Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº119    Janeiro 2008

Opinião

CRÓNICA

O balanço

É uma operação complicada e penosa, onde necessariamente teremos que pesar activos e passivos, para extrair a resultante do proveito.

Houve em tempos, na cidade de Castelo Branco, um comerciante cujas transacções comerciais nos deixava sempre a impressão de que tinha prejuízo. Os lamentos e demais fantasias eram de tal forma dramatizados, que, por vezes, os clientes ficavam constrangidos ao ponto de deixarem ficar os tostões do troco ou de agradecer mil vezes, prometendo fidelidade eterna àquele estabelecimento. Outros havia, que, por evidente alarveirice, saíam com sorriso de orelha a orelha, convencidos, mais uma vez, de que tinham enganado o magnânimo comerciante e, escarnecendo sobre a sua presumida insanidade mental, adormeciam felizes.

Ao comparar os activos e os passivos, que é como quem diz, os prós e os contras do ano de 2007, que temos nós? Uma equipa de (só podem ser mártires) generosos governantes conseguiu para os portugueses, não digo um maná, porque isso é a seguir, mas um conjunto de reformas, que tornam a vida de alguns mais desafogada, um aeroporto onde quer que seja e seja quando for, uma presidência sem mácula da UE e muitas ideias para as próximas décadas, até 2090, o mais tardar. De contras, praticamente nada, o que acaba por nos engonhar o exercício. Com excepção de algumas dezenas de protestos sindicais como há muitos anos não assistíamos, greves e outras formas de luta por melhores salários, contra os despedimentos e toda a espécie de flexiabusos, o fecho de empresas, de centros de saúde e de maternidades, de escolas e postos da GNR em pequenas localidades, tudo devidamente acautelado no orçamento, apenas se regista o aumento do desemprego, da inflação, dos impostos e da criminalidade, mas nada de relevante, nada que tire do sério quem está preocupado em fazer mais e melhor, mais e melhor, mais e melhor, já a seguir. As sondagens não mentem.

E o balanço está feito. Ora somem lá a parcela do lado da parede e deduzam depois a soma do lado da janela, que resultado temos? Positivo, claro!

Voltemos então ao antigo comerciante da cidade capital da Beira Baixa. Na verdade, o homem prosperou, que é forma graciosa de dizer enriqueceu, abriu novos estabelecimentos e fez da sua uma boa vida. Os fregueses, esses, ainda hoje estão convencidos que o endrominaram, que o homem não tinha os três alqueires bem medidos, etc. Conheci muitos comerciantes na cidade, incluindo o meu pai. Nenhum, enquanto tal, avultou tanto em tão pouco tempo.

Uma pergunta antes de terminar: acham mesmo que o homem perdia dinheiro ou continuam a não saber fazer balanços?

João de Sousa Teixeira
teijoao@gmail.com

 

 

 

PAU DE GIZ

A dezoito do um são seis

Ao recolher, na passagem do quintal onde existiu a oliveira (donde o baloiço feito da arreata baloiça na minha cabeça), bati a uma porta faz tempo esfrangalhada e a porta abriu-se antes de eu lhe bater.

Sobre lajes azuladas vi as cadeiras de palha a dançar e, ajoujadas pela penumbra, desenterrei duas mulheres de pele muito clara, vestidas de escuro, sentadas à roda do estrado da braseira a carvão de manta nas pernas como se fosse no pino do inverno.

Serão as minhas avós e eu a passar de um colo para o outro?

É que me contaram, Estavam as duas na cozinha à braseira uma delas deixou-te cair para o borralho as queimaduras nessas mãos foram saradas com uma pomada qualquer da farmácia e pachos com vinho, dizias, Eu quero vinho eu quero vinho.

Foi como me contaram, porque aquilo doía pedia vinho no esfregão.

Não me recordo do acidente e se foi o alarido que foi hoje nem sei em que mão é que foi, a pomada era Halibut e um pacho é uma espécie de luva enrolada na mão, feita de um trapo qualquer.

Conto-te este conto porque hoje fazes anos, já és mais velho do que eu era a ver-me e às minhas avós na cozinha (branca de neve por tantas vezes caiada) onde entrei azoado sem dizer santo e senha. Cá dentro, na parede da rua, grossa de pedra, a cantareira fechada com duas portas em rede mosqueira armada a modos num armário e na parede de dentro, francesa, na grade dos camarões a loiça de esmalte de lá pendurada : o fervedor, a leiteira e a forma dos bolos de costas, se assim se pode dizer. Espreito na despensa a salgadeira e ao fundo, acobertado pelo frio, o pote encarnado do azeite untado por fora.

Há cinzas no lar, pela tua cara, Não sabes? chama-se lar à parte onde se acende o fogo no chão para cozinhar no lume de vimes, esteva e carqueja, usam-se as trempes e cadeias, destapei a panela de barro meio morna meia de uma sopa de vagens migadas miúdas.

Neste poial os alguidares vidrados, pela tua cara, Não sabes ? chama-se poial à pedra cravada na parede de cada lado do chupão onde se fazem arrumos (uma estante se quiseres), no outro o fogão Leão e a garrafa pesadona do gás Cidla (o gás em botija ser novidade, daí o registo da marca).

Sem água encanada servíamo-nos do cântaro de barro com o copo de esmalte poisado de borco num pratinho a fazer de tampa, a vasilha no tripé acomodado neste canto, o altarico feito na carpintaria de uns parentes abana por tudo e por nada e como previsto, no dia aprazado, Eu bem te dizia! o pote caiu, escaqueirou-se sendo substituído pela talha de Nisa com um coração bordado no bojo e dentro do coração escritos em pedrinhas brancas os nomes próprios dos donos da casa.
 
Repara, a talha tem nascente que é como quem diz, Tem uma torneira isolada a cera de abelha à falta de melhor para o mal azado da pingadeira.

No lado do corredor acomoda-se a mesa redonda forrada com a toalha de plástico colorida e bizarra, animada (é- não- é um livro aos quadradinhos) com imagens de pontes, rios, peixes, árvores e jardins exóticos, misturadas com figuras sorridentes de mil chineses em roupão. Uns, de cabeça no ar olham as árvores floridas, Serão amendoeiras ? há-os de cabeça baixa debruçados das pontes, remirando-se na água avaliam cardumes, calculam peixes, porque sorriem não sei. Nem que árvores serão estas.

Depois da guerra quando a casa subiu na cozinha do sobrado pintalgada a oca, teias de aranha e fuligem do fumeiro, manteve-se esticada na mesa quadrada a toalha dos alegres chineses e, nos meses do verão, na cozinha diminuta e sem cor improvisada debaixo do terraço, não cabendo lá dentro sentados é ao ar livre onde comemos : de lado nas escadas, o prato poisado no degrau de cima, ou na mesa quadrada o sempiterno enigma de chineses e árvores espelhado no tampo sombreado pela laranjeira.

A cozinha é um fisgão e se troveja e se chove às trovoadas dá-lhes para correr no rego de cimento aos nossos pés, passa o lixo dos quintais da vizinhança, os maços de Definitivos e Provisórios chegam da taberna do Canorço, há inundações se a greta fica entupida.

Tal como perdura por decifrar os enigmas na toalha, conservo morna a sopa de vagens ( um minuto na boca se tanto o resto da vida na cabeça).

E antes que a panela de barro arrefeça de todo, convido-te, Entra, puxa uma cadeira de palha (cuidado, abanam) deixa-me estender a toalha que trago arrumada numa gaveta do caco e partilha um prato da sopa comigo.

Não me peças a sopa passada nem te sentes à mesa de costas, se assim se pode dizer. Na tua idade é uma vergonha não comeres pela tua mão, o teu pai descorçoa, tu esmoreces e não cresces.

Como hoje fazes anos, ele por isso vou condescender, Adiamos a sopa, come o hambúrguer e as batatas fritas, desfruta o estampado estrambólico e borda a toalha encantada com os teus lápis de cera.

Olha, Afinal são amendoeiras (disse-me uma voz sumida ao ouvido).

Deste que te apadrinha a partir pratos: parabéns.

António Luís Caramona
paudegiz@gmail.com

 

 

 

CONTRABAIXO

Biblioteca caseira

Tenho sempre um enorme prazer ao recensear as leituras do ano que finda e Janeiro é também tempo de fazer novos projectos de leitura. Estes foram alguns dos livros que fizeram o meu ano:

Exit Ghost, de Phipip Roth - começa a ser recorrente nas minhas leituras (li também o Casei com um comunista), mas esta foi a minha primeira experiência de leitura directa de um Roth em inglês; foi mais fácil do que cheguei a pensar, embora sinta que fui ajudado por já conhecer o universo através das traduções do Todo o Mundo e O Animal Moribundo; feitas as contas, foi um ano no qual li três livros de um autor que passou a ser um dos meus faróis.

Sob Céus Estranhos, de Daniel Blaufuks - este livro e dvd, objecto de revisitação marcou-me pela estranheza e atracção que sinto pela história da família do autor. A beleza resultante do carinho e cuidado que Blaufuks coloca em cada página, funciona como um poderoso íman e, de vez em quando, dou por mim a pegar neste livro e a deter o olhar numa ou noutra página.

Uma Grande Razão, de Mário Cesariny - este eu não o li, vou lendo e relendo e é uma descoberta permanente; um prazer sem fim.

A Felicidade Paradoxal, de Gilles Lipovetsky - uma tese muito bem engendrada e que me ajudou a arrumar um pouco as ideias. A profusão de exemplos e a escrita escorreita dão um tom quase de conferência, que resulta numa leitura extremamente estimulante. Foi um dos meus livros para quando estive perto do mar.

Responsabilidade e Juízo, de Hannah Arendt - sou incapaz de encontrar adjectivos que sirvam minimamente o propósito de qualificar este conjunto de ensaios; talvez possa dar uma ideia com a sensação, que me invadiu constantemente, de ao ler a minha visão do mundo estar a mudar.

Andréi Tarkovski, vida y obra, de Rafael Llano, em dois volumes - um dos melhores trabalhos sobre o realizador russo, com uma escrita rica e substancial sobre todos os aspectos da vida e obra, profusamente ilustrado, numa edição, há que destacar este facto, do Instituto de Cinema de Valencia. Foi, também, o ano no qual consegui comprar e ler o TARKOVSKY - Cinema as Poetry, de Maya Turvskaya.

O Barão Trepador, de Italo Calvino - cheguei a este autor muito recentemente e não tenho parado de o ler. Neste romance voltei a ser conquistado pelo lado humorístico e fantasioso do autor e sei que 2008 vai continuar a ser campo exploratório.

Vou parar por aqui porque já estou a ser injusto com outros que li e que mereceriam destaque. Para me redimir, uma referência aos poetas que estão sempre à distância de um esticar de braço: Poesias Completas de O'Neill, Obra Breve da Fiama, o A noite abre meus olhos, de José Tolentino Mendonça e O Poeta Nu, de Jorge Sousa Braga. Comprei e prometi começar a abordagem em breve ao Cantigas da Inocência e da Experiência, de William Blake, com tradução de Manuel Portela e do inevitável As Benevolentes de Jonathan Littell.

Carlos Semedo 
carlossemedo@gmail.com
 

 

 

 

OPINIÃO

2008: ano de mudança

Começou um ano que será de grandes mudanças para o Ensino Superior em Portugal. No ano em curso, todos os estabelecimentos deste grau de ensino aprovarão novos estatutos e elegerão novos órgãos dirigentes, pelo que se adivinham grandes mudanças.

No curto prazo, as instituições têm até dia 10 para se pronunciarem se pretendem passar a fundações públicas de direito privado ou se continuam com o actual estatuto. Algumas escolas, como as universidades do Porto e de Coimbra, o Instituto Superior Técnico ou o ISCTE, estão a ponderar a mudança. O grande problema é que ninguém sabe muito bem como funcionarão estas fundações e, como é natural, estas instituições estão já a pedir o adiamento da tomada decisão nas esperança de que o ministério da tutela defina bem o que é e como funciona uma fundação pública de direito privado.

Ultrapassado este ponto, as instituições avançarão para a aprovação de novos estatutos e, posteriormente, para a eleição de novos dirigentes. Também aqui se esperam grandes mudanças, com a saída de alguns protagonistas que marcaram o Ensino Superior nas últimas décadas, e a entrada de uma nova geração de dirigentes.

Mas não é tudo: em 2008 aguarda-se a aprovação do novo Estatuto da Carreira Docente e o regime jurídico de avaliação do Ensino Superior aprovada em 2007 começará a ser colocado em prática.

Para um sector tão conservador, parecem-me muitas transformações para um ano. Veremos no que tudo isto vai dar.

João Canavilhas

 

 

 

OPINIÃO

Cartas desde la ilusión

Querido amigo:

Ayer fue el último día de clase de este trimestre antes de las vacaciones de Navidad. Voy a contarte lo que hice con mis alumnos en este día en que ellos no estaban muy dispuestos a trabajar en las disciplinas correspondientes.

Lo primero que hice fue organizarles en pequeños grupos (4 ó 5 alumnos por grupo) para que hiciesen una mini-sesión en la que discutiesen sobre tres cosas: 1) qué cosas buenas podrían hacer durante las vacaciones de Navidad, 2) en qué momentos se sentirían felices, y 3) qué cosas buenas podrían pensar durante estos días de vida familiar más intensa.

Al cabo de unos cuantos minutos, hicimos una puesta en común, en la que todos los portavoces de cada pequeño grupo fueron indicando tanto las acciones, como las emociones y los pensamientos positivos previsibles para estos próximos días.

La finalidad de este ejercicio fue darles ideas para que pudiesen llevar a cabo con éxito la tarea que les iba a encomendar para este período vacacional. Sabes que los niños, cuando están académicamente inactivos durante cierto período de tiempo, “se olvidan” fácilmente de lo que han aprendido o están aprendiendo en la escuela, simplemente por romper el ritmo de producción tanto cognitivo, como emocional y comportamental. Por eso me propuse indicarles algo que fuese productivo, para ellos, durante estos días y que nos servirá, con toda certeza, como material fundamental de análisis y conocimiento cuando vuelvan al aula después del período vacacional.

En concreto, tras la puesta en común, les indiqué que deberían hacer un “diario” (un cuaderno de bitácora) sobre sus pensamientos, acciones y emociones positivas durante estos días, de tal modo que, al final del día, deberían dedicar unos pocos minutos a reconocer y expresar en el cuaderno lo que hicieron, sintieron y pensaron de manera positiva.

Les indiqué, además, que serían muy bueno que sus padres lo leyesen cada día, y que firmasen su conformidad con lo que cada alumno escribiera. Como puedes imaginar, esto está encaminado a que los padres se impliquen en lo que hacen sus hijos, y a que, poco a poco, vayan conociendo mejor a sus hijos no sólo en cuanto a su comportamiento (que lo ven, es visible y observable), sino también en cuanto a sus pensamientos y emociones (que, normalmente, quedan ocultos).

Mi propósito, desde el punto de vista académico, es utilizar estos materiales (cuando se reintegren al aula en el nuevo año) como base para análisis de tipo lingüístico (expresión correctamente gramatical, reglas de ortografía, utilización de los elementos de la oración gramatical, etc.), pero también estoy pensando en que esto puede ser el pretexto para que mis alumnos comiencen a intercambiar, mediante blogs en Internet, sus pensamientos, acciones y emociones con otros niños de otras escuelas (tanto del propio país o región, como de otros países). Espero que la experiencia sea positiva. Te la contaré en mi próxima carta.

Una vez más, salud y felicidad, junto con mis votos de que pases unas fiestas muy felices en compañía de los tuyos, que descanses, y que el próximo año nos traiga abundantes éxitos en todos los ámbitos.

Juan A. Castro
juancastrop@gmail.com

 


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