CRÓNICA
Crónica datada

Este Governo não cairá porque não
é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa.
“O Conde de Abranhos”/ Eça de
Queirós
Escrito antes da manifestação nacional de 18 de Outubro
Escrevi em crónica anterior que este Governo não teria coragem para se
intrometer, não obstante o cunho bufo da sua orientação política, em
organizações de cidadãos se de orientação não socialista, quando estas
manifestassem ou pretendessem manifestar o seu descontentamento de forma
organizada. Enganei-me. Peço desculpa. São capazes e, mais do que isso,
ainda têm a lata de desmentir ou arranjar bodes expiatórios, como se a
sua cumplicidade não fosse uma evidência ou o povo fosse parvo.
Não, não é fascismo. Fascismo é muito mais do que isso. Não lhes faço a
desdita de tal epíteto. São apenas os socialistas no seu melhor.
A obsessão declarada deste governo é o défice. Sendo assim, reduz o
investimento mas não as despesas, aumenta os impostos mas não o nível de
vida dos cidadãos, não dialoga mas reprime. Mente: os encargos são para
começar ontem, os benefícios virão amanhã em bandeja de prata,
acompanhados dum copo de veneno. O próximo OGE é mais do mesmo, ou
menos. É cada vez mais compreensível a razão pela qual estas políticas
são tão difíceis de combater pela direita. Esta é a política da direita.
Não adianta por isso o mamar de cobra de certos figurões recém chegados
à ribalta, ou não. Este governo está enfermo porque tem duas mãos
direitas.
19/10/2007
A manifestação foi um exemplo cívico de repúdio à Europa social que nos
querem vender. Uma das maiores em que participei. Foram 200.000 cidadãos
a exigir empregos sem precariedade e justiça social. Foi um autêntico
banho de multidão e de sentir democrático. O Primeiro-ministro estava
entretido a negociar o novo Tratado e não deu razão do protesto, e
depois a limar arestas com um dos Dupond (t) polaco. Fez mal não ouvir.
As televisões também já não se lembram do dia 18 e preferem a “vitória
da presidência portuguesa”. Surpreendido? Não, que ideia. Apenas magoado
e revoltado (ainda temos direito à indignação, não?) com o que vejo e
não me agrada.
E como as palavras são como as cerejas, lembro Adriano Correia de
Oliveira, a propósito do 25º. aniversário da morte do cantor popular: “
Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!”.
João de Sousa Teixeira
teijoao@gmail.com
PAU DE GIZ
Amanhã há comédias
A minha avó deitava-se cedo e dizia, São
horas da cama e só te digo uma vez.
Avezado a essa regra implacável passava os sobejos do dia no colchão de
barba de milho, de olhos abertos a ouvir os sons familiares vindos das
entranhas opacas da casa: o tilintar das chávenas na cristaleira, por
cada passo dela no sobrado; a voz de uma ou outra freguesa tardia na
loja, por meio arrátel de café de cevada; o tropel no sótão, pela
correria dos ratos.
Roído pela traça, enforcado num prego aos pés da cama, o vulto do capote
do meu avô à espera para levantar voo, e eu ali estendido à espera dele
e do sono.
Pelo barulho lá fora há-de haver, rua abaixo rua acima, a contradança ao
velho de esconder não valendo esconder dentro de casa. Um deles conta
alto até trinta, pela voz tem a cabeça afundada nos braços cruzados, os
outros hão-de camuflar-se onde podem: atrás das mulheres ainda sentadas
nas cadeiras baixas; debaixo do avental da Laura; pelos portais às
escuras, na quelha da Fonte Nova.
Do vidro partido na janela chega a algazarra do farrobóque dos mais
velhos, os Coça, os Calção e o Barrelas, os repépeus da Delfina, da
Lucília Caçapo, da Zezinha Ló, os vozeirões imprecisos da taberna do
Passamano. Todos jantaram cedo porque o almoço é à hora em que a Chorona
apita, avisando, É meio dia; um minuto antes do relógio da torre bater.
Se houvesse na televisão a reportagem, nem que fosse tardia da volta a
Portugal em bicicleta, estaria pendurado no parapeito de uma janela no
sindicato, à espera; se fosse tempo dos morcegos e um deles esbarrasse
no disco de esmalte branco das lâmpadas da Hidro caindo atordoado no
chão, catava-lhe os dentes, à espera de ver a aparência da dentadura.
Ao apitar das cinco ouviu-se, descendo a rua, uma carrinha meio acabada
donde uma cabeça a assomar gritava, Amanhã há comédias no largo da
Cachoeira! e ouviu-se o responso do Zé da Silva, Quem não tem dinheiro
leva uma farinheira!
Quero dizer, No largo do Rossio há-de estrear-se amanhã um grupo de
comediantes. Uma família completa de saltimbancos vai acampar na Latada,
há-de estender a manta de trapos puída, há-de armar o trapézio a dois
metros do chão e, no final, o mais pequeno dos artistas há-de entrar em
cena para recolher no prato ferrugento ou na bolsa encardida umas moedas
de dois, cinco, vá lá se tiver sorte, meia dúzia de dez tostões, alguma
talhada de enchido ou toucinho cozido, embrulhadas em jornal a fazer de
guardanapo.
Houve aquela trupe que ficou cá a morar muito tempo até que a Menina se
recompôs do contratempo no trapézio. Trabalhava sem rede, deu um
trambolhão, demorou meses a recuperação e durante toda a convalescença
nunca faltou solidariedade, roupa usada e comida à família.
Doutras vezes a caravana que se ouve é maior, o cortejo compreende
várias carrinhas sendo uma grande de carga, coberta com oleado verde aos
buracos. É quando há-de passar por cá outro circo manhoso, outro
carrossel da girafa, outra pista dos carrinhos de choque, o que for
há-de abancar na Tapada dos Sargaços, em frente à Central.
O último espectáculo foi do circo Madrid, com o Pata Larga e o Homem
Foguete mais a flamejante compére. Os dois alentados, nos braços
tatuados amor de mãe e um coração, antes de subirem à pista em tronco nu
e calções florescentes, para as peripécias, andaram numa azáfama a
montar a estrutura, asneiravam grosso martelando as espias da tenda
vermelha, remendada aos quadrados de oleado verde, recortados, quem sabe
? no oleado da camioneta de carga. Ela, a cirandar, via-a anafada,
cabelo comprido oxigenado, a saia comprida cravejada de nódoas.
A fazer fé no cartaz esmorecido, engelhado pela humidade e pendurado
pelo empresário no sinal da paragem das carreiras da Setubalense, nada
fazia prever que durante a diversão um dos artistas não aguentasse o
João Ribeiro Café a partir-lhe, à marretada, uma colossal pedra poisada
no peito.
Sem interromper o espectáculo saiu da tenda a correr foi vomitar, diz
quem viu, Até vomitou morcela rançosa e o grão do jantar.
O outro continuou em espantosos mortais de costas, a dar cambalhotas
parecia um pião, e ela ao lado apenas a ramalhar via-se actuar
preocupada.
Mas a verdadeira estrela da companhia, anunciada no canto mais
esfarrapado do cartaz, foi a extraordinária cabra Marlene. Uma jarmela
amestrada que depois de subir, com disposição e consciência de gato, a
escada da azeitona de não sei quantos degraus, deu um salto. E pôs-se de
pé, a quatro patas, no gargalo da garrafa da Sagres encravada na ponta
de um pau.
No silêncio da noite agora já feita ouço finalmente o tropel dos ratos
no sótão e dos pés da cama o vulto retomo do capote voa, pesado,
poisando meigo sobre o meu lado.
Mal oiço a minha avó, Não quero que apanhes frio amanhã vais às comédias.
António Luís Caramona
paudegiz@gmail.com
CONTRABAIXO
Sector cultural e
criativo

Uma das dificuldades com que nos
deparamos em Portugal, no processo de construção de um projecto
cultural, radica na ausência de elementos estatísticos que ajudem a
prever o impacto que a nossa acção poderá ter e, numa outra fase, qual
foi o efeito da mesma. Mesmo que com algumas limitações, pois é muito
difícil medir objectivamente até que ponto uma peça de teatro ou um
espectáculo de dança tem impacto num sujeito, há uma série de
indicadores que podem ser fundamentais para melhorar a acção dos agentes
culturais.
O Observatório das Actividades Culturais (OAC) tem feito um
extraordinário esforço no sentido de promover o tratamento e garantir a
acessibilidade ao público em geral de um conjunto importante de
informação. Maioritariamente a partir de projectos de investigação, o
seu trabalho resulta normalmente na edição de publicações que se revelam
essenciais para quem trabalha ou se interessa por esta área. No entanto
a sua acção deveria ser muito mais valorizada e apoiada. Para quem não
está familiarizado com esta importante Associação, aqui estão alguns
dados sobre a mesma: O Observatório das Actividades Culturais, criado em
Setembro de 1996, é uma Associação sem fins lucrativos, tendo por
associados fundadores o Ministério da Cultura, o Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa e o Instituto Nacional de Estatística.
Ocupa-se da produção e difusão de conhecimentos que possibilitem dar
conta, de uma forma sistemática e regular, das transformações no domínio
das actividades culturais, com destaque para estudos de públicos,
eventos culturais e respectivos impactos, políticas culturais, agentes e
estudos de levantamento de instituições culturais.
E foram o OAC e o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e
Relações Internacionais do Ministério da Cultura, que organizaram no
final do mês passado um Seminário sobre o tema "Os Sectores Cultural e
Criativo - A Agenda de Lisboa", que se revelou extremamente rico no que
diz respeito a indicadores e estatísticas no sector cultural, no
espectro europeu. Por exemplo, ficámos a saber que o Eurostat vai
reiniciar o seu trabalho no que respeita às estatísticas culturais, que
estava em "hibernação".
Outro dos aspectos considerados essenciais é o acordo sobre definições
que permitam o cruzamento de informação. Este encontro nas nomenclaturas
não deve ser assumido como condição prévia mas sim como um trabalho
contínuo ao longo do processo.
A questão do impacto económico das actividades culturais e da sua
medição não podia ficar de fora deste Seminário e foram avançados alguns
temas chave para o futuro: actualização das classificações de
actividades económicas, em sectores e subsectores; como ter em conta a
actividades de entidades ou empresas que não desenvolvem primordialmente
actividades culturais, mas que as incluem num segundo ou terceiro
planos?
Finalmente, a política cultural e a investigação nesta área deverão
andar de mãos dadas, de forma que os objectivos e estratégias se
libertem dos ciclos eleitorais. Esta conclusão é fulcral, por exemplo,
para um país como Portugal, que raramente deixa que os projectos e as
abordagens políticas passem de um ciclo governativo para outro. A norma
é, infelizmente, o apagar e começar do zero. Já se viu que não é o
caminho.
Carlos Semedo
carlossemedo@gmail.com
OPINIÃO
A escolha de Flávio
O destaque desta edição do URBI conta o
percurso académico de Flávio Escada. Com uma média final a rondar os 19
valores, este jovem de Elvas ingressou no curso de Medicina, em grande
parte devido à pressão - chamem-lhe conselhos, se quiserem - de
familiares e amigos. O Flávio seguiu o "conselho", entrou em Coimbra,
mas uma semana foi o suficiente para desistir. Deixou para trás Medicina
e, já na 3ª fase de colocações, mudou-se para Matemática, na UBI.
Penso que o Flávio tomou a decisão certa: escolheu o curso que gosta em
detrimento do que outros lhe aconselhavam. Certamente os amigos e
familiares queriam apenas o melhor para ele. E o melhor, pensam eles, é
um curso com boas saídas profissionais e remunerações muito acima da
média. É para isso que centenas de pais investem na formação dos filhos,
muitas vezes com grandes sacrifícios pessoais. Por razões óbvias,
Medicina está no topo das preferências.
Muitos alunos de Farmácia, Biomédicas e Enfermagem aspiravam a um lugar
em Medicina, mas ficaram de fora por décimas. Para eles, a mudança do
Flávio pode parecer uma loucura. Mas não é. O Flávio fez aquilo que
todos deviam fazer: ser felizes, escolhendo o curso de que realmente
gostam. Pouco importa o que os outros pensam. Pouco importa que o curso
tenha mais ou menos saídas profissionais. Aliás, visto nessa
perspectiva, podemos dizer que não há cursos bons para sempre. Os
professores, que hoje não têm colocação, serão profissionais escassos
muito em breve, tal como acontece na Alemanha. Os médicos, que agora são
duramente disputados pelos hospitais, lutarão em breve por um posto de
trabalho, como em Itália. Advogados e arquitectos, profissionais muito
procurados até à década de 90, procuram agora estágios gratuitos nos
grandes escritórios e ateliers. O mercado tem ciclos e o que hoje é bom,
amanhã pode não o ser. A solução é optar sempre por aquilo que se gosta,
pois só assim é possível encontrar a felicidade e a realização
profissional. Mais tarde ou mais cedo, cada um encontrará o seu lugar no
universo.
Nota final: todos os anos ficam centenas de alunos fora das faculdades
de Medicina. São muitos os que protestam contra a escassez de vagas,
criticam o sistema e sublinham que a média escolhe os melhores alunos,
não os que poderiam ser os melhores profissionais. Até pode ser verdade,
mas para os que ficam de fora, há outros caminhos que os podem levar à
Medicina, sobretudo no campo da investigação: físicos, matemáticos,
biólogos, químicos e até filósofos trabalham todos os dias na procura de
soluções para as doenças mais graves. Ao contrário do que muitos pensam,
o consultório e o hospital são apenas o final da linha. Antes disso há
milhares de oportunidades para aqueles que sentem a área da Saúde como
sua vocação.
João Canavilhas
OPINIÃO
Cartas desde la
ilusión
Querido amigo:
Voy a contarte, hoy, cómo he seguido trabajando con mis alumnos en el
tema de la autoestima.
Como sabes, hice previamente la actividad del “collage” sobre sí misma/o
de cada uno de los alumnos. Ya te relaté, en mi carta anterior, mis
impresiones. A la vista de lo sucedido y de las reacciones de los
alumnos, decidí otra actividad. Esta vez les indiqué que se agrupasen
por parejas.
Ya puedes imaginar que hubo parejas que se formaron inmediatamente, pero
otros niños tardaron en decidirse a la hora de vincularse a otros
compañeros. Este dato de observación nunca puede pasar desapercibido
para el educador, porque puede dar una idea de la facilidad/dificultad
de algunos alumnos a la hora de formar pareja con una/un colega (es
decir, se puede observar la facilidad/dificultad de algunos niños a la
hora de empatizar con sus colegas; no obstante, este ejercicio lo
repetiré más adelante ordenando que se junten en parejas “al azar”, para
fomentar la apertura emocional entre todos los alumnos y la aceptación
recíproca entre todos ellos).
Cuando se decidieron las parejas, se sentaron juntos en las mesas y
proporcioné una hoja en blanco a cada uno de los alumnos. La primera
indicación consistió en ordenarles que hiciesen el contorno de la mano
de su compañera/o en su hoja en blanco. Así que, por ejemplo, Jorge e
Isabel, que estaban juntos, comenzaron por hacer el contorno de la mano
de Isabel (bordeándola) en la hoja de Jorge, y, a continuación, Isabel
dibujó el contorno de la mano de Jorge en su hoja en blanco.
Una vez que cada uno de ellos dispuso del contorno de la mano de su
colega, les indiqué que escribieran en el centro de la palma el nombre
de su pareja (Jorge escribió “Isabel”, e Isabel escribió “Jorge”).
Entonces les dije que en cada uno de los dedos del contorno de la palma
escribieran una cualidad positiva de su colega. Los niños se miraron
unos a otros con cara de sorpresa, pero pronto se pusieron a la tarea.
Así que, al cabo de dos o tres minutos, todos tenían ante sí el contorno
de la palma de la mano y cinco características positivas de su colega.
En ese momento, pedí a cada uno de ellos que fuese leyendo el nombre de
su compañera/o y las cualidades que había indicado de ella/él.
Tengo que reconocer que la actividad fue muy gratificante para todos los
alumnos y que se generó un ambiente “festivo” entre ellos basado en la
emocionalidad sana del reconocimiento de las características positivas
de los otros (comprobaron que algunas se repetían en varias personas,
otras no, etc.).
Pero esta actividad tuvo una proyección adicional que te contaré en mi
próxima carta, porque, en esta ocasión, ya no dispongo de más espacio.
Te deseo salud y felicidad.
Un abrazo fuerte. 
Juan A. Castro
juancastrop@gmail.com
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