CRÓNICA
O balanço
É uma operação complicada e penosa,
onde necessariamente teremos que pesar activos e passivos, para extrair
a resultante do proveito.
Houve em tempos, na cidade de Castelo Branco, um comerciante cujas
transacções comerciais nos deixava sempre a impressão de que tinha
prejuízo. Os lamentos e demais fantasias eram de tal forma dramatizados,
que, por vezes, os clientes ficavam constrangidos ao ponto de deixarem
ficar os tostões do troco ou de agradecer mil vezes, prometendo
fidelidade eterna àquele estabelecimento. Outros havia, que, por
evidente alarveirice, saíam com sorriso de orelha a orelha, convencidos,
mais uma vez, de que tinham enganado o magnânimo comerciante e,
escarnecendo sobre a sua presumida insanidade mental, adormeciam
felizes.
Ao comparar os activos e os passivos, que é como quem diz, os prós e os
contras do ano de 2007, que temos nós? Uma equipa de (só podem ser
mártires) generosos governantes conseguiu para os portugueses, não digo
um maná, porque isso é a seguir, mas um conjunto de reformas, que tornam
a vida de alguns mais desafogada, um aeroporto onde quer que seja e seja
quando for, uma presidência sem mácula da UE e muitas ideias para as
próximas décadas, até 2090, o mais tardar. De contras, praticamente
nada, o que acaba por nos engonhar o exercício. Com excepção de algumas
dezenas de protestos sindicais como há muitos anos não assistíamos,
greves e outras formas de luta por melhores salários, contra os
despedimentos e toda a espécie de flexiabusos, o fecho de empresas, de
centros de saúde e de maternidades, de escolas e postos da GNR em
pequenas localidades, tudo devidamente acautelado no orçamento, apenas
se regista o aumento do desemprego, da inflação, dos impostos e da
criminalidade, mas nada de relevante, nada que tire do sério quem está
preocupado em fazer mais e melhor, mais e melhor, mais e melhor, já a
seguir. As sondagens não mentem.
E o balanço está feito. Ora somem lá a parcela do lado da parede e
deduzam depois a soma do lado da janela, que resultado temos? Positivo,
claro!
Voltemos então ao antigo comerciante da cidade capital da Beira Baixa.
Na verdade, o homem prosperou, que é forma graciosa de dizer enriqueceu,
abriu novos estabelecimentos e fez da sua uma boa vida. Os fregueses,
esses, ainda hoje estão convencidos que o endrominaram, que o homem não
tinha os três alqueires bem medidos, etc. Conheci muitos comerciantes na
cidade, incluindo o meu pai. Nenhum, enquanto tal, avultou tanto em tão
pouco tempo.
Uma pergunta antes de terminar: acham mesmo que o homem perdia dinheiro
ou continuam a não saber fazer balanços?
João de Sousa Teixeira
teijoao@gmail.com
PAU DE GIZ
A dezoito do um são
seis
Ao recolher, na passagem do quintal onde
existiu a oliveira (donde o baloiço feito da arreata baloiça na minha
cabeça), bati a uma porta faz tempo esfrangalhada e a porta abriu-se
antes de eu lhe bater.
Sobre lajes azuladas vi as cadeiras de palha a dançar e, ajoujadas pela
penumbra, desenterrei duas mulheres de pele muito clara, vestidas de
escuro, sentadas à roda do estrado da braseira a carvão de manta nas
pernas como se fosse no pino do inverno.
Serão as minhas avós e eu a passar de um colo para o outro?
É que me contaram, Estavam as duas na cozinha à braseira uma delas
deixou-te cair para o borralho as queimaduras nessas mãos foram saradas
com uma pomada qualquer da farmácia e pachos com vinho, dizias, Eu quero
vinho eu quero vinho.
Foi como me contaram, porque aquilo doía pedia vinho no esfregão.
Não me recordo do acidente e se foi o alarido que foi hoje nem sei em
que mão é que foi, a pomada era Halibut e um pacho é uma espécie de luva
enrolada na mão, feita de um trapo qualquer.
Conto-te este conto porque hoje fazes anos, já és mais velho do que eu
era a ver-me e às minhas avós na cozinha (branca de neve por tantas
vezes caiada) onde entrei azoado sem dizer santo e senha. Cá dentro, na
parede da rua, grossa de pedra, a cantareira fechada com duas portas em
rede mosqueira armada a modos num armário e na parede de dentro,
francesa, na grade dos camarões a loiça de esmalte de lá pendurada : o
fervedor, a leiteira e a forma dos bolos de costas, se assim se pode
dizer. Espreito na despensa a salgadeira e ao fundo, acobertado pelo
frio, o pote encarnado do azeite untado por fora.
Há cinzas no lar, pela tua cara, Não sabes? chama-se lar à parte onde se
acende o fogo no chão para cozinhar no lume de vimes, esteva e carqueja,
usam-se as trempes e cadeias, destapei a panela de barro meio morna meia
de uma sopa de vagens migadas miúdas.
Neste poial os alguidares vidrados, pela tua cara, Não sabes ? chama-se
poial à pedra cravada na parede de cada lado do chupão onde se fazem
arrumos (uma estante se quiseres), no outro o fogão Leão e a garrafa
pesadona do gás Cidla (o gás em botija ser novidade, daí o registo da
marca).
Sem água encanada servíamo-nos do cântaro de barro com o copo de esmalte
poisado de borco num pratinho a fazer de tampa, a vasilha no tripé
acomodado neste canto, o altarico feito na carpintaria de uns parentes
abana por tudo e por nada e como previsto, no dia aprazado, Eu bem te
dizia! o pote caiu, escaqueirou-se sendo substituído pela talha de Nisa
com um coração bordado no bojo e dentro do coração escritos em pedrinhas
brancas os nomes próprios dos donos da casa.
Repara, a talha tem nascente que é como quem diz, Tem uma torneira
isolada a cera de abelha à falta de melhor para o mal azado da
pingadeira.
No lado do corredor acomoda-se a mesa redonda forrada com a toalha de
plástico colorida e bizarra, animada (é- não- é um livro aos
quadradinhos) com imagens de pontes, rios, peixes, árvores e jardins
exóticos, misturadas com figuras sorridentes de mil chineses em roupão.
Uns, de cabeça no ar olham as árvores floridas, Serão amendoeiras ?
há-os de cabeça baixa debruçados das pontes, remirando-se na água
avaliam cardumes, calculam peixes, porque sorriem não sei. Nem que
árvores serão estas.
Depois da guerra quando a casa subiu na cozinha do sobrado pintalgada a
oca, teias de aranha e fuligem do fumeiro, manteve-se esticada na mesa
quadrada a toalha dos alegres chineses e, nos meses do verão, na cozinha
diminuta e sem cor improvisada debaixo do terraço, não cabendo lá dentro
sentados é ao ar livre onde comemos : de lado nas escadas, o prato
poisado no degrau de cima, ou na mesa quadrada o sempiterno enigma de
chineses e árvores espelhado no tampo sombreado pela laranjeira.
A cozinha é um fisgão e se troveja e se chove às trovoadas dá-lhes para
correr no rego de cimento aos nossos pés, passa o lixo dos quintais da
vizinhança, os maços de Definitivos e Provisórios chegam da taberna do
Canorço, há inundações se a greta fica entupida.
Tal como perdura por decifrar os enigmas na toalha, conservo morna a
sopa de vagens ( um minuto na boca se tanto o resto da vida na cabeça).
E antes que a panela de barro arrefeça de todo, convido-te, Entra, puxa
uma cadeira de palha (cuidado, abanam) deixa-me estender a toalha que
trago arrumada numa gaveta do caco e partilha um prato da sopa comigo.
Não me peças a sopa passada nem te sentes à mesa de costas, se assim se
pode dizer. Na tua idade é uma vergonha não comeres pela tua mão, o teu
pai descorçoa, tu esmoreces e não cresces.
Como hoje fazes anos, ele por isso vou condescender, Adiamos a sopa,
come o hambúrguer e as batatas fritas, desfruta o estampado estrambólico
e borda a toalha encantada com os teus lápis de cera.
Olha, Afinal são amendoeiras (disse-me uma voz sumida ao ouvido).
Deste que te apadrinha a partir pratos: parabéns.
António Luís Caramona
paudegiz@gmail.com
CONTRABAIXO
Biblioteca caseira
Tenho sempre um enorme prazer ao
recensear as leituras do ano que finda e Janeiro é também tempo de fazer
novos projectos de leitura. Estes foram alguns dos livros que fizeram o
meu ano:
Exit Ghost, de Phipip Roth - começa a ser recorrente nas minhas leituras
(li também o Casei com um comunista), mas esta foi a minha primeira
experiência de leitura directa de um Roth em inglês; foi mais fácil do
que cheguei a pensar, embora sinta que fui ajudado por já conhecer o
universo através das traduções do Todo o Mundo e O Animal Moribundo;
feitas as contas, foi um ano no qual li três livros de um autor que
passou a ser um dos meus faróis.
Sob Céus Estranhos, de Daniel Blaufuks - este livro e dvd, objecto de
revisitação marcou-me pela estranheza e atracção que sinto pela história
da família do autor. A beleza resultante do carinho e cuidado que
Blaufuks coloca em cada página, funciona como um poderoso íman e, de vez
em quando, dou por mim a pegar neste livro e a deter o olhar numa ou
noutra página.
Uma Grande Razão, de Mário Cesariny - este eu não o li, vou lendo e
relendo e é uma descoberta permanente; um prazer sem fim.
A Felicidade Paradoxal, de Gilles Lipovetsky - uma tese muito bem
engendrada e que me ajudou a arrumar um pouco as ideias. A profusão de
exemplos e a escrita escorreita dão um tom quase de conferência, que
resulta numa leitura extremamente estimulante. Foi um dos meus livros
para quando estive perto do mar.
Responsabilidade e Juízo, de Hannah Arendt - sou incapaz de encontrar
adjectivos que sirvam minimamente o propósito de qualificar este
conjunto de ensaios; talvez possa dar uma ideia com a sensação, que me
invadiu constantemente, de ao ler a minha visão do mundo estar a mudar.
Andréi Tarkovski, vida y obra, de Rafael Llano, em dois volumes - um dos
melhores trabalhos sobre o realizador russo, com uma escrita rica e
substancial sobre todos os aspectos da vida e obra, profusamente
ilustrado, numa edição, há que destacar este facto, do Instituto de
Cinema de Valencia. Foi, também, o ano no qual consegui comprar e ler o
TARKOVSKY - Cinema as Poetry, de Maya Turvskaya.
O Barão Trepador, de Italo Calvino - cheguei a este autor muito
recentemente e não tenho parado de o ler. Neste romance voltei a ser
conquistado pelo lado humorístico e fantasioso do autor e sei que 2008
vai continuar a ser campo exploratório.
Vou parar por aqui porque já estou a ser injusto com outros que li e que
mereceriam destaque. Para me redimir, uma referência aos poetas que
estão sempre à distância de um esticar de braço: Poesias Completas de
O'Neill, Obra Breve da Fiama, o A noite abre meus olhos, de José
Tolentino Mendonça e O Poeta Nu, de Jorge Sousa Braga. Comprei e prometi
começar a abordagem em breve ao Cantigas da Inocência e da Experiência,
de William Blake, com tradução de Manuel Portela e do inevitável As
Benevolentes de Jonathan Littell.
Carlos Semedo
carlossemedo@gmail.com
OPINIÃO
2008: ano de mudança
Começou um ano que será de grandes
mudanças para o Ensino Superior em Portugal. No ano em curso, todos os
estabelecimentos deste grau de ensino aprovarão novos estatutos e
elegerão novos órgãos dirigentes, pelo que se adivinham grandes
mudanças.
No curto prazo, as instituições têm até dia 10 para se pronunciarem se
pretendem passar a fundações públicas de direito privado ou se continuam
com o actual estatuto. Algumas escolas, como as universidades do Porto e
de Coimbra, o Instituto Superior Técnico ou o ISCTE, estão a ponderar a
mudança. O grande problema é que ninguém sabe muito bem como funcionarão
estas fundações e, como é natural, estas instituições estão já a pedir o
adiamento da tomada decisão nas esperança de que o ministério da tutela
defina bem o que é e como funciona uma fundação pública de direito
privado.
Ultrapassado este ponto, as instituições avançarão para a aprovação de
novos estatutos e, posteriormente, para a eleição de novos dirigentes.
Também aqui se esperam grandes mudanças, com a saída de alguns
protagonistas que marcaram o Ensino Superior nas últimas décadas, e a
entrada de uma nova geração de dirigentes.
Mas não é tudo: em 2008 aguarda-se a aprovação do novo Estatuto da
Carreira Docente e o regime jurídico de avaliação do Ensino Superior
aprovada em 2007 começará a ser colocado em prática.
Para um sector tão conservador, parecem-me muitas transformações para um
ano. Veremos no que tudo isto vai dar.
João Canavilhas
OPINIÃO
Cartas desde la
ilusión
Querido amigo:
Ayer fue el último día de clase de este trimestre antes de las
vacaciones de Navidad. Voy a contarte lo que hice con mis alumnos en
este día en que ellos no estaban muy dispuestos a trabajar en las
disciplinas correspondientes.
Lo primero que hice fue organizarles en pequeños grupos (4 ó 5 alumnos
por grupo) para que hiciesen una mini-sesión en la que discutiesen sobre
tres cosas: 1) qué cosas buenas podrían hacer durante las vacaciones de
Navidad, 2) en qué momentos se sentirían felices, y 3) qué cosas buenas
podrían pensar durante estos días de vida familiar más intensa.
Al cabo de unos cuantos minutos, hicimos una puesta en común, en la que
todos los portavoces de cada pequeño grupo fueron indicando tanto las
acciones, como las emociones y los pensamientos positivos previsibles
para estos próximos días.
La finalidad de este ejercicio fue darles ideas para que pudiesen llevar
a cabo con éxito la tarea que les iba a encomendar para este período
vacacional. Sabes que los niños, cuando están académicamente inactivos
durante cierto período de tiempo, “se olvidan” fácilmente de lo que han
aprendido o están aprendiendo en la escuela, simplemente por romper el
ritmo de producción tanto cognitivo, como emocional y comportamental.
Por eso me propuse indicarles algo que fuese productivo, para ellos,
durante estos días y que nos servirá, con toda certeza, como material
fundamental de análisis y conocimiento cuando vuelvan al aula después
del período vacacional.
En concreto, tras la puesta en común, les indiqué que deberían hacer un
“diario” (un cuaderno de bitácora) sobre sus pensamientos, acciones y
emociones positivas durante estos días, de tal modo que, al final del
día, deberían dedicar unos pocos minutos a reconocer y expresar en el
cuaderno lo que hicieron, sintieron y pensaron de manera positiva.
Les indiqué, además, que serían muy bueno que sus padres lo leyesen cada
día, y que firmasen su conformidad con lo que cada alumno escribiera.
Como puedes imaginar, esto está encaminado a que los padres se impliquen
en lo que hacen sus hijos, y a que, poco a poco, vayan conociendo mejor
a sus hijos no sólo en cuanto a su comportamiento (que lo ven, es
visible y observable), sino también en cuanto a sus pensamientos y
emociones (que, normalmente, quedan ocultos).
Mi propósito, desde el punto de vista académico, es utilizar estos
materiales (cuando se reintegren al aula en el nuevo año) como base para
análisis de tipo lingüístico (expresión correctamente gramatical, reglas
de ortografía, utilización de los elementos de la oración gramatical,
etc.), pero también estoy pensando en que esto puede ser el pretexto
para que mis alumnos comiencen a intercambiar, mediante blogs en
Internet, sus pensamientos, acciones y emociones con otros niños de
otras escuelas (tanto del propio país o región, como de otros países).
Espero que la experiencia sea positiva. Te la contaré en mi próxima
carta.
Una vez más, salud y felicidad, junto con mis votos de que pases unas
fiestas muy felices en compañía de los tuyos, que descanses, y que el
próximo año nos traiga abundantes éxitos en todos los ámbitos.
Juan A. Castro
juancastrop@gmail.com
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