LUÍS CAMPOS E CUNHA,
PROFESSOR CATEDRÁTICO
DA FACULDADE DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
Regime das
universidades perpetua mediocridade

O ex-ministro das Finanças defende que 20
ou 30 universidades seriam suficientes para um país com a dimensão de
Portugal, em vez das mais de duas centenas de instituições, públicas e
privadas, existentes. Campos e Cunha mostra-se indignado com a
possibilidade de as reprovações terminarem, considera as escolas de
educação «parte do problema» do sistema educativo e entende que o
processo de avaliação dos docentes deve ser faseado. O professor
catedrático da Nova confessa que trocava alguns dos mais avultados
investimentos previstos por uma Justiça eficiente e uma boa
universidade, critica a classe política por não dar respostas para a
crise e por ser refúgio para «quem não sabe fazer mais nada».
A crise que tem sacudido o Mundo,
especialmente a partir da crise do subprime, é a mais grave das últimas
décadas?
Há uma tendência para considerarmos que a última crise é sempre a mais
grave. A percepção e a intuição dependem, em muito, da proximidade dos
acontecimentos. Quando estamos perto de um prédio ele parece-nos maior
do que se for visto a mais distância. Mas quero recordar que na década
de 70 houve uma crise petrolífera e cambial sem precedentes com o fim de
Bretton-Woods. O dia-a-dia das pessoas foi muito afectado e quem viveu
esse período, lembra-se bem.
A lição que se retira da crise, no
plano da economia real de famílias e empresas, é que os portugueses vão
descer à terra depois de terem vivido acima das suas possibilidades?
Os portugueses eram, há 15 ou 20 anos atrás, dos povos da Europa com
maior taxa de aforro. Éramos mesmo considerados os «japoneses» do velho
continente. Essa taxa desceu imenso, sem ser contrabalançada por um
aumento da poupança do Estado. Em suma, a poupança nacional caiu muito,
sem que o Estado tenha reduzido as suas necessidades de financiamento.
Vamos finalmente interiorizar que
temos de mudar de vida, evitando situações de sobre endividamento?
De uma coisa tenho a certeza: os portugueses todos, incluindo o próprio
Estado, vão ter de poupar mais. Nesse sentido, terão de ser introduzidas
mudanças nalguns hábitos. Não consigo garantir que exista sobre
endividamento. Há um endividamento mais elevado do que havia na década
de 80, mas também estamos agora mais ricos do que nessa altura. Também
só se endivida quem é rico. Os bancos não gostam nada de emprestar
dinheiro a quem não pode pagar.
O regresso do Estado interventor à
economia é temporário?
Esta crise tem dado azo a muitas interpretações erradas sobre o que é
que falhou. Quase todas apontam a falha do mercado como causa da crise.
Eu discordo e penso que a falha foi do Estado, que descurou a regulação.
O Estado devia fazer um acto de contrição e perceber onde é que falhou.
É preciso, contudo, analisar a crise, pois as circunstâncias são
diferentes de país para país. Devo dizer que se os EUA tivessem uma
supervisão semelhante à que vigora na Europa continental, provavelmente
o que se passou lá não teria acontecido. A Europa está a sofrer, e
muito, a crise dos EUA, mas por efeito dominó e não tanto por deficiente
regulação no continente.
A regulação estatal pode significar
diminuição do poder dos interesses privados?
Defendo uma regulação com mais abrangência e melhor regulação, o que não
significa necessariamente mais. Gostaria de ver um Estado mais forte e,
acima de tudo, independente dos interesses privados. Regulando os
interesses privados, sem se imiscuir com eles. Isso não tem acontecido
em muitos países e, no caso particular de Portugal, é gritante.
Se Portugal não estivesse integrado
na moeda única, podíamos declarar bancarrota como a Islândia esteve à
beira de fazer?
Provavelmente. No caso português estaríamos a braços com uma crise muito
mais profunda do que a que estamos a atravessar. A Islândia tinha bancos
muito internacionalizados, o que não é tanto o nosso caso, mas podíamos
ter taxas de juro de 20 ou 30 por cento, a desvalorização do escudo
teria sido 10 ou 15 por cento, uma inflação de dois dígitos, etc..
Pensa que no próximo ano podemos
escapar à recessão?
A economia portuguesa tem demonstrado uma capacidade de resistência à
crise maior do que podíamos estar à espera. Julgo que em parte isso se
deve à melhoria das contas públicas em relação à três anos atrás. É
difícil dizer se podemos escapar a uma recessão, mas provavelmente não.
Se tivermos uma recessão mais moderada do que a Zona Euro já ficaria
satisfeito.
A SEDES, associação cívica a que
preside, e que é a mais antiga do País, alertou em Fevereiro para uma
crise social de contornos difíceis de prever. O tal «mal-estar difuso»
que mina a confiança de uma população cada vez mais amorfa. Que pode
acontecer, sabendo-se que o desemprego está a aumentar?
A tomada de posição da SEDES sobre a situação económica e social
apontava para a possibilidade de se registarem fenómenos de explosão
social por inexistência de válvulas de escape democráticas.
Os partidos não dão resposta e
alternativas à crise?
A classe política está cada vez mais isolada do resto do País e tarda em
encontrar respostas para a crise. A crítica que faço é transversal a
todos os partidos. Sem renovação de pessoas, as instituições
democráticas serão incapazes de prevenir crises sociais de consequências
graves. Há uma incapacidade manifesta dos partidos de canalizarem para
dentro do sistema democrático o descontentamento social. Uma primeira
amostra aconteceu com a greve dos camionistas, depois com o protesto
contra o encerramento das ditas urgências e agora com a contestação dos
professores.
Pode falar-se em falência partidária
por faltarem respostas aos anseios da população, em geral, e de
sectores-chave, em particular?
O ponto central é que os partidos e a classe política não se têm
renovado. Isso é verdade em Portugal e em toda a Europa. Todas as
democracias estão a atravessar uma crise profunda e difícil. A liberdade
vai ter de ser defendida, parece-me.
No que é que isso se traduz no caso
português?
A nível nacional, se olharmos para personalidades como Mário Soares e Sá
Carneiro, temos dificuldades em pensar que Sócrates e Ferreira Leite têm
a dimensão política dessas figuras. Em termos europeus, Miterrand e Khol
não têm paralelo com Sarkozy ou em Merkel. São políticos de outra
estatura. Apesar disso, os recentes sinais vindos dos Estados Unidos são
positivos. Tanto Obama como McCain, eram líderes e não meros “representatives”.
A massiva participação indica isso mesmo. Se essa nova classe política
que emerge nos Estados Unidos se propagar para a Europa ficaria muito
satisfeito. Se, em Portugal, surgisse um Obama ele seria eleito. O
problema é que não se candidata nenhum.
Falta uma cultura de verdade nos
partidos e nos políticos?
Falta, antes de mais, atrair os mais capazes das novas gerações para
gerir a coisa pública. Muitas vezes, com poucas excepções, vai para a
política quem não sabe fazer mais nada. Na génese está o descrédito da
política que radica em vários factores: o sistema eleitoral, a
remuneração dos políticos, o financiamento dos partidos, a «convivência»
do Estado com os interesses privados, etc. É uma teia difícil de
destruir e a própria classe política actual não tem demonstrado vontade
de alterar o estado de coisas. E os partidos só se renovam fruto de
pressão externa, a partir da sociedade civil, porque, por dentro, nada
acontece.
A corrupção, a fraude e evasão
fiscais são chagas que continuam a fustigar o equilíbrio social e a
equidade tributária. Há quem diga que «quem rouba um tostão é um ladrão
e quem rouba um milhão é um barão». Subscreve a ideia que passa que o
crime compensa?
Admito que sim. Mas o funcionamento da Justiça não é bom em todos os
países, há a percepção generalizada de que é mais fácil a um sujeito
rico fugir às teias da lei por ter capacidade de arranjar melhores
advogados, etc. Os «media» estão constantemente a «apontar o alvo» sobre
pessoas, tecendo acusações e insinuações sobre a sua integridade ética,
colocando os criminosos e os aldrabões no saco dos honestos e íntegros.
Para quem vê de fora parece que são todos desonestos. Não admira que
assistamos, quase a um ritmo diário, a julgamentos na praça pública e a
inqualificáveis assassinatos de carácter, inclusive em jornais de
referência.
Os recentes escândalos bancários no
BCP e BPN são casos de política e de polícia. São necessárias detenções
e condenações para tranquilizar a opinião pública?
Primeiro, é preciso apurar responsabilidades e actuar em conformidade,
punindo eventuais crimes de acordo com a lei. O que não se pode é julgar
e apreciar os factos com base em versões, muitas vezes, romanceadas e
distorcidas dos acontecimentos.
A Justiça é benevolente para os
crimes de «colarinho branco»?
Creio que existe mais ineficiência do sistema, do que benevolência dos
juízes. As prescrições em tribunal, por exemplo, permitem que pessoas
saiam impunes de crimes que efectivamente cometeram.
Reafirma que trocava o projecto do
TGV por uma boa reforma da Justiça?
Trocava os TGV todos previstos por uma Justiça a funcionar, da mesma
forma que trocava as restantes auto-estradas planeadas por uma boa
universidade.
Educação e Justiça são os dois
principais problemas do País?
Provavelmente, sim. Mas se o sistema político funcionasse melhor penso
que esses dois problemas não seriam tão agudos. Nos tempos que correm,
podemos somar também a Saúde ao naipe dos problemas graves que assolam o
País. E os mais pobres são os que mais sofrem com o actual estado de
coisas.
É conhecido o seu olhar crítico
sobre os grandes investimentos públicos. Escreveu num artigo que a
Irlanda cresceu sem investimento público, enquanto Portugal, que
investiu demasiado, regrediu. Os políticos insistem nos grandes
projectos por terem retorno eleitoral, independentemente de serem ou não
rentáveis?
Existe a ideia de que os grandes projectos, por serem mais visíveis, são
armas eleitorais muito importantes. Só que as pessoas tendem a esquecer
o custo e o que vai sair do erário público, e logo dos impostos de todos
nós, para custear esses investimentos. O TGV vai ter que ser altamente
subsidiado e seremos todos a pagá-lo, com os nossos impostos, e,
naturalmente, outras coisas deixarão de ser feitas hoje e no futuro.
Daqui a uns anos, quando tivermos de pagar os défices de exploração do
comboio de alta velocidade, deixaremos de poder fazer outros projectos
que seriam prioritários em termos estruturais.
Notícias vindas a lume dizem que é
uma forte possibilidade uma candidatura conjunta de Portugal e Espanha
ao Mundial de futebol em 2018. Mesmo sabendo que a maioria dos estádios
está construída, fica apreensivo?
Não me quero pronunciar sobre coisas que desconheço. Provavelmente, e a
confirmar-se, até pode ser uma boa utilização das infraestruturas que já
existem. Pode ser, no fundo, arranjar negócio. Se for assim, é de
louvar. Se for apenas uma desculpa para termos mais estádios de futebol
eu ficaria muito preocupado.
A contestação à política educativa
está na rua. Entende a reacção da corporação dos professores como
natural face a uma reforma profunda ou vê legitimidade nos protestos?
O que está em causa, neste momento, é a avaliação dos professores.
Trata-se, em si, de um bom objectivo, mas tem sido levado à prática de
forma muito pesada, burocrática, desviando os docentes da sua actividade
fundamental. O ideal seria escolher dois ou três indicadores mais
simples, fáceis de identificar e medir, que retiraria muito dos temores
que existem sobre este processo. Por exemplo, no primeiro ano, avaliar
apenas as faltas dos professores. Se o docente nunca faltasse durante um
período inteiro, seria premiado. A meu ver seria um modo objectivo de
responsabilizar os professores. Logo, penso que seria aconselhável
introduzir um sistema de avaliação de forma faseada e com escolas
piloto.
Pensa que isso iria pacificar o
sector?
Repare que hoje a maior parte das universidades já faz essa avaliação. O
que acontece é que a novidade cria sempre alguma incerteza e há sempre
alguma reacção conservadora. A Faculdade de Economia da Universidade
Nova introduziu nos anos 70 o sistema de avaliação dos professores pelos
alunos (bem sei que isso não pode ser feito no secundário), o que
naquela altura foi considerado algo impensável. Houve protestos noutras
faculdades contra uma avaliação desta natureza, tendo sido apelidada, à
época, de contra-natura. Hoje é comum.
Referiu em artigos publicados que a
educação pré-universitária é a que revela mais carências. Qual é o
motivo?
É mais grave porque é uma área em que existem recursos. Se os resultados
não surgem, é porque o sistema está mal gerido. A avaliação dos
professores é uma peça para a resolução do problema, que é bem mais
vasto, a começar pela forma como é visto o papel da escola na
comunidade. Ainda hoje estava a ler uma entrevista de um especialista
que se dedica ao ensino da matemática no secundário que diz que esta
disciplina não tem que ser divertida, mas sim compreendida. A matemática
aprende-se com papel e lápis e um bom livro escolar ao lado.
O sociólogo António Barreto escreveu
sobre os exames de matemática que «se dantes era necessário estudar as
causas dos maus resultados, agora deve estudar-se as causas do milagre».
Concorda?
Os exames não são comparáveis de um ano para o outro por não serem bem
feitos. Essa é uma das falhas graves e não é preciso inventar a roda: é
preciso ter bons técnicos a apoiar quem elabora as provas de exame para
que estas sejam comparáveis. E isso é possível, é só querer.
Este Governo preocupa-se em demasia
com a estatística?
Por exemplo, fico espantado quando o Conselho Nacional de Educação vota
por unanimidade que acabar com as reprovações até ao 9.º ano é um
objectivo. Não consigo perceber como é que os pais, representados no
Conselho Nacional, aceitam que os filhos frequentem uma escola onde não
se chumba. Confesso que se no meu tempo não houvesse chumbos, quando eu
tinha 14/15 anos, eu não teria estudado o que estudei. Medidas como esta
vão tornar o ensino ainda mais laxista e menos rigoroso. Com estes
sinais, as crianças vão pensar que a vida não é exigente, quando a
educação é precisamente preparar para a vida. Entre momentos de
aprendizagem e avaliação há momentos de trabalho, premiando quem merece
e reprovando quem não sabe. As aulas são espaços de trabalho, não de
lazer. Para isso, temos o recreio.
Em 46 anos tivemos 29 ministros da
Educação. Apenas Maria de Lurdes Rodrigues, Marçal Grilo e Roberto
Carneiro ficaram, depois do 25 Abril, mais de 4 anos no Ministério da “5
de Outubro”. A lógica é «cada cabeça sua sentença»?
Não dá estabilidade e demonstra o quão grave é o estado do sistema. O
sistema educativo que está em vigor, há anos demais, é uma visão muito
propalada pelas escolas de educação, que são parte do problema e não da
solução. As escolas de educação têm transmitido ideias erradas: o
laxismo, a ideia de que os alunos não podem reprovar, que a sala de aula
é um espaço de lazer, que se aprende brincando... É um erro crasso. A
escola é a imitação da vida e a vida também é trabalho, rigor e esforço.
Há muito tempo que as escolas de educação dominam o Ministério da
Educação, os comentadores dos assuntos de educação e, mais recentemente,
estão a tomar conta dos professores, porque começam a ser maioritários
os docentes que acedem ao ensino secundário oriundos das escolas de
educação.
Portugal precisa de uma universidade
de excelência?
Ao contrário do ensino secundário em que existem recursos, nas
universidades eles não existem. Enquanto no ensino secundário, Portugal
gasta mais do que a média da Europa, no ensino superior acontece o
contrário. Numa perspectiva utilitarista, os países numa fase inicial de
desenvolvimento devem concentrar recursos no ensino primário e
secundário. Numa segunda fase devem passar para a formação profissional,
a universidade e para a investigação. Nós já devíamos estar no segundo
passo e ainda não resolvemos a primeira etapa. É crucial que pudéssemos
ter universidades de prestígio europeu. Pelo menos uma ou duas. Torna-se
difícil é atingir esse objectivo com mais de duas centenas de
instituições de ensino superior (público e privado) num País com 10
milhões de habitantes. Países da nossa dimensão só têm 20 ou 30
instituições.
É possível sonhar com uma
instituição ao nível de Oxford ou Cambridge?
Não há qualquer hipótese de termos uma universidade de excelência com o
novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES),
aprovado há cerca de 1 ano. Estou em crer que o ensino universitário vai
ficar igual ou pior do que era no passado, acentuando alguns aspectos
negativos que não compensam os aspectos positivos. O regime anterior
durou 20 anos, logo se este durar o mesmo período, significa que a
universidade que precisamos ficará adiada demasiado tempo. Vamos
continuar no mesmo “equilíbrio de pobreza” em que temos vivido. Este
regime jurídico não alterará suficientemente a forma de governação e vai
levar a perpetuar a mediocridade das instituições que temos,
inferiorizando-nos em comparação com congéneres europeus.
Acentuar-se-á a fuga de «cérebros»
para o estrangeiro?
Actualmente para muitos alunos da minha Faculdade o mercado deles é a
Europa e não só Portugal. Não me importo nada com esta perspectiva,
penso até interessante saber que existem portugueses em cargos de chefia
fora do Pais. É bom para Portugal. Fico um pouco preocupado é quando os
meus alunos já tomam decisões por antecipação, assumindo que a vida
deles vai passar necessariamente por emigrar e não regressar ao seu
País. Obviamente, são os melhores que assim pensam e não deixa de ser
grave para o nosso futuro.
Não servirá de consolo, mas temos
algumas boas universidades, bem reputadas internacionalmente, como é o
caso da Católica e desta onde estamos a fazer a entrevista, a Faculdade
de Economia da Universidade Nova...
Esta é a melhor Escola de Economia e Gestão de Portugal, por todas as
avaliações nacionais e internacionais que tem tido, mas continua muito
longe do ranking das 20 melhores europeias. Dou-lhe este dado: pese
embora sermos a melhor escola neste segmento, não recebemos um tostão do
Estado para investimento nos últimos 10 anos. Não se percebe como é que
havendo tanto investimento no ensino superior, a melhor escola de
Economia e Gestão não é contemplada. A culpa é da tutela mas também das
autoridades dentro da universidade...
A autonomia e o financiamento são os
dois maiores problemas das universidades?
O sistema de financiamento certamente que está errado. Quanto à
autonomia, temos nalguns aspectos em demasia e, noutros aspectos, temos
menos do que devíamos ter. Faltam, nomeadamente, instrumentos de gestão
para governar as faculdades. Não me importava que uma instituição com a
autonomia de gestão de uma empresa pública, mantivesse a autonomia
científica, que é um aspecto muito específico da actividade
universitária e que, obviamente, tem que estar presente.
Defende a presença de gestores
profissionais nas universidades?
Uma universidade é também uma máquina que tem de ser gerida. Vejo com
dificuldade um professor de Grego ou de Latim a gerir um orçamento de
uma instituição desta natureza. Por isso, acho que os gestores
profissionais são importantes até para que os directores das faculdades
se dediquem à gestão das faculdades nos seus domínios estritamente
académicos e científicos.
Cerca de 11 por cento do total dos
desempregados são licenciados. Significa isto que os cursos continuam
distantes das necessidades das empresas?
Conheço muitas escolas que dão graus académicos de Economia e Gestão e
que têm problemas de emprego. Ao contrário, aqui, na Nova, ao fim de
seis meses está tudo empregado.
É revelador do prestígio da
instituição e da preparação ministrada...
Certamente. Há dois aspectos a reter: é impossível prever as
necessidades do mercado dentro de uma década e depois não podemos
obrigar os estudantes a tirarem licenciaturas que não desejem. Penso,
contudo, que se autorizaram cursos demasiado específicos, o que levou a
que a utilidade desses cursos fosse muito reduzida. Da mesma forma que
nunca se deu aos alunos, no momento da escolha dos cursos, a informação
sobre a empregabilidade. Finalmente, as avaliações das faculdades deviam
ser publicitadas e dadas a conhecer para que todos tivessem a plena
consciência da escolha que estão a fazer.

Nuno Dias da Silva
Cara da notícia

Luís Campos e Cunha, nasceu em 1954. É
professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de
Lisboa. Licenciado em Economia pela Universidade Católica Portuguesa
(1977), fez o doutoramento em Economia Internacional e Macroeconomia na
Universidade de Columbia em Nova Iorque, corria o ano de 1985.
A carreira académica foi intercalada, entre 1996 e 2002, pelo exercício
do cargo de vice-governador do Banco de Portugal. Foi eleito para a
administração da Association to Advance Collegiate Schools of Business,
uma organização constituída por instituições do ensino superior com 950
membros, em 71 países.
Mas não chegou a exercer o cargo por ter aceite o convite do
Primeiro-Ministro José Sócrates para desempenhar funções no Governo como
Ministro de Estado e das Finanças, na condição de independente. Alegando
motivos pessoais permaneceu no executivo apenas quatro meses e meio.
Regressou às instalações da Nova, em Campolide, provavelmente a melhor
universidade de Economia e Gestão de Portugal.
Na actualidade, desdobra-se entre as aulas e as múltiplas solicitações
de intervenção cívica com entrevistas, participando em conferências,
apresentando livros, etc. Está ligado ao Banif, é membro da
administração da Fundação de Serralves e é Presidente da SEDES. É ainda
colunista do jornal «Público» onde assina um artigo quinzenal às
sextas-feiras.

ISABEL JONET, PRESIDENTE
DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA
DE BANCOS ALIMENTARES CONTRA A FOME
Pobreza combate-se
com valores de solidariedade

É um dos rostos da ajuda ao próximo em
Portugal. Inspirando-se na sua música favorita, «Wonderful World» de
Louis Armstrong, abraçou a luta contra a pobreza como a missão de uma
vida. Em entrevista concedida por e-mail ao Ensino, Isabel Jonet defende
os valores da inclusão social e relata os frequentes e desesperados
pedidos de ajuda que lhe chegam. Mãe de cinco filhos, sabe bem avaliar o
estado da educação, afirmando que sem regras não há resultados.
Desempenha funções de voluntariado
desde os 12 anos. O trabalho que exerce como responsável do Banco
Alimentar Contra a Fome, ajudando a minorar situações de pobreza
gritante, realiza-a profissional e pessoalmente?
Se assim não fosse não poderia fazer o que faço: o trabalho voluntário
só tem sentido visto com sentido de missão e com muito amor ao próximo.
O trabalho voluntário caracteriza-se por um conjunto de valores, o
primeiro dos quais, e que o distingue dos outros, é a gratuidade.
Acrescem a solidariedade, a participação, a responsabilidade. O senso
comum muitas vezes associa-lhe ainda valores como “serviço”,
“disponibilidade”, “dedicação”.
Ser voluntário não é só ajudar uma pessoa menos favorecida: é muito mais
do que isso. É estar envolvido como participante em acções concretas; é
um modo de estar na vida, no qual a participação activa e responsável
nas diversas estruturas da sociedade é um imperativo de cidadania; é
exercício de civismo e de co-responsabilidade pelo bem comum.
Os bancos alimentares asseguram
ajuda alimentar a mais de 200 mil pessoas. No actual contexto de crise,
em que as solicitações dispararam, têm tido apoios políticos ou
limitam-se a distribuir o que recolhem nas vossas campanhas, contando
com o apoio de voluntários?
A luta contra o desperdício é um elemento motor na acção dos Bancos
Alimentares Contra a Fome. O Banco Alimentar luta contra a destruição de
alimentos recolhendo produtos em perfeito estado de consumo para os
distribuir através de instituições a pessoas que têm fome de pão e de
afecto, para que possam reencontrar a dignidade, muitas vezes perdida, a
auto-estima que as impede de sair do ciclo de pobreza em que muitas
vezes nasceram.
Temos uma missão clara, definida na nossa Carta de Princípios, que
colocamos ao serviço de quem mais precisa. Esta missão só pode ser
levada a cabo com o apoio de numerosos empresários e empresas que,
preocupados com o bem comum, com a justiça social, incorporam a
responsabilidade social nas suas decisões de gestão.
Os trezes Bancos em actividade distribuíram no ano passado mais de 19
500 toneladas de alimentos, 80% dos quais – os que não são doados nas
campanhas – teriam como destino provável a destruição. Este número
impressionante é resultado da grande cadeia voluntária e solidariedade
que conseguimos, ao longo de 15 anos, estruturar.
Um projecto desta natureza tem mais
dificuldade em singrar inserido em sociedades modernas como são as
nossas, apáticas e pouco mobilizadas, onde impera o egoísmo e a falta de
solidariedade?
A nível alimentar registam-se importantes perdas de produtos nos
sectores da produção, da transformação, da distribuição, do consumo
pessoal e colectivo sem qualquer perturbação das consciências, embora se
trate de bens indispensáveis à vida de cada homem e uma parte da
Humanidade se encontrar deles privada. A alimentação não é comparável a
mais nenhum bem: está intimamente ligada à existência do ser humano, faz
parte integrante dele, traz-lhe todos os dias os elementos de vida e,
por isso mesmo, adquire um valor que nenhum outro bem de consumo pode
ter. Merece o respeito e reveste até um aspecto “sagrado” em muitas
civilizações. Ao desperdiçamos um bem alimentar em bom estado, fazendo
ele falta a um ser humano, cometemos uma injustiça.
É portanto, preciso incutir em cada cidadão o valor e o respeito pelos
bens alimentares, a forma de lhes dar a utilização mais correcta tanto
por si próprio, como pelas pessoas que deles se encontram privadas. Só
dessa forma será possível desenvolver o espírito de partilha. Acredito
que uma das razões da manutenção da pobreza é esta incrível perda de
valores que impera as sociedades actuais. A sociedade deixou de ter como
principal ambição permitir que cada cidadão desenvolva todas as suas
capacidades e talentos, todas as suas riquezas interiores para as
acrescentar ao capital colectivo com vista ao bem comum. O
individualismo engendra a ausência total do reconhecimento do valor dos
mais fracos. As medidas sociais não terão qualquer resultado em matéria
de erradicação da pobreza enquanto o Homem não for o valor de referência
do progresso económico. É este espírito de não respeito dos valores do
Homem e dos bens que estão ao seu serviço que cria e faz perdurar a
pobreza.
É preciso elevar a questão da
pobreza a uma causa nacional para consciencializar as pessoas?
Penso que actualmente é reconhecido que existe pobreza, e que o Estado
não pode solucionar tudo. Existe um efeito multiplicador sempre que a
acção da sociedade civil, reunida se organiza de uma forma estruturada e
coordenada, gerando resultados muito superiores aqueles que seriam
obtidos se cada um dos agentes da solidariedade resolvesse agir
isoladamente. O importante é o comprometimento e a assumpção de que cada
um de nós pode fazer a diferença com a sua forma de estar na vida e com
as suas opções.
O perfil tradicional dos pobres no
nosso País sofreu grandes alterações nos últimos tempos. Consegue
traçar-nos o perfil dos «novos pobres»?
Continuam a existir as categorias de pobreza tradicionalmente
conhecidas: crianças, idosos e desempregados. Juntou-se, à cerca de 2/3
anos e com especial acuidade nos tempos mais recentes, um novo grupo de
pessoas em idade activa e com um emprego que embora auferindo um salário
não conseguem gerar os rendimentos de que necessitam para satisfazer
todas as necessidades do seu agregado familiar, muitas vezes sobretudo
porque se encontram sobre endividados.
É público que os apelos de pessoas
oriundas da classe média aos vossos serviços têm aumentado fortemente.
Pode revelar-nos algum caso que a tenha tocado especialmente?
São tantos os casos que ultimamente tenho encaminhado e todos tão
prementes: desde professores universitários que se viram a braços com a
falta de alunos a mães sozinhas desesperadas, sem dinheiro e sem
alternativas para deixar os filhos….
Pensa que podemos ter nas mãos uma
«bomba relógio», que antecipa convulsões sociais de dimensões
imprevisíveis?
Penso que se foram tomadas medidas de inclusão social – em vez de
combate à exclusão – e se voltarem a ser incutidos valores estamos ainda
a tempo de inverter uma situação social gravíssima.
Taxas de endividamentos altas,
multiplicação dos créditos e baixa taxa de poupança são problemas que se
acentuam. Pensa que é possível inverter este cenário com campanhas de
sensibilização assentes na educação para os valores, nomeadamente nas
escolas?
Em meu entender é esse precisamente o caminho, razão pela qual iniciamos
o projecto Educar para a Cidadania (www.educarparaacidadania.pt). O
objectivo é, através do caso prático do Banco Alimentar mostrar que é
fundamental viver com referência a valores universais e inculcar a
semente da cidadania naqueles que serão a geração futura.
O desenvolvimento deste projecto passa pela organização e promoção de
iniciativas em infantários, escolas do ensino primário, do ensino
secundário e em universidades, destinadas a reforçar a componente
cidadania. É proposto um plano de sessões com actividades que, de forma
lúdica e divertida, pretendem despertar os alunos para a importância dos
valores universais na vida de cada um e de todos. Cada sessão pretende,
de modo original e criativo, transmitir aos alunos e aos professores
elementos básicos de convivência, promotoras de relações construtivas –
intra e interpessoais. Pretende-se, pois, incentivar a procura de
máximas, capazes de assegurar o crescimento e realização pessoal e,
consequentemente, o bem-estar colectivo. Através de dinâmicas
apelativas, os participantes são levados a repensar atitudes e
preconceitos, a reflectir sobre si próprios e sobre a sua relação com os
outros.
A própria Unesco no seu programa “Living Values” propõe este tipo de
formação como factor de mudança para os cidadãos, para a sociedade e
para o mundo.
O cardeal Renato Martino afirmou
recentemente que «o terrorismo nasce onde há pobreza». Subscreve?
A pobreza gera exclusão e falta de auto-estima que podem conduzir a
situações limite.
Sei que «Wonderful World» de Louis
Armstrong é a sua música de eleição. Apesar de tudo, nomeadamente das
situações de carestia e crueldade social que enfrenta, acredita que o
mundo em que vivemos pode ser maravilhoso?
Eu acredito nos Homens e sobretudo na sua capacidade de em conjunto com
outros fazer coisas fantásticas. Muitas vezes vemos apenas as coisas más
e esquecemos os milhares de pequenas maravilhas que nos rodeiam, vivemos
angustiados, stressados e fechados sobre nós mesmos.
Como mãe de cinco filhos que
principais reparos tem a fazer ao sistema educativo?
A quase total ausência de valores que impera nas escolas e a falta de
uma linha condutora em toda a escolaridade. As crianças precisam de
referências para poderem crescer harmoniosamente. Se em cada ano mudam
as directrizes, as prioridades, as crianças perdem-se.
Segundo dados da OCDE, Portugal
ocupa o 22.º posto em gastos por aluno. Tendo em conta os resultados que
temos tido na educação, pensa que é o investimento que tem sido escasso
ou, por outro lado, tem sido mal aplicado?
Acho que já expliquei a minha posição na pergunta anterior: sem regras
não há resultados.
Os livros escolares subiram 6 por
cento este ano. Estima-se que os portugueses tenham gasto este ano 80
milhões em manuais escolares. Perspectiva, neste domínio, alguma solução
para aliviar a pressão financeira das famílias com filhos?
Apoiamos este ano uma campanha de recuperação de livros escolares para
reutilização, com a figura do LIVRÃO, levada a cabo pelo Clube dos
Livros. É uma vez mais fundamental incutir nos alunos o respeito pelos
livros, fonte de conhecimento e fruto de trabalho, para que possam ser
usados por outros.
Quatro em cinco candidatos ao ensino
superior concretizaram o seu sonho. Pensa que isto é um sintoma natural
da democratização do ensino ou crê que esta estatística deve ser lida
com preocupação, visto que pode representar, num cenário de crise do
mercado laboral, formar alunos para o desemprego?
Gostaria que fosse um bom sinal se a economia pudesse gerar empregos
para todos. Acredito que uma economia pujante, geradora de emprego, com
empresas e empresários preocupados com a justiça social é o motor para o
combate à pobreza. O desemprego é um flagelo que ganha dimensão em tempo
de abrandamento económico. Teremos saídas profissionais compatíveis com
o investimento pessoal e público feito para formar todos estes alunos?

Nuno Dias da Silva (Texto)
António Pedro Ferreira/Expresso (Foto)
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