NUNO ARTUR SILVA,
DIRECTOR-GERAL DAS PRODUÇÕES FICTÍCIAS
O dono da fábrica das
piadas

Da imaginação das Produções Fictícias
nasceram êxitos como «Contra-Informação», «Herman Enciclopédia», «Diz
que é uma Espécie de Magazine» e «Contemporâneos». Nuno Artur Silva
dirige a agência criativa que goza com o Portugal contemporâneo, que dá
cartas, não só no humor, mas também na ficção. Antes de enveredar pela
carreira de argumentista leccionou Português em escolas secundárias onde
constatou que o ensino só pode progredir se a riqueza das escolas,
assente na diversidade e autonomia, for aproveitada. Nuno Artur Silva
diz que a grande reforma do ensino está por fazer, critica a ministra
por ter hostilizado os docentes, mas não guarda palavras doces para os
sindicatos, acusando-os de terem politizado o debate.
As Produções Fictícias (PF)
completaram 15 anos de vida recentemente. Como é que surgiu este
projecto?
Nascemos mais concretamente no dia 1 de Abril. É uma data convencionada
porque começámos a assinar PF em 1993, algures na Primavera, mas não
sabemos o dia certo. Por isso, foi escolhido o primeiro de Abril como
marco para a nossa existência.
Considera-se o dono da fábrica dos
conteúdos humorísticos de Portugal?
A sede das PF localiza-se na Travessa da Fábrica dos Pentes, mas há os
que a brincar dizem que esta é a Travessa da Fábrica das Piadas.
Respondendo à sua questão, creio que as PF terão contribuído certamente
para a criação e divulgação de um tipo de humor que se ramifica em
vários estilos. No fundo, renovámos o humor em Portugal. Nesse sentido é
uma fábrica de onde saíram pessoas, conceitos e marcas que acabaram por
fazer o seu caminho e, de alguma maneira, afirmaram-se na cultura
popular portuguesa, fixando-se no imaginário colectivo.
«Acreditamos no trabalho em equipa
de criativos irremediavelmente singulares», é uma mensagem no vosso
site. A congregação da nata dos criativos portugueses ditou o vosso
êxito?
O êxito deriva de uma conjugação de factores. As capacidades individuais
dos autores, primeiro, e o método de trabalho seguido, foram a receita
para o sucesso. Numa área onde praticamente não existiam argumentistas,
as PF credibilizaram o trabalho destes profissionais. Creio que a grande
mais-valia foi termos atingido um modelo de profissionalismo que não
existia nos media e no audiovisual, rompendo com um período de um certo
amadorismo na escrita criativa.
Quem escrevia fazia-o, quase, como
um hobby...
Eram pessoas oriundas de vários meios: jornalistas, professores,
publicitários, etc, que faziam «uma perninha» nos tempos livres na
redacção de guiões. As PF introduziram esta especialização como primeira
profissão para muitos autores. Neste momento, quem trabalha para nós,
vive unicamente daquilo que escreve.
As PF fazem o pleno, produzindo para
televisão, rádio, jornais e agora net e telemóveis. Qual o segredo para
produzir em série, com piada e cumprindo os apertados prazos?
O facto de sermos vários elementos e que trabalham em equipa, é uma
forma de prevenir o cansaço e o incumprimento de prazos. É como no
futebol, se um falha o corte, há sempre outro colega na «dobra». A
exigência que nos é apresentada é enorme, dirigida para a indústria do
entretenimento, o que levou a aperfeiçoarmos os métodos de trabalho.
Portugal é um país inspirador para
fazer crítica, sátira e humor?
Sem dúvida, e em tempo de crise, talvez seja ainda mais. É mais fácil
gozar com o que está mal do que com o que está bem. Quanto pior as
coisas correm, mais necessidade catártica existe de libertar o
pessimismo e a depressão através do humor. Há um amigo meu, psiquiatra,
que diz que o humor é o triunfo maníaco sobre a depressão. Em termos
nacionais, podemos dizer que se o País está deprimido, pessimista e em
crise, o humor, ou o gozo com o Portugal contemporâneo que fazemos, pode
ser uma forma de sublimarmos o problema.
As PF têm 15 anos de vida e o País
está em crise declarada há uns 7 ou 8 anos...
Nos últimos anos a crise tem-se agudizado. Tivemos o período de euforia
que coincide com a Expo 98, o nobel da literatura de Saramago, o auge do
guterrismo. Depois veio a «tanga» e a fuga de Durão para a Europa e
entrámos em descrédito, sem esquecer o intervalo do Euro 2004. Quando as
coisas pareciam entrar nos carris, a tremenda crise internacional deitou
tudo a perder.
O que é o filet mignon para um
criativo escrever humor em Portugal: a política, o futebol ou os
portugueses, de uma forma geral?
Os três que referiu sinalizam bem o que é mais popular. Acrescentaria a
essa lista as figuras que aparecem na televisão, pela sua notoriedade
pública. Mas as pessoas normalmente riem daquilo que conhecem. Se eu
fizer piadas sobre profissões e escritores obscuros, porventura ninguém
vai rir porque não estão familiarizados com esse universo. Ao invés, o
futebol está em toda a parte e a qualquer hora. É mesmo um massacre. No
fundo, rimos do futebol, dos políticos e dos portugueses (os «cromos» da
província ou do país, as novas profissões, o velho país rural, a cidade,
os jovens ou os «pintas», são grandes clássicos), porque reconhecemos as
personagens.
É um dos responsáveis pelo
lançamento dos Gato Fedorento. Consegue arranjar explicação para o que
se passou?
Os «Gatos» são um fenómeno dificilmente explicável. Há uma mistura de
factores que surpreende todos, a começar pelos próprios. O Herman José
teve a sua época, quando era uma pop star, e ainda é, mas sem a força do
passado. Agora o impacto dos «Gatos» era de todo imprevisível. O humor
que produzem está baseado nos jogos e tiques de linguagem. O seu sucesso
é uma mescla de talento, oportunidade e sorte. Eles são inultrapassáveis
a captar o espírito do tempo, mas há que dizer que tiveram a sorte do
seu lado: apareceram da maneira certa, no meio certo e no tempo certo. O
timing, que não foi calculado, revelou-se muito favorável.
Consegue eleger o sketch perfeito
das duas séries do «Diz que é uma Espécie de Magazine?»
O melhor sketch, de longe, é o de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o
aborto. Pelo brilhantismo e pela repercussão política que teve,
desmontando uma argumentação e uma personagem. Foi uma espécie de sketch
de intervenção.
Certos opinion makers chegaram a
dizer que os «Gatos» eram os verdadeiros líderes da oposição. Concorda?
Nem a oposição ao governo se esgota nos «Gatos», nem o humor se esgota
nas coisas que passam na televisão. Temos aqui nas PF um produto que
considero ser de humor político de grande qualidade, que é o «Inimigo
Público», que sai às sextas com o jornal «Público». Para além de termos,
ainda no ar e com sucesso, o primeiro programa genuíno de humor político
do País e que se chama «Contra-Informação». Falar apenas dos «Gatos» é
como dizer que a literatura portuguesa se esgota no Lobo Antunes ou no
Saramago. Não faz sentido.
Quer com isso dizer que há vida para
além dos «Gatos»?
Durante muito tempo parece que o humor se esgotava no Herman e, na
verdade, não era assim. Hoje, existe esse paralelo com os «Gatos». As
pessoas têm a tendência para circunscrever o País ao que a televisão
transmite. Há muito mais pessoas a fazer humor. Mas o mérito dos «Gatos»
é indiscutível e deve ser sublinhado: tornaram-se populares sem fazer
humor fácil.
Pensa que eles vão manter na SIC, a
partir de Setembro, o êxito alcançado na RTP?
Se houvesse capacidade de previsão na indústria do entretenimento
estávamos todos ricos. Para já, eles estão em alta. Esperemos que dure.
A estratégia de parar 9 meses também foi pensada de forma inteligente.
Mas a evolução pode não passar pelo formato «Gatos» e evoluir para
carreiras a solo, como acontece nos grupos rock.
As PFtv, o canal online da empresa,
alojado no portal Sapo, comemorou 1 ano e tem motivos para festejar,
atingindo as 25 milhões de visualizações. «Os Incorrigíveis» é apenas um
caso de sucesso. Quais são as mais-valias deste suporte?
O canal online é uma espécie de bloco de notas electrónico da actividade
das PF, óptimo para fazer experiências e de acompanhamento permanente
dos produtos. Permite inserir material que vamos gravando para as
televisões, o chamado snack-Tv, bem como outros conteúdos que não são
vistos pelo grande público, como os bastidores dos programas, os
bloopers, as entrevistas com os actores, etc. Quando os «Gatos»
regressarem vamos ter na nossa plataforma o acompanhamento das gravações
e conversas de bastidores, o mesmo se vai passar em relação ao Herman e
aos «Contemporâneos». As PFTv permite ter uma espécie de rede/comunidade
de fãs e espectadores que querem saber mais sobre os nossos programas.
É, também, um óptimo barómetro para avaliarmos a aceitação dos produtos.
A lógica da net vai substituir a era
da televisão no que respeita à exibição dos conteúdos?
Todos os teóricos dos media apontam nesse sentido. Durante muito tempo a
TV ocupou o lugar central na distribuição de conteúdos audiovisuais. O
que se tem vindo a verificar é que através dos jovens a net (portátil,
telemóvel, iphone, consola, etc) vai sendo orientada para uma recepção
de conteúdos onde o ecrã do PC ou um visor já dominam as preferências.
Provavelmente vamos ter que encontrar uma nova designação para definir o
ecrã que congregue todas essas funcionalidades, seja navegar na net, ver
TV ou ler. No fundo, tudo converge para um ecrã. Penso que a natureza do
conteúdo (seja um filme, um sketch, a síntese das notícias ou o resumo
dos golos da jornada) e o local onde nos encontramos (seja em casa, no
trabalho ou na praia) condicionará o tipo de ecrã a escolher pelos
utilizadores. Vai ser assim o paradigma do consumo de conteúdos no
futuro e os modelos de negócio vão, necessariamente, mudar.
As PF procuram posicionar-se na
vanguarda das novas tendências?
Não pode ser de outra maneira. Aquela coisa de esperar pelas 9 da noite
para ver um programa de humor, acabou. Costumo ouvir isto: «É pá, viste
ontem os “Contemporâneos”? Não, vejo logo na net». Até por isso hoje os
índices de audiência não são tão precisos devido a este fenómeno. É um
quebra-cabeças que vai obrigar, no futuro, a repensar o modo de
financiamento dos canais. Em Inglaterra, 12 por cento do total da
publidade dos «media» está na net, em Portugal ainda estamos nos 4 por
cento. Quando fiz o liceu, eu não tinha net, telemóvel, nem sequer um
gravador de vídeo em casa. Os dois canais de televisão eram do Estado.
Agora, tenho 45 anos, não sou assim tão velho. Estimo que com a
aceleração tecnológica que levamos, dentro de 3 ou 4 anos, o panorama
ainda vai mudar mais.
Portugal ficava ainda mais triste se
os argumentistas das PF fizessem greve como os seus colegas americanos?
Infelizmente não temos uma indústria como a americana. Lá eles param e
aquilo tem impacto imediato. O cinema e a TV são uma indústria
poderosíssima. Cá, temos meia dúzia de pessoas a viver do que escrevem
para televisões e o que nós produzimos não paralisa ninguém.
Não está a menosprezar o poder das
PF?
O nosso público mais fiel são os jovens e as classes A e B. Veja que o
humor mais popular reside nas anedotas, que até nem são feitas por nós.
«Os malucos do risos», é o exemplo do que acabo de dizer. O humor mais
popular continua a ser distinto do nosso, que tem picos de episódios
populares, mas que é mais a excepção do que a regra, dificilmente
atingindo todas as classes.
As PF arrancam a 15 de Setembro com
novas edições de cursos de escrita de humor, ficção para televisão,
cinema e escrita criativa. O objectivo é formar novos argumentistas?
Primeiro, vamos dar a nossa experiência aos que participarem nos cursos,
em relação aos fundamentos da escrita, os cânones, as técnicas, etc.
Depois estas iniciativas permitem-nos recrutar alunos presentes nos
cursos para virem trabalhar connosco. Tem acontecido sempre que os
melhores são convidados para integrar os projectos das PF. Dou-lhe o
exemplo do Ricardo Araújo Pereira que frequentou um curso e
posteriormente foi convidado. À semelhança dos restantes elementos dos
«Gatos» e de muitos dos que hoje são argumentistas profissionais.
Recebem guiões de muitos anónimos?
Todos os dias. De toda a espécie e proveniência. Infelizmente a maior
parte do que nos chega deixa um pouco a desejar em relação à qualidade
e, pior do que isso, peca pela deficiente apresentação. Devia haver um
curso para as pessoas aprenderem a expor as suas ideias de uma forma
mais coerente. É como ir a uma entrevista de trabalho descuidando a
apresentação pessoal. Recebemos mensagens do género: «as pessoas dizem
que eu sou engraçado, não me querem dar uma oportunidade?». Obviamente
que sem conhecermos a pessoa, nada podemos fazer. Mas, de vez em quando,
recebemos conteúdos com qualidade. O Zé Diogo Quintela, que ninguém (nem
eu) conhecia, mandou uns textos, eu passei os olhos por eles e chamei-o
para uma entrevista. Passado uns tempos frequentou um curso das PF e
depois começou a integrar projectos nossos. O resto da história já todos
sabem...
Da experiência que teve como
professor de Português no secundário, que imagem reteve do sistema de
ensino?
Fiquei com a ideia de que ser professor é duríssimo. O tempo livre que
eu tinha quando dava aulas era escasso, - agora sei que está reduzido ao
mínimo – , o que é errado, visto que o professor deve ter tempo de
preparação para, como um atleta, poder, em «alta competição», render o
máximo. O trabalho burocrático que os obrigam a fazer é uma estupidez
sem nome. Já na altura senti que estavam a transformar os professores em
funcionários, o que é péssimo. À sombra disto, os maus professores, têm
tempo livre e não se preparam. São as injustiças do sistema.
O sistema é excessivamente
centralizador?
Basicamente o sistema é muito centralizador e os programas bastante
irrealistas. Deveria haver autonomia dos conselhos directivos das
escolas, dos grupos disciplinares, para estes poderem fazer a sua versão
adaptada do programa. Da mesma forma devia haver mais autonomia dos
estabelecimentos, de modo a que fosse oferecido um ensino mais
personalizado, permitindo aos encarregados de educação mais liberdade
para escolher a opção de ensino que mais lhes interessasse. A riqueza do
ensino deve ser extraída, especialmente, da diversidade das escolas.
Mas, obviamente, a regulação dessa diversidade estaria a cargo do
Ministério da Educação.
O Ministério tem dado mostras de ser
mais opressor do que regulador?
Eu senti isso. No fim dos anos 80 / princípio dos 90, quando dei aulas,
já havia turmas com demasiados alunos, falta de infraestruturas nas
escolas e uma lógica de curriculum e programas demasiado estática e
pouco mobilizadora. A imaginação e boa vontade dos professores procurava
iludir essas lacunas. E, acima de tudo, faltava a ligação da escola à
comunidade, que se limitava às reuniões com os encarregados de educação.
Levar os alunos a participar nesse contexto social e trazer o ambiente e
as valências da comunidade para dentro do espaço escolar era algo que
não era promovido.
Teve problemas disciplinares
enquanto professor?
Tive, claro. A Escola Secundária Ferreira Dias, no Cacém, tinha como
grande obstáculo o seu tamanho gigantesco. Era super populosa e era
impossível dar aulas em condições e aproximar alunos e docentes. Já na
Veiga Beirão, onde também leccionei, tive problemas devido à origem dos
alunos, provenientes de bairros difíceis, mas tinha a seu favor a
questão da pequena dimensão. A coesão dos professores acabaria por
ajudar a desenvolver actividades e iniciativas bem interessantes.
O episódio verificado na Escola
Carolina Michaelis, no Porto, do célebre «Dá-me o telemóvel», foi dos
momentos mais glosados do ano. Foi um episódio ilustrativo da fraqueza
dos docentes?
A autoridade reconhece-se ou não. Para mim seria impossível dar uma aula
a alunos com os telemóveis ligados. Mas a questão da escala da escola é
fundamental, principalmente quando falamos de adolescentes. As turmas
têm de ser mais pequenas. 20 alunos por turma seria o número ideal e
nunca os 40 que temos nalguns estabelecimentos. E, ao mínimo acto de
indisciplina, convidar o aluno a sair.
A imagem do professor não foi
excessivamente beliscada?
No tempo do PREC o papel do professor foi completamente desvalorizado e
desautorizado. Os alunos reuniam em conselho plenário e saneavam o
docente. Hoje em dia a posição do professor está descredibilizada,
porque compete com meios mais atraentes, como a televisão, a net e os
meios tecnológicos. Chega-se ao cúmulo de o aluno saber mais sobre estes
assuntos do que o próprio professor. No fundo, os professores de hoje
não são os únicos educadores. Por isso, mais uma razão para tornar o
espaço da aula especial e reforçar a autoridade de quem ensina.
É preciso vocação para ser
professor?
Tem que forçosamente existir um enquadramento escolar e um treino das
pessoas que vão para professores. É como ir falar diante de uma câmara:
é preciso ter características de personalidade e apreender técnicas de
comunicação. O professor é um apresentador, um conferencista ou um
emissor de conteúdos. As primeiras aulas do ano lectivo são cruciais
para estabelecer um contrato do docente com a sua turma. Da mesma forma
que entendo que a avaliação de professores é fundamental, mas com
critérios bem definidos, para evitar situações de distorção.
Como analisa a evolução do sistema
educativo nos últimos 30 anos?
Apesar de tudo melhorámos na educação, em especial no ensino básico. É
verdade que o nível de algumas universidades privadas é muito mau, mas a
selecção natural está ser feita. É verdade que foram feitos muitos
negócios fraudulentos com universidades, houve dinheiro mal gasto em
formação, etc. Mas há que reconhecer que estamos melhor do que antes do
25 de Abril. Contudo, a grande reforma do ensino continua por ser feita.
O Ministério da Educação tem culpa, mas é vítima do imobilismo da função
pública, das estruturas burocráticas do Estado e da incompleta reforma
deste. Contudo, não alimento um grande pessimismo quanto ao desempenho
do sistema educativo, o mesmo não digo da Justiça, que considero o
principal problema nacional.
Se fosse professor hoje vinha para a
rua exigir a demissão da ministra?
Se fosse professor hoje tinha tanta razão de queixa dos sindicatos como
da ministra. Não critico o que ela tem feito, mas discordo da forma como
hostilizou os professores. Não se pode querer fazer uma reforma do
sistema sem ter os professores ao lado. Mas os sindicatos também não
ficaram bem na fotografia. Politizaram o debate e usaram os professores
como arma de arremesso contra o Ministério.
Porém no tempo em que vivemos é muito cruel e há muita modernice a tapar
a crueldade. Veja que foram todos a correr para o Rock in Rio, mas
falou-se pouco de música e mais de negócio. Ninguém se insurge por ter
vindo um brasileiro patrocinar um evento e chamar praticamente só
artistas estrangeiros, relegando os poucos portugueses para horas
impróprias. Não pode ser. Isto revela muito provincianismo. Com a idade
que tenho, não posso calar-me. Não me peçam para não ver. Está diante
dos olhos de todos.

Nuno Dias da Silva
Cara da notícia
É num discreto prédio nas imediações do
Jardim das Amoreiras, em Lisboa, que fica a sede das Produções Fictícias
(PF), a fábrica do humor e da ficção portuguesas. Reconhecido por muitos
pelo seu papel de moderador no corrosivo, mas bem sucedido nas
audiências da SIC-Notícias, «O Eixo do Mal», Nuno Artur Silva lidera a
equipa de argumentistas que diariamente, e em ritmo de contra-relógio,
redige as piadas e dá vida às personagens que põem os portugueses a rir.
O director-geral das PF nasceu no dia 5 de Outubro de 1962, em Lisboa,
cidade da qual é profundo devoto. Desde muito jovem que o seu maior
prazer era ouvir e contar histórias. Esteve a um passo de seguir
Ciências, mas a providencial influência da irmã mais velha fê-lo
repensar o percurso académico. Optou por Letras. Acabaria por entrar na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Nova, no curso de Línguas e
Literaturas Modernas, variante Português/Inglês.
Deu aulas de Português, com «o maior prazer», em vários liceus da zona
de Lisboa, durante cerca de 7 anos. «Adorava leccionar», mas o apelo da
escrita nunca o largou. De permeio aventurou-se em peças de teatro e
sketchs humorísticos, a meias com amigos, para exibição em salas de
teatro. «Se na altura houvesse TV Cabo, tinham nascido os Gato Fedorento
nos anos 80», graceja. Entretanto, conhece os actores José Pedro Gomes e
Miguel Guilherme que o convidam a escrever. Herman José é o próximo a
requisitar os seus serviços. A admiração que tem pelo «verdadeiro
artista» impede-o de recusar a proposta. «Há comboios que só passam uma
vez na estação das nossas vidas», diz-nos. Os projectos não param e em
1993 nasce as PF, da qual é fundador e actualmente o sócio maioritário.
Com o crescimento da empresa, este argumentista de cepa, enveredou por
funções de direcção criativa e estratégica, mas em breve promete
regressar ao «bichinho» da escrita. No intervalo destes 45 alucinantes
anos, Nuno Artur Silva fala com carinho dos três álbuns de banda
desenhada em que deu vida ao detective Filipe Seems, dos disco de
canções infantis que escreveu para a voz de Maria João, da peça de
teatro que levou à cena sobre «As aventura do rapaz de papel» e, the
last but not the least, a adaptação para teatro da obra «O que diz
Molero», de Dinis Machado. Uma vida cheia. De humor, ficção e muita,
muita criatividade.

ALEXANDRA BORGES EM
ENTREVISTA
Jornalismo contra a
indiferença

Em entrevista concedida ao Ensino
Magazine por email, a repórter Alexandra Borges fala de um jornalismo
interventivo, definindo as suas maiores virtudes como «ser activo,
crítico, contra a indiferença e denunciar situações de injustiça».
Fala também dos meninos escravos do Gana e de Rita Garcia, protagonistas
das grandes reportagens Infância Traficada e Vidas - A Vida de Rita.
A reportagem Vidas venceu a 10º
Edição do Prémio Jornalismo Contra a Indiferença. O Prémio tem um
significado especial por ser atribuído pela AMI?
Este prémio é especial e prestigiante. Qualquer jornalista sentir-se-ia
muito honrado em recebê-lo. Para mim este prémio homenageia justamente a
ideia que tenho de um jornalismo social e interventivo que eu defendo há
muitos anos.
Na reportagem Vidas diz que os
cuidados Paliativos em Portugal «são o luxo de alguns quando deviam ser
direito de todos». A medicina paliativa no nosso país ainda é um oásis
num deserto de sofrimento?
Infelizmente sim. Todos nós vamos morrer um dia e, a maioria de nós, vai
passar por uma doença crónica e incurável. A maioria de nós terá que
passar por sofrimento e dor...mas se há uma medicina paliativa que evita
essa agonia terá que estar acessível a todos.
Vidas fala de Rita Ressano Garcia,
uma doente oncológica terminal, falecida em Julho do ano passado. A
Alexandra chamou-lhe amiga. A Rita trouxe o quê à sua vida?
Numa semana, a Rita deu-me mais que muitas pessoas em toda a vida.
Teve uma coragem inquestionável e sobretudo uma generosidade imensa em
partilhar momentos íntimos como a doença e a morte. A Rita ensinou-me
grandes valores humanos que, às vezes, só conseguimos aprender em
situações extremas. A Rita ficará para sempre no meu coração.
Ao tomar conhecimento das crianças
escravas do Gana foi até lá e fez a reportagem Infância Traficada. O que
esperava encontrar no Gana, e o que encontrou?
Nem no Gana, nem em qualquer outro lugar do mundo contava encontrar
escravatura infantil...o que encontrei é uma violação gritante dos mais
básicos direitos humanos. Não podia ficar indiferente a uma questão como
esta e, hoje, a minha luta é denunciar a situação como jornalista, como
mulher, como cidadã e como mãe.
O interesse pelos meninos escravos
do Lago Volta não se esgotou numa Reportagem. Em Portugal escreveu com
Luís Figo o livro Filhos do Coração. Os direitos de autor e receitas de
vendas revertem a favor da ONG, Touch a Live Kids. Como está a correr
esse projecto?
Está a correr bem. Já vai na segunda edição (cada edição de 6 mil
livros!)e cada 600 livros vendidos permite-nos pagar um ano de
alimentação, saúde e escolaridade a uma criança resgatada do Lago...o
problema é que elas são muito pequenos e temos que lhes garantir, pelo
menos, até aos 16 anos...
Por isso vamos lançar agora um projecto com um CD “Filhos do coração”
para angariar mais dinheiro.
Quais são as melhores virtudes e os
piores defeitos do jornalismo actual?
O pior defeito do jornalismo quando ele é passivo e os jornalistas se
tornam simples papagaios sem espírito crítico. A maior virtude é o
oposto...ser activo, crítico, contra a indiferença e denunciar situações
de injustiça.
Há 7 anos atrás, em entrevista ao
Ensino Magazine, afirmou que o futuro do jornalismo passava pelas
grandes reportagens. Ainda pensa o mesmo?
Sem dúvida.

Eugénia Sousa
Cara da notícia
Alexandra Borges, 40 anos, jornalista
há quase 20, desempenha o cargo de Repórter na TVI desde Maio de 2000.
Licenciada em Comunicação Social pela Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Alexandra Borges ocupou um cargo
de Docente no Instituto Português de Estudos Superiores, de 1998 a 2003.
Entre outros cargos desempenhados, foi freelancer da Revista Sábado e
Turisver; responsável pela Produção Jornalística na instalação e
coordenação da Delegação em Portugal da TVE - Televisão Espanhola;
jornalista de Informação Diária no Telejornal da RTP, entre 1992 e 2000.
Já na TVI faz a reportagem A Vida de Rita e ganha o Prémio AMI –
Jornalismo contra a Indiferença, 2007.
Edita o livro Filhos do Coração (2007), escrito em parceria com Luís
Figo, que tem como objectivo angariar fundos para o resgate das crianças
escravas do Lago Volta, no Gana, retratadas na reportagem Infância
Traficada.
Com a reportagem Infância Traficada vence o Prémio AMADE, patrocinado
pela UNESCO, do Festival Internacional de Televisão de Monte Carlo,
(2007), na categoria Documentário-Notícias.

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