CRÓNICA
Analfabetismo digital
zero

E, de novo, Abril! Quem diria que
haveríamos de cá chegar? Na verdade, grande parte do que conquistámos em
25 de Abril de 1974 não chegou até hoje. Pereceu na luta de classes ou
simplesmente desvirtuou-se pelo contra vapor de uns, pelo deixa andar de
outros e pelo saudosismo reaccionário de uns quantos, nem sempre às
claras, quase sempre com argumentos contrários às intenções.
Eis como é dizer o mesmo em poesia:
Em Abril, já o grito de revolta era maduro,
já o trigo intenso rompia na seara.
Em Abril, já a claridade era sol puro,
que, pela bondade, era ainda coisa rara.
Ao matiz das papoilas nada se compara,
nem aos cravos ardentes, que do escuro,
brotaram rubros, naquela manhã clara,
ao mesmo tempo a luz e o seu futuro.
Nada a declarar. Além da liberdade,
em rascunho, alguns apontamentos
clandestinos para esse Abril de tenra idade.
Cresceu. Foi Maio noutros momentos,
foi em pouco tempo uma eternidade
e foi depois Novembro e outros ventos.
Apesar de tudo, não é o destroçamento das grandes conquistas materiais o
que mais me dói. Não estou a menospreza-las. Eram de facto a base
essencial para a construção dum país moderno e próspero. Eram e
continuam infelizmente a ser, porque nada se constrói aniquilando em
nome de falsas modernidades, por mais mansas que sejam as falas.
O que mais aflige é a troca da solidariedade pelo egoísmo; da amizade e
camaradagem pelo ódio e a arrogância. Este é o veneno que mina a
sociedade portuguesa em 2008 – trinta e quatro anos após a revolução dos
cravos – tem patente nacional e são conhecidos os fabricantes. Porém, ao
contrário do comum das contrafacções, para estes não se pede para que a
ASAE intervenha, lhes apreenda a mercadoria e os meta na ordem, mas ao
povo.
João de Sousa Teixeira
teijoao@gmail.com
CONTRABAIXO
Brancura

Há um poema de Yannis Ritsos que, na
tradução de Eugénio de Andrade, se titula como esta crónica e que
regressa frequentemente à minha memória. Diz assim:
Ele poisou a mão sobre a página
para não ver a folha branca.
E viu em cima a mão nua. Então
fechou os olhos, e sentiu
subir por ela a tenebrosa,
indescritível brancura, amor-talhada.
E quando, há pouco, me sentei em frente à folha branca, no computador,
ele voltou. Não é que eu não goste que a poesia me interrompa. Até lhe
agradecia que fosse mais frequente, mas este foi um sinal que não posso
ignorar. Tinha pensado escrever sobre a minha recente experiência
empresarial, com a Apsara, Gestão Cultural, mas vou deixar esse tema
para outro mês pois o ministro da cultura revelou há uns dias que está
nos seus planos mudar a legislação que diz respeito ao apoio às Artes.
A Portaria que regulamenta o apoio às artes é a n.º 1321 - 2006, de 23
de Novembro e teve aplicação no ano passado e está neste momento a
decorrer o concurso lançado em Janeiro, pela Direcção Geral das Artes. A
referida Portaria foi muito contestada, na minha perspectiva com razão,
por diversos artistas, associações e plataformas que congregam
importantes agentes culturais mas lá entrou em vigor e começou a ser
aplicada. Para se ter uma ideia sobre a operacionalidade da coisa e para
me reportar apenas a um projecto no qual estive envolvido, bastará dizer
que o pagamento de um apoio ao Primavera Musical – Festival
Internacional de Música de Castelo Branco foi feito em Dezembro, tendo o
mesmo decorrido em Maio desse mesmo ano. Sei que muitas histórias como
esta podem ser contadas por outros e a pergunta que se impõe fazer é:
será que tem mesmo de ser assim? Por outras palavras, até que ponto o
sacrifício terá de chegar no plano pessoal e institucional, até que
muitos projectos definhem e simplesmente acabem?
Como já referi, o concurso para este ano está a decorrer, mas quando
escrevo esta crónica já passou metade de Abril e ainda não há sinais de
resultados, o que não augura nada de substancialmente diferente
relativamente ao que se passou no ano passado. Ou seja, a experiência
não serviu para mudar nada para melhor.
E ainda não passaram dois anos sobre a aprovação desta legislação e já o
ministro anunciou que vai mudar as regras. Pode dizer-se que ainda bem e
eu espero realmente que sim, que se mude para melhor. O que começa a ser
insuportável é este estado permanente de mudança, instabilidade e
asfixia que não dá margem nenhuma aos novos projectos e criadores e
torna difícil a sobrevivência de projectos já mais sedimentados e
estruturados.
É por estas e por outras que recentemente, num daqueles inquéritos
semanais com as mesmas perguntas para diferentes interlocutores, quando
questionado sobre qual o meu maior sonho, respondi: não emigrar.
Carlos Semedo
carlossemedo@gmail.com
OPINIÃO
Cartas desde la
ilusión
Querido amigo:
Hoy voy a contarte mi experiencia con el ejercicio “Por qué somos
diferentes”, tal como quedamos en mi carta anterior.
Pero antes quiero decirte que, aprovechando la proximidad de las
vacaciones de Semana Santa y Pascua, indiqué a mis alumnos que hiciesen
un cuaderno “de bitácora” en el que describieran todos los
acontecimientos que iban a vivir durante este período de vacaciones.
Pero, en esta ocasión, les dije que, una vez hubiesen escrito lo
acontecido durante el día, colocasen una letra entre paréntesis al final
de cada frase o párrafo de la siguiente manera: una e (e) indicaría que
lo que escribieron se refería a una emoción o un sentimiento, una p (p)
haría referencia a un pensamiento o un conjunto de pensamientos, y una c
(c) significaría una conducta o un conjunto de conductas. Cuando vuelvan
de las vacaciones, analizaremos juntos la cantidad de emociones,
pensamientos y conductas que se relataron entre todos, y trataremos de
sacar nuestras conclusiones, tanto en general como, en la medida de lo
posible, para cada uno de los alumnos.
Pero volvamos al ejercicio sobre las diferencias interindividuales.
Comencé dejando que mis alumnos se organizaran en pequeños grupos y
eligieran al portavoz. Una vez constituidos los grupos, les indiqué que
tenían que aportar razones por las que las personas somos diferentes.
Una vez finalizada la discusión en pequeño grupo, comenzamos una puesta
en común de las razones que se habían expuesto en cada grupo. Yo fui
anotando cada una de ellas en la pizarra.
Como puedes imaginar, las razones aducidas fueron variopintas, pero
muchas de ellas muy sabias, de las que nacen de la sabiduría de los
niños.
Una de ellas me llamó la atención. Un grupo apuntó: “porque todos
hacemos cosas bien y cosas mal” (que traducido a nuestro lenguaje más
categorial, podría decir “porque todos tenemos aciertos y cometemos
errores”, es decir, “porque nadie es perfecto”).
Esto me recordó la novela de Aldous Huxley titulada “Un mundo feliz” y
me hizo pensar.
Entonces pregunté directamente a mis alumnos: “¿Somos perfectos los
seres humanos?” Su respuesta fue unánime: ¡No!
A la vista de esta convicción, les conté la historia de “La vasija”. Es
una fábula que narra la historia de una vasija agrietada con la que un
aguador de la India transportaba agua… Como hoy no tengo espacio, te la
contaré en mi próxima carta. Pero lo importante es que me ha dado pie
para poner en marcha otro ejercicio para la mejora de la autoestima de
mis alumnos. Lo llamaré: “cómo encontrar nuestro lado positivo y el lado
positivo de las cosas”, con lo que espero enfatizar el hecho de que
somos diferentes porque todos “hacemos cosas bien”, como dijeron ellos
en el ejercicio de las diferencias.
Un abrazo, con mis mejores deseos de “salud y felicidad”. 
Juan A. Castro
juancastrop@gmail.com
DESTAQUE
Musicalbi faz 25 anos

O Musicalbi faz este ano 25 anos de
carreira. Para trás ficam inúmeros espectáculos em Portugal e no
estrangeiro. Como tem sido percurso do grupo, e quais as recordações que
guarda do início?
O Musicalbi ao longo dos anos pelas centenas de concertos que efectuou
em Portugal e no Estrangeiro tem adquirido um estatuto de referência no
panorama da música tradicional portuguesa. Em todos os concertos não há
qualquer um que se tenha demarcado pela negativa, pelo contrário foi um
percurso sempre cheio de bons momentos, principalmente pelo carinho que
o público foi tendo por este grupo ao longo dos anos. As melhores
recordações desde o início são sem dúvida o 1º Concerto no Cine Teatro
Avenida a 17 de Junho de 1983, organizado pela Orquestra Típica
Albicastrense, que apesar deste grupo não lhe pertencer nada em termos
institucionais, mas é, considerada por nós como a nossa mãe, pois foi no
seio desta Orquestra que nasce a 1ª formação do Musicalbi. Uma outra
recordação foi sem dúvida a nossa participação, e o primeiro prémio que
obtivemos no Festival “Á Procura de novos valores” organizado pelo
Sindicato de Artes e Espectáculos que teve lugar no Coliseu dos Recreios
no dia 11 de Maio de 1984. Depois disto sentimos então que o Musicalbi
poderia ser um verdadeiro grupo de música popular, e não uma brincadeira
de miúdos como era levado até à altura. Um outro marco importante foi a
nossa primeira digressão pelo estrangeiro, nomeadamente a terras do
Oriente, com espectáculos realizados na cidade de Xinuhi e em Macau em
Outubro de 1994.
O Musicalbi passou por mudanças a
nível de sonoridade. Que transformações foram essas?
Hoje o Musicalbi tem uma sonoridade totalmente diferente do início ou
mesmo de há dez anos atrás. Apesar de continuarmos a ser um grupo de
música tradicional portuguesa, efectuando um trabalho ao nível da
recolha e divulgação, o grupo foi introduzindo novos instrumentos e
novos arranjos criativos trazendo assim novas sonoridades para a música
tradicional, cruzando ambientes musicais portugueses com celtas,
galegos, árabes, entre outros. Assim hoje o Musicalbi afirma-se como um
grupo de música tradicional/folk sem dúvida às transformações que se têm
vindo a acentuar.
Desde 2000 que o grupo tem a cargo a
realização do Entrelaços – Festival Internacional de Música Tradicional/Folk
de Castelo Branco. Qual o balanço que faz dessas edições?
O Balanço é bastante positivo, tendo em conta as já 8 edições
realizadas, sempre com a vontade que a próxima edição seja melhor. É
claro que não tem sido fácil, devido às dificuldades financeiras com que
nos deparamos todos os anos, porque um Festival com um orçamento
arrojado é sem sempre diferente, quando temos um orçamento reduzido como
o nosso. Mas dentro das nossas possibilidades temos tentado sempre
trazer à cidade grupos de muita qualidade, da chamada World Music, o
mais diversificado possível, e que sejam essencialmente uma novidade
para os albicastrenses.
Estiveram em Maio de 2007 a
representar Portugal no 4º Festival Internacional de Ollin Kan Tlalpan,
no México. Como surgiu a oportunidade e como foi a experiência?
Sendo este um dos Festivais mais importantes do mundo, foi sem dúvida
uma participação que trouxe ao Grupo uma experiência única e uma
responsabilidade acrescida, pois não só estávamos entre os melhores
grupos da World Music dos cerca de 40 países e mais de 100 grupos que
participaram, como também tínhamos a defender a música tradicional
portuguesa, o nosso país e a nossa cidade. O Musicalbi realizou três
concertos, e em todos o entusiasmo do público foi talvez o ponto alto da
nossa deslocação. A nossa ida, ou seja a escolha de um grupo do interior
do país, não muito conhecido internacionalmente foi sem dúvida uma
grande surpresa para muitos, mas tudo isto se deve ao trabalho positivo
que o Musicalbi tem desenvolvido nos últimos anos, e este trabalho foi
reconhecido por um produtor de espectáculos “Carlos Bartilotti” que
apostou no Musicalbi, e pelo que se passou no México foi uma aposta
ganha.
A aposta é na crescente
Internacionalização do grupo?
Podemos dizer que sim. Lembre-se que logo a seguir ao México o Musicalbi
este presente num Festival na cidade de Pulawy na Polónia, e seis meses
depois foi novamente convidado a estar neste país para dois concertos.
Isto mostra que o Musicalbi de hoje, tem todas as condições para fazer
grandes prestações nos vários Festivais que se fazem por esse mundo,
pois a sua qualidade está ao nível de outros grupos estrangeiros. Pena é
que talvez a nossa interioridade nos tenha dado menos possibilidade para
o fazermos mais vezes, pois quem diz que uma pequena cidade do interior
como a nossa, tem um dos melhores grupos Portugueses de música
Tradicional? Além disso é bom que as pessoas não se esqueçam que o
Musicalbi é uma Associação sem fins lucrativos(...).
Mastiço é o nome do último trabalho
discográfico do Grupo. Como caracteriza esse trabalho?
Mastiço, é o regresso dos Musicalbi ao mundo discográfico, depois de
sete anos de interregno desde o seu último CD intitulado “Entrelaços”
Neste novo trabalho há uma maior maturidade na composição e na
interpretação dos músicos. O alinhamento é bastante variado, começando
com a música tradicional portuguesa, do Minho ao Alentejo, viajando até
à Galiza, Bretanha e países Árabes. Este trabalho assenta numa tónica
muito peculiar que é a riqueza tímbrica de todo o CD, este facto deve-se
à polivalência dos músicos que executam vários instrumentos,
nomeadamente a harpa celta, violino, gaita-de-foles, voz, flautas,
guitarra, piano, bandolim, bouzuki, baixo, acordeão, bateria, percussões
de vários países.
Eugénia Sousa
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