menor, cabe ao navegador o planeamento total da prova, desde o esquema de assistência às comidas, combustível etc. Já na pista é ele que tem de se preocupar em ter as contas certas, entrar nos controlos a horas e ditar as notas de andamento ao piloto de uma forma milimétrica, alertando ao mesmo tempo para as situações menos habituais. Para além disso ainda tem de fazer de treinador incentivando o piloto ou reconfortando quando a coisa lhe corre menos bem.

Sobre a vida de navegador deixem-me contar uma história, que em grande parte presenciei em directo. Estávamos em 2007 na especial de Almodôvar em pleno Rali de Portugal a contar para o WRC. Como responsável por aquele troço ocupava o meu lugar no local da partida com os ouvidos pregados no rádio e demais meios de comunicação. Depois de montar a especial praticamente nada tenho de fazer a não ser que algum acidente ou incidente me obrigue a tomar medidas. Nessa altura quanto menos trabalho tiver melhor, pois significa que tudo está a correr bem.

A determinado momento já com os primeiros WRC´s em pista soa o alarme. Chris Atkinson o piloto oficial da Subaru sai de estrada a alta velocidade. O primeiro relatório refere que o carro está direito mas a fumegar. Passaram alguns momentos de tensão pois o Hirvonen devia partir dentro de segundos e eu aguardava uma ordem para interromper as partidas e fazer entrar os meios de socorro. Entretanto os helis munidos de câmaras com transmissão de imagens em directo para o centro coordenador de segurança, mostram a equipe a sair pelos seus próprios meios e o veículo a duzentos metros da estrada, não obstruindo os outros concorrentes. Tudo OK, não passou de um grande susto podendo as partidas dos outros concorrentes continuar.

Depois de todos partirem, avanço com os meios de extracção para o local do despiste. Dou-me então conta do verdadeiro voo protagonizado pelo Subaru. Foram cerca de duzentos metros pelo ar com uma aterragem de barriga para baixo, o que juntamente com órgãos de segurança do carro fez com que nada de problemático acontecesse aos ocupantes. Tratava-se de uma curva à esquerda muito rápida, dando a sensação que o carro seguiu em frente sem se fazer à mesma.

No local apenas encontrei o navegador, o australiano Glenn Mcneall, uma vez que o piloto tinha "apanhado boleia" no heli de um observador. Quem ficou a apanhar seca junto ao carro acidentado, claro que foi o Glenn como qualquer navegador que se preze. Falei um pouco com ele e achei-o excessivamente calmo para quem tinha passado por um susto tão grande. Efectuou alguns telefonemas mantendo um ar circunspecto, mas sempre atento ao que fazíamos para retirar o automóvel. Realmente uma atitude super profissional apesar de ter sido abandonado pelo condutor, acabando por apanhar 4 horas de seca, uma vez que só foi possível retirar a viatura após a segunda passagem dos concorrentes.

Passou-se o rali e nos dias seguintes li na comunicação social que por "motivos familiares" o Glenn rescindiu o contrato que tinha com a Subaru. "Cheirou-me" aquela desculpa que sempre aparece quando um político é demitido.

Fica por saber a verdadeira razão que originou este "despedimento", mas mais uma vez me parece que o navegador arcou com as culpas daquele acidente, e que nos telefonemas que recebeu enquanto guardava a viatura esteve de certeza um com "guia de marcha".

Nunca mais ouvi falar do Glenn e continuo sem saber o que realmente se passou em todo este episódio, mas faça-se justiça aos navegadores pois são muitos os que depois de abandonarem as suas carreiras no banco do lado direito se tornaram grandes dirigentes. Exemplos como Jean Tood da Ferrari, David Richards director desportivo da Subaru e da Aston Martin Le Mans e até o nosso Pedro de Almeida director do Rali de Portugal assim o atestam.

Paulo Almeida

 


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