Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº122    Abril 2008

Cultura

GENTE & LIVROS

Fernando Nobre

«Tenho apenas uma pretensão: a de ser um espírito livre. Acredito que a consciência humana é o que há de mais belo porque, quando impoluta, é inquebrantável, indomável e não se vende, e dou como exemplo admirável o insigne cônsul Aristides de Sousa Mendes, de ilustre memória para toda a Humanidade, a sua intransigente e justa defesa dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Dito isto, entendo que há momentos em que, como todo o ser humano, tenho o dever indeclinável de dar um grito de protesto, por imperativo de consciência: é o que tenho feito e espero poder continuar a fazer, enquanto tiver força e oportunidade, contra as injustiças, venham elas de onde vierem.»

In Gritos Contra a Indiferença
 

Médico, missionário e humanista Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre nasceu a 16 de Dezembro de 1951, em Luanda. Em 1964 parte com a família para viver no Congo, e três anos depois muda-se para Bruxelas. Estudou Medicina na Universidade Livre de Bruxelas, onde foi assistente, e se especializou em Cirurgia Geral e Urologia.

Ingressa nos Médicos Sem Fronteiras onde desempenha o cargo de administrador.

Vem viver para Portugal, país das suas raízes paternas, e a 5 de Dezembro de 1984 funda a AMI, Assistência Médica Internacional, que preside até hoje.

Sempre ao leme da AMI participa como cirurgião em mais de duzentas missões de estudo, coordenação e assistência médica humanitária em mais de meia centena de países em todo o mundo.

É Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina da Universidade Lisboa; Académico Correspondente da Academia Internacional de Cultura Portuguesa; membro da Real Sociedade de Cirurgia (Bélgica), da Associação Europeia de Urologia e da Associação Portuguesa de Urologia.

Afirma que não é escritor mas escreveu três livros com a mesma prosa forte, sincera e comovente. Viagens contra a Indiferença (2005) onde narra as viagens que fez ao serviço da AMI; Gritos Contra a Indiferença (2007) compilação de textos de conferências e artigos publicados ; Cartas a Deus (2006) em que escreve e convida outras individualidades portuguesas a dirigir uma missiva a Deus.

O seu trabalho humanitário é conhecido em Portugal e no mundo e já lhe valeu vários prémios e distinções como a de Grande Oficial da Ordem do Mérito e Medalha de Ouro para os Direitos Humanos da Assembleia da República.

Defensor de uma nova ordem, a Cidadania Global Solidária, em que os Direitos Humanos serão por fim respeitados, a sua vida e a sua obra têm clamado bem alto em defensa dos mais belos e dignos ideais. Mais forte talvez porque não luta por si mas pelos outros, há trinta anos que se bate contra todas as doenças, nomeadamente a indiferença. Num mundo de fáceis desistências faz a diferença ao acreditar que valores como a Paz, a Solidariedade, a Fraternidade, a Igualdade, e a Liberdade são possíveis e ao não desistir nunca de quem sofre. Fernando Nobre possui o que de melhor distingue os melhores. A generosidade, a sua coragem na defesa dos outros, a extrema liberdade ao combater os males que tiranizam a humanidade.

Admirador do cônsul Aristides de Sousa Mendes e do missionário alemão Albert Schweitzer, sonha tal como este último vir a construir um hospital em África.

Fernando Nobre é casado com Luísa Nemésio, neta de Victorino Nemésio, e é pai de quatro filhos.

Gritos Contra a Indiferença. O livro reúne vários artigos publicados e textos de conferências proferidas por Fernando Nobre nos últimos dez anos, em seminários, escolas, institutos, fundações, universidades e outros agrupamentos. Como o próprio autor diz na introdução «são os meus gritos, pois o sofrimento que acumulei nos últimos trinta anos me impede de murmurar (…)» e continua depois «Como desculpa para esses meus gritos…de rato (sempre afirmei que preferia ser a cabeça do rato do que rabo do elefante!), invoco a dor acumulada no contacto longo e quase permanente com o sofrimento do outro, sempre meu irmão».

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades literárias

Dom Quixote. O Enigma de Paris, de Pablo De Santis. Exposição Universal de Paris, 1889. Os investigadores mais famosos do mundo, os Doze Detectives, reúnem-se na cidade luz. O Clube tem por missão trazer a público os seus casos mais célebres, a filosofia de cada investigação, e o que esconde cada crime. Mas a estranha morte de um dos doze, precipitado da Torre Eifell então em construção, leva estes homens brilhantes numa perseguição, ao que as pistas indicam, de um assassino em série.
 

Gradiva. Expiação, de Ian McEwan. Inglaterra, Verão de 1935. Briony Tallis, de 13 anos vê a irmã despir-se e mergulhar na fonte que existe no jardim de sua casa. Cecília é também observada por Robbie Turner, um amigo de infância, que tal como ela, regressou há pouco tempo de Cambridge. No dia mais quente desse Verão, os três ultrapassam uma fronteira que nem sequer sabiam existir. Cecília e Robbie vão ser vítimas da imaginação de Briony e esta vai cometer um crime que procurará expiar pela vida inteira. Expiação é um extraordinário romance que fala de guerra, amor, infância, crime e castigo.
 

Difel. Água aos Elefantes, de Sara Gruen. Com noventa anos, Jacob Jankowski recorda a sua vida no circo. Decorriam os primeiros anos da Grande Depressão, Jacob era um veterinário recém-licenciado a quem deram a tarefa de cuidar de Rosie, a aparentemente indomável elefante-fêmea e esperança daquela companhia. É lá que conhece Marlena, a belíssima estrela do número equestre, e o marido, o cruel tratador de animais. Marlena será o seu maior e impossível amor, e a única hipótese de redenção.
 

Cavalo de Ferro. Pequeno Grande Homem, de Thomas Berger. Esta é a vida de Jack Crabb, contada por ele próprio. A infância é passada com os Índios Cheyenne, até ao dia que a tribo é massacrada pelo exército americano. O acontecimento irá marcar e condicionar o seu reencontro com o mundo dos brancos mas não o impede de ter uma vida cheia de aventuras. Conhece pistoleiros famosos como Wild Bill Hickok e Calamity Jane, assiste a duelos históricos e será o único sobrevivente branco da batalha de Little Big Horn. Uma grande, grande história.
 

Presença. O Charme Discreto da Vida Conjugal, de Douglas Kennedy. Hannah atingiu a maioridade na América dos sixties. Apesar do contexto social e dos pais liberais, é uma jovem recatada que casa cedo com um médico tranquilo. Passam trinta anos e a sua vida decorre placidamente na cidade provinciana que escolheu para viver. Até ao momento em que a única infracção que cometeu é descoberta, e o segredo e a culpa a atiram para o julgamento feroz de uma sociedade conservadora e fria.
 

Piaget. Como as Crianças Aprendem a Falar, de Jerome Bruner. Para o autor, um dos maiores psicólogos da actualidade, a língua é adquirida enquanto instrumento de regulação na interacção social, insistindo mais na função da linguagem do que na sua forma. O jogo partilhado e ritualizado permite à criança descobrir o papel da própria comunicação e as estruturas dos actos em que intervém. Assim, a presença do adulto é fundamental, não tanto para criar mecanismos de imitação no bebé mas sim para interpretar e formalizar os seus «sinais».
 

Europa-América. Sebenta Criativa para Estudantes de Jornalismo, de Luís Carmelo. Os vários aspectos teórico-práticos dos géneros jorna-lísticos como a crónica, a entrevista, a reportagem, a variante crítica, o jornalismo de divulgação, as práticas de persuasão e os textos de viagem constituem mais de metade da presente obra e aliam-se à concepção de oficina da escrita. Um interessante desafio proposto aos futuros jornalistas para desenvolver e testar conhecimentos com exercícios de escrita.

 

 

MÁRIO ZAMBUJAL EM ENTREVISTA

Crónicas com sabor a jornalismo

Autor de um verdadeiro best-seller português, por essa “Crónica” o seu nome fica ligado ao título “Bom Malandro”. Em prosa franca e bem-humorada, Mário Zambujal, uma vida dedicada ao jornalismo e alguns bons livros pelo meio, conta-nos como se escreveu o seu percurso na imprensa nacional. O dia 25 de Abril de 1974 encontra-o como chefe de redacção do jornal O Século e esta foi a notícia que mais gostou de ter dado. Aborda as grandes mudanças que tem vindo a acontecer na profissão, e como os jornalistas da velha guarda, «técnicos de ideias gerais,» a braços com a censura, e sem grandes recursos tecnológicos deram lugar a um jornalismo cada vez mais especializado, livre, e apoiado nas novas tecnologias. Com a palavra escrita mantém uma relação especial. A televisão foi uma via importante da sua vida profissional mas não chegou a ser uma paixão, pois também se confessa um «bocado tímido». No sossego da sua casa Mário Zambujal termina um livro a sair para breve. Um romance que também fala de um malandro, mas é no fundo uma história de amor.
 

Quase trinta anos depois, A Crónica dos Bons Malandros continua a dizer muito, aos muitos que o leram. E ao próprio autor o que é que diz o livro?

Diz-me aquilo que foi a forma como ele nasceu. Foi praticamente uma exigência dos meus amigos. Porque eu escrevia coisas nos jornais, escrevia muitas crónicas “brincadas”, e tinha alguma insistência da parte dos meus amigos para escrever um livrito. Fiz aquilo num tempo recorde para me distrair com eles, para brincar, nunca pensei que o livro pegasse e quase trinta anos depois, ainda saíam edições. Nunca me passaria pela cabeça, pois era um livro sem nenhuma espécie de ambições. Mas o livro pegou e ai está ainda.
 

Diz-se fundamentalmente jornalista mas escreveu cinco livros que se revelaram outros tantos êxitos. Como explica esse sucesso?

Antes de me iniciar nos jornais, escrevia pequenos contos e coisas assim, - muito miúdo, quinze anos, catorze anos. Escrevia no Ridículos, um jornal satírico que se publicava em Lisboa, - eu vivia no Algarve então. Nessa altura, foi um professor de português meu que me convenceu a mandar para o Ridículos, uma redacção escolar que eu tinha feita, e que era um conto. Depois comecei a escrever esses contos no Ridículos. O jornalismo vem mais tarde. Julgo que tinha alguma apetência para a escrita e alguma vontade de brincar com as palavras. Há uma relação, qualquer coisa de comum entre a ficção e a realidade, que é a escrita. Tanto no jornalismo, como nos contos ou na ficção que mais tarde vim a escrever, exercia a escrita - o uso das palavras, a sua arrumação fazendo frases e transmitindo ideias. Temos sempre o mesmo material, os mesmos tijolos, que são as palavras. No jornalismo, tentamos reproduzir o mundo real, na ficção é um mundo inventado, mas o material de construção são as palavras.
 

Passou da imprensa escrita para a RTP, onde trabalhou como jornalista desportivo; criou e esteve à frente de outros e vários programas. A televisão é uma paixão?

Não foi. Aquilo assustava-me imenso, aquela maquinaria, os holofotes. Eu sou um homem simples, só fui para ali por insistência do Serafim Marques, queria que eu fosse fazer um programa. Eu ficava aterrado só de olhar para aquilo, não tinha nenhuma apetência para fazer televisão. Acabei por ceder, como muita vez tenho cedido com os amigos. Agora, olhando para trás, não digo que não foi uma via também importante da minha vida profissional, porque foi. Mas realmente aquilo aterrava-me.
 

É nos jornais que se sente casa?

Sim. As minhas palavras são mais as escritas. Eu sou um bocado tímido, embora muita gente pense que não. A televisão é por si mesmo exibição. A pessoa aparece e esta ali a exibir-se, não tem o recato da escrita. Agora estou a acabar um livrinho, na minha casa, no meu sossego. É um grande isolamento, mas é bom.
 

A boa notícia é que está a escrever um livro, pode levantar um pouco o véu?

Estou a acabar. Não posso muito, mas posso dizer que também tem a ver com um malandro. É a história de um libertino que anda por aí a fazer maldades. Mas é uma história de amor.
 

Voltando à televisão, como analisa os canais genéricos?

Os canais genéricos fazem pouca diferença em termos mundiais. Há três ou quatro coisas que aparecem sempre nas televisões, sejam elas onde forem: os concursos, as séries, as novelas, debates... O que há para meter num canal de televisão não é muito diversificado. Meia dúzia de coisas chegam, e já se sabe que cabem ali. A diferença está na quantidade, na dosagem que sai desse cozinhado, nas características, e no empenho que as pessoas têm de fazer uma televisão mais a sério. Porque existe a ideia que a televisão é acima de tudo um divertimento, um entretenimento, mas não é verdade. É o meio de comunicação das grandes massas e há que aproveitar essa força para também ajudar as pessoas a saber mais alguma coisa. Talvez se consiga através da televisão, porque as pessoas vêem, e tanto podem ver maus programas, como podem ver bons programas.
 

No seu livro À Noite Logo se Vê, Cacildo Tavares é um sacrificado repórter da velha guarda. Como eram os jornalistas da velha guarda e como é que são hoje os jornalistas?

Os jornalistas da velha guarda eram pau para toda a obra. Hoje, ainda existe o repórter de rua, que vai a este ou aquele acontecimento indiferenciado. Mas houve um tempo em que os jornalistas tinham de escrever de tudo, eram técnicos de ideias gerais, não sabiam profundamente nada. Estou a falar de um tempo anterior a uma progressiva especialização. Agora há uma especialização, jornalismo de economia, jornalismo cultural, jornalismo disto e daquilo, e há pessoas que têm esses sectores, movem-se apenas nesses sectores e vão-se especializando.

O repórter de desastres, como era esse Cacildo, não deixava de ser um especialista, mas era o azar dele, eram só tragédias. Existiram pessoas que levaram uma vida inteira “a fazer” os tais desastres, coisas dessa natureza e esse jornalismo continua ainda a existir um pouco. Só que a vida está mais diversificada, e sobretudo as razões que levam um jornalista a ir aqui ou ali também são mais diversificadas. Não há verdadeiramente censura, e não vale a pena dizer que há, porque não há. Isso leva a que se fale mais sobre mais assuntos, e que se faça jornalismo com temas que eram perfeitamente tabu. Acontecimentos que antes eram inacessíveis, e nem valia a pena tentar.
 

Houve alguma notícia que tenha gostado mais de ter escrito ou transmitido de alguma forma?

O 25 de Abril. Eu era chefe de redacção do jornal O Século, na altura. Fiz várias edições sobre o dia 25, e no dia 26 ainda estava a fazer edições sucessivas. Foi o acontecimento em que o cidadão se confundia com o jornalista, - o jornalista é um cidadão -, mas um cidadão particular, emocional, sem distanciamento da notícia. Ali estava inteiramente do lado da notícia, a ter um prazer não só profissional, como pessoal. O jornalista era apenas dominado pela sua alegria pessoal, uma enorme satisfação.
 

Como é que tomou conhecimento do 25 de Abril?

Tinha alguns amigos que andavam muito dentro dos assuntos, e de vez em quando eles diziam «desta vez é que é», e eu já desacreditava. Nessa noite estava a fechar o Século. Eu, os tipógrafos e mais um subchefe da redacção. Ia-me embora, eram duas ou três horas da manhã. Estava também a telefonista, ficava lá toda a noite. Um amigo nosso, que por acaso até era uma pessoa ligada à mocidade portuguesa, telefonou-me a dizer que havia soldados a saltar o muro da emissora nacional. Juntei isso àquelas coisas que tinha, e seguia com alguma incredulidade, e percebi «É hoje, afinal é hoje». Então disse à Dona Alexandrina, a telefonista «ligue para toda a gente, estejam a fazer o que estiverem, - mesmo que seja bom -, e venham todos para aqui». Juntámos às três da manhã uma redacção em peso, atacamos o acontecimento em grande força, e ainda hoje nas paredes do sindicato dos jornalistas, estão reproduções das sucessivas edições das primeiras páginas do Século. A primeira edição falava de um levantamento, uma coisa ainda muito vaga, e meia hora depois estávamos a fazer outra edição com mais elementos, e outra e outra, e fizemos várias edições. Tomei conhecimento porque me avisaram que as coisas estavam em curso e depois na minha cabeça ligou-se tudo. O falecido escritor Álvaro Guerra, - que era um bom escritor e uma grande pessoa, - dizia de vez em quando: «isto já não demora, está quase». E eu já me divertia com isso «eh pá está bem». Depois eram desilusões, e isso tornou-me um bocadinho menos crente. Mas sabia que a notícia havia de chegar, até que chegou por essa via.
 

Confessou-se um homem de muitas paixões. Sempre encontrou a determinação e a coragem necessárias para as viver?

Sou de ímpetos. Paixões, algumas não são passageiras algumas são paixões profundas, contínuas e permanentes, como a família, Portugal. Gosto muito deste país. Tenho valores permanentes e depois tenho manias de época, coisas que me seduzem, mas coisas transitórias. Sou um bocadinho inconstante. Há coisas que em certa altura me entusiasmam muito e depois deixam de me entusiasmar.
 

O seu sentido de humor é bastante conhecido. Recorda alguma história do mundo dos jornais que o tenha divertido particularmente.

Lembro-me de uma história que era do tempo em que o Século – isto em 1940 - publicava também notícias das individualidades. E uma vez saiu uma notícia de um juramento de bandeira, ao lado da notícia do nascimento do filho de um general. A última linha do juramento de bandeira, tinha uma gralha, um erro. A revisão marcou o erro, o tipógrafo tirou a linha, - isto era em chumbo - e em vez de a colocar na vertical, não o fez. E o texto saiu assim: «pelo seu bom sucesso a ilustre senhora dona fulana de tal, muito ilustre esposa do senhor general fulano tal, deu à luz um robusto pimpolho do sexo masculino...E terminava: os nossos parabéns ao regimento».
 

Esteve na redacção de muitos jornais nacionais como o Record, o Diário de Lisboa, o Século, o Diário de Notícias ou o Sete. Mas começou no jornalismo desportivo?

Comecei por escrever contos no Ridículos, que era um jornal no bairro alto - sempre fui atraído pelo bairro alto, mas também os jornais nessa altura eram quase todos aí. Houve uma altura em que o correspondente do jornal a Bola adoeceu e disseram-lhe que podia estar seis meses impraticável. Como eu jogava futebol e basquetebol, ele pediu-me para lhe fazer o trabalho do jornal a Bola, no Algarve, enquanto ele estivesse doente. O jornal convidou-me para vir para cima e eu ainda hesitei bastante, porque o Algarve sempre eram oito meses de praia. Mas acabei por vir. Entrei para o jornalismo por via destes acidentes da vida, em que a ela é fértil.
 

Houve algum jornal onde gostasse mais de ter trabalhado ou prefere não destacar nenhum?

Na Bola fui muito bem tratado. Foi o primeiro jornal onde trabalhei como profissional e tenho uma grande estima. Também pelo Diário de Lisboa e pelo Século. Estive noutros, gostei de estar no Diário de Notícias, e era muito honroso chegar a chefe de redacção. Mas foram períodos mais curtos. No Século e no Diário de Lisboa senti muito o gosto de estar plenamente. Depois de ter passado pelo Século e pelo Diário de Notícias, que eram jornais centenários, dizia que haveria de fazer um jornal desde o número um, sem nada para trás, porque há coisas que nunca mais se emendam. Fui mesmo para um jornal desde o número um, que foi o Sete. Deu-me prazer fazê-lo, embora seja um jornal de especialidade, um jornal de Artes e espectáculos.
 

O jornalismo desportivo pode ser uma boa escola para avançar noutras áreas?

Pode e tem-se mostrado. Várias pessoas fizeram a passagem no início, pelo jornalismo desportivo. Houve uma altura em que o único jornalismo livre era o desportivo. Quando comecei a viajar para o estrangeiro falava com jornalistas de outros jornais que me diziam «que sorte pá, eu o mais longe que vou é à Senhora de Fátima». Nesses anos da censura, trabalhar no jornalismo desportivo era uma libertação. Havia coisas que entravam no lado da sociedade que também não se podiam dizer, por exemplo, que o rapazinho que jogava agora à bola, sofrera de uma pobreza extrema. Mas de resto tínhamos liberdade de movimentos. Era um jornalismo sectorial e o pontapé na bola não se importavam muito que falássemos. Os enviados especiais faziam imensas viagens e isso dava traquejo. O jornalista era muito mais desenrascado do que os outros todos. Era um tipo habituado a sofrer com as viagens e na maneira de colocar cá o trabalho. Não havia telemóveis, Internet, ou computadores.
 

O jornalista era um homem só com o seu bloco de notas e a esferográfica?

Exactamente. E um cartão para mandar telegramas da Marconi. Os telefones às vezes levavam tempos infinitos e um jornal é feito de pressas, de momentos, de minutos. Estávamos às vezes em sítios, aflitos com as ligações. Tinha outra dureza.

Eugénia Sousa

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Quando se Apagam as Estrelas

Morreu Charlton Heston e Paul Scofield. Mais duas perdas irreparáveis para a sétima arte. Em registos completamente diferentes, cada um à sua maneira marcou de forma indelével um período dourado do cinema.

Paul Scofield, que morreu no passado dia 19 de Março aos 86 anos, foi justamente considerado um dos melhores, senão mesmo o melhor intérprete de Shakespeare. Avesso à fama, foi no teatro que sempre quis estar, apesar de ter entrado em mais de três dezenas de filmes, o mais célebre dos quais “A Man For All Seasons” (Um Homem para a Eternidade, 1966), realizado por Fred Zinneman e que valeu a Scofield o Oscar de melhor actor, a cuja cerimónia de entrega não compareceu, pois ficou em casa com a mulher e um casal amigo a beber uma taça de champanhe. Para além de adaptações cinematográficas de peças de Shakespeare, claro, “King Lear” (1971), de Peter Brook, “Henry V” (1989), de Kenneth Branagh e “Hamlet” (1990), de Franco Zeffirelli, pudemos vê-lo em “O Comboio” (1964), de John Frankenheimer, “O Escorpião” (1974), de Michael Winner e “Quis Show” (1994), de Robert Redford, para além da sua participação em várias películas para televisão. Mas, a sua paixão era o teatro, aí se sentia bem e por ele renunciou aos milhões e fama do cinema. Em 1962, também pela sua interpretação de Sir Thomas More em “A Man for All Seasons”, já recebera o Tony de melhor actor, o equivalente para o teatro do Óscar para o cinema.

Quanto a Charlton Heston, falecido no passado dia 5 de Abril, é um homem do cinema e uma das últimas lendas vivas dos anos de ouro de Hollywood, reconhecido pelos papéis “bigger than life” que fizeram dele o grande senhor dos filmes épicos. Perfeccionista, atlético, normalmente dispensava duplos, dedicava-se com alma e coração à preparação dos personagens.

Nascido a 4 de Outubro de 1924, estreou-se no cinema numa adaptação amadora de “Peer Gynt” em 1941. Depois de fazer de Marco António em “Julius Caesar” (1950), de Stuart Burge, o primeiro papel à sua medida acontece em “The Greatest Show on Earth” (O Maior Espectáculo do Mundo, 1952), de Cecil B. DeMille e que faz dele um dos actores mais populares da época, faceta que será reforçada e aumentada com o seu papel de Moisés, o profeta que teimou em interpretar descalço, no blockbuster “Os Dez Mandamentos” (1956), mais uma vez com DeMille. Mas, a consagração suprema vem com “Ben-Hur” (1959), dirigido por William Wyler, o paradigma das super produções bíblicos, vencedor de 11 Óscar da Academia, nos quais se inclui o de melhor actor para Heston. A célebre e citadíssima corrida de quadrigas ficará como um dos momentos altos da História do cinema, por cá repetida quase todas as Páscoas, e se por mais não fosse, jamais esqueceríamos aquele príncipe judeu sedento de vingança, que como se provou se serve fria, na pessoa do vilão Massala, outra grande interpretação, desta feita de Stephen Boyd. Ainda no registo de heróis clássicos, uma nota para o seu papel de Cid Campeador, em “El Cid” (1961), de Anthony Mann, com Sophia Loren.

Mas não se pense que Charlton Heston se dedicou exclusivamente a este tipo de papéis a que a sua imponente figura se adaptava na perfeição. Para além daquele fácies granítico, diz-se que DeMille o escolheu para Moisés porque o achou parecido com o da estátua de Miguel Ângelo, tinha um respeitável metro e noventa e um. Em 1958 garantiu que Orson Welles realizasse uma das obras-primas do cinema negro “A Touch of Evil”, actuando sem salário, ficando apenas com 7,5% das receitas, que na época não foram muitas, quando a reputação do realizador não era de molde a granjear as simpatias dos estúdios. E em 1968 embarca noutra aventura: “O Planeta dos Macacos”, de Franklin J. Schaffner, uma fábula sobre a decadência da civilização, aqui a avançada, os macacos, trata os humanos, a espécie inferior, como animais selvagens. O êxito da fita proporcionou-lhe três sequelas mas Heston só entrou na primeira, “Regresso ao Planeta dos Macacos”, 1969 de Ted Post. Ainda nas suas incursões pela ficção científica, retemos o filme “Soylent Green” (À Beira do Fim, 1973), de Richard Fleisher: a degradação do nosso planeta analisada numa fábula distópica, por trás de uma sinistra e amarga verdade.

A referência à sua filmografia não fica completa sem falarmos de “55 Dias em Pequim”, (1963), de Nicholas Ray, em que contracena com Ava Gardner, ou “Terramoto” (1974), de Mark Robson, ainda com Ava Gardner, no tempo em que os filmes (de) catástrofe estavam a dar, ou “A Agonia e o Êxtase” (1965), de Carol Reed, em que faz de Miguel Ângelo.

Nos últimos tempos, Charlton Heston era referido pelas suas posições como presidente da National Rifle Association, o fortíssimo lobbie das armas nas terras do Tio Sam, ou pelo apoio aos últimos presidentes republicanos do seu país. Tudo bem. Mas convém não esquecer que nos anos quentes da luta pelos direitos civis, em 1963, esteve ao lado de Martin Luther King na Marcha pelos Direitos Civis que se dirigiu a Washington, numa altura em que era preciso tê-los no sítio para estar ao lado dos negros. Ao fim e ao cabo o homem já tinha dividido ao meio o Mar Vermelho e afogado um exército. O resto é balelas.

Até à próxima e bons filmes!.

Luís Dinis da Rosa

 

 

 

PELA OBJECTIVA DE J. VASCO

Vozes de Abril

Realizou-se no passado dia 4 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, completamente esgotado, o espectáculo Vozes de Abril, iniciativa da Associação 25 de Abril que contou com o apoio da RTP. Por lá passaram Fernando Tordo, Francisco Fanhais, Maria Barroso (na imagem da esquerda para a direita), Estudantina de Lisboa, Lua Extravagante, Manuel Freire, Luís Goes, Carlos Carranca, Jacinta, Joaquim Pessoa, Vítor de Sousa, José Mário Branco, Adelino Gomes, João Paulo Guerra, Joaquim Furtado, Patxi Andion, entre muitos outros. Na primeira fila da assistência para além de vários militares de Abril, estavam também Ramalho e Manuela Eanes, Almeida Santos e António Costa.


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