Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº119    Janeiro 2008

Entrevista

MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO

Modelo de ensino não é exigente para os alunos

A ex-deputada afirma que as «más reformas» têm sido nocivas para o sistema educativo e que a escola mais não é do que o espelho fiel da sociedade em que se insere. Maria José Nogueira Pinto declara que os subsídios não resolvem o flagelo da pobreza, que atinge cada vez mais portugueses, inclusive uma certa classe média. Uma das mais acérrimas defensoras de Oliveira Salazar, defende que não se pode privar as novas gerações de saber o que se passou no período do Estado Novo e deixa uma mensagem aos detractores do Presidente do Conselho: «Não reinventem a História!»
 

Um ranking recentemente divulgado indica que as escolas privadas, algumas delas afectas a entidades religiosas, são as que melhor desempenho têm. Significa isto que, actualmente, o ensino privado dá mais garantias que o público?

Não diria isso. Repare que estamos a comparar realidades que não são comparáveis em alguns aspectos relevantes como a possibilidade de seleccionar os alunos, as instalações físicas, a organização do próprio colégio, a possibilidade de se contar com as famílias, etc..A rede do ensino público sofre em muitos casos de instalações deficientes, excesso de alunos, reflecte problemas sociais graves que afectam muitas crianças e jovens sem rede familiar adequada, pais com poucas competências parentais. O modelo de ensino público tem sofrido sucessivas más reformas que assentaram em pressupostos errados. Tudo isto foi uma deficiente resposta à massificação da escola. Mas a massificação é o preço da abertura da escola a todos, objectivo que considero vital.
 

O Estatuto do Aluno acaba de abolir o limite de faltas com ou sem justificação. Pensa que é mais um passo para o facilitismo que se tem instalado na educação?

Eu não sou tão simplista na análise destas medidas. Tanto quanto entendi houve uma alteração ao regime de faltas no sentido de responsabilizar mais o aluno, criando uma relação causa-efeito. Ele deve compensar essa falta com trabalho suplementar. Julgo que a ideia é combater por um lado esse enorme número de faltas que os pais justificam sempre e, por outro, criar um novo tipo de consequência às faltas, que não apenas o “chumbo”. Há muitos exemplos de facilitismo, mas não penso que este seja um deles.
 

Concorda com a eventual aplicação do método do cheque de ensino, uma opção muito em voga no norte da Europa? Pensa que seria um factor de responsabilização para pais e alunos?

O cheque de ensino tem sido proposto, ao longo de várias legislaturas pelo CDS. Julgo que teria duas vantagens: mais responsabilidade porque se dava a noção do custo do aluno e a liberdade de escolha da escola que os pais poderiam exercer.
 

A Matemática e o Português são provavelmente as maiores pedras no sapato no desempenho educativo em Portugal, com reflexos nas escolhas dos cursos universitários. Que receita daria para melhorar no médio prazo o desempenho a estas disciplinas?

Um dos pontos fracos do modelo de ensino é não puxar pela cabeça dos alunos, não lhes dar musculatura intelectual. A Matemática requer essa musculatura e capacidade de abstracção. Quanto ao Português, as dificuldades resultam, em parte, de se ler pouco. Esta geração está mergulhada na expressão e comunicação tecnológicas, onde tudo está reduzido à sua expressão mais simples. Em suma, nos dois casos, parece-me evidente que falha a capacidade de ensinar a pensar, raciocinar, estabelecer referências, etc...
 

A crise da escola pode ser justificada por uma sociedade também ela em crise, e a perder referências no domínio educativo, religioso e familiar?

Claro que sim! As crianças não são um produto exclusivo da escola. São principalmente o resultado de uma família, uma estabilidade, uma convivência. Hoje a situação social revela que a rede familiar é fraca, as crianças estão sós, a sua convivência não gera raízes. A cultura dominante tem posto de lado valores fundamentais para a própria identidade do humano. A escola reflecte o que a rodeia.
 

Como pessoa de direita e que perfilha valores conservadores como encararia a legalização do casamento de homossexuais em Portugal? A liberalização de práticas e costumes, levada a cabo por Zapatero em Espanha, pode chegar a Portugal?

Tem chegado a todo o lado. Numa democracia podemos lutar por aquilo em que acreditamos mas não podemos evitar a vontade da maioria. Quando isso acontecer tomarei posição, como sempre tenho feito, mas se a maioria considerar essas medidas correctas e necessárias então deve responsabilizar-se pela sua aprovação e pelas suas consequências. Eu continuarei a achar que nada disso é prioritário num país com tantas carências e tantos problemas...
 

Dirigiu a Maternidade Alfredo da Costa durante 3 anos. Como perspectiva a problemática da crise de nascimentos? Que políticas de natalidade preconiza?

A nossa demografia é péssima e as causas não são de hoje. A única maneira de incentivar a ter filhos é remover muitas das dificuldades que as mulheres em idade fértil têm de enfrentar: desde a dificuldade em encontrar casa até conseguir estabilidade laboral. Sabe quanto custa uma creche? As medidas natalistas têm de ser transversais e pluridisciplinares: fiscais, sociais, urbanísticas, laborais, etc...
 

Foi Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a maior do País. Como viu o recente estudo sobre o aumento das desigualdades entre ricos e pobres, sendo que cerca de 2 milhões portugueses vivem em condições de pobreza?

Todos os anos, por estas datas, se fala da pobreza. Mas ela é uma realidade no nosso país há muito tempo e inúmeros estudos apontam para os riscos de não se implementarem políticas eficazes de combate à pobreza. Não podemos continuar a dar subsídios, é preciso dar empowerment, criar condições para que as famílias pobres se possam organizar e criar, com apoios, a sua própria autonomia. Mas, note, com o envelhecimento da população vamos ter cada vez mais idosos pobres; com o aumento do desemprego vamos ver a baixa classe média resvalar para níveis de pobreza, com o número crescente de abandono de menores vamos ter mais crianças de risco.
 

O Presidente da República reconheceu estar “envergonhado” com os números da pobreza. O que podem fazer os políticos, para além de lamentarem a situação?

Tem que se fazer uma opção política clara. Com reflexos nos programas e no Orçamento do Estado. Tem que se investir nas pessoas, nas famílias, na formação, na criação de oportunidades. Afinal, a receita de Yunnus, prémio Nobel da Paz, “o banqueiro dos pobres”, que tirou, com os micro-créditos, seis milhões de famílias da pobreza.
 

Os partidos e os políticos estão a perder crédito junto opinião pública e a primeira reacção a esse afastamento é a abstenção eleitoral. Pensa que essa tendência é consequência primeira da falta de verdade demonstrada por parte dos intervenientes no sistema democrático?

É consequência de os partidos perderem parte da sua capacidade de representação e de convocatória. Gastam-se em questões internas e afastam-se daquilo que é, realmente, importante para os cidadãos. Estes não se sentem representados e afastam-se.
 

Afirmou que Sócrates e Cavaco são “os únicos políticos que causaram mais impacto nos últimos 30 anos porque foram os que perguntaram pouco e fizeram muito”. Está optimista que a “cooperação estratégica” entre Belém e São Bento vai contribuir para o desenvolvimento do país?

Estou. Não há desenvolvimento nem crescimento sem estabilidade institucional.
 

Revelou recentemente ter votado em Salazar. As manifestações de simpatia que a senhora e o seu marido, Jaime Nogueira Pinto, têm revelado pelo Presidente do Conselho têm-lhe causado alguns dissabores e comentários públicos menos abonatórios. Pensa que Salazar e o Estado Novo são “fantasmas” que ainda atormentam muitos portugueses?

Votei eu e a maioria dos portugueses que participaram nos “Grandes Portugueses” como revelaram os números. Não me causou nenhum dissabor, o livro do meu marido vai na quinta edição, sinal que este tema suscita curiosidade e as pessoas mostraram muita simpatia pela frontalidade e coerência. Não vale a pena apagar a História ou querer reinventá-la. Tudo foi importante e deve ser conhecido. Não podemos privar as novas gerações desse conhecimento. De qualquer maneira foi, tão só, um concurso. A vantagem foi ter despertado curiosidade e debate. Se houve algum comentário menos abonatório eu não vi.

Nuno Dias da Silva

 

 

 

Cara da notícia

Num mundo de homens, Maria José Nogueira Pinto, nascida em Lisboa em 1952, tem sido pioneira em muitos domínios, na sua condição de representante do sexo feminino. Foi a primeira líder parlamentar, representando o CDS, tendo concorrido e perdido a eleição para presidente do partido para Paulo Portas, em 1998. Em Março deste ano abandonou o partido democrata-cristão na sequência de alegadas agressões que foi vitima, aquando do regresso de Portas à vida política activa e a um eventual retorno à liderança partidária por meio de um Conselho Nacional Extraordinário.

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ocupou o cargo de vereadora da Habitação Social na Câmara Municipal de Lisboa, de 2005 a 2007. Nos outros cargos de relevo que desempenhou, destacam-se os seguintes: Subsecretária de Estado da Cultura, Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e directora da Maternidade Alfredo da Costa.


Visualização 800x600 - Internet Explorer 5.0 ou superior

©2002 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt