GENTE & LIVROS
Fernando Nobre

«Tenho apenas uma
pretensão: a de ser um espírito livre. Acredito que a consciência humana
é o que há de mais belo porque, quando impoluta, é inquebrantável,
indomável e não se vende, e dou como exemplo admirável o insigne cônsul
Aristides de Sousa Mendes, de ilustre memória para toda a Humanidade, a
sua intransigente e justa defesa dos judeus durante a Segunda Guerra
Mundial.
Dito isto, entendo que há momentos em que, como todo o ser humano, tenho
o dever indeclinável de dar um grito de protesto, por imperativo de
consciência: é o que tenho feito e espero poder continuar a fazer,
enquanto tiver força e oportunidade, contra as injustiças, venham elas
de onde vierem.»
In Gritos Contra a Indiferença
Médico, missionário e
humanista Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre nasceu a 16 de
Dezembro de 1951, em Luanda. Em 1964 parte com a família para viver no
Congo, e três anos depois muda-se para Bruxelas. Estudou Medicina na
Universidade Livre de Bruxelas, onde foi assistente, e se especializou
em Cirurgia Geral e Urologia.
Ingressa nos Médicos Sem Fronteiras onde desempenha o cargo de
administrador.
Vem viver para Portugal, país das suas raízes paternas, e a 5 de
Dezembro de 1984 funda a AMI, Assistência Médica Internacional, que
preside até hoje.
Sempre ao leme da AMI participa como cirurgião em mais de duzentas
missões de estudo, coordenação e assistência médica humanitária em mais
de meia centena de países em todo o mundo.
É Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina da Universidade
Lisboa; Académico Correspondente da Academia Internacional de Cultura
Portuguesa; membro da Real Sociedade de Cirurgia (Bélgica), da
Associação Europeia de Urologia e da Associação Portuguesa de Urologia.
Afirma que não é escritor mas escreveu três livros com a mesma prosa
forte, sincera e comovente. Viagens contra a Indiferença (2005) onde
narra as viagens que fez ao serviço da AMI; Gritos Contra a Indiferença
(2007) compilação de textos de conferências e artigos publicados ;
Cartas a Deus (2006) em que escreve e convida outras individualidades
portuguesas a dirigir uma missiva a Deus.
O seu trabalho humanitário é conhecido em Portugal e no mundo e já lhe
valeu vários prémios e distinções como a de Grande Oficial da Ordem do
Mérito e Medalha de Ouro para os Direitos Humanos da Assembleia da
República.
Defensor de uma nova ordem, a Cidadania Global Solidária, em que os
Direitos Humanos serão por fim respeitados, a sua vida e a sua obra têm
clamado bem alto em defensa dos mais belos e dignos ideais. Mais forte
talvez porque não luta por si mas pelos outros, há trinta anos que se
bate contra todas as doenças, nomeadamente a indiferença. Num mundo de
fáceis desistências faz a diferença ao acreditar que valores como a Paz,
a Solidariedade, a Fraternidade, a Igualdade, e a Liberdade são
possíveis e ao não desistir nunca de quem sofre. Fernando Nobre possui o
que de melhor distingue os melhores. A generosidade, a sua coragem na
defesa dos outros, a extrema liberdade ao combater os males que
tiranizam a humanidade.
Admirador do cônsul Aristides de Sousa Mendes e do missionário alemão
Albert Schweitzer, sonha tal como este último vir a construir um
hospital em África.
Fernando Nobre é casado com Luísa Nemésio, neta de Victorino Nemésio, e
é pai de quatro filhos.
Gritos Contra a Indiferença. O livro reúne vários artigos publicados e
textos de conferências proferidas por Fernando Nobre nos últimos dez
anos, em seminários, escolas, institutos, fundações, universidades e
outros agrupamentos. Como o próprio autor diz na introdução «são os meus
gritos, pois o sofrimento que acumulei nos últimos trinta anos me impede
de murmurar (…)» e continua depois «Como desculpa para esses meus
gritos…de rato (sempre afirmei que preferia ser a cabeça do rato do que
rabo do elefante!), invoco a dor acumulada no contacto longo e quase
permanente com o sofrimento do outro, sempre meu irmão». 
Eugénia Sousa
LIVROS
Novidades literárias
Dom Quixote. O Enigma de Paris, de
Pablo De Santis. Exposição Universal de Paris, 1889. Os investigadores
mais famosos do mundo, os Doze Detectives, reúnem-se na cidade luz. O
Clube tem por missão trazer a público os seus casos mais célebres, a
filosofia de cada investigação, e o que esconde cada crime. Mas a
estranha morte de um dos doze, precipitado da Torre Eifell então em
construção, leva estes homens brilhantes numa perseguição, ao que as
pistas indicam, de um assassino em série.
Gradiva. Expiação, de Ian McEwan.
Inglaterra, Verão de 1935. Briony Tallis, de 13 anos vê a irmã despir-se
e mergulhar na fonte que existe no jardim de sua casa. Cecília é também
observada por Robbie Turner, um amigo de infância, que tal como ela,
regressou há pouco tempo de Cambridge. No dia mais quente desse Verão,
os três ultrapassam uma fronteira que nem sequer sabiam existir. Cecília
e Robbie vão ser vítimas da imaginação de Briony e esta vai cometer um
crime que procurará expiar pela vida inteira. Expiação é um
extraordinário romance que fala de guerra, amor, infância, crime e
castigo.
Difel. Água aos Elefantes, de
Sara Gruen. Com noventa anos, Jacob Jankowski recorda a sua vida no
circo. Decorriam os primeiros anos da Grande Depressão, Jacob era um
veterinário recém-licenciado a quem deram a tarefa de cuidar de Rosie, a
aparentemente indomável elefante-fêmea e esperança daquela companhia. É
lá que conhece Marlena, a belíssima estrela do número equestre, e o
marido, o cruel tratador de animais. Marlena será o seu maior e
impossível amor, e a única hipótese de redenção.
Cavalo de Ferro. Pequeno Grande
Homem, de Thomas Berger. Esta é a vida de Jack Crabb, contada por ele
próprio. A infância é passada com os Índios Cheyenne, até ao dia que a
tribo é massacrada pelo exército americano. O acontecimento irá marcar e
condicionar o seu reencontro com o mundo dos brancos mas não o impede de
ter uma vida cheia de aventuras. Conhece pistoleiros famosos como Wild
Bill Hickok e Calamity Jane, assiste a duelos históricos e será o único
sobrevivente branco da batalha de Little Big Horn. Uma grande, grande
história.
Presença. O Charme Discreto da
Vida Conjugal, de Douglas Kennedy. Hannah atingiu a maioridade na
América dos sixties. Apesar do contexto social e dos pais liberais, é
uma jovem recatada que casa cedo com um médico tranquilo. Passam trinta
anos e a sua vida decorre placidamente na cidade provinciana que
escolheu para viver. Até ao momento em que a única infracção que cometeu
é descoberta, e o segredo e a culpa a atiram para o julgamento feroz de
uma sociedade conservadora e fria.
Piaget. Como as Crianças
Aprendem a Falar, de Jerome Bruner. Para o autor, um dos maiores
psicólogos da actualidade, a língua é adquirida enquanto instrumento de
regulação na interacção social, insistindo mais na função da linguagem
do que na sua forma. O jogo partilhado e ritualizado permite à criança
descobrir o papel da própria comunicação e as estruturas dos actos em
que intervém. Assim, a presença do adulto é fundamental, não tanto para
criar mecanismos de imitação no bebé mas sim para interpretar e
formalizar os seus «sinais».
Europa-América. Sebenta Criativa
para Estudantes de Jornalismo, de Luís Carmelo. Os vários aspectos
teórico-práticos dos géneros jorna-lísticos como a crónica, a
entrevista, a reportagem, a variante crítica, o jornalismo de
divulgação, as práticas de persuasão e os textos de viagem constituem
mais de metade da presente obra e aliam-se à concepção de oficina da
escrita. Um interessante desafio proposto aos futuros jornalistas para
desenvolver e testar conhecimentos com exercícios de escrita. 
MÁRIO ZAMBUJAL EM
ENTREVISTA
Crónicas com sabor a
jornalismo

Autor de um verdadeiro best-seller
português, por essa “Crónica” o seu nome fica ligado ao título “Bom
Malandro”. Em prosa franca e bem-humorada, Mário Zambujal, uma vida
dedicada ao jornalismo e alguns bons livros pelo meio, conta-nos como se
escreveu o seu percurso na imprensa nacional. O dia 25 de Abril de 1974
encontra-o como chefe de redacção do jornal O Século e esta foi a
notícia que mais gostou de ter dado. Aborda as grandes mudanças que tem
vindo a acontecer na profissão, e como os jornalistas da velha guarda,
«técnicos de ideias gerais,» a braços com a censura, e sem grandes
recursos tecnológicos deram lugar a um jornalismo cada vez mais
especializado, livre, e apoiado nas novas tecnologias. Com a palavra
escrita mantém uma relação especial. A televisão foi uma via importante
da sua vida profissional mas não chegou a ser uma paixão, pois também se
confessa um «bocado tímido». No sossego da sua casa Mário Zambujal
termina um livro a sair para breve. Um romance que também fala de um
malandro, mas é no fundo uma história de amor.
Quase trinta anos depois, A Crónica
dos Bons Malandros continua a dizer muito, aos muitos que o leram. E ao
próprio autor o que é que diz o livro?
Diz-me aquilo que foi a forma como ele nasceu. Foi praticamente uma
exigência dos meus amigos. Porque eu escrevia coisas nos jornais,
escrevia muitas crónicas “brincadas”, e tinha alguma insistência da
parte dos meus amigos para escrever um livrito. Fiz aquilo num tempo
recorde para me distrair com eles, para brincar, nunca pensei que o
livro pegasse e quase trinta anos depois, ainda saíam edições. Nunca me
passaria pela cabeça, pois era um livro sem nenhuma espécie de ambições.
Mas o livro pegou e ai está ainda.
Diz-se fundamentalmente jornalista
mas escreveu cinco livros que se revelaram outros tantos êxitos. Como
explica esse sucesso?
Antes de me iniciar nos jornais, escrevia pequenos contos e coisas
assim, - muito miúdo, quinze anos, catorze anos. Escrevia no Ridículos,
um jornal satírico que se publicava em Lisboa, - eu vivia no Algarve
então. Nessa altura, foi um professor de português meu que me convenceu
a mandar para o Ridículos, uma redacção escolar que eu tinha feita, e
que era um conto. Depois comecei a escrever esses contos no Ridículos. O
jornalismo vem mais tarde. Julgo que tinha alguma apetência para a
escrita e alguma vontade de brincar com as palavras. Há uma relação,
qualquer coisa de comum entre a ficção e a realidade, que é a escrita.
Tanto no jornalismo, como nos contos ou na ficção que mais tarde vim a
escrever, exercia a escrita - o uso das palavras, a sua arrumação
fazendo frases e transmitindo ideias. Temos sempre o mesmo material, os
mesmos tijolos, que são as palavras. No jornalismo, tentamos reproduzir
o mundo real, na ficção é um mundo inventado, mas o material de
construção são as palavras.
Passou da imprensa escrita para a
RTP, onde trabalhou como jornalista desportivo; criou e esteve à frente
de outros e vários programas. A televisão é uma paixão?
Não foi. Aquilo assustava-me imenso, aquela maquinaria, os holofotes. Eu
sou um homem simples, só fui para ali por insistência do Serafim
Marques, queria que eu fosse fazer um programa. Eu ficava aterrado só de
olhar para aquilo, não tinha nenhuma apetência para fazer televisão.
Acabei por ceder, como muita vez tenho cedido com os amigos. Agora,
olhando para trás, não digo que não foi uma via também importante da
minha vida profissional, porque foi. Mas realmente aquilo aterrava-me.
É nos jornais que se sente casa?
Sim. As minhas palavras são mais as escritas. Eu sou um bocado tímido,
embora muita gente pense que não. A televisão é por si mesmo exibição. A
pessoa aparece e esta ali a exibir-se, não tem o recato da escrita.
Agora estou a acabar um livrinho, na minha casa, no meu sossego. É um
grande isolamento, mas é bom.
A boa notícia é que está a escrever
um livro, pode levantar um pouco o véu?
Estou a acabar. Não posso muito, mas posso dizer que também tem a ver
com um malandro. É a história de um libertino que anda por aí a fazer
maldades. Mas é uma história de amor.
Voltando à televisão, como analisa
os canais genéricos?
Os canais genéricos fazem pouca diferença em termos mundiais. Há três ou
quatro coisas que aparecem sempre nas televisões, sejam elas onde forem:
os concursos, as séries, as novelas, debates... O que há para meter num
canal de televisão não é muito diversificado. Meia dúzia de coisas
chegam, e já se sabe que cabem ali. A diferença está na quantidade, na
dosagem que sai desse cozinhado, nas características, e no empenho que
as pessoas têm de fazer uma televisão mais a sério. Porque existe a
ideia que a televisão é acima de tudo um divertimento, um
entretenimento, mas não é verdade. É o meio de comunicação das grandes
massas e há que aproveitar essa força para também ajudar as pessoas a
saber mais alguma coisa. Talvez se consiga através da televisão, porque
as pessoas vêem, e tanto podem ver maus programas, como podem ver bons
programas.
No seu livro À Noite Logo se Vê,
Cacildo Tavares é um sacrificado repórter da velha guarda. Como eram os
jornalistas da velha guarda e como é que são hoje os jornalistas?
Os jornalistas da velha guarda eram pau para toda a obra. Hoje, ainda
existe o repórter de rua, que vai a este ou aquele acontecimento
indiferenciado. Mas houve um tempo em que os jornalistas tinham de
escrever de tudo, eram técnicos de ideias gerais, não sabiam
profundamente nada. Estou a falar de um tempo anterior a uma progressiva
especialização. Agora há uma especialização, jornalismo de economia,
jornalismo cultural, jornalismo disto e daquilo, e há pessoas que têm
esses sectores, movem-se apenas nesses sectores e vão-se especializando.
O repórter de desastres, como era esse Cacildo, não deixava de ser um
especialista, mas era o azar dele, eram só tragédias. Existiram pessoas
que levaram uma vida inteira “a fazer” os tais desastres, coisas dessa
natureza e esse jornalismo continua ainda a existir um pouco. Só que a
vida está mais diversificada, e sobretudo as razões que levam um
jornalista a ir aqui ou ali também são mais diversificadas. Não há
verdadeiramente censura, e não vale a pena dizer que há, porque não há.
Isso leva a que se fale mais sobre mais assuntos, e que se faça
jornalismo com temas que eram perfeitamente tabu. Acontecimentos que
antes eram inacessíveis, e nem valia a pena tentar.
Houve alguma notícia que tenha
gostado mais de ter escrito ou transmitido de alguma forma?
O 25 de Abril. Eu era chefe de redacção do jornal O Século, na altura.
Fiz várias edições sobre o dia 25, e no dia 26 ainda estava a fazer
edições sucessivas. Foi o acontecimento em que o cidadão se confundia
com o jornalista, - o jornalista é um cidadão -, mas um cidadão
particular, emocional, sem distanciamento da notícia. Ali estava
inteiramente do lado da notícia, a ter um prazer não só profissional,
como pessoal. O jornalista era apenas dominado pela sua alegria pessoal,
uma enorme satisfação.
Como é que tomou conhecimento do 25
de Abril?
Tinha alguns amigos que andavam muito dentro dos assuntos, e de vez em
quando eles diziam «desta vez é que é», e eu já desacreditava. Nessa
noite estava a fechar o Século. Eu, os tipógrafos e mais um subchefe da
redacção. Ia-me embora, eram duas ou três horas da manhã. Estava também
a telefonista, ficava lá toda a noite. Um amigo nosso, que por acaso até
era uma pessoa ligada à mocidade portuguesa, telefonou-me a dizer que
havia soldados a saltar o muro da emissora nacional. Juntei isso àquelas
coisas que tinha, e seguia com alguma incredulidade, e percebi «É hoje,
afinal é hoje». Então disse à Dona Alexandrina, a telefonista «ligue
para toda a gente, estejam a fazer o que estiverem, - mesmo que seja bom
-, e venham todos para aqui». Juntámos às três da manhã uma redacção em
peso, atacamos o acontecimento em grande força, e ainda hoje nas paredes
do sindicato dos jornalistas, estão reproduções das sucessivas edições
das primeiras páginas do Século. A primeira edição falava de um
levantamento, uma coisa ainda muito vaga, e meia hora depois estávamos a
fazer outra edição com mais elementos, e outra e outra, e fizemos várias
edições. Tomei conhecimento porque me avisaram que as coisas estavam em
curso e depois na minha cabeça ligou-se tudo. O falecido escritor Álvaro
Guerra, - que era um bom escritor e uma grande pessoa, - dizia de vez em
quando: «isto já não demora, está quase». E eu já me divertia com isso
«eh pá está bem». Depois eram desilusões, e isso tornou-me um bocadinho
menos crente. Mas sabia que a notícia havia de chegar, até que chegou
por essa via.
Confessou-se um homem de muitas
paixões. Sempre encontrou a determinação e a coragem necessárias para as
viver?
Sou de ímpetos. Paixões, algumas não são passageiras algumas são paixões
profundas, contínuas e permanentes, como a família, Portugal. Gosto
muito deste país. Tenho valores permanentes e depois tenho manias de
época, coisas que me seduzem, mas coisas transitórias. Sou um bocadinho
inconstante. Há coisas que em certa altura me entusiasmam muito e depois
deixam de me entusiasmar.
O seu sentido de humor é bastante
conhecido. Recorda alguma história do mundo dos jornais que o tenha
divertido particularmente.
Lembro-me de uma história que era do tempo em que o Século – isto em
1940 - publicava também notícias das individualidades. E uma vez saiu
uma notícia de um juramento de bandeira, ao lado da notícia do
nascimento do filho de um general. A última linha do juramento de
bandeira, tinha uma gralha, um erro. A revisão marcou o erro, o
tipógrafo tirou a linha, - isto era em chumbo - e em vez de a colocar na
vertical, não o fez. E o texto saiu assim: «pelo seu bom sucesso a
ilustre senhora dona fulana de tal, muito ilustre esposa do senhor
general fulano tal, deu à luz um robusto pimpolho do sexo masculino...E
terminava: os nossos parabéns ao regimento».
Esteve na redacção de muitos jornais
nacionais como o Record, o Diário de Lisboa, o Século, o Diário de
Notícias ou o Sete. Mas começou no jornalismo desportivo?
Comecei por escrever contos no Ridículos, que era um jornal no bairro
alto - sempre fui atraído pelo bairro alto, mas também os jornais nessa
altura eram quase todos aí. Houve uma altura em que o correspondente do
jornal a Bola adoeceu e disseram-lhe que podia estar seis meses
impraticável. Como eu jogava futebol e basquetebol, ele pediu-me para
lhe fazer o trabalho do jornal a Bola, no Algarve, enquanto ele
estivesse doente. O jornal convidou-me para vir para cima e eu ainda
hesitei bastante, porque o Algarve sempre eram oito meses de praia. Mas
acabei por vir. Entrei para o jornalismo por via destes acidentes da
vida, em que a ela é fértil.
Houve algum jornal onde gostasse
mais de ter trabalhado ou prefere não destacar nenhum?
Na Bola fui muito bem tratado. Foi o primeiro jornal onde trabalhei como
profissional e tenho uma grande estima. Também pelo Diário de Lisboa e
pelo Século. Estive noutros, gostei de estar no Diário de Notícias, e
era muito honroso chegar a chefe de redacção. Mas foram períodos mais
curtos. No Século e no Diário de Lisboa senti muito o gosto de estar
plenamente. Depois de ter passado pelo Século e pelo Diário de Notícias,
que eram jornais centenários, dizia que haveria de fazer um jornal desde
o número um, sem nada para trás, porque há coisas que nunca mais se
emendam. Fui mesmo para um jornal desde o número um, que foi o Sete.
Deu-me prazer fazê-lo, embora seja um jornal de especialidade, um jornal
de Artes e espectáculos.
O jornalismo desportivo pode ser uma
boa escola para avançar noutras áreas?
Pode e tem-se mostrado. Várias pessoas fizeram a passagem no início,
pelo jornalismo desportivo. Houve uma altura em que o único jornalismo
livre era o desportivo. Quando comecei a viajar para o estrangeiro
falava com jornalistas de outros jornais que me diziam «que sorte pá, eu
o mais longe que vou é à Senhora de Fátima». Nesses anos da censura,
trabalhar no jornalismo desportivo era uma libertação. Havia coisas que
entravam no lado da sociedade que também não se podiam dizer, por
exemplo, que o rapazinho que jogava agora à bola, sofrera de uma pobreza
extrema. Mas de resto tínhamos liberdade de movimentos. Era um
jornalismo sectorial e o pontapé na bola não se importavam muito que
falássemos. Os enviados especiais faziam imensas viagens e isso dava
traquejo. O jornalista era muito mais desenrascado do que os outros
todos. Era um tipo habituado a sofrer com as viagens e na maneira de
colocar cá o trabalho. Não havia telemóveis, Internet, ou computadores.
O jornalista era um homem só com o
seu bloco de notas e a esferográfica?
Exactamente. E um cartão para mandar telegramas da Marconi. Os telefones
às vezes levavam tempos infinitos e um jornal é feito de pressas, de
momentos, de minutos. Estávamos às vezes em sítios, aflitos com as
ligações. Tinha outra dureza. 
Eugénia Sousa
BOCAS DO GALINHEIRO
Quando se Apagam as
Estrelas

Morreu Charlton Heston e Paul Scofield.
Mais duas perdas irreparáveis para a sétima arte. Em registos
completamente diferentes, cada um à sua maneira marcou de forma
indelével um período dourado do cinema.
Paul Scofield, que morreu no passado dia 19 de Março aos 86 anos, foi
justamente considerado um dos melhores, senão mesmo o melhor intérprete
de Shakespeare. Avesso à fama, foi no teatro que sempre quis estar,
apesar de ter entrado em mais de três dezenas de filmes, o mais célebre
dos quais “A Man For All Seasons” (Um Homem para a Eternidade, 1966),
realizado por Fred Zinneman e que valeu a Scofield o Oscar de melhor
actor, a cuja cerimónia de entrega não compareceu, pois ficou em casa
com a mulher e um casal amigo a beber uma taça de champanhe. Para além
de adaptações cinematográficas de peças de Shakespeare, claro, “King
Lear” (1971), de Peter Brook, “Henry V” (1989), de Kenneth Branagh e
“Hamlet” (1990), de Franco Zeffirelli, pudemos vê-lo em “O Comboio”
(1964), de John Frankenheimer, “O Escorpião” (1974), de Michael Winner e
“Quis Show” (1994), de Robert Redford, para além da sua participação em
várias películas para televisão. Mas, a sua paixão era o teatro, aí se
sentia bem e por ele renunciou aos milhões e fama do cinema. Em 1962,
também pela sua interpretação de Sir Thomas More em “A Man for All
Seasons”, já recebera o Tony de melhor actor, o equivalente para o
teatro do Óscar para o cinema.
Quanto a Charlton Heston, falecido no passado dia 5 de Abril, é um homem
do cinema e uma das últimas lendas vivas dos anos de ouro de Hollywood,
reconhecido pelos papéis “bigger than life” que fizeram dele o grande
senhor dos filmes épicos. Perfeccionista, atlético, normalmente
dispensava duplos, dedicava-se com alma e coração à preparação dos
personagens.
Nascido a 4 de Outubro de 1924, estreou-se no cinema numa adaptação
amadora de “Peer Gynt” em 1941. Depois de fazer de Marco António em
“Julius Caesar” (1950), de Stuart Burge, o primeiro papel à sua medida
acontece em “The Greatest Show on Earth” (O Maior Espectáculo do Mundo,
1952), de Cecil B. DeMille e que faz dele um dos actores mais populares
da época, faceta que será reforçada e aumentada com o seu papel de
Moisés, o profeta que teimou em interpretar descalço, no blockbuster “Os
Dez Mandamentos” (1956), mais uma vez com DeMille. Mas, a consagração
suprema vem com “Ben-Hur” (1959), dirigido por William Wyler, o
paradigma das super produções bíblicos, vencedor de 11 Óscar da
Academia, nos quais se inclui o de melhor actor para Heston. A célebre e
citadíssima corrida de quadrigas ficará como um dos momentos altos da
História do cinema, por cá repetida quase todas as Páscoas, e se por
mais não fosse, jamais esqueceríamos aquele príncipe judeu sedento de
vingança, que como se provou se serve fria, na pessoa do vilão Massala,
outra grande interpretação, desta feita de Stephen Boyd. Ainda no
registo de heróis clássicos, uma nota para o seu papel de Cid Campeador,
em “El Cid” (1961), de Anthony Mann, com Sophia Loren.
Mas não se pense que Charlton Heston se dedicou exclusivamente a este
tipo de papéis a que a sua imponente figura se adaptava na perfeição.
Para além daquele fácies granítico, diz-se que DeMille o escolheu para
Moisés porque o achou parecido com o da estátua de Miguel Ângelo, tinha
um respeitável metro e noventa e um. Em 1958 garantiu que Orson Welles
realizasse uma das obras-primas do cinema negro “A Touch of Evil”,
actuando sem salário, ficando apenas com 7,5% das receitas, que na época
não foram muitas, quando a reputação do realizador não era de molde a
granjear as simpatias dos estúdios. E em 1968 embarca noutra aventura:
“O Planeta dos Macacos”, de Franklin J. Schaffner, uma fábula sobre a
decadência da civilização, aqui a avançada, os macacos, trata os
humanos, a espécie inferior, como animais selvagens. O êxito da fita
proporcionou-lhe três sequelas mas Heston só entrou na primeira,
“Regresso ao Planeta dos Macacos”, 1969 de Ted Post. Ainda nas suas
incursões pela ficção científica, retemos o filme “Soylent Green” (À
Beira do Fim, 1973), de Richard Fleisher: a degradação do nosso planeta
analisada numa fábula distópica, por trás de uma sinistra e amarga
verdade.
A referência à sua filmografia não fica completa sem falarmos de “55
Dias em Pequim”, (1963), de Nicholas Ray, em que contracena com Ava
Gardner, ou “Terramoto” (1974), de Mark Robson, ainda com Ava Gardner,
no tempo em que os filmes (de) catástrofe estavam a dar, ou “A Agonia e
o Êxtase” (1965), de Carol Reed, em que faz de Miguel Ângelo.
Nos últimos tempos, Charlton Heston era referido pelas suas posições
como presidente da National Rifle Association, o fortíssimo lobbie das
armas nas terras do Tio Sam, ou pelo apoio aos últimos presidentes
republicanos do seu país. Tudo bem. Mas convém não esquecer que nos anos
quentes da luta pelos direitos civis, em 1963, esteve ao lado de Martin
Luther King na Marcha pelos Direitos Civis que se dirigiu a Washington,
numa altura em que era preciso tê-los no sítio para estar ao lado dos
negros. Ao fim e ao cabo o homem já tinha dividido ao meio o Mar
Vermelho e afogado um exército. O resto é balelas.
Até à próxima e bons filmes!. 
Luís Dinis da Rosa
PELA OBJECTIVA DE J.
VASCO
Vozes de Abril

Realizou-se no passado dia 4 no Coliseu
dos Recreios, em Lisboa, completamente esgotado, o espectáculo Vozes de
Abril, iniciativa da Associação 25 de Abril que contou com o apoio da
RTP. Por lá passaram Fernando Tordo, Francisco Fanhais, Maria Barroso
(na imagem da esquerda para a direita), Estudantina de Lisboa, Lua
Extravagante, Manuel Freire, Luís Goes, Carlos Carranca, Jacinta,
Joaquim Pessoa, Vítor de Sousa, José Mário Branco, Adelino Gomes, João
Paulo Guerra, Joaquim Furtado, Patxi Andion, entre muitos outros. Na
primeira fila da assistência para além de vários militares de Abril,
estavam também Ramalho e Manuela Eanes, Almeida Santos e António Costa. 
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