HENRIQUE SÁ PESSOA
Cozinha portuguesa,
concerteza

Este mês lançámos um desafio a três dos
mais prestigiados cozinheiros portugueses da nova geração. José Avillez,
Henrique Sá Pessoa e Mário Rui Ramos falaram de culinária, respondendo
às perguntas de Eugénia Sousa, num jogo de respostas, enviadas por
email, onde a arte esteve sempre presente. É uma maneira diferente de
abordar o Natal e as novas tendências da cozinha internacional.
Cozinhar é uma arte ou uma ciência?
A sua cozinha é um laboratório ou um atelier?
Penso que engloba um pouco das duas. Chamar-lhe-ia até ciência com arte
ou arte com ciências. Em relação à cozinha, acho que a vejo mais como
uma oficina, onde tudo se transforma.
O seu nome aparece associado com
frequência ao conceito de Cozinha de Fusão. Como define fusão?
O nome já está um pouco desactualizado…penso que cozinha de autor
utilizando os produtos da época e do país onde trabalhamos. Penso que a
minha cozinha está cada vez mais portuguesa.
O programa de televisão Entre Pratos
tornou a alta cozinha acessível a um maior número de pessoas?
Penso que no programa não pratico alta cozinha, apenas faço a cozinha
dita complicada, parecer mais fácil e acessível a todos. Tento dar
ideias diferentes às pessoas, com preços acessíveis.
A Organização Mundial de Saúde
refere a obesidade como um dos maiores problemas de saúde da
actualidade. Como se ensinam as crianças e os jovens a comer bem?
Tem que começar pelos pais e pelos hábitos que estes incutem nas
crianças. Hoje temos muita fast food disponível… as pessoas têm pouca
paciência para cozinhar. E depois temos o factor económico… comer mal
sai mais barato que comer bem, infelizmente.
Como é a relação dos portugueses com
a gastronomia?
Muito forte Temos um grande gosto por estar à mesa, mas infelizmente
este amor não é tão grande pela chamada alta cozinha… ainda somos muito
fãs do prato cheio.
O futuro passa obrigatoriamente pela
cozinha molecular?
Nem pensar. Penso que nos trouxe e continuará a trazer um conhecimento
científico e técnico que não tínhamos, mas nunca será a base para o
futuro.
O que transforma uma refeição numa
experiência única e inesquecível?
O cuidado, amor e carinho que transmitimos ao longo do processo, a
escolha dos ingredientes, a convivência, o ambiente. Tudo contribui.
O melhor conselho para todos os que
sem grande preparação ou talento se aventuram diariamente numa cozinha
é...
Divirtam-se e não tenham medo de fazer asneira. Muitas vezes é nos
acidentes que se criam grandes pratos.
Qual é a sua iguaria de Natal
preferida e como se confecciona?
Sonhos. Adoro sonhos mas confesso que não sou um expert… sei que o
segredo está na massa.

Henrique Sá Pessoa nasceu em
Oeiras em 1976. Formou-se na Institute of Culinary Arts, nos Estados
Unidos. Ocupou a chefia de várias cozinhas conhecidas tais como Bairro
Alto Hotel, La Villa Estoril e O Xarope. Recebeu o Prémio Arte de
Cozinha da Academia Portuguesa de Gastronomia em 2007. No início de 2006
assinou o programa de culinária Entre Pratos, no canal 2 da RTP.
Publicou Legumes Sem Desculpas (2008) Chancela da Esfera dos Livros e
Entre Pratos (2007) Chancela da Editorial Presença. É proprietário do
Restaurante Henrique Sá Pessoa, no bairro Lisboeta de Santos.
JOSÉ AVILLEZ
Do laboratório ao
atelier

Diz-se "cozinhar é uma arte",
"cozinhar é uma ciência". A sua cozinha é um laboratório ou um atelier?
É uma oficina, um laboratório e um atelier. As muitas horas do dia e os
muitos dias da semana que se passa a trabalhar permite que a cozinha
adquira todos esses formatos
Estagiou no elBulli ao lado Ferran
Adrià, um dos chefs mais reconhecidos em todo o mundo. Qual foi a grande
lição que tirou dessa experiência?
A humildade de Ferran e a paixão com que faz tudo.
Qual é a avaliação que faz das
escolas portuguesas de Hotelaria?
Penso que estão cada vez melhores mas confesso que conheço pouco das
escolas Portuguesas
A Organização Mundial de Saúde
refere a obesidade como um dos maiores problemas de saúde da
actualidade. Como é que se ensinam as crianças e os jovens a comer bem?
Em casa e na escola. Oferecendo soluções de qualidade. A sensibilização
é também imprescindível
O jornalista e crítico gastronómico
espanhol, Arenós, lançou o conceito de cozinha tecno-emocional. Do que
se fala quando se fala de cozinha tecno-emocional?
Através do domínio e utilização das técnicas, um Chef de cozinha
consegue transmitir e provocar emoções a quem come os seus pratos.
O que transforma uma refeição numa
experiência única e inesquecível?
O ambiente, o serviço, o sorriso de quem nos recebe, a companhia, o
humor que estamos nesse dia e, principalmente uma boa cozinha.
As principais tendências da
Alta-Cozinha actual passam pelo quê?
Um pouco pelos mandamentos do Arenós... são realmente as tendências
O melhor conselho para todos os que
sem grande preparação ou talento se aventuram diariamente numa cozinha
é...
Façam-no com gosto. E tentem organizar bem o trabalhar para o facilitar.
Qual é a sua iguaria de Natal
preferida e como se confecciona?
Um bom bacalhau cozido em azeite. 
José Avillez nasceu em Cascais,
em 1979. Tem uma Licenciatura em Comunicação Empresarial e Marketing com
uma tese final dedicada à gastronomia portuguesa. Começa o seu percurso
culinário na fortaleza do Guincho, em Cascais.
Em 2004, encontra-se à frente do Restaurante 100 Maneiras que recebe o
prémio Restaurante Revelação do Ano. Estagiou no El Bulli, ao lado de um
dos mais famosos chefs de cozinha do mundo o catalão Ferra Adrià. É dono
de empresa que integra serviços de Take Away, Gourmet, Catering e Cursos
de Cozinha a Life Style Cooking.
Publicou livros e o seu rosto é visto com frequência na televisão
portuguesa.
Em 2008 assumiu o comando da cozinha do restaurante Tavares. 
MÁRIO RUI RAMOS
Cozinhar é uma arte

Diz-se "cozinhar é uma arte",
"cozinhar é uma ciência". A sua cozinha é um laboratório ou um atelier?
A minha cozinha é um espaço físico, devidamente equipado de forma a
responder às necessidades da maioria dos meus clientes. Como tenho
clientes que procuram uma refeição com ambiências mais de autor com um
toque artístico, posso dizer que é um atelier; contudo há clientes que
buscam iguarias regionais, internacionais, baixas calorias, caça,
vegetarianas, etc. e neste sentido poderei afirmar que, com certeza para
um mercado tão abrangente, é preciso bastante criatividade, tal como num
atelier.
A cozinha de um hotel tem que ser
muito mais versátil do que um restaurante, certo?
Concordo com as duas afirmações, mas não me agrada e carga pejorativa
que acarreta a palavra laboratório. Entendo o que querem perguntar, mas
a minha forma de estar na cozinha, nesta fase, assenta muito mais em
técnicas antigas como por exemplo cozeduras a baixa temperatura, por
estar intimamente relacionado com questões de tradição do nosso povo,
mas sobretudo por ser a cozinha que mais respeita o produto,
apresentando sabores e texturas mais genuínos, altos níveis de
digestibilidade, mais nutritivos, etc.
Desempenha funções de consultor de
empresas como a Milaneza, Delta Cafés, Helana Restaurante, Aqui ao Lado
Café e Zanussi. Em que consiste o trabalho de um consultor de marcas?
Consiste em dar uma resposta em termos gastronómicos às solicitações
desses clientes. Foi assim que nasceu o meu projecto "GastroConsulting -
uma paixão a partilhar…" Por exemplo com a Milaneza (consultor desde
2003) tenho efectuado degustações técnicas e optimização de produtos
novos a lançar no mercado - pizzas, pastas frescas recheadas, molhos
frescos, entre outros - receitas para as embalagens e para o site,
produção fotográfica, vulgo cooking style. Estive envolvido na abertura
de dois bares Milaneza no estádio do Dragão.
Com o Grupo Delta Cafés (desde 2006), tenho feito jantares temáticos de
lançamento de vinhos da Adega Mayor, jantares num curso chamado Master
Café Delta, um curso único na península ibérica.
Com a Zanussi Profissional do grupo Electrolux (desde 2003) dou apoio à
marca em Portugal. Faço demonstrações de cozinha com os seus
equipamentos e tenho envolvimento com os clientes que querem comprar os
equipamentos de cozinha.
Qual é a avaliação que faz das
escolas portuguesas de Hotelaria?
A mais positiva possível, até porque sou formado pela Escola de
Hotelaria de Turismo de Lisboa! Acho que as escolas de hotelaria fizerem
um pequeno grande feito, que foi mudar a imagem que a sociedade tinha
dos cozinheiros - dizia-se que eram ignorantes, gordos e bêbados.
Antigamente eram muito poucos os cozinheiros com formação técnica e
também geral. Hoje em dia a grande maioria segue cozinha porque sente
aptidões para tal. Formam-se cozinheiros com cultura geral, que falam
línguas e que intimidam de certo modo muitos "doutores e engenheiros".
São cozinheiros que cozinham com conhecimento das bases e com muito amor
à profissão.
A Organização Mundial de Saúde
refere a obesidade como um dos maiores problemas de saúde da
actualidade. Como é que se ensinam as crianças e os jovens a comer bem?
Este é um grande problema e flagelo social.
Penso que deveria ser incluído no percurso académico de cada jovem
algumas nuances de nutrição. Mas, muito antes disso, o maior trabalho
deve ser dos pais em casa, apesar das condições e imposições da
sociedade dos nossos dias. A questão é que também os pais comem mal.
Erradicaram da sua alimentação os legumes, as fontes de fibras foram
substituídas por outras de maior teor calórico e as quantidades de
proteína aumentadas, tudo factores que vão contra à Dieta Mediterrânica.
Assim, considero que em casa e nas escolas, os adultos devem adoptar e
só disponibilizar uma alimentação com mais verduras e legumes, reduzir a
quantidade de carne, preferir as leguminosas em detrimento das batatas,
trocar os molhos e gorduras animais pelas gorduras vegetais.
O excesso de sal, de açúcar, o fácil
acesso e o preço da fast food, contribuíram para a transformar numa
preferência entre os jovens. É possível fazer refeições saudáveis por um
custo baixo?
O fast food é uma preferência entre os jovens, mas acredito que será
mais pelo fácil e rápido acesso do que pelo preço. É um pouco mais
barato comprar os produtos em bruto e preparar do que comprar já feito.
Quanto custa um frango e uma alface? E para quantas pessoas dá? A
questão é que tem que se confeccionar, leva tempo e é preciso saber
cozinhar minimamente.
Qual é a "receita" para se fazer um
chef?
Há que ter uma boa formação inicial, seleccionar criteriosamente os
profissionais com quem trabalhar, escolher unidades de qualidade
reconhecida, fazer upgrades formativas constantes (nacional e
internacionalmente), buscar exaustivamente o reforço e aquisição de
conhecimentos.
As principais tendências da
Alta-Cozinha actual passam pelo quê?
Tendências há muitas e cada grande chef cria as suas próprias, deixando
marcas para um grupo de seguidores. Para mim é um grande conjunto… a
cozinha é um mundo.
Tivemos a cozinha de fusão, aprecio muito o trabalho de Ferran Adrià -
considerado o melhor cozinheiro do mundo e o rei das tendências - mas
pessoalmente acho que cada vez mais irão voltar as técnicas de cozedura
mais simples e lentas, sem esferificações, espumas e afins, apesar de
também por vezes usar essas técnicas.
Em Portugal sinto, concordo e sigo uma tendência, a Requalificação do
receituário nacional. Temos ingredientes e sabores fantásticos, mas
desenquadrados dos dias de hoje. Deixei de dar exemplos nesta matéria
para não ferir a susceptibilidade dos puritanos.
O melhor conselho para todos os que
sem grande preparação ou talento se aventuram diariamente numa cozinha
é...
Antes de mais calma! O que vão cozinhar é para comer.
Estou certo que tendo um produto de qualidade, o limite será sempre a
imaginação, mas sempre com o máximo de respeito pelo produto. Esta é a
chave de tudo, o respeitar da matéria-prima.
Com o tempo e cozinhando, ensinamentos irão surgir. Comecem por repastos
mais simples e o Verão é uma boa altura para aventuras, em que o
organismo nos pede comidas ligeiras.
Qual é a sua iguaria de Natal
preferida e como se confecciona?
No natal perco-me por rabanadas. Pão de forma de véspera ou com 2/3
dias, leite ou chá, mel ou açúcar e claro está, canela! Simples e gosto
tanto, acabadinhas de fazer, frias ou tépidas. Simplesmente rabanadas. 
Mário Rui Ramos, chefe de Hotel
Fonte Santa, nas Termas de Monfortinho. É um dos cozinheiros portugueses
com mais currículo, tendo já representado a selecção portuguesa nas
Olimpíadas de Culinária, na categoria Júnior, onde alcançou a medalha de
prata. Desempenha ainda funções de consultor de empresas como a Milaneza,
Delta Cafés, Helana Restaurante, Aqui ao Lado Café e Zanussi. 
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