JACINTO LUCAS PIRES EM
ENTREVISTA
Novas tecnologias
não competem com os livros

Jacinto Lucas Pires reconhece que o
“ofício de juntar frases” nem sempre é fácil mas dá prazer. Quanto ao
papel de escritor defende que é também um cidadão comum que não deve
estar exilado atrás da mesa onde escreve. Acredita que é preciso lutar
contra o estigma em redor o rótulo “cinema português” e apostar numa
originalidade sem complexos ou compromissos forçados. Na entrevista que
concedeu ao Ensino Magazine (respostas via e-mail), fala dos seus dias
da América, país que foi cenário para o último romance Perfeitos
Milagres.
A voz de um escritor é sempre uma
voz que se ouve melhor e chega mais longe que a do cidadão comum. O
escritor tem uma responsabilidade social acrescida?
“Acrescida”, não sei... Acredito que a cidadania deve ser exercida por
todos, em diferentes áreas e a diferentes “vozes”, e que devemos todos
contribuir para que o espaço em que essa participação se torna possível
seja o mais amplo e o mais transversal. Nesse sentido, é urgente achar
novas formas, novos canais, que permitam e estimulem essa participação.
O escritor é também um cidadão comum – a quem por vezes é dado um
microfone. Dito isto, entendo que o escritor não se deve exilar do
mundo, escondido atrás da mesa onde escreve.
Concorda ou não com a afirmação de
Thomas Mann: «O escritor é alguém para quem a escrita é mais difícil do
que para qualquer outra pessoa»?
Não conhecia essa afirmação, mas é muito certeira. Sim, de facto, um
escritor é aquele que, num dado momento, está mais perto do texto – e
essa proximidade, esse calor de se estar demasiado próximo das palavras,
não é fácil. O que não quer dizer, por outro lado, que não haja um
prazer no ofício de juntar frases, cortar parágrafos, ver crescer um
conto ou um romance.
Escreve romances, teatro, contos,
argumentos de cinema, já criou muitas personagens. De todas essas
personagens existe alguma que fala mais de si? E porquê?
Imagino que todas falem de mim, de um modo ou de outro, mas não serei a
pessoa indicada para responder a isso. Preciso sempre de uma boa
distância entre a minha vida e a vida das personagens que escrevo – um
mínimo de “pudor criativo” – e, francamente, não sei bem dizer onde é
que essa distância será um pouco menor. Assim de repente, penso que
talvez nas histórias em que o narrador é uma criança haja mais aspectos
imediatos do que sou ou fui.
Portugal é um país que trata bem o
talento, ou pelo contrário é mais difícil “crescer” por cá?
Permita-me que dê uma no cravo e outra na ferradura: trata tão bem, tão
bem, que às vezes é difícil “crescer” por cá!...
Na relação dos jovens com a leitura
as novas tecnologias vieram tirar espaço ao livro?
Acho que não. Pelo menos, não é necessário que assim seja. As chamadas
“novas tecnologias” são instrumentos de acesso a mais informação e
conteúdos mais diversificados. Não fazem concorrência directa aos
livros. E se é verdade que o “mundo dos livros” e da “cultura” em geral
tem de se adaptar e aprender a usar melhor essas novas ferramentas, não
é menos verdade que só quem lê livros saberá tratar, interpretar e
escolher as torrentes de informação potenciadas por essas tais novos
meios.
O Plano Nacional de Leitura é um
contributo importante para a criação de mais e melhores leitores?
Penso que sim. Também neste campo, é urgente apostar-se no futuro. Nesta
área, todo o investimento (de meios, vontades e ideias) é de aplaudir.
Mas com a certeza que se trata de uma maratona e não de uma corrida de
cem metros...
Para além de ter tirado um curso de
Direito em Portugal também estudou cinema nos Estados Unidos. Como foram
os dias da América?
Foram dias intensíssimos (viver em Nova Iorque é quase uma
pós-graduação!) e muito felizes. Nova Iorque é uma cidade que me
apaixona no que tem de mistura, velocidade, diferença, vertigem,
amplidão. (A história do meu último romance, “Perfeitos milagres”,
passa-se lá.) A Grande Maçã não é a América, diz-se, e é verdade, mas
curiosamente terá sido nessa altura que percebi em concreto o que era
ser europeu, como isso nos define tanto, como nos distingue à partida.
Cinemaamor (1999) e BD (2004) são
duas das curtas metragens que escreveu e realizou. Fale-nos do trabalho
de argumentista e realizador?
São trabalhos muito diferentes, mas obviamente ligados. Trabalhos-primos,
mais que trabalhos-irmãos. O argumentista escreve por imagens, o
realizador imagina uma escrita. Um argumento – mesmo muito bem pensado –
dá para tantos filmes quantos os realizadores que o filmem.
Falta “sonho” ao cinema português ou
é outra a explicação para a ausência de público?
Criou-se um estigma em relação à marca “cinema português” (como se fosse
tudo igual!...) que é preciso combater. A melhor resposta seria, penso,
uma fuga em frente: avançar no sentido de uma originalidade sem
complexos mas também sem forçados compromissos. Temo, porém, que a
reacção em marcha vá na direcção contrária: a de um cinema mais “fácil”
e “igual a tudo”, que quer ter público por “nem parecer cinema
português”...
Neste momento da sua vida quem é que
está a desenvolver projectos o escritor, o realizador ou o argumentista?
O argumentista (mas o escritor vai espreitando por cima do ombro).
Eugénia Sousa
Cara da notícia
Jacinto Lucas Pires nasceu no Porto, a 14
de Julho de 1974.
Licenciou-se em Direito pela Universidade Católica e estudou Cinema na
New York Film Academy.
Publicou vários livros pela editora Cotovia, entre os quais
Azul-turquesa (ficção, 1998), Abre para cá (contos, 2000), Livro usado
(viagem ao Japão, 2001), Escrever, falar (teatro, 2002), Do sol
(romance, 2004), Figurantes (teatro, 2005), Perfeitos Milagres (romance,
2007).
Escreveu e realizou as curtas-metragens Cinemaamor (1999) e B.D. (2004).
É autor das peças de teatro, Universos e frigoríficos (1998, CCB/A.P.A.,
encenação Manuel Wiborg), Arranha-céus (1999, TNSJ/Teatro Bruto,
encenação Ricardo Pais), Escrever, falar (2001, Maus Hábitos/.lilástico,
encenação. Marcos Barbosa), Coimbra b (2003, Coimbra Capital da
Cultura/.lilástico, enc. Marcos Barbosa). Figurantes (2004, Teatro
Nacional São João, encenação Ricardo Pais), Os vivos (2007, Citemor/O
bando, enc. João Brites).
Tem uma colaboração regular em jornais e revistas e vive actualmente em
Lisboa.
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