Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº130    Dezembro 2008

Reportagem

HENRIQUE SÁ PESSOA

Cozinha portuguesa, concerteza

Este mês lançámos um desafio a três dos mais prestigiados cozinheiros portugueses da nova geração. José Avillez, Henrique Sá Pessoa e Mário Rui Ramos falaram de culinária, respondendo às perguntas de Eugénia Sousa, num jogo de respostas, enviadas por email, onde a arte esteve sempre presente. É uma maneira diferente de abordar o Natal e as novas tendências da cozinha internacional.
 

Cozinhar é uma arte ou uma ciência? A sua cozinha é um laboratório ou um atelier?

Penso que engloba um pouco das duas. Chamar-lhe-ia até ciência com arte ou arte com ciências. Em relação à cozinha, acho que a vejo mais como uma oficina, onde tudo se transforma.
 

O seu nome aparece associado com frequência ao conceito de Cozinha de Fusão. Como define fusão?

O nome já está um pouco desactualizado…penso que cozinha de autor utilizando os produtos da época e do país onde trabalhamos. Penso que a minha cozinha está cada vez mais portuguesa.
 

O programa de televisão Entre Pratos tornou a alta cozinha acessível a um maior número de pessoas?

Penso que no programa não pratico alta cozinha, apenas faço a cozinha dita complicada, parecer mais fácil e acessível a todos. Tento dar ideias diferentes às pessoas, com preços acessíveis.
 

A Organização Mundial de Saúde refere a obesidade como um dos maiores problemas de saúde da actualidade. Como se ensinam as crianças e os jovens a comer bem?

Tem que começar pelos pais e pelos hábitos que estes incutem nas crianças. Hoje temos muita fast food disponível… as pessoas têm pouca paciência para cozinhar. E depois temos o factor económico… comer mal sai mais barato que comer bem, infelizmente.
 

Como é a relação dos portugueses com a gastronomia?

Muito forte Temos um grande gosto por estar à mesa, mas infelizmente este amor não é tão grande pela chamada alta cozinha… ainda somos muito fãs do prato cheio.
 

O futuro passa obrigatoriamente pela cozinha molecular?

Nem pensar. Penso que nos trouxe e continuará a trazer um conhecimento científico e técnico que não tínhamos, mas nunca será a base para o futuro.
 

O que transforma uma refeição numa experiência única e inesquecível?

O cuidado, amor e carinho que transmitimos ao longo do processo, a escolha dos ingredientes, a convivência, o ambiente. Tudo contribui.
 

O melhor conselho para todos os que sem grande preparação ou talento se aventuram diariamente numa cozinha é...

Divirtam-se e não tenham medo de fazer asneira. Muitas vezes é nos acidentes que se criam grandes pratos.
 

Qual é a sua iguaria de Natal preferida e como se confecciona?

Sonhos. Adoro sonhos mas confesso que não sou um expert… sei que o segredo está na massa.

 

Henrique Sá Pessoa nasceu em Oeiras em 1976. Formou-se na Institute of Culinary Arts, nos Estados Unidos. Ocupou a chefia de várias cozinhas conhecidas tais como Bairro Alto Hotel, La Villa Estoril e O Xarope. Recebeu o Prémio Arte de Cozinha da Academia Portuguesa de Gastronomia em 2007. No início de 2006 assinou o programa de culinária Entre Pratos, no canal 2 da RTP. Publicou Legumes Sem Desculpas (2008) Chancela da Esfera dos Livros e Entre Pratos (2007) Chancela da Editorial Presença. É proprietário do Restaurante Henrique Sá Pessoa, no bairro Lisboeta de Santos.

 

 

 

JOSÉ AVILLEZ

Do laboratório ao atelier

Diz-se "cozinhar é uma arte", "cozinhar é uma ciência". A sua cozinha é um laboratório ou um atelier?

É uma oficina, um laboratório e um atelier. As muitas horas do dia e os muitos dias da semana que se passa a trabalhar permite que a cozinha adquira todos esses formatos
 

Estagiou no elBulli ao lado Ferran Adrià, um dos chefs mais reconhecidos em todo o mundo. Qual foi a grande lição que tirou dessa experiência?

A humildade de Ferran e a paixão com que faz tudo.
 

Qual é a avaliação que faz das escolas portuguesas de Hotelaria?

Penso que estão cada vez melhores mas confesso que conheço pouco das escolas Portuguesas
 

A Organização Mundial de Saúde refere a obesidade como um dos maiores problemas de saúde da actualidade. Como é que se ensinam as crianças e os jovens a comer bem?

Em casa e na escola. Oferecendo soluções de qualidade. A sensibilização é também imprescindível
 

O jornalista e crítico gastronómico espanhol, Arenós, lançou o conceito de cozinha tecno-emocional. Do que se fala quando se fala de cozinha tecno-emocional?

Através do domínio e utilização das técnicas, um Chef de cozinha consegue transmitir e provocar emoções a quem come os seus pratos.
 

O que transforma uma refeição numa experiência única e inesquecível?

O ambiente, o serviço, o sorriso de quem nos recebe, a companhia, o humor que estamos nesse dia e, principalmente uma boa cozinha.
 

As principais tendências da Alta-Cozinha actual passam pelo quê?

Um pouco pelos mandamentos do Arenós... são realmente as tendências
 

O melhor conselho para todos os que sem grande preparação ou talento se aventuram diariamente numa cozinha é...

Façam-no com gosto. E tentem organizar bem o trabalhar para o facilitar.
 

Qual é a sua iguaria de Natal preferida e como se confecciona?

Um bom bacalhau cozido em azeite.
 

 

José Avillez nasceu em Cascais, em 1979. Tem uma Licenciatura em Comunicação Empresarial e Marketing com uma tese final dedicada à gastronomia portuguesa. Começa o seu percurso culinário na fortaleza do Guincho, em Cascais.

Em 2004, encontra-se à frente do Restaurante 100 Maneiras que recebe o prémio Restaurante Revelação do Ano. Estagiou no El Bulli, ao lado de um dos mais famosos chefs de cozinha do mundo o catalão Ferra Adrià. É dono de empresa que integra serviços de Take Away, Gourmet, Catering e Cursos de Cozinha a Life Style Cooking.
Publicou livros e o seu rosto é visto com frequência na televisão portuguesa.
Em 2008 assumiu o comando da cozinha do restaurante Tavares.

 

 

 

MÁRIO RUI RAMOS

Cozinhar é uma arte

Diz-se "cozinhar é uma arte", "cozinhar é uma ciência". A sua cozinha é um laboratório ou um atelier?

A minha cozinha é um espaço físico, devidamente equipado de forma a responder às necessidades da maioria dos meus clientes. Como tenho clientes que procuram uma refeição com ambiências mais de autor com um toque artístico, posso dizer que é um atelier; contudo há clientes que buscam iguarias regionais, internacionais, baixas calorias, caça, vegetarianas, etc. e neste sentido poderei afirmar que, com certeza para um mercado tão abrangente, é preciso bastante criatividade, tal como num atelier.
 

A cozinha de um hotel tem que ser muito mais versátil do que um restaurante, certo?

Concordo com as duas afirmações, mas não me agrada e carga pejorativa que acarreta a palavra laboratório. Entendo o que querem perguntar, mas a minha forma de estar na cozinha, nesta fase, assenta muito mais em técnicas antigas como por exemplo cozeduras a baixa temperatura, por estar intimamente relacionado com questões de tradição do nosso povo, mas sobretudo por ser a cozinha que mais respeita o produto, apresentando sabores e texturas mais genuínos, altos níveis de digestibilidade, mais nutritivos, etc.
 

Desempenha funções de consultor de empresas como a Milaneza, Delta Cafés, Helana Restaurante, Aqui ao Lado Café e Zanussi. Em que consiste o trabalho de um consultor de marcas?

Consiste em dar uma resposta em termos gastronómicos às solicitações desses clientes. Foi assim que nasceu o meu projecto "GastroConsulting - uma paixão a partilhar…" Por exemplo com a Milaneza (consultor desde 2003) tenho efectuado degustações técnicas e optimização de produtos novos a lançar no mercado - pizzas, pastas frescas recheadas, molhos frescos, entre outros - receitas para as embalagens e para o site, produção fotográfica, vulgo cooking style. Estive envolvido na abertura de dois bares Milaneza no estádio do Dragão.

Com o Grupo Delta Cafés (desde 2006), tenho feito jantares temáticos de lançamento de vinhos da Adega Mayor, jantares num curso chamado Master Café Delta, um curso único na península ibérica.

Com a Zanussi Profissional do grupo Electrolux (desde 2003) dou apoio à marca em Portugal. Faço demonstrações de cozinha com os seus equipamentos e tenho envolvimento com os clientes que querem comprar os equipamentos de cozinha.
 

Qual é a avaliação que faz das escolas portuguesas de Hotelaria?

A mais positiva possível, até porque sou formado pela Escola de Hotelaria de Turismo de Lisboa! Acho que as escolas de hotelaria fizerem um pequeno grande feito, que foi mudar a imagem que a sociedade tinha dos cozinheiros - dizia-se que eram ignorantes, gordos e bêbados. Antigamente eram muito poucos os cozinheiros com formação técnica e também geral. Hoje em dia a grande maioria segue cozinha porque sente aptidões para tal. Formam-se cozinheiros com cultura geral, que falam línguas e que intimidam de certo modo muitos "doutores e engenheiros". São cozinheiros que cozinham com conhecimento das bases e com muito amor à profissão.
 

A Organização Mundial de Saúde refere a obesidade como um dos maiores problemas de saúde da actualidade. Como é que se ensinam as crianças e os jovens a comer bem?

Este é um grande problema e flagelo social.

Penso que deveria ser incluído no percurso académico de cada jovem algumas nuances de nutrição. Mas, muito antes disso, o maior trabalho deve ser dos pais em casa, apesar das condições e imposições da sociedade dos nossos dias. A questão é que também os pais comem mal. Erradicaram da sua alimentação os legumes, as fontes de fibras foram substituídas por outras de maior teor calórico e as quantidades de proteína aumentadas, tudo factores que vão contra à Dieta Mediterrânica. Assim, considero que em casa e nas escolas, os adultos devem adoptar e só disponibilizar uma alimentação com mais verduras e legumes, reduzir a quantidade de carne, preferir as leguminosas em detrimento das batatas, trocar os molhos e gorduras animais pelas gorduras vegetais.
 

O excesso de sal, de açúcar, o fácil acesso e o preço da fast food, contribuíram para a transformar numa preferência entre os jovens. É possível fazer refeições saudáveis por um custo baixo?

O fast food é uma preferência entre os jovens, mas acredito que será mais pelo fácil e rápido acesso do que pelo preço. É um pouco mais barato comprar os produtos em bruto e preparar do que comprar já feito. Quanto custa um frango e uma alface? E para quantas pessoas dá? A questão é que tem que se confeccionar, leva tempo e é preciso saber cozinhar minimamente.
 

Qual é a "receita" para se fazer um chef?

Há que ter uma boa formação inicial, seleccionar criteriosamente os profissionais com quem trabalhar, escolher unidades de qualidade reconhecida, fazer upgrades formativas constantes (nacional e internacionalmente), buscar exaustivamente o reforço e aquisição de conhecimentos.
 

As principais tendências da Alta-Cozinha actual passam pelo quê?

Tendências há muitas e cada grande chef cria as suas próprias, deixando marcas para um grupo de seguidores. Para mim é um grande conjunto… a cozinha é um mundo.

Tivemos a cozinha de fusão, aprecio muito o trabalho de Ferran Adrià - considerado o melhor cozinheiro do mundo e o rei das tendências - mas pessoalmente acho que cada vez mais irão voltar as técnicas de cozedura mais simples e lentas, sem esferificações, espumas e afins, apesar de também por vezes usar essas técnicas.

Em Portugal sinto, concordo e sigo uma tendência, a Requalificação do receituário nacional. Temos ingredientes e sabores fantásticos, mas desenquadrados dos dias de hoje. Deixei de dar exemplos nesta matéria para não ferir a susceptibilidade dos puritanos.
 

O melhor conselho para todos os que sem grande preparação ou talento se aventuram diariamente numa cozinha é...

Antes de mais calma! O que vão cozinhar é para comer.

Estou certo que tendo um produto de qualidade, o limite será sempre a imaginação, mas sempre com o máximo de respeito pelo produto. Esta é a chave de tudo, o respeitar da matéria-prima.

Com o tempo e cozinhando, ensinamentos irão surgir. Comecem por repastos mais simples e o Verão é uma boa altura para aventuras, em que o organismo nos pede comidas ligeiras.
 

Qual é a sua iguaria de Natal preferida e como se confecciona?

No natal perco-me por rabanadas. Pão de forma de véspera ou com 2/3 dias, leite ou chá, mel ou açúcar e claro está, canela! Simples e gosto tanto, acabadinhas de fazer, frias ou tépidas. Simplesmente rabanadas.
 

 

Mário Rui Ramos, chefe de Hotel Fonte Santa, nas Termas de Monfortinho. É um dos cozinheiros portugueses com mais currículo, tendo já representado a selecção portuguesa nas Olimpíadas de Culinária, na categoria Júnior, onde alcançou a medalha de prata. Desempenha ainda funções de consultor de empresas como a Milaneza, Delta Cafés, Helana Restaurante, Aqui ao Lado Café e Zanussi.


Visualização 800x600 - Internet Explorer / Firefox

©2002-2008 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt