SOBRINHO SIMÕES EM
ENTREVISTA
"É errado
associar cancro a morte"
É português um dos maiores especialistas do mundo em cancro. Chama-se Sobrinho Simões e em entrevista ao «Ensino Magazine» diz que 50 por cento dos cancros não causam morte e lamenta que se invista mais no tratamento das doenças oncológicas do que na sua prevenção. O investigador confia na qualidade dos «nossos» cientistas, mas refere que falta aos «sistemas» do país, entre eles a Educação, «organização» e «capacidade para avaliar e reconhecer o mérito».
O Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), que dirige desde 1989 é um oásis no «deserto» da ciência em Portugal?
Não estou de acordo com essa afirmação. O ano que terminou foi bom para o IPATIMUP e para outros institutos, bem como para a ciência em geral, no que diz respeito à produção científica. Portugal, de há uns tempos a esta parte, tem boas instituições que se dedicam às ciências da saúde: o IPATIMUP, o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e o Instituto de Engenharia Biomédica (INEB), no Porto; O Centro de Neurociências, em Coimbra; o Instituto de Medicina Molecular (IMM) e o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Lisboa, são, entre alguns outros, centros de investigação de nível internacional em ciências da saúde.
Que motivos invoca para dizer que 2006 foi positivo para a ciência nacional?
2006 trouxe frutos palpáveis do investimento feito em ciência em Portugal ao demonstrar a enorme importância dos Laboratórios Associados e dos Centros de Investigação na produção científica. O problema é que estas instituições ainda não influenciaram suficientemente a universidade. É esta a limitação.
Por culpa de quem?
As responsabilidade são repartidas por todos: instituições de investigação, as próprias universidades e a sociedade civil, que não valoriza a investigação científica como elemento de promoção da qualidade da educação e da formação.
O que lhe deu mais prazer em termos de investigação científica?
A mim, pessoalmente, foi demonstrar que nos cancros da tiróide o problema não está no facto de as células proliferarem muito, mas sim no facto de as células neoplásicas serem (quase) imortais. Tratou-se de uma autêntica mudança de paradigma, isto na viragem de 1979 para 1980. Dizia-se que o cancro era uma doença da proliferação das células, mas o que encontrámos foi uma doença da sua sobrevivência. As células malignas não são muitas vezes mais proliferativas do que as células normais, o que acontece é que sobrevivem a praticamente todas as situações adversas.
Em termos sociais e pessoais que trabalho o recompensou mais?
Sem dúvida que nesse domínio o meu maior orgulho reside em ter ajudado a criar o IPATIMUP e a fazer uma geração de cientistas de muito bom nível. É esta realização colectiva que permite mudar o futuro. O futuro não vai mudar simplesmente porque eu fiz ou deixei de fazer uma descoberta.
Tem alguma concretização ou sonho que ambicione, para si ou para o país?
Acho que a grande revolução em Portugal vai acontecer quando conseguirmos que as actividades lectivas nas escolas, nos liceus e nas universidades tenham uma forte componente científica. É preciso que os miúdos sejam treinados a pensar através da observação e da experimentação. A ciência é indispensável à sociedade e à cultura do século XXI. Em Portugal, falta cientificidade em todos os domínios da vida humana.
Há senso comum em excesso e um défice científico?
O senso comum inteligente é, muitas vezes, prova de alguma aproximação científica aos problemas. O que existe em Portugal é um excesso de opiniões, atitudes, comportamentos e decisões, que não se baseiam em evidências. Isto é verdade na Política, na Economia, na Medicina, etc. Em Portugal, vivemos muito da retórica e daquilo que achamos que é bem. Não estou a dizer que somos um povo maligno, mas infelizmente não estamos habituados a perguntar nem utilizamos nos nossos raciocínios uma atitude científica.
Diariamente somos confrontados com novas notícias sobre esperanças de cura para o cancro. Para quando podemos vir a ter mais certezas?
Ninguém sabe. O «truque» para obter uma resposta a essa pergunta é não falar do «cancro», mas dos «cancros». Hoje, sabemos que os cancros dos órgãos x,y e z, são diferentes dos cancros dos órgãos a,b e c. Os cancros das crianças distinguem-se dos cancros das pessoas de idade. A nossa impressão é que, para alguns cancros, como já acontece com as leucemias e os cancros da tiróide e do testículo, a cura, ou se quiser o controlo da doença, já atinge os 95 por cento. Infelizmente, há outros cancros onde não se avançou muito em termos de cura. De qualquer maneira, é errado, hoje em dia, associar-se a palavra cancro à ideia de morte.
Pensa que a população está mal informada sobre este flagelo?
Penso que sim. Mais de 50 por cento dos cancros não causam a morte dos doentes, isto é, já controlamos mais de metade dos casos. O que acontece é que as pessoas ligam aos processos cancerosos uma elevadíssima mortalidade e isso é falso. A maioria dos portugueses não morre de cancro mas sim fruto da sua hipertensão, obesidade, doença vascular-cerebral, etc.
Que conselhos pode dar para prevenir o cancro?
Há dois tipos de medidas: medidas de prevenção que incidem no estilo de vida – não fumar, praticar exercício, fazer uma alimentação equilibrada, evitar a obesidade e a poluição que nos rodeia. As medidas de outra natureza são de rastreio. As mulheres têm que fazer a vacina contra o cancro do colo do útero aos 12/13 anos e efectuar mamografias por causa do cancro da mama. Independentemente do sexo é preciso fazer colonoscopias a partir de uma certa idade, para saber se temos lesões pré-cancerosas no intestino.
Que cuidados devem ter os que não costumam frequentar consultas de rotina?
Devem estar atentos ao primeiro alerta, que acontece quando se manifestarem alterações das funções habituais (por exemplo, na digestão) ou sinais de que algo se modificou no nosso corpo. Exemplos: um sinal cutâneo que aumentou de tamanho ou mudou de cor, ou o aparecimento de sangue nas fezes. Outro exemplo: uma pessoa que sempre teve um trânsito intestinal regular e passou de repente a ter obstipação, não quer dizer que seja cancro, mas vale a pena
investigar.
ENSINO SUPERIOR
"Sistema não
avalia e rejeita reconhecer méritos"
Que factores têm mais peso no desenvolvimento de um cancro: os genéticos ou ambientais?
Os factores externos ou ambientais têm mais importância. Quantificando, eu diria 90 por cento para causas ambientais e apenas cerca de 10 por cento para causas genéticas. Mas atenção, se você tiver uma história familiar muito forte, as probabilidades de vir a ter cancro aumentam, mesmo que não conheçamos qual o gene, ou genes, envolvidos nessa hereditariedade.
A alimentação é factor a ter em conta em que proporção?
Tem pouco significado, mas deve obedecer a duas condições. Não deve ser hipercalórica, para evitar a obesidade que potencia, em muito, o risco de cancro. Segundo, é fundamental aumentar a quantidade de legumes, frutas e vegetais consumidos.
Um estudo recente da «Roche», que serviu de mote à campanha europeia «Cancer United», revelou que Portugal é dos países que menos investe no cancro. Tem essa consciência?
Não disponho de dados que me permitam responder com objectivi-dade a essa pergunta, mas tenho a noção que investimos bastante mais no tratamento do que no «resto», isto é, direccionamos em bastante menor escala a nossa atenção para a prevenção e o diagnóstico precoce do que seria desejável.
Assistimos recentemente na televisão a um caso de uma cidadã algarvia que teve necessidade de ir a Pamplona (Espanha) tratar o seu problema oncológico por «falta de resposta» do sistema de saúde português. Estes casos acontecem com frequência?
Não conheço o caso em concreto mas, em abstracto, não vislumbro motivo para essa atitude. Obviamente que há que reconhecer que temos em Portugal um problema de acessibilidade que não é o mesmo para quem vive no Porto ou em Lisboa, em comparação com quem habita em Odemira. São muito complexos esses problemas de acessibilidade num país pobre e periférico como o nosso, com falta de meios para responder adequadamente a muitas das carências. Se o doente tem uma queixa súbita e, por exemplo, nota perda de sangue pelas fezes ou passa a ser uma tosse irritativa permanente, ele deve ter acesso a um diagnóstico o mais célere possível. E, neste particular, Portugal está longe de estar perfeito. Mas nós, hoje em dia, não temos razão para ir a Espanha ou a Inglaterra tratar problemas oncológicos.
Mas não pensa que subsiste um défice nos cuidados de saúde ministrados aos utentes?
Existe. Mas o défice nos cuidados de Saúde é muito menor do que o défice nos Transportes. A TAP e os comboios, são muito piores que o Serviço Nacional de Saúde (SNS). E, então a Justiça é horrorosamente pior que o SNS. Se analisarmos os vários sistemas portugueses, provavelmente chegaremos à conclusão que o menos mau é o da Saúde. E se não conseguimos resolver os problemas nos Transportes, como é que julgam que vamos resolver os que existem na Saúde?
Se fosse possível melhorar algo de básico no SNS, para onde iriam as suas prioridades?
Os centros de saúde, por exemplo, deveriam funcionar melhor. É por deficiente funcionamento dos cuidados primários que os doentes “entopem” as urgências dos hospitais centrais. Há diariamente centenas ou milhares de doentes que não têm razão para recorrer, como recorrem, às urgências hospitalares. Os cuidados primários deviam ser mais eficientes.
A Saúde, os Transportes e a Justiça são o espelho do país?
Um pouco, e já agora acrescente a Educação. Falta-nos organização, não recompensamos o mérito e não avaliamos. Os sistemas em Portugal que exibem estas características negativas – e são, infelizmente, quase todos – são manifestamente os piores. No caso da saúde, as queixas são mais elevadas na medida em que se eu tiver um familiar próximo doente estarei mais disposto a elevar a minha voz e a reclamar perante o que está mal. Já quando o comboio se atrasa miseravelmente ou a Justiça protela o julgamento de um processo, a tendência é para uma reacção mais tolerante.
“O Processo de Bolonha só valerá a pena se contribuir para aumentar a qualidade do processo educativo a todos os níveis, com ênfase, no que diz respeito à Universidade, no 3.º ciclo, isto é, nos Programas Doutorais”.
Dizem alguns, que o sistema de ensino é um dos maiores fracassos das três décadas de democracia. Concorda?
Em absoluto. O outro enorme fracasso é, como dizia atrás, a Justiça. Não conseguimos criar condições objectivas para educar, a sério, os portugueses. A culpa é, como sempre nestas coisas, repartida: a sociedade em geral e os pais em particular, os professores e o Poder. Demos cabo da autoridade dos professores e não a substituímos por nenhuma forma eficiente de governação. Recusamos sistematicamente a avaliação e a discriminação positiva dos melhores, sejam alunos ou professores. Não temos conseguido, nós, médicos, professores, políticos, empresários, ser exemplares e sem muitos e bons exemplos não há sistema de ensino que aguente.
O Processo de Bolonha é o chamado «euro do ensino». Crê que vai ser uma «prova de fogo» à capacidade competitiva das universidades, professores e alunos portugueses?
Gostava que fosse, mas não tenho a certeza disso. Receio que tenhamos uma resposta burocrática semelhante à que tivemos há alguns anos quando começámos a fazer cursos superiores de papel e lápis por tudo quanto era sítio e quando, depois, inventámos dezenas e dezenas de mestrados, na sua maioria sem qualidade. O Processo de Bolonha só valerá a pena se contribuir para aumentar a qualidade do processo educativo a todos os níveis, com ênfase, no que diz respeito à Universidade, no 3.º ciclo, isto é, nos Programas Doutorais. Tal, subentende uma aposta consistente em avaliação externa independente que obrigue a recompensar o mérito, “force” a entrada massiva da investigação científica no Ensino Superior e estimule a
internacionalização.
Auto-estradas, estádios do Euro 2004,
a Casa da Música e a Expo 98, foram projectos que mobilizaram milhões de
euros dos cofres do Estado. Ao esquecer, por exemplo, a criação de
laboratórios, acha que os políticos têm errado na definição das
prioridades nacionais devido a uma visão de curto prazo? Considera que
existe uma política de ciência em Portugal?
As prioridades têm variado um pouco ao longo dos últimos anos embora a aposta no betão se tenha mantido sempre dominante. Para sermos justos é preciso reconhecer que alguns governos têm dado uns bons empurrões à ciência sem terem, no entanto, conseguido modificar substancialmente o ensino experimental nas escolas, nem a atitude da grande maioria das instituições de Ensino Superior face à investigação cientifica e à inovação. Para complicar as coisas os tais empurrões têm sido, como o próprio nome indica, descontínuos. E sem uma politica sustentada de longo prazo – que não se compadece com os curtíssimos ciclos eleitorais – não vamos lá…
A polémica sobre as faculdades de Medicina e o número de admissões é um tema recorrente. O número de diplomados aptos que saem das universidades chega para as necessidades? Como vê o fenómeno da integração dos médicos estrangeiros, nomeadamente espanhóis e de Leste, nos estabelecimentos hospitalares nacionais?
Temos, nesta altura, médicos suficientes para as necessidades do País desde que a sua distribuição e a sua integração institucional sejam adequadas. Temos também um número suficiente de estudantes de Medicina para assegurar o futuro, isto é, não precisamos de mais Faculdades de Medicina. Precisamos sim de melhorar a qualidade do ensino médico, tanto pré como pós-graduado, e de assegurar a formação contínua dos médicos de todas as idades. Precisamos também de começar a pagar decentemente aos médicos que trabalham seriamente nos hospitais públicos e nos centros de saúde. Dito isto, vejo com simpatia o recrutamento de médicos competentes de outros países em condições idênticas às que devemos exigir aos médicos
nacionais.
Nuno Dias da Silva
RUI UNAS EM ENTREVISTA AO
ENSINO MAGAZINE
"Um país com
taxas de escolaridade baixas
não tem futuro"
Rui Unas defende que o sistema de ensino está «antiquado» e desajustado às reais necessidades. O apresentador critica a sobrevalorização social do estatuto de «doutor e engenheiro» e considera urgente um pacto para a Educação. Unas diz ainda que Portugal tem duas caras: a dos estádios e da Expo, em contraponto com a dos «tugas» endividados.
Quase uma década depois de actividade profissional na Rádio, Cinema e TV, é neste último meio que, assumidamente, se sente mais à vontade. Consegue explicar a afinidade que nutre pelo “pequeno ecrã”?
Apesar de ter começado na Rádio, foi a Televisão que me permitiu evoluir de apresentador para “artista de variedades”. Aproveitei as oportunidades que tive em apresentar e
produzir programas da minha autoria para arriscar e desenvolver outras capacidades. Acabei por experimentar uma carreira paralela de actor à conta da TV. Mas trabalhar em televisão é um privilégio precioso. Poder entrar em casa das pessoas e fazer parte das suas vidas por uns minutos que seja é extraordinário.
Entretanto, em 2004, testou a sua veia de escritor e lançou um livro intitulado «A minha vida é um cabaret». Concorda com o comentador Lobo Xavier quando este, a propósito do livro de Carolina Salgado, disse que «hoje em dia, em Portugal, qualquer bicho careta escreve um livro»?
Sim, concordo. No entanto, acho que toda a gente tem direito de, se tiver oportunidade e se assim o desejar, publicar o que tem para dizer. Mesmo os “bichos caretas”. Cabe depois ao público responder se gosta ou não. Em relação ao meu livro. Eu não tenho a pretensão de me considerar escritor. O livro “A minha vida é um Cabaret” é uma compilação de crónicas da minha autoria que entretanto foram publicadas semanalmente no “24 horas”. Quanto muito sou cronista.
«Curto-Circuito», «Alta Voltagem» e o incontornável «Cabaret da Coxa» foram programas altamente «revolucionários» para os padrões nacionais. Pese embora os destinatários serem os jovens, sente que quebrou preconceitos instalados com uma linguagem arejada, por vezes desbragada, quase sempre a pisar o risco?
Eu confesso que gosto de exceder os limites, mas não o faço com o propósito de chocar ou para me considerarem um “ganda maluco”. Genuinamente sou às vezes mal comportado na televisão porque não gosto de ser certinho e fazer as coisas “by the book”. Quando aparece um tipo como eu na TV a ter conversas com um papagaio que diz palavrões é natural que as pessoas não fiquem indiferentes. Sei que desperto paixões, há os que adoram os meus disparates e há os que são fãs da Serenella Andrade. Não se pode agradar a todos.
Fazendo um pequeno exercício de memória é
possível recordar as suas recorrentes alusões a temas relacionados com sexo. Diz o que outros pensam e não tem coragem de expressar? É um incondicional da máxima muita em voga, «Freud explica»?
Sim, acho que o sexo está presente em tudo o que fazemos... ou não fazemos. De uma forma subliminar, ele, o sexo, está lá. É muito libertador falar de sexo com as palavras e os palavrões todos, não
necessariamente em público, como eu por vezes faço. Pelo menos, acho que não tenho recalcamentos e acreditem que mais vale parecer um tarado e ser um tipo perfeitamente “bem resolvido” a nível sexual do que o oposto.
Agora a sétima-arte. No «Crime do Padre Amaro» fez a personagem de Alex, um homossexual. Não pensa que foi um desperdício esse seu papel num filme em que contracenava com Soraia Chaves?
Foi... mas o Freud pode explicar melhor do que eu...
Por seu turno, na curta-metragem «I’ll see you in my dreams», fez de padre. Como foi a experiência para uma pessoa que não liga a assuntos religiosos e nem sequer é baptizado?
Digamos que fui um padre, mas não um padre qualquer. Fui um padre zarolho, que tinha acabado de ser mordido por um “zombie” e que clamava por lhe darem guarida. A situação per si não é muito católica, portanto não tive qualquer dificuldade em vestir a batina.
«Nos dias de hoje, alguém assumir-se como monogâmico, está a mentir ou tem uma coragem fora de série». Esta frase foi dita
por... Rui Unas, há uns anos atrás. Pertence ao leque dos corajosos ou dos mentirosos?
Assumir a monogamia e ter a sincera intenção de a cumprir é renunciar ao código genético que diz para semear a semente no maior numero possivel de mulheres, não é um acto de coragem? Mas acho que é um preço razoável a pagar quando se quer ser feliz com alguém para o resto da vida.
Portugal não é um país fértil em humoristas. Poucos, mas bons, parece ser a máxima. Solnado, Nicolau, Herman e agora, Ricardo Araújo Pereira ou, o mesmo é dizer, os «Gatos Fedorentos». Com qual ou quais mais se identifica? É tarefa fácil fazer rir num país por muitos apelidado de cinzento, sisudo e com tendência para a depressão?
Ainda hoje tenho dificuldade em assumir-me como humorista. Fui percebendo pouco a pouco que havia pessoas que me achavam graça e que se identificavam com o meu sentido de humor. Agora, eu acho que não seja esse o principal problema do pais não se rir mais. O país real é iletrado, viaja pouco, lê pouco... praticar um tipo de humor mais complexo para um público assim é que é difícil. Identifico-me mais com o humor dos “Gatos”, mas não quero dizer com isto que não respeite o trabalho do Fernando Rocha, por exemplo... Mas não é por acaso que o país real goste e perceba é mesmo das anedotas do Rocha.
Tornou-se recentemente uma das selectas «estrelas» do universo SIC. Depois de ter sido «enfant terrible» na SIC Radical e ídolo de adolescentes no «Cabaret», fracassou no «Pegar ou largar», em horário nobre. Pensa que foi um acidente de percurso ou é sinal que é um apresentador talhado para imensas minorias?
Ambas as coisas. O programa falhou é um facto, mas não assumo uma quota muito grande de responsabilidade. Fiz o meu trabalho limpinho. Uns achavam que devia ter “abandalhado” mais outros diziam que estava num registo muito radical... enfim. Agora, eu também acho que não era o apresentador ideal para aquele programa. O meu registo natural é outro em programas onde possa ter mais liberdade para os disparates que nem toda a gente gosta.
Agora as perguntas de Educação. Enquanto criador de programas de autor, como vê o fenómeno da proliferação do plágios nos trabalhos universitários, em que existe um autêntico negócio montado de venda de pequenas monografias e até teses de mestrado?
Eu acredito que o plágio é uma arte. Um bom plágio dá tanto trabalho como fazer tudo de raiz. É uma “chica espertice”? É. Mas, nós somos um país de “chicos espertos” e mais vale sair da faculdade com pelo menos uma experiência desse tipo. Até podia estar no curriculum que acho que só o valorizaria. Tipo, com a discriminação dos trabalhos “plagiados” não detectados. Quanto ao negócio... bem... a “Educação” tem o seu investimento.
O Rui tem o 12.º ano e posteriormente tirou um curso técnico de locução e apresentação. Tendo em conta o número de diplomados que não consegue arranjar emprego, pode dizer-se que tirar um curso é uma perda de tempo? Arrependeu-se de não ter seguido a universidade?
Não estou arrependido na medida em que provavelmente não teria oportunidade de fazer o que fiz em TV se tivesse seguido enfermagem como ainda cheguei a ponderar. Mesmo que tivesse tirado um curso em Comunicação, a experiência na prática logo a partir dos 19 anos na rádio deu-me os instrumentos para fazer aquilo que faço hoje. Mas eu sou apologista dos cursos técnicos para determinadas àreas. Ficam melhor preparados, mais especializados e com maior probabilidade de encontrar trabalho. Os pais não ficam tão felizes por não terem um filho doutor, mas pelo menos não vai estar num balcão do «McDonalds».
Acha que este Portugal, um país de «doutores e engenheiros» de canudo na mão, tem futuro?
Acho que já deu para perceber que não. É sobretudo uma questão de mentalidades que ainda persiste em sobrevalorizar o estatuto de doutor e engenheiro. O nosso sistema de educação é antiquado e não se articula com as necessidades reais do país. Se juntarmos a isto a falta de informação dos estudantes sobre as vantagens dos cursos técnicos e que os leva a “encarneirar” para os cursos superiores, está explicado o atraso nesta matéria.
O ex-ministro Marçal Grilo acusou a classe política de impedir a constituição de um pacto para a Educação. É da opinião que os políticos valorizam mais os interesses partidários em detrimento dos interesses nacionais?
Mas há dúvidas em relação a essa pergunta? Óbvio que os interesses nacionais são preteridos sempre... mas não é só a Educação que serve de arma de arremesso de campanha nas eleições. A Saúde, a Justiça, as questões sociais... Mas, se calhar nenhum pacto seria mais urgente que a Educação. Porque é a base para qualquer desenvolvimento. Um país com taxas de escolaridade baixas e sem empregabilidade garantida é um pais sem nenhuma competitividade no futuro. As Romenias e Bulgárias que aí vêm estão muito mais à frente na Educação e vão nos passar a frente nas outras àreas também...
O Presidente da República pediu para 2007 resultados ao Governo dos domínios da Justiça, Educação e Economia. Acredita que é possível com um passe de mágica alterar o atávico atraso nesses sectores?
Não consigo responder a essa pergunta sem um sorriso nos lábios... primeiro porque não tenho bem a certeza o que quer dizer “atávico”, depois porque não me parece possível de um momento inventar um país novo. Somos um país cada vez mais com duas caras. Um que respira desenvolvimento, com estádios, e expos e tal e outro onde o português médio endivida-se cada vez mais para ter aquilo que realmente precisa e aquilo que o convencem a comprar. Mas não quero ser pessimista e acho que o Presidente faz muito bem em exigir resultados... duvido é que seja este ano...
O concurso «Os Grandes Portugueses» está a levantar grande agitação na sociedade. Ficaria chocado se Salazar ou Cunhal fossem os mais votados? Quem é o seu português de eleição?
Na minha última pesquisa sobre o top vi que o Pinto da Costa estava a frente do Eça de Queiroz... isso é que é chocante! Eu não consigo responder a uma pergunta tão aberta como essa sem limitar mais o domínio. Porque há portugueses de eleição no desporto, nas artes, nas ciências... e escolher um que seja o “super português” é difícil. No limite escolhia o tipo que fez tudo para Portugal existir, o Afonso
Henriques.
Nuno Dias da Silva
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