Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº117    Novembro 2007

Entrevista

JACINTO LUCAS PIRES EM ENTREVISTA

Novas tecnologias
não competem com os livros

Jacinto Lucas Pires reconhece que o “ofício de juntar frases” nem sempre é fácil mas dá prazer. Quanto ao papel de escritor defende que é também um cidadão comum que não deve estar exilado atrás da mesa onde escreve. Acredita que é preciso lutar contra o estigma em redor o rótulo “cinema português” e apostar numa originalidade sem complexos ou compromissos forçados. Na entrevista que concedeu ao Ensino Magazine (respostas via e-mail), fala dos seus dias da América, país que foi cenário para o último romance Perfeitos Milagres.
 

A voz de um escritor é sempre uma voz que se ouve melhor e chega mais longe que a do cidadão comum. O escritor tem uma responsabilidade social acrescida?

“Acrescida”, não sei... Acredito que a cidadania deve ser exercida por todos, em diferentes áreas e a diferentes “vozes”, e que devemos todos contribuir para que o espaço em que essa participação se torna possível seja o mais amplo e o mais transversal. Nesse sentido, é urgente achar novas formas, novos canais, que permitam e estimulem essa participação. O escritor é também um cidadão comum – a quem por vezes é dado um microfone. Dito isto, entendo que o escritor não se deve exilar do mundo, escondido atrás da mesa onde escreve.
 

Concorda ou não com a afirmação de Thomas Mann: «O escritor é alguém para quem a escrita é mais difícil do que para qualquer outra pessoa»?
 
Não conhecia essa afirmação, mas é muito certeira. Sim, de facto, um escritor é aquele que, num dado momento, está mais perto do texto – e essa proximidade, esse calor de se estar demasiado próximo das palavras, não é fácil. O que não quer dizer, por outro lado, que não haja um prazer no ofício de juntar frases, cortar parágrafos, ver crescer um conto ou um romance.
 

Escreve romances, teatro, contos, argumentos de cinema, já criou muitas personagens. De todas essas personagens existe alguma que fala mais de si? E porquê?

Imagino que todas falem de mim, de um modo ou de outro, mas não serei a pessoa indicada para responder a isso. Preciso sempre de uma boa distância entre a minha vida e a vida das personagens que escrevo – um mínimo de “pudor criativo” – e, francamente, não sei bem dizer onde é que essa distância será um pouco menor. Assim de repente, penso que talvez nas histórias em que o narrador é uma criança haja mais aspectos imediatos do que sou ou fui.
 

Portugal é um país que trata bem o talento, ou pelo contrário é mais difícil “crescer” por cá?

Permita-me que dê uma no cravo e outra na ferradura: trata tão bem, tão bem, que às vezes é difícil “crescer” por cá!...
 

Na relação dos jovens com a leitura as novas tecnologias vieram tirar espaço ao livro?

Acho que não. Pelo menos, não é necessário que assim seja. As chamadas “novas tecnologias” são instrumentos de acesso a mais informação e conteúdos mais diversificados. Não fazem concorrência directa aos livros. E se é verdade que o “mundo dos livros” e da “cultura” em geral tem de se adaptar e aprender a usar melhor essas novas ferramentas, não é menos verdade que só quem lê livros saberá tratar, interpretar e escolher as torrentes de informação potenciadas por essas tais novos meios.
 

O Plano Nacional de Leitura é um contributo importante para a criação de mais e melhores leitores?

Penso que sim. Também neste campo, é urgente apostar-se no futuro. Nesta área, todo o investimento (de meios, vontades e ideias) é de aplaudir. Mas com a certeza que se trata de uma maratona e não de uma corrida de cem metros...
 

Para além de ter tirado um curso de Direito em Portugal também estudou cinema nos Estados Unidos. Como foram os dias da América?

Foram dias intensíssimos (viver em Nova Iorque é quase uma pós-graduação!) e muito felizes. Nova Iorque é uma cidade que me apaixona no que tem de mistura, velocidade, diferença, vertigem, amplidão. (A história do meu último romance, “Perfeitos milagres”, passa-se lá.) A Grande Maçã não é a América, diz-se, e é verdade, mas curiosamente terá sido nessa altura que percebi em concreto o que era ser europeu, como isso nos define tanto, como nos distingue à partida.
 

Cinemaamor (1999) e BD (2004) são duas das curtas metragens que escreveu e realizou. Fale-nos do trabalho de argumentista e realizador?

São trabalhos muito diferentes, mas obviamente ligados. Trabalhos-primos, mais que trabalhos-irmãos. O argumentista escreve por imagens, o realizador imagina uma escrita. Um argumento – mesmo muito bem pensado – dá para tantos filmes quantos os realizadores que o filmem.
 

Falta “sonho” ao cinema português ou é outra a explicação para a ausência de público?

Criou-se um estigma em relação à marca “cinema português” (como se fosse tudo igual!...) que é preciso combater. A melhor resposta seria, penso, uma fuga em frente: avançar no sentido de uma originalidade sem complexos mas também sem forçados compromissos. Temo, porém, que a reacção em marcha vá na direcção contrária: a de um cinema mais “fácil” e “igual a tudo”, que quer ter público por “nem parecer cinema português”...
 

Neste momento da sua vida quem é que está a desenvolver projectos o escritor, o realizador ou o argumentista?

O argumentista (mas o escritor vai espreitando por cima do ombro).

Eugénia Sousa

 

 

 

Cara da notícia

Jacinto Lucas Pires nasceu no Porto, a 14 de Julho de 1974.

Licenciou-se em Direito pela Universidade Católica e estudou Cinema na New York Film Academy.

Publicou vários livros pela editora Cotovia, entre os quais Azul-turquesa (ficção, 1998), Abre para cá (contos, 2000), Livro usado (viagem ao Japão, 2001), Escrever, falar (teatro, 2002), Do sol (romance, 2004), Figurantes (teatro, 2005), Perfeitos Milagres (romance, 2007).

Escreveu e realizou as curtas-metragens Cinemaamor (1999) e B.D. (2004).

É autor das peças de teatro, Universos e frigoríficos (1998, CCB/A.P.A., encenação Manuel Wiborg), Arranha-céus (1999, TNSJ/Teatro Bruto, encenação Ricardo Pais), Escrever, falar (2001, Maus Hábitos/.lilástico, encenação. Marcos Barbosa), Coimbra b (2003, Coimbra Capital da Cultura/.lilástico, enc. Marcos Barbosa). Figurantes (2004, Teatro Nacional São João, encenação Ricardo Pais), Os vivos (2007, Citemor/O bando, enc. João Brites).

Tem uma colaboração regular em jornais e revistas e vive actualmente em Lisboa.

 


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