Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº119    Janeiro 2008

Cultura

GENTE & LIVROS

Doris Lessing

«No ano em que a guerra começou, em 1939, dois jovens esperançosos e ignorantes – como os que se encontravam esta noite à roda da mesa – tinham-se apaixonado, como milhões de outros nos países em guerra, e abraçados um ao outro em busca de conforto no mundo cruel. Mas também havia excitação, o mais perigoso sintoma da guerra. Johnny Lennox apresentou-a à Liga da Juventude Comunista precisamente quando estava prestes a deixá-la para ser um adulto, se não ainda um soldado. O camarada Johnny era uma espécie de estrela, e precisava de que ela o soubesse. Ela sentara-se nas filas de trás das salas apinhadas para o ouvir explicar que se tratava de uma guerra imperialista e que as forças progressistas e democráticas deviam boicotá-la. (...)»

In O Sonho mais Doce
 

Doris Lessing, Prémio Nobel da Literatura de 2007, cidadã britânica, nasceu no Curdistão Iraniano, actual Irão, a 22 de Outubro de 1919.

Filha do capitão Alfred Tayler, e de Emily Mayde Tayler, Doris May Tayler viveu no Irão até aos 6 anos de idade, altura em que a família parte para a Rodésia do Sul (Zimbabwé). Frequenta a Escola Secundária do Convento Dominicano de Salisbúria, que abandona aos 13 anos e toda a sua posterior formação haveria de ser como autodidacta. Em ruptura com a mãe, sai de casa aos 15 anos e passa a trabalhar como ajudante de ama. Por esta altura, inspirada por textos de política e sociologia que os patrões lhe emprestam, começa a escrever. Muda-se para a Salisbúria para trabalhar como telefonista e em 1939 casa com Frank Charles Wisdom de quem tem um filho e uma filha. Quando o casamento termina em 1943, os filhos ficam com o pai.

Doris passa a frequentar o Left Book Club, círculo de leitores de inspiração comunista, onde conhece o que viria a ser o seu segundo marido, o alemão Gottfried Lessing – mais tarde embaixador da República Democrática alemã no Uganda, onde foi assassinado em 1979. Casam em 1945 e desse união nasce um filho, Peter Lessing. Quando o segundo casamento resulta em divórcio em 1949, Doris parte com o filho para Londres e pouco tempo depois publica o primeiro romance A Erva Canta (1949).

Devido a campanhas contra as armas nucleares e o apartheid é durante anos banida da África do Sul e da Rodésia.

Publica em 1962 o que é considerado o seu livro mais emblemático, O Caderno Dourado.

Aos 87 anos, com mais de meia centena de livros editados e muitos prémios literários depois, o seu nome é anunciado como o vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 2007. A Académia Sueca decidia assim a favor da «contadora épica da experiência feminina, que com cepticismo, ardor e uma força visionária perscruta uma civilização dividida».
 

O Sonho Mais Doce. Anos 60. No norte de Londres vive Frances com os dois filhos, Colin e Andrew e a ex-sogra Julia. Frances escreve artigos para um jornal local e o tempo que sobra é para cuidar da família, dos amigos, das namoradas e ex-namoradas dos filhos que estão sempre em sua casa. Por lá, também costuma aparecer o ex-marido Johnny, que um dia lhe entrega Sylvia, a filha problemática do actual casamento. Naquele casa, cruzam-se amores, desilusões, angústias, esperanças e também os melhores sonhos.

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades literárias

Dom Quixote. Aprender a Comer – Método Estivill para Ensinar as Crianças a Comer. O pediatra e neurofisiólogo Eduard Estivill e a pedagoga Montse Domènech juntaram esforços e desenvolveram um método com sólidas bases científicas, mas simples e prático, para ajudar os pais a resolver os problemas de alimentação dos seus filhos.
 

Cavalo de Ferro. Nada, de Carmen Laforet. Andrea, uma rapariga de comportamento estranho , chega a Barcelona para começar uma nova vida. Movida pelo desejo de liberdade, - numa sociedade a sofrer tempos sem esperança de ocupação franquista, - faz, entre personagens conturbadas e ambíguas, uma aprendizagem emocional que a leva a cortar com as normas estabelecidas e a trilhar por si mesma um caminho até à idade adulta. Nada, tem prefácio de Mário Vargas Llosa e venceu o Prémio Nadal.
 

Presença. A Última Estação, de Jay Parini. Aos 82 anos, Lev Tolstói é o escritor mais aclamado na Rússia e conhecido em todo o mundo. Mas após uma existência marcada pela vitalidade e também por profundas dissonâncias, anseia por um pouco de tranquilidade longe da fama e dos conflitos em família. Em Outubro de 1910, num gesto dramático e definitivo, Tolstói abandona a casa. A Última Estação recria o último ano de vida do escritor e foi vencedora do George Washington Kidd Award.
 

Asa. Casamento em Dezembro, de Anita Shreve. Numa estalagem do Massachusetts, sete antigos colegas juntam-se para o casamento de Bridget e Bill, namorados dos tempos de liceu. Um único fim de semana de Dezembro vai mudar a vida do grupo, pois na bagagem eles trazem velhos segredos para revelar. Casamento em Dezembro é apontado como o melhor romance da autora.
 

Texto Editores. A Criatura Medonha – Novos contos da mata dos medos, de Álvaro de Magalhães e desenhos de Cristina Valadas. A mata dos medos é uma floresta ao longo do litoral do concelho de Almada, emoldurada pelo oceano Atlântico. Neste belo cenário encontramos os nossos protagonistas, os animais, e também uma lição preciosa. É preciso proteger a floresta, para que tudo o que amamos possa ficar connosco.
 

Guerra&Paz. 100 Gatos que Mudaram o Mundo - Os felinos mais influentes da História, de Sam Stall. «Por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher...» e quem sabe, talvez também um grande gato. Este livro fala de felinos influentes, como por exemplo a Socks, mascote da presidência de Bill Clinton; A Pepper, a primeira estrela de cinema que miava; ou a Mrs Chippy, que explorou a Antárctida. Um tributo a estes heróis de quatro patas.
 

Piaget. A Globalização em «Análise»- Geoeconomia e estratégia dos actores, de Jacques Fontanel. Existe uma ambiguidade inerente à globalização. Se por um lado há mais interdependência de economias de escala e de novas tecnologias de telecomunicação; por outro lado é a própria soberania dos Estados que é posta em causa. O autor abre pistas muito interessantes sobre esta e outras questões, tendo sempre o cuidado de distinguir as dimensões empíricas, teóricas e ideológicas da globalização.
 

Europa-América. O Kama Sutra dos Negócios- Princípios de Gestão dos Clássicos Indianos, de Nury Vittachi. A Índia é um país de procura de verdade espiritual, cujos segredos residem nos textos mais antigos de que a autora se irá socorrer para criar uma obra apelativa e de leitura fácil. Um livro que pela sua natureza pode dar que falar, pois como disse Chanakya: «O azeite derramado sobre a água,/ Um segredo contado a uma pessoa indigna,/ Uma prenda dada a um destinatário meritório,/ Um sermão feito a um ouvinte inteligente: estas coisas, em virtude da sua natureza,/Espalham-se.»
 

Gradiva. Grandes Questões Científicas, de Harriet Swain. Um livro incontornável, nele alguns dos principais pensadores da ciência, abordam vinte das grandes questões que a humanidade se tem colocado ao longo dos tempos. O que é a consciência?; O que é o tempo?; O que faz com que nos apaixonemos e desapaixonemos?; Como começou o universo?; São exemplo das grandes interrogações, que também, e em grande parte, nos têm definido enquanto humanidade.
 

Cotovia. Madame Pompadour, de Nancy Mitford. Actriz de talento, mecenas das artes, sedutora, bela, perspicaz, Madame Pompadour marcou a história de França. «Madame de Pompadour está escrito de uma forma eficaz, fluente, nervosa, alegre e entusiástica, que estimula o leitor da primeira página à última.» - Sunday Times.
 

Campo das Letras. Manu Chao – Destinación Esperanza. Neste livro estão dez anos de trabalho de Philipe Manche, jornalista da secção de cultura do diário belga Le Soir, com o cantor francês Manu Chao. Movido pela admiração pelo cantor, Philipe Manche acompanha Manu Chao em tournées, encontros e visitas o que resulta numa série de entrevistas, ou tão simplesmente numa única, longa e especial entrevista.

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Jesse James não morreu!


O ano que agora começa abre sob o signo do western. Ciclicamente o cinema americano revisita um dos seus géneros mais paradigmáticos. Se não quisermos ir muito atrás, aos anos 60 e 70, de “Pat Garret and Billy the Kid”, de Sam Peckinpah, de “El Dorado”, de Howard Hawks ou mesmo “Butch Cassidy and Sundance Kid”, de George Roy Hill e “Missouri Breaks”, de Arthur Penn, uma passagem pelas coboiadas dos anos 90, evidencia a atracção dos realizadores americanos pelo tipo. São os casos de “Silverado” e “Wyatt Earp” de Lawrence Kasdan, dos novos realizadores dos anos 80/90, o primeiro a piscar o olho ao velho Oeste, “Dança Com Lobos”, de Kevin Costner, premiado com uma chuva de Oscar, nada menos que sete, para não falar de “Imperdoável”, de Clint Eastwood, também ele vencedor de quatro estatuetas douradas, entre elas, tal como o de Costner, as de melhor filme e melhor realizador.

Não estranha pois que no século XXI se recupere e actualize o tema, tomando como referência numa das fitas, já falaremos das outras, um dos grandes mitos do cinema do Oeste: Jesse James que, com o seu irmão Frank, nados e criados no Missouri, filhos de um pregador baptista, depois de lutarem na guerra civil americana, onde foram membros do grupo de Quantrill. Acabada a guerra, formaram o seu próprio bando e iniciaram uma temerária carreira de assaltos a bancos e comboios, juntando-se depois aos ferozes irmãos Younger. No imaginário do Oeste, Jesse James passará como símbolo do espírito dos últimos “fora da lei”, uma espécie de Robin dos Bosques das pradarias, num território cada vez menos legendário, selvagem e primitivo.

O actor Brad Pitt, assumindo também o papel de produtor, retoma, com talento, Jesse James, dando-lhe um carácter mais humano e complexo em “O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford”, numa película um tanto ou quanto extensa, duas horas e quarenta minutos na versão final, depois de uma hipótese anterior com quatro horas, que valeu ao intérprete o prémio de melhor actor no Festival de Veneza, o que é só por si um certificado de garantia quanto ao mérito de Pitt.

Baseado na novela homónima de Ron Hanson, autor do romance “Desesperados”, sobre a vida dos irmãos Dalton, mais conhecidos como os eternos inimigos figadais de Lucky Luke, mas dos quais o cinema também já se apropriou, com realização de Andrew Dominik, o filme retrata os últimos sete meses da vida de James, quando com o seu irmão Frank (um fugaz Sam Shepard) se preparava para mais um assalto a um comboio em Blue Cut, episódio que a fita nos mostra numa das suas sequências mais violentas, o que contrasta com o resto do filme que, numa toada lente lança um olhar sereno sobre o sentir das personagens e a sua luta interior, num mundo onde ser famoso pode doer, mas também do caminho que leva um admirador a converter-se no inimigo daquele que admira ao ponto de o assassinar. Ou seja, a película é também a história dum assassino, Robert Ford, um dos membros da sua quadrilha, impecavelmente interpretado por Casey Affleck, que abate James. Como se cantaria mais tarde “aquele sujo que levou o pobre Jesse James para o túmulo”.

Ainda o cinema não tinha voz e já a lenda de Jesse James, um mito inseparável do Velho Oeste, invadia o celulóide pela mão de Gilbert M. Anderson, conhecido como “Broncho Billy” na fita de 1908, “The James Boys of Missouri”, a que se seguem “Jesse James Under the Black Flag” e “Jesse James as the Outlaw”, ambos de Franklin B. Coates (1921), com a curiosidade de terem como intérprete no papel do pistoleiro o seu filho Jesse James jr.. Foi o começo de mais de uma vintena de obras sobre James. Dentre elas podemos destacar “Jesse James” (A Justiça de Jesse James), realizada em 1939 por Henry King, com argumento de Nunnaly Johnson, baseado em dados históricos, em que King ilustra, embora com um toque romântico, o mito, com Tyrone Power, um actor muito em voga na época no protagonista, obra que abre um ciclo de biografias cinematográficas de bandoleiros do Oeste e que se irá prolongar pelos anos 40.

Dezoito anos depois o cineasta Nicholas Ray, no auge do seu prestígio e com base no argumento de Nunnaly, dirige em 1957 “The True Story of Jesse James”, o seu terceiro western, em que Ray filma e analisa os dois irmãos James, Jesse e Frank, na perspectiva de uma consciência rebelde da delinquência dos dois jovens, arreigados à sua terra destruída e modelados pelas consequências da guerra em que haviam entrado, interpretados por Robert Wagner e Jeffrey Hunter. Ou seja, um filme carregado de um lirismo trágico, não muito longe de outros de Nick Ray em que o tema da juventude rebelde é abordado.

Mais recentemente, em 1980, Walter Hill realizou “The Long Riders”, filme pleno de acção em que o realizador aborda a aproximação dos James aos Younger, numa película que ficou marcada por ter no elenco quatro grupos de irmãos, os Carradine, os Keach, os Quaid e os Guest que interpretam os vários clãs que aparecem no filme.

Mas, como se disse, este ano vai haver mais western. Um clássico, ”O Comboio das 3 e 10”, de James Mangold, um remake de “3:10 to Yuma”, realizado em 1957 por Delmer Daves, sobre a entrega de um foragido à justiça e a caminhada até ao comboio das 3 e 10 e mais recentes, “Este Pais não é para Velhos”, dos irmãos Joel e Ethan Coen e “Haverá Sangue”, de Paul Thomas Anderson, mas, todos a provar que os mitos não morrem. Redescobrem-se.

Até à próxima com bons filmes, de preferência nos novos cinemas da cidade. Já não era sem tempo.

Luís Dinis da Rosa
com Joaquim Cabeças

 


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