A escola e os
estereóptipos
Com a revolução científica e tecnológica
que tem acompanhado a implementação da sociedade do conhecimento, a
escola tem vindo a conhecer transformações profundas. Apesar desse ser
um tema recorrente da investigação educacional, é sempre reconfortante
esbarrar com abordagens desta problemática, sobretudo quando fogem à
análise mais que mastigada e se nos apresentam como uma lufada de ar
fresco no contexto da reflexão sobre a educação.
É o caso de Jaume Bonafé que, nos Cadernos de Pedagogia, nos confronta
com a crítica a uma escola que considera demasiado racional,
tecnológica, super especializada e impregnada de estereótipos
administrativos e sexistas.
Em consequência, e segundo a opinião daquele investigador, instalou-se
no mundo interior dos docentes um efeito cuja perversão ainda está por
medir: pese embora tudo o que aconteça na realidade diária das escolas,
os professores estão convencidos de que a sua profissionalidade e a sua
qualidade de trabalho dependerá, mais que tudo, das suas competências
“operárias” e instrumentais que os conduzem à aplicação de técnicas
rigorosas através das quais conseguirão “produzir” a aprendizagem dos
seus alunos.
Provas? Aqui estão, para os mais cépticos: Primeiro, todos abominam os
“receituários”, todavia quase sempre vivem dependentes dessa
normatividade que lhes dá segurança e que lhes proporciona grande parte
dos conhecimentos que guiam a acção; segundo, surgem os “tradutores-especialistas”,
aqueles que acreditam na voz especializada, enquanto intermediário
insubstituível entre a origem científica do conhecimento e a correcta
interpretação e divulgação das normas pedagógicas; terceiro, as reformas
alteraram o discurso e as linguagens, porém o “processo de cretinização
técnico-burocrático” do trabalho docente permanece, no substancial,
inalterável. Resultado: a lucidez demasiado disciplinar e especializada
conduz, invariavelmente, à cegueira no que respeita à apreciação do
global, do geral e da diferença.
Nesta transformação profunda, é certo que a ciência substituiu a
religião quanto à construção do discurso pedagógico. Todavia novas
formas de misticismo afloraram sempre que, no terreno institucional, se
procedeu à aceitação dos poderes, aliados aos saberes, como meios únicos
de legitimação de uns e dos outros.
Para que a Escola atinja, neste terceiro milénio, uma via de
“transformação positiva”, Jaume Bonafé atira-nos alguns desafios. Desde
logo importa nivelar o estatuto da “pedagogia oficial” com o do
“conhecimento prático” dos docentes. Depois, exige-se o rápido
reconhecimento da maioridade dos profissionais do ensino. Reconhecimento
esse que propicie a conquista da autonomia para pensar o próprio
pensamento, autonomia para reflectir sobre o conhecimento elaborado,
autonomia para construir novo pensamento com base no conhecimento e na
maturação da própria acção docente.
No fundo, encontramo-nos perante um desafio, lançado aos “práticos”,
para que “conquistem”, dentro das escolas, todas as “possibilidades” que
lhes permitam a elaboração de “conhecimento”, através do qual sustentem
e teorizem essa mesma prática.
É que a separação entre pensamento e acção implica que a educação não
seja mais uma preparação para agir. Implica a aceitação de dois ensinos
distintos: um especulativo, o outro prático, um fornecendo o espírito e
o outro a letra, um o método, o outro os resultados. E tudo isto nos
empurra para o sublinhar de uma das maiores contradições que nos podem
ser imputadas a nós, educadores: a incapacidade para integrar na nossa
prática quotidiana, de um modo coerente, o que pensamos e o que fazemos.
João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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