GENTE & LIVROS
Doris Lessing

«No ano em que a guerra
começou, em 1939, dois jovens esperançosos e ignorantes – como os que se
encontravam esta noite à roda da mesa – tinham-se apaixonado, como
milhões de outros nos países em guerra, e abraçados um ao outro em busca
de conforto no mundo cruel. Mas também havia excitação, o mais perigoso
sintoma da guerra. Johnny Lennox apresentou-a à Liga da Juventude
Comunista precisamente quando estava prestes a deixá-la para ser um
adulto, se não ainda um soldado. O camarada Johnny era uma espécie de
estrela, e precisava de que ela o soubesse. Ela sentara-se nas filas de
trás das salas apinhadas para o ouvir explicar que se tratava de uma
guerra imperialista e que as forças progressistas e democráticas deviam
boicotá-la. (...)»
In O Sonho mais Doce
Doris Lessing,
Prémio Nobel da Literatura de 2007, cidadã britânica, nasceu no
Curdistão Iraniano, actual Irão, a 22 de Outubro de 1919.
Filha do capitão Alfred Tayler, e de Emily Mayde Tayler, Doris May
Tayler viveu no Irão até aos 6 anos de idade, altura em que a família
parte para a Rodésia do Sul (Zimbabwé). Frequenta a Escola Secundária do
Convento Dominicano de Salisbúria, que abandona aos 13 anos e toda a sua
posterior formação haveria de ser como autodidacta. Em ruptura com a
mãe, sai de casa aos 15 anos e passa a trabalhar como ajudante de ama.
Por esta altura, inspirada por textos de política e sociologia que os
patrões lhe emprestam, começa a escrever. Muda-se para a Salisbúria para
trabalhar como telefonista e em 1939 casa com Frank Charles Wisdom de
quem tem um filho e uma filha. Quando o casamento termina em 1943, os
filhos ficam com o pai.
Doris passa a frequentar o Left Book Club, círculo de leitores de
inspiração comunista, onde conhece o que viria a ser o seu segundo
marido, o alemão Gottfried Lessing – mais tarde embaixador da República
Democrática alemã no Uganda, onde foi assassinado em 1979. Casam em 1945
e desse união nasce um filho, Peter Lessing. Quando o segundo casamento
resulta em divórcio em 1949, Doris parte com o filho para Londres e
pouco tempo depois publica o primeiro romance A Erva Canta (1949).
Devido a campanhas contra as armas nucleares e o apartheid é durante
anos banida da África do Sul e da Rodésia.
Publica em 1962 o que é considerado o seu livro mais emblemático, O
Caderno Dourado.
Aos 87 anos, com mais de meia centena de livros editados e muitos
prémios literários depois, o seu nome é anunciado como o vencedor do
Prémio Nobel da Literatura de 2007. A Académia Sueca decidia assim a
favor da «contadora épica da experiência feminina, que com cepticismo,
ardor e uma força visionária perscruta uma civilização dividida».
O Sonho Mais Doce. Anos
60. No norte de Londres vive Frances com os dois filhos, Colin e Andrew
e a ex-sogra Julia. Frances escreve artigos para um jornal local e o
tempo que sobra é para cuidar da família, dos amigos, das namoradas e
ex-namoradas dos filhos que estão sempre em sua casa. Por lá, também
costuma aparecer o ex-marido Johnny, que um dia lhe entrega Sylvia, a
filha problemática do actual casamento. Naquele casa, cruzam-se amores,
desilusões, angústias, esperanças e também os melhores sonhos. 
Eugénia Sousa
LIVROS
Novidades literárias
Dom Quixote. Aprender a Comer –
Método Estivill para Ensinar as Crianças a Comer. O pediatra e
neurofisiólogo Eduard Estivill e a pedagoga Montse Domènech juntaram
esforços e desenvolveram um método com sólidas bases científicas, mas
simples e prático, para ajudar os pais a resolver os problemas de
alimentação dos seus filhos.
Cavalo de Ferro. Nada, de Carmen
Laforet. Andrea, uma rapariga de comportamento estranho , chega a
Barcelona para começar uma nova vida. Movida pelo desejo de liberdade, -
numa sociedade a sofrer tempos sem esperança de ocupação franquista, -
faz, entre personagens conturbadas e ambíguas, uma aprendizagem
emocional que a leva a cortar com as normas estabelecidas e a trilhar
por si mesma um caminho até à idade adulta. Nada, tem prefácio de Mário
Vargas Llosa e venceu o Prémio Nadal.
Presença. A Última Estação, de
Jay Parini. Aos 82 anos, Lev Tolstói é o escritor mais aclamado na
Rússia e conhecido em todo o mundo. Mas após uma existência marcada pela
vitalidade e também por profundas dissonâncias, anseia por um pouco de
tranquilidade longe da fama e dos conflitos em família. Em Outubro de
1910, num gesto dramático e definitivo, Tolstói abandona a casa. A
Última Estação recria o último ano de vida do escritor e foi vencedora
do George Washington Kidd Award.
Asa. Casamento em Dezembro, de
Anita Shreve. Numa estalagem do Massachusetts, sete antigos colegas
juntam-se para o casamento de Bridget e Bill, namorados dos tempos de
liceu. Um único fim de semana de Dezembro vai mudar a vida do grupo,
pois na bagagem eles trazem velhos segredos para revelar. Casamento em
Dezembro é apontado como o melhor romance da autora.
Texto Editores. A Criatura
Medonha – Novos contos da mata dos medos, de Álvaro de Magalhães e
desenhos de Cristina Valadas. A mata dos medos é uma floresta ao longo
do litoral do concelho de Almada, emoldurada pelo oceano Atlântico.
Neste belo cenário encontramos os nossos protagonistas, os animais, e
também uma lição preciosa. É preciso proteger a floresta, para que tudo
o que amamos possa ficar connosco.
Guerra&Paz. 100 Gatos que
Mudaram o Mundo - Os felinos mais influentes da História, de Sam Stall.
«Por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher...» e quem
sabe, talvez também um grande gato. Este livro fala de felinos
influentes, como por exemplo a Socks, mascote da presidência de Bill
Clinton; A Pepper, a primeira estrela de cinema que miava; ou a Mrs
Chippy, que explorou a Antárctida. Um tributo a estes heróis de quatro
patas.
Piaget. A Globalização em
«Análise»- Geoeconomia e estratégia dos actores, de Jacques Fontanel.
Existe uma ambiguidade inerente à globalização. Se por um lado há mais
interdependência de economias de escala e de novas tecnologias de
telecomunicação; por outro lado é a própria soberania dos Estados que é
posta em causa. O autor abre pistas muito interessantes sobre esta e
outras questões, tendo sempre o cuidado de distinguir as dimensões
empíricas, teóricas e ideológicas da globalização.
Europa-América. O Kama Sutra dos
Negócios- Princípios de Gestão dos Clássicos Indianos, de Nury Vittachi.
A Índia é um país de procura de verdade espiritual, cujos segredos
residem nos textos mais antigos de que a autora se irá socorrer para
criar uma obra apelativa e de leitura fácil. Um livro que pela sua
natureza pode dar que falar, pois como disse Chanakya: «O azeite
derramado sobre a água,/ Um segredo contado a uma pessoa indigna,/ Uma
prenda dada a um destinatário meritório,/ Um sermão feito a um ouvinte
inteligente: estas coisas, em virtude da sua natureza,/Espalham-se.»
Gradiva. Grandes Questões
Científicas, de Harriet Swain. Um livro incontornável, nele alguns dos
principais pensadores da ciência, abordam vinte das grandes questões que
a humanidade se tem colocado ao longo dos tempos. O que é a
consciência?; O que é o tempo?; O que faz com que nos apaixonemos e
desapaixonemos?; Como começou o universo?; São exemplo das grandes
interrogações, que também, e em grande parte, nos têm definido enquanto
humanidade.
Cotovia. Madame Pompadour, de
Nancy Mitford. Actriz de talento, mecenas das artes, sedutora, bela,
perspicaz, Madame Pompadour marcou a história de França. «Madame de
Pompadour está escrito de uma forma eficaz, fluente, nervosa, alegre e
entusiástica, que estimula o leitor da primeira página à última.» -
Sunday Times.
Campo das Letras. Manu Chao –
Destinación Esperanza. Neste livro estão dez anos de trabalho de Philipe
Manche, jornalista da secção de cultura do diário belga Le Soir, com o
cantor francês Manu Chao. Movido pela admiração pelo cantor, Philipe
Manche acompanha Manu Chao em tournées, encontros e visitas o que
resulta numa série de entrevistas, ou tão simplesmente numa única, longa
e especial entrevista. 
BOCAS DO GALINHEIRO
Jesse James não
morreu!

O ano que agora começa abre sob o signo do western. Ciclicamente o
cinema americano revisita um dos seus géneros mais paradigmáticos. Se
não quisermos ir muito atrás, aos anos 60 e 70, de “Pat Garret and Billy
the Kid”, de Sam Peckinpah, de “El Dorado”, de Howard Hawks ou mesmo
“Butch Cassidy and Sundance Kid”, de George Roy Hill e “Missouri Breaks”,
de Arthur Penn, uma passagem pelas coboiadas dos anos 90, evidencia a
atracção dos realizadores americanos pelo tipo. São os casos de
“Silverado” e “Wyatt Earp” de Lawrence Kasdan, dos novos realizadores
dos anos 80/90, o primeiro a piscar o olho ao velho Oeste, “Dança Com
Lobos”, de Kevin Costner, premiado com uma chuva de Oscar, nada menos
que sete, para não falar de “Imperdoável”, de Clint Eastwood, também ele
vencedor de quatro estatuetas douradas, entre elas, tal como o de
Costner, as de melhor filme e melhor realizador.
Não estranha pois que no século XXI se recupere e actualize o tema,
tomando como referência numa das fitas, já falaremos das outras, um dos
grandes mitos do cinema do Oeste: Jesse James que, com o seu irmão
Frank, nados e criados no Missouri, filhos de um pregador baptista,
depois de lutarem na guerra civil americana, onde foram membros do grupo
de Quantrill. Acabada a guerra, formaram o seu próprio bando e iniciaram
uma temerária carreira de assaltos a bancos e comboios, juntando-se
depois aos ferozes irmãos Younger. No imaginário do Oeste, Jesse James
passará como símbolo do espírito dos últimos “fora da lei”, uma espécie
de Robin dos Bosques das pradarias, num território cada vez menos
legendário, selvagem e primitivo.
O actor Brad Pitt, assumindo também o papel de produtor, retoma, com
talento, Jesse James, dando-lhe um carácter mais humano e complexo em “O
Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford”, numa película um
tanto ou quanto extensa, duas horas e quarenta minutos na versão final,
depois de uma hipótese anterior com quatro horas, que valeu ao
intérprete o prémio de melhor actor no Festival de Veneza, o que é só
por si um certificado de garantia quanto ao mérito de Pitt.
Baseado na novela homónima de Ron Hanson, autor do romance
“Desesperados”, sobre a vida dos irmãos Dalton, mais conhecidos como os
eternos inimigos figadais de Lucky Luke, mas dos quais o cinema também
já se apropriou, com realização de Andrew Dominik, o filme retrata os
últimos sete meses da vida de James, quando com o seu irmão Frank (um
fugaz Sam Shepard) se preparava para mais um assalto a um comboio em
Blue Cut, episódio que a fita nos mostra numa das suas sequências mais
violentas, o que contrasta com o resto do filme que, numa toada lente
lança um olhar sereno sobre o sentir das personagens e a sua luta
interior, num mundo onde ser famoso pode doer, mas também do caminho que
leva um admirador a converter-se no inimigo daquele que admira ao ponto
de o assassinar. Ou seja, a película é também a história dum assassino,
Robert Ford, um dos membros da sua quadrilha, impecavelmente
interpretado por Casey Affleck, que abate James. Como se cantaria mais
tarde “aquele sujo que levou o pobre Jesse James para o túmulo”.
Ainda o cinema não tinha voz e já a lenda de Jesse James, um mito
inseparável do Velho Oeste, invadia o celulóide pela mão de Gilbert M.
Anderson, conhecido como “Broncho Billy” na fita de 1908, “The James
Boys of Missouri”, a que se seguem “Jesse James Under the Black Flag” e
“Jesse James as the Outlaw”, ambos de Franklin B. Coates (1921), com a
curiosidade de terem como intérprete no papel do pistoleiro o seu filho
Jesse James jr.. Foi o começo de mais de uma vintena de obras sobre
James. Dentre elas podemos destacar “Jesse James” (A Justiça de Jesse
James), realizada em 1939 por Henry King, com argumento de Nunnaly
Johnson, baseado em dados históricos, em que King ilustra, embora com um
toque romântico, o mito, com Tyrone Power, um actor muito em voga na
época no protagonista, obra que abre um ciclo de biografias
cinematográficas de bandoleiros do Oeste e que se irá prolongar pelos
anos 40.
Dezoito anos depois o cineasta Nicholas Ray, no auge do seu prestígio e
com base no argumento de Nunnaly, dirige em 1957 “The True Story of
Jesse James”, o seu terceiro western, em que Ray filma e analisa os dois
irmãos James, Jesse e Frank, na perspectiva de uma consciência rebelde
da delinquência dos dois jovens, arreigados à sua terra destruída e
modelados pelas consequências da guerra em que haviam entrado,
interpretados por Robert Wagner e Jeffrey Hunter. Ou seja, um filme
carregado de um lirismo trágico, não muito longe de outros de Nick Ray
em que o tema da juventude rebelde é abordado.
Mais recentemente, em 1980, Walter Hill realizou “The Long Riders”,
filme pleno de acção em que o realizador aborda a aproximação dos James
aos Younger, numa película que ficou marcada por ter no elenco quatro
grupos de irmãos, os Carradine, os Keach, os Quaid e os Guest que
interpretam os vários clãs que aparecem no filme.
Mas, como se disse, este ano vai haver mais western. Um clássico, ”O
Comboio das 3 e 10”, de James Mangold, um remake de “3:10 to Yuma”,
realizado em 1957 por Delmer Daves, sobre a entrega de um foragido à
justiça e a caminhada até ao comboio das 3 e 10 e mais recentes, “Este
Pais não é para Velhos”, dos irmãos Joel e Ethan Coen e “Haverá Sangue”,
de Paul Thomas Anderson, mas, todos a provar que os mitos não morrem.
Redescobrem-se.
Até à próxima com bons filmes, de preferência nos novos cinemas da
cidade. Já não era sem tempo. 
Luís Dinis da Rosa
com Joaquim Cabeças
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