Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº130    Dezembro 2008

Entrevista

LUÍS CAMPOS E CUNHA, PROFESSOR CATEDRÁTICO
DA FACULDADE DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

Regime das universidades perpetua mediocridade

O ex-ministro das Finanças defende que 20 ou 30 universidades seriam suficientes para um país com a dimensão de Portugal, em vez das mais de duas centenas de instituições, públicas e privadas, existentes. Campos e Cunha mostra-se indignado com a possibilidade de as reprovações terminarem, considera as escolas de educação «parte do problema» do sistema educativo e entende que o processo de avaliação dos docentes deve ser faseado. O professor catedrático da Nova confessa que trocava alguns dos mais avultados investimentos previstos por uma Justiça eficiente e uma boa universidade, critica a classe política por não dar respostas para a crise e por ser refúgio para «quem não sabe fazer mais nada».
 

A crise que tem sacudido o Mundo, especialmente a partir da crise do subprime, é a mais grave das últimas décadas?

Há uma tendência para considerarmos que a última crise é sempre a mais grave. A percepção e a intuição dependem, em muito, da proximidade dos acontecimentos. Quando estamos perto de um prédio ele parece-nos maior do que se for visto a mais distância. Mas quero recordar que na década de 70 houve uma crise petrolífera e cambial sem precedentes com o fim de Bretton-Woods. O dia-a-dia das pessoas foi muito afectado e quem viveu esse período, lembra-se bem.
 

A lição que se retira da crise, no plano da economia real de famílias e empresas, é que os portugueses vão descer à terra depois de terem vivido acima das suas possibilidades?

Os portugueses eram, há 15 ou 20 anos atrás, dos povos da Europa com maior taxa de aforro. Éramos mesmo considerados os «japoneses» do velho continente. Essa taxa desceu imenso, sem ser contrabalançada por um aumento da poupança do Estado. Em suma, a poupança nacional caiu muito, sem que o Estado tenha reduzido as suas necessidades de financiamento.
 

Vamos finalmente interiorizar que temos de mudar de vida, evitando situações de sobre endividamento?

De uma coisa tenho a certeza: os portugueses todos, incluindo o próprio Estado, vão ter de poupar mais. Nesse sentido, terão de ser introduzidas mudanças nalguns hábitos. Não consigo garantir que exista sobre endividamento. Há um endividamento mais elevado do que havia na década de 80, mas também estamos agora mais ricos do que nessa altura. Também só se endivida quem é rico. Os bancos não gostam nada de emprestar dinheiro a quem não pode pagar.
 

O regresso do Estado interventor à economia é temporário?

Esta crise tem dado azo a muitas interpretações erradas sobre o que é que falhou. Quase todas apontam a falha do mercado como causa da crise. Eu discordo e penso que a falha foi do Estado, que descurou a regulação. O Estado devia fazer um acto de contrição e perceber onde é que falhou. É preciso, contudo, analisar a crise, pois as circunstâncias são diferentes de país para país. Devo dizer que se os EUA tivessem uma supervisão semelhante à que vigora na Europa continental, provavelmente o que se passou lá não teria acontecido. A Europa está a sofrer, e muito, a crise dos EUA, mas por efeito dominó e não tanto por deficiente regulação no continente.
 

A regulação estatal pode significar diminuição do poder dos interesses privados?

Defendo uma regulação com mais abrangência e melhor regulação, o que não significa necessariamente mais. Gostaria de ver um Estado mais forte e, acima de tudo, independente dos interesses privados. Regulando os interesses privados, sem se imiscuir com eles. Isso não tem acontecido em muitos países e, no caso particular de Portugal, é gritante.
 

Se Portugal não estivesse integrado na moeda única, podíamos declarar bancarrota como a Islândia esteve à beira de fazer?

Provavelmente. No caso português estaríamos a braços com uma crise muito mais profunda do que a que estamos a atravessar. A Islândia tinha bancos muito internacionalizados, o que não é tanto o nosso caso, mas podíamos ter taxas de juro de 20 ou 30 por cento, a desvalorização do escudo teria sido 10 ou 15 por cento, uma inflação de dois dígitos, etc..
 

Pensa que no próximo ano podemos escapar à recessão?

A economia portuguesa tem demonstrado uma capacidade de resistência à crise maior do que podíamos estar à espera. Julgo que em parte isso se deve à melhoria das contas públicas em relação à três anos atrás. É difícil dizer se podemos escapar a uma recessão, mas provavelmente não. Se tivermos uma recessão mais moderada do que a Zona Euro já ficaria satisfeito.
 

A SEDES, associação cívica a que preside, e que é a mais antiga do País, alertou em Fevereiro para uma crise social de contornos difíceis de prever. O tal «mal-estar difuso» que mina a confiança de uma população cada vez mais amorfa. Que pode acontecer, sabendo-se que o desemprego está a aumentar?

A tomada de posição da SEDES sobre a situação económica e social apontava para a possibilidade de se registarem fenómenos de explosão social por inexistência de válvulas de escape democráticas.
 

Os partidos não dão resposta e alternativas à crise?

A classe política está cada vez mais isolada do resto do País e tarda em encontrar respostas para a crise. A crítica que faço é transversal a todos os partidos. Sem renovação de pessoas, as instituições democráticas serão incapazes de prevenir crises sociais de consequências graves. Há uma incapacidade manifesta dos partidos de canalizarem para dentro do sistema democrático o descontentamento social. Uma primeira amostra aconteceu com a greve dos camionistas, depois com o protesto contra o encerramento das ditas urgências e agora com a contestação dos professores.
 

Pode falar-se em falência partidária por faltarem respostas aos anseios da população, em geral, e de sectores-chave, em particular?

O ponto central é que os partidos e a classe política não se têm renovado. Isso é verdade em Portugal e em toda a Europa. Todas as democracias estão a atravessar uma crise profunda e difícil. A liberdade vai ter de ser defendida, parece-me.
 

No que é que isso se traduz no caso português?

A nível nacional, se olharmos para personalidades como Mário Soares e Sá Carneiro, temos dificuldades em pensar que Sócrates e Ferreira Leite têm a dimensão política dessas figuras. Em termos europeus, Miterrand e Khol não têm paralelo com Sarkozy ou em Merkel. São políticos de outra estatura. Apesar disso, os recentes sinais vindos dos Estados Unidos são positivos. Tanto Obama como McCain, eram líderes e não meros “representatives”. A massiva participação indica isso mesmo. Se essa nova classe política que emerge nos Estados Unidos se propagar para a Europa ficaria muito satisfeito. Se, em Portugal, surgisse um Obama ele seria eleito. O problema é que não se candidata nenhum.
 

Falta uma cultura de verdade nos partidos e nos políticos?

Falta, antes de mais, atrair os mais capazes das novas gerações para gerir a coisa pública. Muitas vezes, com poucas excepções, vai para a política quem não sabe fazer mais nada. Na génese está o descrédito da política que radica em vários factores: o sistema eleitoral, a remuneração dos políticos, o financiamento dos partidos, a «convivência» do Estado com os interesses privados, etc. É uma teia difícil de destruir e a própria classe política actual não tem demonstrado vontade de alterar o estado de coisas. E os partidos só se renovam fruto de pressão externa, a partir da sociedade civil, porque, por dentro, nada acontece.
 

A corrupção, a fraude e evasão fiscais são chagas que continuam a fustigar o equilíbrio social e a equidade tributária. Há quem diga que «quem rouba um tostão é um ladrão e quem rouba um milhão é um barão». Subscreve a ideia que passa que o crime compensa?

Admito que sim. Mas o funcionamento da Justiça não é bom em todos os países, há a percepção generalizada de que é mais fácil a um sujeito rico fugir às teias da lei por ter capacidade de arranjar melhores advogados, etc. Os «media» estão constantemente a «apontar o alvo» sobre pessoas, tecendo acusações e insinuações sobre a sua integridade ética, colocando os criminosos e os aldrabões no saco dos honestos e íntegros. Para quem vê de fora parece que são todos desonestos. Não admira que assistamos, quase a um ritmo diário, a julgamentos na praça pública e a inqualificáveis assassinatos de carácter, inclusive em jornais de referência.
 

Os recentes escândalos bancários no BCP e BPN são casos de política e de polícia. São necessárias detenções e condenações para tranquilizar a opinião pública?

Primeiro, é preciso apurar responsabilidades e actuar em conformidade, punindo eventuais crimes de acordo com a lei. O que não se pode é julgar e apreciar os factos com base em versões, muitas vezes, romanceadas e distorcidas dos acontecimentos.
 

A Justiça é benevolente para os crimes de «colarinho branco»?

Creio que existe mais ineficiência do sistema, do que benevolência dos juízes. As prescrições em tribunal, por exemplo, permitem que pessoas saiam impunes de crimes que efectivamente cometeram.
 

Reafirma que trocava o projecto do TGV por uma boa reforma da Justiça?

Trocava os TGV todos previstos por uma Justiça a funcionar, da mesma forma que trocava as restantes auto-estradas planeadas por uma boa universidade.
 

Educação e Justiça são os dois principais problemas do País?

Provavelmente, sim. Mas se o sistema político funcionasse melhor penso que esses dois problemas não seriam tão agudos. Nos tempos que correm, podemos somar também a Saúde ao naipe dos problemas graves que assolam o País. E os mais pobres são os que mais sofrem com o actual estado de coisas.
 

É conhecido o seu olhar crítico sobre os grandes investimentos públicos. Escreveu num artigo que a Irlanda cresceu sem investimento público, enquanto Portugal, que investiu demasiado, regrediu. Os políticos insistem nos grandes projectos por terem retorno eleitoral, independentemente de serem ou não rentáveis?

Existe a ideia de que os grandes projectos, por serem mais visíveis, são armas eleitorais muito importantes. Só que as pessoas tendem a esquecer o custo e o que vai sair do erário público, e logo dos impostos de todos nós, para custear esses investimentos. O TGV vai ter que ser altamente subsidiado e seremos todos a pagá-lo, com os nossos impostos, e, naturalmente, outras coisas deixarão de ser feitas hoje e no futuro. Daqui a uns anos, quando tivermos de pagar os défices de exploração do comboio de alta velocidade, deixaremos de poder fazer outros projectos que seriam prioritários em termos estruturais.
 

Notícias vindas a lume dizem que é uma forte possibilidade uma candidatura conjunta de Portugal e Espanha ao Mundial de futebol em 2018. Mesmo sabendo que a maioria dos estádios está construída, fica apreensivo?

Não me quero pronunciar sobre coisas que desconheço. Provavelmente, e a confirmar-se, até pode ser uma boa utilização das infraestruturas que já existem. Pode ser, no fundo, arranjar negócio. Se for assim, é de louvar. Se for apenas uma desculpa para termos mais estádios de futebol eu ficaria muito preocupado.
 

A contestação à política educativa está na rua. Entende a reacção da corporação dos professores como natural face a uma reforma profunda ou vê legitimidade nos protestos?

O que está em causa, neste momento, é a avaliação dos professores. Trata-se, em si, de um bom objectivo, mas tem sido levado à prática de forma muito pesada, burocrática, desviando os docentes da sua actividade fundamental. O ideal seria escolher dois ou três indicadores mais simples, fáceis de identificar e medir, que retiraria muito dos temores que existem sobre este processo. Por exemplo, no primeiro ano, avaliar apenas as faltas dos professores. Se o docente nunca faltasse durante um período inteiro, seria premiado. A meu ver seria um modo objectivo de responsabilizar os professores. Logo, penso que seria aconselhável introduzir um sistema de avaliação de forma faseada e com escolas piloto.
 

Pensa que isso iria pacificar o sector?

Repare que hoje a maior parte das universidades já faz essa avaliação. O que acontece é que a novidade cria sempre alguma incerteza e há sempre alguma reacção conservadora. A Faculdade de Economia da Universidade Nova introduziu nos anos 70 o sistema de avaliação dos professores pelos alunos (bem sei que isso não pode ser feito no secundário), o que naquela altura foi considerado algo impensável. Houve protestos noutras faculdades contra uma avaliação desta natureza, tendo sido apelidada, à época, de contra-natura. Hoje é comum.
 

Referiu em artigos publicados que a educação pré-universitária é a que revela mais carências. Qual é o motivo?

É mais grave porque é uma área em que existem recursos. Se os resultados não surgem, é porque o sistema está mal gerido. A avaliação dos professores é uma peça para a resolução do problema, que é bem mais vasto, a começar pela forma como é visto o papel da escola na comunidade. Ainda hoje estava a ler uma entrevista de um especialista que se dedica ao ensino da matemática no secundário que diz que esta disciplina não tem que ser divertida, mas sim compreendida. A matemática aprende-se com papel e lápis e um bom livro escolar ao lado.
 

O sociólogo António Barreto escreveu sobre os exames de matemática que «se dantes era necessário estudar as causas dos maus resultados, agora deve estudar-se as causas do milagre». Concorda?

Os exames não são comparáveis de um ano para o outro por não serem bem feitos. Essa é uma das falhas graves e não é preciso inventar a roda: é preciso ter bons técnicos a apoiar quem elabora as provas de exame para que estas sejam comparáveis. E isso é possível, é só querer.
 

Este Governo preocupa-se em demasia com a estatística?

Por exemplo, fico espantado quando o Conselho Nacional de Educação vota por unanimidade que acabar com as reprovações até ao 9.º ano é um objectivo. Não consigo perceber como é que os pais, representados no Conselho Nacional, aceitam que os filhos frequentem uma escola onde não se chumba. Confesso que se no meu tempo não houvesse chumbos, quando eu tinha 14/15 anos, eu não teria estudado o que estudei. Medidas como esta vão tornar o ensino ainda mais laxista e menos rigoroso. Com estes sinais, as crianças vão pensar que a vida não é exigente, quando a educação é precisamente preparar para a vida. Entre momentos de aprendizagem e avaliação há momentos de trabalho, premiando quem merece e reprovando quem não sabe. As aulas são espaços de trabalho, não de lazer. Para isso, temos o recreio.
 

Em 46 anos tivemos 29 ministros da Educação. Apenas Maria de Lurdes Rodrigues, Marçal Grilo e Roberto Carneiro ficaram, depois do 25 Abril, mais de 4 anos no Ministério da “5 de Outubro”. A lógica é «cada cabeça sua sentença»?

Não dá estabilidade e demonstra o quão grave é o estado do sistema. O sistema educativo que está em vigor, há anos demais, é uma visão muito propalada pelas escolas de educação, que são parte do problema e não da solução. As escolas de educação têm transmitido ideias erradas: o laxismo, a ideia de que os alunos não podem reprovar, que a sala de aula é um espaço de lazer, que se aprende brincando... É um erro crasso. A escola é a imitação da vida e a vida também é trabalho, rigor e esforço. Há muito tempo que as escolas de educação dominam o Ministério da Educação, os comentadores dos assuntos de educação e, mais recentemente, estão a tomar conta dos professores, porque começam a ser maioritários os docentes que acedem ao ensino secundário oriundos das escolas de educação.
 

Portugal precisa de uma universidade de excelência?

Ao contrário do ensino secundário em que existem recursos, nas universidades eles não existem. Enquanto no ensino secundário, Portugal gasta mais do que a média da Europa, no ensino superior acontece o contrário. Numa perspectiva utilitarista, os países numa fase inicial de desenvolvimento devem concentrar recursos no ensino primário e secundário. Numa segunda fase devem passar para a formação profissional, a universidade e para a investigação. Nós já devíamos estar no segundo passo e ainda não resolvemos a primeira etapa. É crucial que pudéssemos ter universidades de prestígio europeu. Pelo menos uma ou duas. Torna-se difícil é atingir esse objectivo com mais de duas centenas de instituições de ensino superior (público e privado) num País com 10 milhões de habitantes. Países da nossa dimensão só têm 20 ou 30 instituições.
 

É possível sonhar com uma instituição ao nível de Oxford ou Cambridge?

Não há qualquer hipótese de termos uma universidade de excelência com o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), aprovado há cerca de 1 ano. Estou em crer que o ensino universitário vai ficar igual ou pior do que era no passado, acentuando alguns aspectos negativos que não compensam os aspectos positivos. O regime anterior durou 20 anos, logo se este durar o mesmo período, significa que a universidade que precisamos ficará adiada demasiado tempo. Vamos continuar no mesmo “equilíbrio de pobreza” em que temos vivido. Este regime jurídico não alterará suficientemente a forma de governação e vai levar a perpetuar a mediocridade das instituições que temos, inferiorizando-nos em comparação com congéneres europeus.
 

Acentuar-se-á a fuga de «cérebros» para o estrangeiro?

Actualmente para muitos alunos da minha Faculdade o mercado deles é a Europa e não só Portugal. Não me importo nada com esta perspectiva, penso até interessante saber que existem portugueses em cargos de chefia fora do Pais. É bom para Portugal. Fico um pouco preocupado é quando os meus alunos já tomam decisões por antecipação, assumindo que a vida deles vai passar necessariamente por emigrar e não regressar ao seu País. Obviamente, são os melhores que assim pensam e não deixa de ser grave para o nosso futuro.
 

Não servirá de consolo, mas temos algumas boas universidades, bem reputadas internacionalmente, como é o caso da Católica e desta onde estamos a fazer a entrevista, a Faculdade de Economia da Universidade Nova...

Esta é a melhor Escola de Economia e Gestão de Portugal, por todas as avaliações nacionais e internacionais que tem tido, mas continua muito longe do ranking das 20 melhores europeias. Dou-lhe este dado: pese embora sermos a melhor escola neste segmento, não recebemos um tostão do Estado para investimento nos últimos 10 anos. Não se percebe como é que havendo tanto investimento no ensino superior, a melhor escola de Economia e Gestão não é contemplada. A culpa é da tutela mas também das autoridades dentro da universidade...
 

A autonomia e o financiamento são os dois maiores problemas das universidades?

O sistema de financiamento certamente que está errado. Quanto à autonomia, temos nalguns aspectos em demasia e, noutros aspectos, temos menos do que devíamos ter. Faltam, nomeadamente, instrumentos de gestão para governar as faculdades. Não me importava que uma instituição com a autonomia de gestão de uma empresa pública, mantivesse a autonomia científica, que é um aspecto muito específico da actividade universitária e que, obviamente, tem que estar presente.
 

Defende a presença de gestores profissionais nas universidades?

Uma universidade é também uma máquina que tem de ser gerida. Vejo com dificuldade um professor de Grego ou de Latim a gerir um orçamento de uma instituição desta natureza. Por isso, acho que os gestores profissionais são importantes até para que os directores das faculdades se dediquem à gestão das faculdades nos seus domínios estritamente académicos e científicos.
 

Cerca de 11 por cento do total dos desempregados são licenciados. Significa isto que os cursos continuam distantes das necessidades das empresas?

Conheço muitas escolas que dão graus académicos de Economia e Gestão e que têm problemas de emprego. Ao contrário, aqui, na Nova, ao fim de seis meses está tudo empregado.
 

É revelador do prestígio da instituição e da preparação ministrada...

Certamente. Há dois aspectos a reter: é impossível prever as necessidades do mercado dentro de uma década e depois não podemos obrigar os estudantes a tirarem licenciaturas que não desejem. Penso, contudo, que se autorizaram cursos demasiado específicos, o que levou a que a utilidade desses cursos fosse muito reduzida. Da mesma forma que nunca se deu aos alunos, no momento da escolha dos cursos, a informação sobre a empregabilidade. Finalmente, as avaliações das faculdades deviam ser publicitadas e dadas a conhecer para que todos tivessem a plena consciência da escolha que estão a fazer.

Nuno Dias da Silva

 

 

 

Cara da notícia

Luís Campos e Cunha, nasceu em 1954. É professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Licenciado em Economia pela Universidade Católica Portuguesa (1977), fez o doutoramento em Economia Internacional e Macroeconomia na Universidade de Columbia em Nova Iorque, corria o ano de 1985.

A carreira académica foi intercalada, entre 1996 e 2002, pelo exercício do cargo de vice-governador do Banco de Portugal. Foi eleito para a administração da Association to Advance Collegiate Schools of Business, uma organização constituída por instituições do ensino superior com 950 membros, em 71 países.

Mas não chegou a exercer o cargo por ter aceite o convite do Primeiro-Ministro José Sócrates para desempenhar funções no Governo como Ministro de Estado e das Finanças, na condição de independente. Alegando motivos pessoais permaneceu no executivo apenas quatro meses e meio. Regressou às instalações da Nova, em Campolide, provavelmente a melhor universidade de Economia e Gestão de Portugal.

Na actualidade, desdobra-se entre as aulas e as múltiplas solicitações de intervenção cívica com entrevistas, participando em conferências, apresentando livros, etc. Está ligado ao Banif, é membro da administração da Fundação de Serralves e é Presidente da SEDES. É ainda colunista do jornal «Público» onde assina um artigo quinzenal às sextas-feiras.

 

 

 

ISABEL JONET, PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA
DE BANCOS ALIMENTARES CONTRA A FOME

Pobreza combate-se
com valores de solidariedade

É um dos rostos da ajuda ao próximo em Portugal. Inspirando-se na sua música favorita, «Wonderful World» de Louis Armstrong, abraçou a luta contra a pobreza como a missão de uma vida. Em entrevista concedida por e-mail ao Ensino, Isabel Jonet defende os valores da inclusão social e relata os frequentes e desesperados pedidos de ajuda que lhe chegam. Mãe de cinco filhos, sabe bem avaliar o estado da educação, afirmando que sem regras não há resultados.
 

Desempenha funções de voluntariado desde os 12 anos. O trabalho que exerce como responsável do Banco Alimentar Contra a Fome, ajudando a minorar situações de pobreza gritante, realiza-a profissional e pessoalmente?

Se assim não fosse não poderia fazer o que faço: o trabalho voluntário só tem sentido visto com sentido de missão e com muito amor ao próximo. O trabalho voluntário caracteriza-se por um conjunto de valores, o primeiro dos quais, e que o distingue dos outros, é a gratuidade. Acrescem a solidariedade, a participação, a responsabilidade. O senso comum muitas vezes associa-lhe ainda valores como “serviço”, “disponibilidade”, “dedicação”.

Ser voluntário não é só ajudar uma pessoa menos favorecida: é muito mais do que isso. É estar envolvido como participante em acções concretas; é um modo de estar na vida, no qual a participação activa e responsável nas diversas estruturas da sociedade é um imperativo de cidadania; é exercício de civismo e de co-responsabilidade pelo bem comum.
 

Os bancos alimentares asseguram ajuda alimentar a mais de 200 mil pessoas. No actual contexto de crise, em que as solicitações dispararam, têm tido apoios políticos ou limitam-se a distribuir o que recolhem nas vossas campanhas, contando com o apoio de voluntários?

A luta contra o desperdício é um elemento motor na acção dos Bancos Alimentares Contra a Fome. O Banco Alimentar luta contra a destruição de alimentos recolhendo produtos em perfeito estado de consumo para os distribuir através de instituições a pessoas que têm fome de pão e de afecto, para que possam reencontrar a dignidade, muitas vezes perdida, a auto-estima que as impede de sair do ciclo de pobreza em que muitas vezes nasceram.

Temos uma missão clara, definida na nossa Carta de Princípios, que colocamos ao serviço de quem mais precisa. Esta missão só pode ser levada a cabo com o apoio de numerosos empresários e empresas que, preocupados com o bem comum, com a justiça social, incorporam a responsabilidade social nas suas decisões de gestão.

Os trezes Bancos em actividade distribuíram no ano passado mais de 19 500 toneladas de alimentos, 80% dos quais – os que não são doados nas campanhas – teriam como destino provável a destruição. Este número impressionante é resultado da grande cadeia voluntária e solidariedade que conseguimos, ao longo de 15 anos, estruturar.
 

Um projecto desta natureza tem mais dificuldade em singrar inserido em sociedades modernas como são as nossas, apáticas e pouco mobilizadas, onde impera o egoísmo e a falta de solidariedade?

A nível alimentar registam-se importantes perdas de produtos nos sectores da produção, da transformação, da distribuição, do consumo pessoal e colectivo sem qualquer perturbação das consciências, embora se trate de bens indispensáveis à vida de cada homem e uma parte da Humanidade se encontrar deles privada. A alimentação não é comparável a mais nenhum bem: está intimamente ligada à existência do ser humano, faz parte integrante dele, traz-lhe todos os dias os elementos de vida e, por isso mesmo, adquire um valor que nenhum outro bem de consumo pode ter. Merece o respeito e reveste até um aspecto “sagrado” em muitas civilizações. Ao desperdiçamos um bem alimentar em bom estado, fazendo ele falta a um ser humano, cometemos uma injustiça.

É portanto, preciso incutir em cada cidadão o valor e o respeito pelos bens alimentares, a forma de lhes dar a utilização mais correcta tanto por si próprio, como pelas pessoas que deles se encontram privadas. Só dessa forma será possível desenvolver o espírito de partilha. Acredito que uma das razões da manutenção da pobreza é esta incrível perda de valores que impera as sociedades actuais. A sociedade deixou de ter como principal ambição permitir que cada cidadão desenvolva todas as suas capacidades e talentos, todas as suas riquezas interiores para as acrescentar ao capital colectivo com vista ao bem comum. O individualismo engendra a ausência total do reconhecimento do valor dos mais fracos. As medidas sociais não terão qualquer resultado em matéria de erradicação da pobreza enquanto o Homem não for o valor de referência do progresso económico. É este espírito de não respeito dos valores do Homem e dos bens que estão ao seu serviço que cria e faz perdurar a pobreza.
 

É preciso elevar a questão da pobreza a uma causa nacional para consciencializar as pessoas?

Penso que actualmente é reconhecido que existe pobreza, e que o Estado não pode solucionar tudo. Existe um efeito multiplicador sempre que a acção da sociedade civil, reunida se organiza de uma forma estruturada e coordenada, gerando resultados muito superiores aqueles que seriam obtidos se cada um dos agentes da solidariedade resolvesse agir isoladamente. O importante é o comprometimento e a assumpção de que cada um de nós pode fazer a diferença com a sua forma de estar na vida e com as suas opções.
 

O perfil tradicional dos pobres no nosso País sofreu grandes alterações nos últimos tempos. Consegue traçar-nos o perfil dos «novos pobres»?

Continuam a existir as categorias de pobreza tradicionalmente conhecidas: crianças, idosos e desempregados. Juntou-se, à cerca de 2/3 anos e com especial acuidade nos tempos mais recentes, um novo grupo de pessoas em idade activa e com um emprego que embora auferindo um salário não conseguem gerar os rendimentos de que necessitam para satisfazer todas as necessidades do seu agregado familiar, muitas vezes sobretudo porque se encontram sobre endividados.
 

É público que os apelos de pessoas oriundas da classe média aos vossos serviços têm aumentado fortemente. Pode revelar-nos algum caso que a tenha tocado especialmente?

São tantos os casos que ultimamente tenho encaminhado e todos tão prementes: desde professores universitários que se viram a braços com a falta de alunos a mães sozinhas desesperadas, sem dinheiro e sem alternativas para deixar os filhos….
 

Pensa que podemos ter nas mãos uma «bomba relógio», que antecipa convulsões sociais de dimensões imprevisíveis?

Penso que se foram tomadas medidas de inclusão social – em vez de combate à exclusão – e se voltarem a ser incutidos valores estamos ainda a tempo de inverter uma situação social gravíssima.
 

Taxas de endividamentos altas, multiplicação dos créditos e baixa taxa de poupança são problemas que se acentuam. Pensa que é possível inverter este cenário com campanhas de sensibilização assentes na educação para os valores, nomeadamente nas escolas?

Em meu entender é esse precisamente o caminho, razão pela qual iniciamos o projecto Educar para a Cidadania (www.educarparaacidadania.pt). O objectivo é, através do caso prático do Banco Alimentar mostrar que é fundamental viver com referência a valores universais e inculcar a semente da cidadania naqueles que serão a geração futura.

O desenvolvimento deste projecto passa pela organização e promoção de iniciativas em infantários, escolas do ensino primário, do ensino secundário e em universidades, destinadas a reforçar a componente cidadania. É proposto um plano de sessões com actividades que, de forma lúdica e divertida, pretendem despertar os alunos para a importância dos valores universais na vida de cada um e de todos. Cada sessão pretende, de modo original e criativo, transmitir aos alunos e aos professores elementos básicos de convivência, promotoras de relações construtivas – intra e interpessoais. Pretende-se, pois, incentivar a procura de máximas, capazes de assegurar o crescimento e realização pessoal e, consequentemente, o bem-estar colectivo. Através de dinâmicas apelativas, os participantes são levados a repensar atitudes e preconceitos, a reflectir sobre si próprios e sobre a sua relação com os outros.

A própria Unesco no seu programa “Living Values” propõe este tipo de formação como factor de mudança para os cidadãos, para a sociedade e para o mundo.
 

O cardeal Renato Martino afirmou recentemente que «o terrorismo nasce onde há pobreza». Subscreve?

A pobreza gera exclusão e falta de auto-estima que podem conduzir a situações limite.
 

Sei que «Wonderful World» de Louis Armstrong é a sua música de eleição. Apesar de tudo, nomeadamente das situações de carestia e crueldade social que enfrenta, acredita que o mundo em que vivemos pode ser maravilhoso?

Eu acredito nos Homens e sobretudo na sua capacidade de em conjunto com outros fazer coisas fantásticas. Muitas vezes vemos apenas as coisas más e esquecemos os milhares de pequenas maravilhas que nos rodeiam, vivemos angustiados, stressados e fechados sobre nós mesmos.
 

Como mãe de cinco filhos que principais reparos tem a fazer ao sistema educativo?

A quase total ausência de valores que impera nas escolas e a falta de uma linha condutora em toda a escolaridade. As crianças precisam de referências para poderem crescer harmoniosamente. Se em cada ano mudam as directrizes, as prioridades, as crianças perdem-se.
 

Segundo dados da OCDE, Portugal ocupa o 22.º posto em gastos por aluno. Tendo em conta os resultados que temos tido na educação, pensa que é o investimento que tem sido escasso ou, por outro lado, tem sido mal aplicado?

Acho que já expliquei a minha posição na pergunta anterior: sem regras não há resultados.
 

Os livros escolares subiram 6 por cento este ano. Estima-se que os portugueses tenham gasto este ano 80 milhões em manuais escolares. Perspectiva, neste domínio, alguma solução para aliviar a pressão financeira das famílias com filhos?

Apoiamos este ano uma campanha de recuperação de livros escolares para reutilização, com a figura do LIVRÃO, levada a cabo pelo Clube dos Livros. É uma vez mais fundamental incutir nos alunos o respeito pelos livros, fonte de conhecimento e fruto de trabalho, para que possam ser usados por outros.
 

Quatro em cinco candidatos ao ensino superior concretizaram o seu sonho. Pensa que isto é um sintoma natural da democratização do ensino ou crê que esta estatística deve ser lida com preocupação, visto que pode representar, num cenário de crise do mercado laboral, formar alunos para o desemprego?

Gostaria que fosse um bom sinal se a economia pudesse gerar empregos para todos. Acredito que uma economia pujante, geradora de emprego, com empresas e empresários preocupados com a justiça social é o motor para o combate à pobreza. O desemprego é um flagelo que ganha dimensão em tempo de abrandamento económico. Teremos saídas profissionais compatíveis com o investimento pessoal e público feito para formar todos estes alunos?

Nuno Dias da Silva (Texto)
António Pedro Ferreira/Expresso
(Foto)

 


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