MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO
Modelo de ensino não é
exigente para os alunos

A ex-deputada afirma que as «más
reformas» têm sido nocivas para o sistema educativo e que a escola mais
não é do que o espelho fiel da sociedade em que se insere. Maria José
Nogueira Pinto declara que os subsídios não resolvem o flagelo da
pobreza, que atinge cada vez mais portugueses, inclusive uma certa
classe média. Uma das mais acérrimas defensoras de Oliveira Salazar,
defende que não se pode privar as novas gerações de saber o que se
passou no período do Estado Novo e deixa uma mensagem aos detractores do
Presidente do Conselho: «Não reinventem a História!»
Um ranking recentemente divulgado
indica que as escolas privadas, algumas delas afectas a entidades
religiosas, são as que melhor desempenho têm. Significa isto que,
actualmente, o ensino privado dá mais garantias que o público?
Não diria isso. Repare que estamos a comparar realidades que não são
comparáveis em alguns aspectos relevantes como a possibilidade de
seleccionar os alunos, as instalações físicas, a organização do próprio
colégio, a possibilidade de se contar com as famílias, etc..A rede do
ensino público sofre em muitos casos de instalações deficientes, excesso
de alunos, reflecte problemas sociais graves que afectam muitas crianças
e jovens sem rede familiar adequada, pais com poucas competências
parentais. O modelo de ensino público tem sofrido sucessivas más
reformas que assentaram em pressupostos errados. Tudo isto foi uma
deficiente resposta à massificação da escola. Mas a massificação é o
preço da abertura da escola a todos, objectivo que considero vital.
O Estatuto do Aluno acaba de abolir
o limite de faltas com ou sem justificação. Pensa que é mais um passo
para o facilitismo que se tem instalado na educação?
Eu não sou tão simplista na análise destas medidas. Tanto quanto entendi
houve uma alteração ao regime de faltas no sentido de responsabilizar
mais o aluno, criando uma relação causa-efeito. Ele deve compensar essa
falta com trabalho suplementar. Julgo que a ideia é combater por um lado
esse enorme número de faltas que os pais justificam sempre e, por outro,
criar um novo tipo de consequência às faltas, que não apenas o “chumbo”.
Há muitos exemplos de facilitismo, mas não penso que este seja um deles.
Concorda com a eventual aplicação do
método do cheque de ensino, uma opção muito em voga no norte da Europa?
Pensa que seria um factor de responsabilização para pais e alunos?
O cheque de ensino tem sido proposto, ao longo de várias legislaturas
pelo CDS. Julgo que teria duas vantagens: mais responsabilidade porque
se dava a noção do custo do aluno e a liberdade de escolha da escola que
os pais poderiam exercer.
A Matemática e o Português são
provavelmente as maiores pedras no sapato no desempenho educativo em
Portugal, com reflexos nas escolhas dos cursos universitários. Que
receita daria para melhorar no médio prazo o desempenho a estas
disciplinas?
Um dos pontos fracos do modelo de ensino é não puxar pela cabeça dos
alunos, não lhes dar musculatura intelectual. A Matemática requer essa
musculatura e capacidade de abstracção. Quanto ao Português, as
dificuldades resultam, em parte, de se ler pouco. Esta geração está
mergulhada na expressão e comunicação tecnológicas, onde tudo está
reduzido à sua expressão mais simples. Em suma, nos dois casos,
parece-me evidente que falha a capacidade de ensinar a pensar,
raciocinar, estabelecer referências, etc...
A crise da escola pode ser
justificada por uma sociedade também ela em crise, e a perder
referências no domínio educativo, religioso e familiar?
Claro que sim! As crianças não são um produto exclusivo da escola. São
principalmente o resultado de uma família, uma estabilidade, uma
convivência. Hoje a situação social revela que a rede familiar é fraca,
as crianças estão sós, a sua convivência não gera raízes. A cultura
dominante tem posto de lado valores fundamentais para a própria
identidade do humano. A escola reflecte o que a rodeia.
Como pessoa de direita e que
perfilha valores conservadores como encararia a legalização do casamento
de homossexuais em Portugal? A liberalização de práticas e costumes,
levada a cabo por Zapatero em Espanha, pode chegar a Portugal?
Tem chegado a todo o lado. Numa democracia podemos lutar por aquilo em
que acreditamos mas não podemos evitar a vontade da maioria. Quando isso
acontecer tomarei posição, como sempre tenho feito, mas se a maioria
considerar essas medidas correctas e necessárias então deve
responsabilizar-se pela sua aprovação e pelas suas consequências. Eu
continuarei a achar que nada disso é prioritário num país com tantas
carências e tantos problemas...
Dirigiu a Maternidade Alfredo da
Costa durante 3 anos. Como perspectiva a problemática da crise de
nascimentos? Que políticas de natalidade preconiza?
A nossa demografia é péssima e as causas não são de hoje. A única
maneira de incentivar a ter filhos é remover muitas das dificuldades que
as mulheres em idade fértil têm de enfrentar: desde a dificuldade em
encontrar casa até conseguir estabilidade laboral. Sabe quanto custa uma
creche? As medidas natalistas têm de ser transversais e
pluridisciplinares: fiscais, sociais, urbanísticas, laborais, etc...
Foi Provedora da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa, a maior do País. Como viu o recente estudo sobre
o aumento das desigualdades entre ricos e pobres, sendo que cerca de 2
milhões portugueses vivem em condições de pobreza?
Todos os anos, por estas datas, se fala da pobreza. Mas ela é uma
realidade no nosso país há muito tempo e inúmeros estudos apontam para
os riscos de não se implementarem políticas eficazes de combate à
pobreza. Não podemos continuar a dar subsídios, é preciso dar
empowerment, criar condições para que as famílias pobres se possam
organizar e criar, com apoios, a sua própria autonomia. Mas, note, com o
envelhecimento da população vamos ter cada vez mais idosos pobres; com o
aumento do desemprego vamos ver a baixa classe média resvalar para
níveis de pobreza, com o número crescente de abandono de menores vamos
ter mais crianças de risco.
O Presidente da República reconheceu
estar “envergonhado” com os números da pobreza. O que podem fazer os
políticos, para além de lamentarem a situação?
Tem que se fazer uma opção política clara. Com reflexos nos programas e
no Orçamento do Estado. Tem que se investir nas pessoas, nas famílias,
na formação, na criação de oportunidades. Afinal, a receita de Yunnus,
prémio Nobel da Paz, “o banqueiro dos pobres”, que tirou, com os
micro-créditos, seis milhões de famílias da pobreza.
Os partidos e os políticos estão a
perder crédito junto opinião pública e a primeira reacção a esse
afastamento é a abstenção eleitoral. Pensa que essa tendência é
consequência primeira da falta de verdade demonstrada por parte dos
intervenientes no sistema democrático?
É consequência de os partidos perderem parte da sua capacidade de
representação e de convocatória. Gastam-se em questões internas e
afastam-se daquilo que é, realmente, importante para os cidadãos. Estes
não se sentem representados e afastam-se.
Afirmou que Sócrates e Cavaco são
“os únicos políticos que causaram mais impacto nos últimos 30 anos
porque foram os que perguntaram pouco e fizeram muito”. Está optimista
que a “cooperação estratégica” entre Belém e São Bento vai contribuir
para o desenvolvimento do país?
Estou. Não há desenvolvimento nem crescimento sem estabilidade
institucional.
Revelou recentemente ter votado em
Salazar. As manifestações de simpatia que a senhora e o seu marido,
Jaime Nogueira Pinto, têm revelado pelo Presidente do Conselho têm-lhe
causado alguns dissabores e comentários públicos menos abonatórios.
Pensa que Salazar e o Estado Novo são “fantasmas” que ainda atormentam
muitos portugueses?
Votei eu e a maioria dos portugueses que participaram nos “Grandes
Portugueses” como revelaram os números. Não me causou nenhum dissabor, o
livro do meu marido vai na quinta edição, sinal que este tema suscita
curiosidade e as pessoas mostraram muita simpatia pela frontalidade e
coerência. Não vale a pena apagar a História ou querer reinventá-la.
Tudo foi importante e deve ser conhecido. Não podemos privar as novas
gerações desse conhecimento. De qualquer maneira foi, tão só, um
concurso. A vantagem foi ter despertado curiosidade e debate. Se houve
algum comentário menos abonatório eu não vi. 
Nuno Dias da Silva
Cara da notícia
Num mundo de homens, Maria José Nogueira
Pinto, nascida em Lisboa em 1952, tem sido pioneira em muitos domínios,
na sua condição de representante do sexo feminino. Foi a primeira líder
parlamentar, representando o CDS, tendo concorrido e perdido a eleição
para presidente do partido para Paulo Portas, em 1998. Em Março deste
ano abandonou o partido democrata-cristão na sequência de alegadas
agressões que foi vitima, aquando do regresso de Portas à vida política
activa e a um eventual retorno à liderança partidária por meio de um
Conselho Nacional Extraordinário.
Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, ocupou o cargo de vereadora da Habitação Social na Câmara
Municipal de Lisboa, de 2005 a 2007. Nos outros cargos de relevo que
desempenhou, destacam-se os seguintes: Subsecretária de Estado da
Cultura, Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e directora
da Maternidade Alfredo da Costa. 
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