Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº115    Setembro 2007

Cultura

GENTE & LIVROS

Miguel Torga

Um Poema de Amor

«É um poema de amor./ Começa num sorriso promissor/
E acaba num soluço/De saudade./
Entre essas duas margens,/ Um rio de silêncio./
Um rio largo, onde se espelha, baça,/
A paisagem severa de uma vida,/ A que faltou a graça
Dessa remota hora repetida».


In DiárioXIII


Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nasceu a 12 de Agosto de 1907, em São Martinho da Anta, Vila Real. Filho de gentes humildes ligadas à terra, a sua obra ficaria marcada por uma forte identidade com a natureza e um profundo humanismo.

Com 13 anos emigra para o Brasil, vai trabalhar na fazenda de café do tio em Minas Gerais. As suas capacidades são reconhecidas pelo tio que lhe patrocina os estudos. Cinco anos depois, em 1925, regressa a Portugal e ingressa na faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. O curso concluía-o em 1933.

Colabora na revista Presença desde o início e até 1930, ano em que sai e funda a revista Sinal. Em 1936 lança e dirige uma nova publicação, a Manifesto.

O primeiro livro de poesia, Ansiedade, é publicado em 1928; Pão Ázimo (1931) é a sua estreia em prosa.

Abre um consultório médico e exerce como otorrinolaringologista em Coimbra. Aos mais pobres dá literalmente consulta, sem cobrar nada a não ser longas conversas. Na cidade de Coimbra, passou grande parte da sua vida e escreveu parte importante da sua obra.

Durante muitos anos editor dos seus próprios livros, Miguel Torga é um dos mais consagrados escritores portugueses, com obra traduzida em diversas línguas.

Ao longo da sua carreira literária foram vários os prémios que recebeu, nomeadamente o Prémio Camões, em 1989; o Prémio Personalidade do Ano, em 1991; o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, na sua primeira atribuição em 1992; e Figura do Ano da Associação dos Correspondentes da Imprensa Portuguesa, também em 92.

Miguel Torga morre a 17 de Janeiro de 1995, deixando mais de 50 obras escritas.

Da sua bibliografia constam, entre outros, os títulos de poesia: Rampa (1930); Tributo (1931); Abismo (1932); O Outro Livro de Job (1936); Lamentações (1943); Libertação (1944); Orfeu Rebelde (1958); Câmara Ardente (1962); e Poemas Ibéricos (1965). Na Ficção: Pão Ázimo (1931); Criação do Mundo (1931); Bichos (1940); Contos da Montanha (1941); O Senhor Ventura (1943); Novos Contos da Montanha (1944). Teatro: Terra Firme e Mar (1941); Sinfonia (1947); O Paraíso (1949); Portugal (1950); Traço de União (1955).

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades literárias


D. Quixote. Canário, de Rodrigo Guedes de Carvalho. Em torno da personagem de um jovem detido pelo assassínio do companheiro da mãe, e de um escritor famoso em crise criativa, o autor cria um romance poderoso sobre a vida das prisões, o processo criativo e os limites de um escritor em busca de inspiração.
 

Presença. Os Pilares da Terra, de Ken Follett. Numa Inglaterra medieval a sofrer com a guerra civil, um humilde mestre de obras tem o sonho grandioso de construir uma catedral cuja beleza seja digna de tocar os céus. Na esperança deste projecto o seu destino e o da sua família cruza-se com o de outras personagens que o ajudam e prejudicam no seu propósito. Os Pilares da Terra é considerada a obra-prima de um autor que já vendeu mais de 90 milhões de livros em todo o mundo.
 

Cavalo de Ferro. A Minha Vida Enquanto Imperador, de Su Tong. Duanbai é aos 14 anos de idade nomeado imperador da corte imperial chinesa. Limitado pelas fraquezas de carácter, depressa a embriaguez do poder ilimitado toma conta do jovem que, até ao momento, nunca pensou vir a ser o senhor dos destinos da China. A Minha Vida Enquanto Imperador vem uma vez mais comprovar o imenso talento do autor de Esposas e Concubinas.
 

Gradiva. Destroços de Guerra, de Ha Jin. Baseado em testemunhos verídicos e documentos históricos, um romance comovente sobre a vida dos prisioneiros de guerra chineses, capturados pelas forças americanas durante a guerra da Correia. Um grupo de homens em situação limite debate-se por sobreviver, apoiados somente na esperança de liberdade e no regresso a casa.
 

ASA. O Vendedor de Saris, de Rupa Bajwa. O solitário Ramchand passa os dias entre os tecidos coloridos que servem para satisfazer o gostos das mulheres e filhas de famílias com dinheiro da Índia. Quando é enviado para casa de um empresário para ajudar a filha na escolha dos saris, a sua rotina muda por completo, e à sua frente começa a desenhar-se a perspectiva de uma outra vida.
 

Europa-América. Manual de Escrita Criativa - Volume II -, de Luís Carmelo. Precioso instrumento para todos os aprendizes de escritores, está organizada de acordo com uma dupla estratégia. Os oito primeiro capítulos tratam aspectos técnicos complementando dados avançados no primeiro volume, como sejam a descrição, a narração e a poética; os últimos seis capítulos criam as condições necessárias ao processo de escrita de um projecto de ficção.
 

Campo das Letras. A TV das Elites - Estudo dos programas de informação semanal dos canais generalistas (1993-2005), de Felisbela Lopes. Uma televisão de, e para todos, continua a estar longe de ser uma realidade. Olhando de forma crítica os painéis informativos não se descobre aí o retrato do país que somos, mas sim a promoção das elites que a TV absorve e amplia. Um livro incontornável para todos os que se interessam por informação.
 

Piaget. Aprender, de André Giordan. Aprender não deve ser exclusivamente o armazenamento simples da experiência acumulada pelos antigos e não será só durante a escolaridade que o indivíduo tem de absorver os conhecimentos de que se irá servir durante toda a sua vida. Na perspectiva de encarar a aprendizagem como uma tarefa permanente, também a escola tem de se preparar para antecipar e inovar novas formas de vivência, promovendo a interacção e a cooperação da partilha do saber.
 

Texto Editores. Livro com Cheiro a Baunilha, de Alice Vieira e ilustração de Afonso Cruz. Quinze belas histórias a falar de cumplicidades de irmãos, bisavós surdas, meninas vaidosas, prendas de natal, sonhos, da branca de neve, do mar, do final do dia e do final do Verão. Impossível resistir ao encanto desta prosa e ao cheiro da baunilha que se liberta no virar de cada página.
 

Ambar. O Lago dos Cisnes, de Pyotr I. Tchaikovsky e ilustrações de Lisbeth Zwerger. A história da princesa que um feitiço transforma em cisne, tem nesta versão o final feliz que só o amor consegue. Esta obra, recomendada pelo Plano Nacional de Leitura, atravessou gerações sem nunca ter perdido o encanto e deu origem a um dos mais aclamados ballets de todos os tempos.
 

Biblioteca Editores Independentes. A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson Através da Suécia, de Selma Lagerlöf. Algumas viagens deixam gratas recordações e são impossíveis de esquecer, como é o caso da viagem do jovem Nils que cavalgando um ganso doméstico, visita o seu país num voo fantástico. Este livro, cuja autora foi Prémio Nobel em 1909, é já há muito um clássico da literatura.

Eugénia Sousa

 

 

 

JOSÉ JORGE LETRIA EM ENTREVISTA

Grandes histórias para pequenos leitores

Portugal aproximou-se do belo sonho de Abril, de Liberdade, Fraternidade e Igualdade ou ainda há muito caminho a percorrer?

Aproximou-se e afastou-se. Resta agora saber se, no actual contexto da Europa da União, esse sonho, com tudo o que tinha de romântico e generoso, seria ainda exequível tal como foi sonhado há mais de 30 anos. De qualquer modo, deve continuar a lutar-se para que este país seja mais justo, mais solidário e menos dado à inveja e à mesquinhez. Mas isso é um problema de mentalidades e leva décadas a ser ultrapassado.
 

José Afonso, Manuel Freire, Adriano Correia de Oliveira, e Francisco Fanhais foram companheiros de luta, escrita e canções nos anos setenta. De que falaria nos nossos dias uma canção de intervenção sua?

O período da minha vida em que partilhei com eles palcos, utopias e combates foi, seguramente, o mais exaltante da minha vida. Hoje, se voltasse a fazer uma canção para intervir politicamente, não haviam de me faltar temas. Um deles poderia ser Portugal e o resultado preocupante que deu o surto de progresso material sem o correspondente progresso moral. O resultado está à vista.
 

Da sua grande experiência como editor e redactor quais são as mudanças mais marcantes ocorridas no jornalismo em Portugal nos últimos anos?

Talvez os pudesse resumir desta forma eventualmente simplista: há mais técnica e menos ética. Por outro lado, não se anda a tratar nada bem a língua portuguesa, e os jornalistas, apesar de serem, na maioria, mal pagos e de terem frequentemente vínculos precários às entidades patronais, estão demasiado convencidos de que são detentores de poder, o que os torna em muitos casos arrogantes e preconceituosos. Era bom que reflectissem sobre a forma como a informação está mercantilizada e é frequentemente manipulada, ao serviço dos interesses dos grandes grupos económicos que detêm a propriedade dos “media”.
 

Na última década surgiram vários cursos superiores em jornalismo. Qual a avaliação que faz dessas ofertas?

Continua a haver muito mais oferta do que procura, fenómeno que gera muito desemprego e ainda maior frustração. Conheço casos em que a oferta é de qualidade e outros em que a valia é curta. Os jovens sentem-se atraídos pela miragem deste ofício, mas não sabem que a realidade, em regra, lhes reserva decepções e amarguras, pois são muito poucos os que conseguem triunfar e muitos os que são explorados em intermináveis estágios que não se transformam em contratos de trabalhgo estáveis. Por acaso, até gostava de ver este tema ser abordado num bom trabalho de investigação jornalística, mas a verdade é que os “media” têm, de uma forma geral, muita dificuldade em olhar-se por dentro e em, despedidos de preconceitos corporativos, partirem para uma saudável autocrítica.
 

O estatuto de jornalista que está novamente em discussão obriga os jornalistas a ter um curso superior. Concorda com a ideia?

Com a ideia concordo, só que não sei se vai dar resultados práticos. Quando me tornei jornalista, em 1970, a questão não se colocava, pois não havia cursos de jornalismo em Portugal. De qualquer modo, deve ser sempre ser contemplada a excepção, porque há gente com muito talento que decide não acabar o curso, às vezes por boas e justas razões.
 

Sobre o Plano Nacional de Leitura, o Ministério da Educação afirmou no final do primeiro ano que o balanço é positivo. É possível tirar já algumas conclusões?

A primeira conclusão é que tem sido, globalmente, muito positivo, pois há muitos leitores com o interesse orientado para as obras recomendadas. Talvez a escolha dos títulos deva ser melhor pensada, mas esses ajustamentos creio que já estão a ser feitos e a dar frutos. Portanto, considero que está a ser uma iniciativa digna de aplauso, que endereço a Isabel Alçada, coordenadora nacional do Plano, e à sua equipa.
 

A Europa apresenta-se como o nosso futuro glorioso. Mas seremos sempre portugueses na Europa ou alguma vez nos sentiremos europeus de Portugal?

O tempo dirá. Para já, o que me arrisco a dizer é que continuamos a ser dos países da União onde menor consciência existe de pertença a esta comunidade de povos, nações e culturas. As próximas décadas vão ser decisivas para podermos avaliar a perenidade do projecto, que nasceu como um gigante económico e um anão político, para citar um dos “pais fundadores”. Veremos o que vai passar-se com o Tratado, depois do fracasso da Constituição, e até que ponto é exequível o processo de alargamento. A Turquia vai ser o maior e o mais esclarecedor teste. Vamos esperar para ver.
 

Cerca de duas centenas de livros é para qualquer escritor uma obra de grande relevo. De onde vem toda essa inspiração?

É coisa que, em boa verdade, nunca se pode dizer de onde vem e para onde vai. Nasci assim e tenho aproveitado esse potencial, com disciplina e capacidade de trabalho, sem perder tempo com a vida social e com as intrigas dos compadrios e das capelinhas. Tenho uma necessidade vital de escrever e não concebo a minha vida sem esse exercício diário. Sei que há quem gostasse que eu escrevesse muito menos, mas duvido que seja apenas por altruísmo. Enquanto me apetecer manter este ritmo e tiver coisas para dizer e para escrever, mantê-lo-ei, pois é nesse sentido que a minha liberdade criadora me orienta.
 

José Jorge Letria afirmou «O mar tem um peso fortíssimo na minha vida, no meu imaginário, na minha memória». Também Pablo Neruda tinha uma relação especial com o mar. O mar fala aos poetas porque só eles conseguem escutar a sua voz?

Nasci perto do mar, em Cascais, e continuo a ter sempre presente na minha memória afectiva o seu cheiro, as suas cores, a sua voz e a sua força. É vizinhança de que um poeta nunca se cura. Foi com o mar que aprendi a imaginar a distância, a viagem e a dimensão do mundo. Ele tem sido meu confidente e meu amigo. Acho que são vozes que se cruzam e completam, que se multiplicam e se iluminam mutuamente. Enfim, coisas da poesia.
 

Muitos dos seus livros são dirigidos às crianças. As crianças são “o melhor do mundo”, o melhor dos leitores, e os que têm o critério mais sério de autenticidade?

Disse um poeta brasileiro conhecido, quando lhe perguntaram como é escrever para crianças: “É o mesmo que escrever para adultos, só que melhor”. Escrever para crianças é partilhar com elas visões do mundo, sonhos e centelhas de imaginação, é crescer não crescendo, é reencontrar eternamente o melhor da nossa memória da infância. Agora ainda estou mais ciente desse prodígio porque tenho dois netos e gosto de partilhar com eles a magia da palavra.
 

Os seus livros O Menino que se Apaixonou por uma Guitarra; e Zeca Afonso – o andarilho da voz de ouro, são magníficas homenagens a duas figuras ímpares da nossa cultura, Carlos Paredes e José Afonso. Portugal esquece os melhores, ou pelo contrário é um país que sabe amar e recordar?

Somos, há muito, um país com vocação necrófila. Só achamos que as pessoas foram geniais depois delas morrerem. A maior homenagem a pessoas como o Zeca Afonso e o Carlos Paredes será sempre ouvir a música que criaram. É também com esse objectivo que escrevo livros como os que referiu. No fundo, existe um grave problema de memória, de memória colectiva. Não conseguimos admirar quem não conhecemos e cuja obra ignoramos. Porém, agora estamos a assistir à redescoberta do Zeca Afonso e é sempre tempo de nos darmos conta da grandeza ímpar da sua obra e do seu excepcional exemplo cívico.

 

 

 

Cara da notícia

José Jorge Letria nasceu em Cascais em 1951.Tirou um curso de Direito e História em Lisboa com uma pós graduação em Jornalismo Internacional pela UAL. Exerceu o cargo de redactor e editor de alguns jornais portugueses tal como o Jornal de Letras. Entre Janeiro de 1994 e Janeiro de 2002 foi vereador da Cultura da Câmara de Cascais.

José Jorge Letria é autor de mais de três dezenas de colectâneas poéticas e de mais de sessenta títulos para crianças e jovens. Já recebeu vários prémios nacionais e internacionais. O escritor recebeu dois grandes Prémios da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Internacional UNESCO e Prix Internacional des Arts et des Lettres, em França, Prémio Plural no México, Prémio Aula de Poesia em Barcelona, Prémio da Associação Paulista de Críticos de Arte no Brasil duas vezes Prémio Eça de Queirós -Município de Lisboa, Prémio Gulbenkian entre outros. Os seus livros estão traduzidos em várias línguas.

José Jorge Letria foi um dos mais destacados autores-intérpretes do canto de intervenção no final dos anos 60 e na década seguinte, ao lado de nomes como Jóse Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Manuel Freire, gravou vários discos.

Recebeu em Junho de 1997 a Ordem da Liberdade pelo presidente Jorge Sampaio.


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