Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº117    Novembro 2007

Opinião

CRÓNICA

Crónica datada

 Este Governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa.

“O Conde de Abranhos”/ Eça de Queirós

Escrito antes da manifestação nacional de 18 de Outubro



Escrevi em crónica anterior que este Governo não teria coragem para se intrometer, não obstante o cunho bufo da sua orientação política, em organizações de cidadãos se de orientação não socialista, quando estas manifestassem ou pretendessem manifestar o seu descontentamento de forma organizada. Enganei-me. Peço desculpa. São capazes e, mais do que isso, ainda têm a lata de desmentir ou arranjar bodes expiatórios, como se a sua cumplicidade não fosse uma evidência ou o povo fosse parvo.

Não, não é fascismo. Fascismo é muito mais do que isso. Não lhes faço a desdita de tal epíteto. São apenas os socialistas no seu melhor.

A obsessão declarada deste governo é o défice. Sendo assim, reduz o investimento mas não as despesas, aumenta os impostos mas não o nível de vida dos cidadãos, não dialoga mas reprime. Mente: os encargos são para começar ontem, os benefícios virão amanhã em bandeja de prata, acompanhados dum copo de veneno. O próximo OGE é mais do mesmo, ou menos. É cada vez mais compreensível a razão pela qual estas políticas são tão difíceis de combater pela direita. Esta é a política da direita. Não adianta por isso o mamar de cobra de certos figurões recém chegados à ribalta, ou não. Este governo está enfermo porque tem duas mãos direitas.

19/10/2007
A manifestação foi um exemplo cívico de repúdio à Europa social que nos querem vender. Uma das maiores em que participei. Foram 200.000 cidadãos a exigir empregos sem precariedade e justiça social. Foi um autêntico banho de multidão e de sentir democrático. O Primeiro-ministro estava entretido a negociar o novo Tratado e não deu razão do protesto, e depois a limar arestas com um dos Dupond (t) polaco. Fez mal não ouvir. As televisões também já não se lembram do dia 18 e preferem a “vitória da presidência portuguesa”. Surpreendido? Não, que ideia. Apenas magoado e revoltado (ainda temos direito à indignação, não?) com o que vejo e não me agrada.

E como as palavras são como as cerejas, lembro Adriano Correia de Oliveira, a propósito do 25º. aniversário da morte do cantor popular: “ Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!”.

João de Sousa Teixeira
teijoao@gmail.com

 

 

 

PAU DE GIZ

Amanhã há comédias

A minha avó deitava-se cedo e dizia, São horas da cama e só te digo uma vez.

Avezado a essa regra implacável passava os sobejos do dia no colchão de barba de milho, de olhos abertos a ouvir os sons familiares vindos das entranhas opacas da casa: o tilintar das chávenas na cristaleira, por cada passo dela no sobrado; a voz de uma ou outra freguesa tardia na loja, por meio arrátel de café de cevada; o tropel no sótão, pela correria dos ratos.

Roído pela traça, enforcado num prego aos pés da cama, o vulto do capote do meu avô à espera para levantar voo, e eu ali estendido à espera dele e do sono.

Pelo barulho lá fora há-de haver, rua abaixo rua acima, a contradança ao velho de esconder não valendo esconder dentro de casa. Um deles conta alto até trinta, pela voz tem a cabeça afundada nos braços cruzados, os outros hão-de camuflar-se onde podem: atrás das mulheres ainda sentadas nas cadeiras baixas; debaixo do avental da Laura; pelos portais às escuras, na quelha da Fonte Nova.

Do vidro partido na janela chega a algazarra do farrobóque dos mais velhos, os Coça, os Calção e o Barrelas, os repépeus da Delfina, da Lucília Caçapo, da Zezinha Ló, os vozeirões imprecisos da taberna do Passamano. Todos jantaram cedo porque o almoço é à hora em que a Chorona apita, avisando, É meio dia; um minuto antes do relógio da torre bater.

Se houvesse na televisão a reportagem, nem que fosse tardia da volta a Portugal em bicicleta, estaria pendurado no parapeito de uma janela no sindicato, à espera; se fosse tempo dos morcegos e um deles esbarrasse no disco de esmalte branco das lâmpadas da Hidro caindo atordoado no chão, catava-lhe os dentes, à espera de ver a aparência da dentadura.

Ao apitar das cinco ouviu-se, descendo a rua, uma carrinha meio acabada donde uma cabeça a assomar gritava, Amanhã há comédias no largo da Cachoeira! e ouviu-se o responso do Zé da Silva, Quem não tem dinheiro leva uma farinheira!

Quero dizer, No largo do Rossio há-de estrear-se amanhã um grupo de comediantes. Uma família completa de saltimbancos vai acampar na Latada, há-de estender a manta de trapos puída, há-de armar o trapézio a dois metros do chão e, no final, o mais pequeno dos artistas há-de entrar em cena para recolher no prato ferrugento ou na bolsa encardida umas moedas de dois, cinco, vá lá se tiver sorte, meia dúzia de dez tostões, alguma talhada de enchido ou toucinho cozido, embrulhadas em jornal a fazer de guardanapo.

Houve aquela trupe que ficou cá a morar muito tempo até que a Menina se recompôs do contratempo no trapézio. Trabalhava sem rede, deu um trambolhão, demorou meses a recuperação e durante toda a convalescença nunca faltou solidariedade, roupa usada e comida à família.

Doutras vezes a caravana que se ouve é maior, o cortejo compreende várias carrinhas sendo uma grande de carga, coberta com oleado verde aos buracos. É quando há-de passar por cá outro circo manhoso, outro carrossel da girafa, outra pista dos carrinhos de choque, o que for há-de abancar na Tapada dos Sargaços, em frente à Central.

O último espectáculo foi do circo Madrid, com o Pata Larga e o Homem Foguete mais a flamejante compére. Os dois alentados, nos braços tatuados amor de mãe e um coração, antes de subirem à pista em tronco nu e calções florescentes, para as peripécias, andaram numa azáfama a montar a estrutura, asneiravam grosso martelando as espias da tenda vermelha, remendada aos quadrados de oleado verde, recortados, quem sabe ? no oleado da camioneta de carga. Ela, a cirandar, via-a anafada, cabelo comprido oxigenado, a saia comprida cravejada de nódoas.

A fazer fé no cartaz esmorecido, engelhado pela humidade e pendurado pelo empresário no sinal da paragem das carreiras da Setubalense, nada fazia prever que durante a diversão um dos artistas não aguentasse o João Ribeiro Café a partir-lhe, à marretada, uma colossal pedra poisada no peito.

Sem interromper o espectáculo saiu da tenda a correr foi vomitar, diz quem viu, Até vomitou morcela rançosa e o grão do jantar.

O outro continuou em espantosos mortais de costas, a dar cambalhotas parecia um pião, e ela ao lado apenas a ramalhar via-se actuar preocupada.

Mas a verdadeira estrela da companhia, anunciada no canto mais esfarrapado do cartaz, foi a extraordinária cabra Marlene. Uma jarmela amestrada que depois de subir, com disposição e consciência de gato, a escada da azeitona de não sei quantos degraus, deu um salto. E pôs-se de pé, a quatro patas, no gargalo da garrafa da Sagres encravada na ponta de um pau.

No silêncio da noite agora já feita ouço finalmente o tropel dos ratos no sótão e dos pés da cama o vulto retomo do capote voa, pesado, poisando meigo sobre o meu lado.

Mal oiço a minha avó, Não quero que apanhes frio amanhã vais às comédias.

António Luís Caramona
paudegiz@gmail.com

 

 

 

CONTRABAIXO

Sector cultural e criativo

Uma das dificuldades com que nos deparamos em Portugal, no processo de construção de um projecto cultural, radica na ausência de elementos estatísticos que ajudem a prever o impacto que a nossa acção poderá ter e, numa outra fase, qual foi o efeito da mesma. Mesmo que com algumas limitações, pois é muito difícil medir objectivamente até que ponto uma peça de teatro ou um espectáculo de dança tem impacto num sujeito, há uma série de indicadores que podem ser fundamentais para melhorar a acção dos agentes culturais.

O Observatório das Actividades Culturais (OAC) tem feito um extraordinário esforço no sentido de promover o tratamento e garantir a acessibilidade ao público em geral de um conjunto importante de informação. Maioritariamente a partir de projectos de investigação, o seu trabalho resulta normalmente na edição de publicações que se revelam essenciais para quem trabalha ou se interessa por esta área. No entanto a sua acção deveria ser muito mais valorizada e apoiada. Para quem não está familiarizado com esta importante Associação, aqui estão alguns dados sobre a mesma: O Observatório das Actividades Culturais, criado em Setembro de 1996, é uma Associação sem fins lucrativos, tendo por associados fundadores o Ministério da Cultura, o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e o Instituto Nacional de Estatística. Ocupa-se da produção e difusão de conhecimentos que possibilitem dar conta, de uma forma sistemática e regular, das transformações no domínio das actividades culturais, com destaque para estudos de públicos, eventos culturais e respectivos impactos, políticas culturais, agentes e estudos de levantamento de instituições culturais.

E foram o OAC e o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério da Cultura, que organizaram no final do mês passado um Seminário sobre o tema "Os Sectores Cultural e Criativo - A Agenda de Lisboa", que se revelou extremamente rico no que diz respeito a indicadores e estatísticas no sector cultural, no espectro europeu. Por exemplo, ficámos a saber que o Eurostat vai reiniciar o seu trabalho no que respeita às estatísticas culturais, que estava em "hibernação".

Outro dos aspectos considerados essenciais é o acordo sobre definições que permitam o cruzamento de informação. Este encontro nas nomenclaturas não deve ser assumido como condição prévia mas sim como um trabalho contínuo ao longo do processo.

A questão do impacto económico das actividades culturais e da sua medição não podia ficar de fora deste Seminário e foram avançados alguns temas chave para o futuro: actualização das classificações de actividades económicas, em sectores e subsectores; como ter em conta a actividades de entidades ou empresas que não desenvolvem primordialmente actividades culturais, mas que as incluem num segundo ou terceiro planos?

Finalmente, a política cultural e a investigação nesta área deverão andar de mãos dadas, de forma que os objectivos e estratégias se libertem dos ciclos eleitorais. Esta conclusão é fulcral, por exemplo, para um país como Portugal, que raramente deixa que os projectos e as abordagens políticas passem de um ciclo governativo para outro. A norma é, infelizmente, o apagar e começar do zero. Já se viu que não é o caminho.

Carlos Semedo 
carlossemedo@gmail.com
 

 

 

 

OPINIÃO

A escolha de Flávio

O destaque desta edição do URBI conta o percurso académico de Flávio Escada. Com uma média final a rondar os 19 valores, este jovem de Elvas ingressou no curso de Medicina, em grande parte devido à pressão - chamem-lhe conselhos, se quiserem - de familiares e amigos. O Flávio seguiu o "conselho", entrou em Coimbra, mas uma semana foi o suficiente para desistir. Deixou para trás Medicina e, já na 3ª fase de colocações, mudou-se para Matemática, na UBI.

Penso que o Flávio tomou a decisão certa: escolheu o curso que gosta em detrimento do que outros lhe aconselhavam. Certamente os amigos e familiares queriam apenas o melhor para ele. E o melhor, pensam eles, é um curso com boas saídas profissionais e remunerações muito acima da média. É para isso que centenas de pais investem na formação dos filhos, muitas vezes com grandes sacrifícios pessoais. Por razões óbvias, Medicina está no topo das preferências.

Muitos alunos de Farmácia, Biomédicas e Enfermagem aspiravam a um lugar em Medicina, mas ficaram de fora por décimas. Para eles, a mudança do Flávio pode parecer uma loucura. Mas não é. O Flávio fez aquilo que todos deviam fazer: ser felizes, escolhendo o curso de que realmente gostam. Pouco importa o que os outros pensam. Pouco importa que o curso tenha mais ou menos saídas profissionais. Aliás, visto nessa perspectiva, podemos dizer que não há cursos bons para sempre. Os professores, que hoje não têm colocação, serão profissionais escassos muito em breve, tal como acontece na Alemanha. Os médicos, que agora são duramente disputados pelos hospitais, lutarão em breve por um posto de trabalho, como em Itália. Advogados e arquitectos, profissionais muito procurados até à década de 90, procuram agora estágios gratuitos nos grandes escritórios e ateliers. O mercado tem ciclos e o que hoje é bom, amanhã pode não o ser. A solução é optar sempre por aquilo que se gosta, pois só assim é possível encontrar a felicidade e a realização profissional. Mais tarde ou mais cedo, cada um encontrará o seu lugar no universo.

Nota final: todos os anos ficam centenas de alunos fora das faculdades de Medicina. São muitos os que protestam contra a escassez de vagas, criticam o sistema e sublinham que a média escolhe os melhores alunos, não os que poderiam ser os melhores profissionais. Até pode ser verdade, mas para os que ficam de fora, há outros caminhos que os podem levar à Medicina, sobretudo no campo da investigação: físicos, matemáticos, biólogos, químicos e até filósofos trabalham todos os dias na procura de soluções para as doenças mais graves. Ao contrário do que muitos pensam, o consultório e o hospital são apenas o final da linha. Antes disso há milhares de oportunidades para aqueles que sentem a área da Saúde como sua vocação.

João Canavilhas

 

 

 

OPINIÃO

Cartas desde la ilusión

Querido amigo:

Voy a contarte, hoy, cómo he seguido trabajando con mis alumnos en el tema de la autoestima.

Como sabes, hice previamente la actividad del “collage” sobre sí misma/o de cada uno de los alumnos. Ya te relaté, en mi carta anterior, mis impresiones. A la vista de lo sucedido y de las reacciones de los alumnos, decidí otra actividad. Esta vez les indiqué que se agrupasen por parejas.

Ya puedes imaginar que hubo parejas que se formaron inmediatamente, pero otros niños tardaron en decidirse a la hora de vincularse a otros compañeros. Este dato de observación nunca puede pasar desapercibido para el educador, porque puede dar una idea de la facilidad/dificultad de algunos alumnos a la hora de formar pareja con una/un colega (es decir, se puede observar la facilidad/dificultad de algunos niños a la hora de empatizar con sus colegas; no obstante, este ejercicio lo repetiré más adelante ordenando que se junten en parejas “al azar”, para fomentar la apertura emocional entre todos los alumnos y la aceptación recíproca entre todos ellos).

Cuando se decidieron las parejas, se sentaron juntos en las mesas y proporcioné una hoja en blanco a cada uno de los alumnos. La primera indicación consistió en ordenarles que hiciesen el contorno de la mano de su compañera/o en su hoja en blanco. Así que, por ejemplo, Jorge e Isabel, que estaban juntos, comenzaron por hacer el contorno de la mano de Isabel (bordeándola) en la hoja de Jorge, y, a continuación, Isabel dibujó el contorno de la mano de Jorge en su hoja en blanco.

Una vez que cada uno de ellos dispuso del contorno de la mano de su colega, les indiqué que escribieran en el centro de la palma el nombre de su pareja (Jorge escribió “Isabel”, e Isabel escribió “Jorge”).

Entonces les dije que en cada uno de los dedos del contorno de la palma escribieran una cualidad positiva de su colega. Los niños se miraron unos a otros con cara de sorpresa, pero pronto se pusieron a la tarea. Así que, al cabo de dos o tres minutos, todos tenían ante sí el contorno de la palma de la mano y cinco características positivas de su colega.

En ese momento, pedí a cada uno de ellos que fuese leyendo el nombre de su compañera/o y las cualidades que había indicado de ella/él.

Tengo que reconocer que la actividad fue muy gratificante para todos los alumnos y que se generó un ambiente “festivo” entre ellos basado en la emocionalidad sana del reconocimiento de las características positivas de los otros (comprobaron que algunas se repetían en varias personas, otras no, etc.).

Pero esta actividad tuvo una proyección adicional que te contaré en mi próxima carta, porque, en esta ocasión, ya no dispongo de más espacio.

Te deseo salud y felicidad.

Un abrazo fuerte.

Juan A. Castro
juancastrop@gmail.com

 


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