Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº111    Maio 2007

Cultura

GENTE & LIVROS

Jess Walter

«Chega o dia em que conhecemos mais pessoas mortas do que vivas.

Este pensamento assalta Vince Camden enquanto se levanta da cama, frenético, olhando em redor de um quarto escuro, em busca de algo que comprove a sua existência, mas encontra apenas adereços: mesa-de-cabeceira, cómoda, cinzeiro, relógio. Vince respira pesadamente. Transpira no ar fresco. Esfrega os olhos para afastar a poeira destes devaneios, não propriamente um sonho, este pânico na fase avançada do sono – vidro fino como o papel, estilhaçado e rodopiante, cortante ao ser levado pelo vento.(...)

Começa pelos avós. Dois pares. Um avô teve uma segunda mulher. Vince passa a escova de dentes pelos molares. Mãe e pai. Sete. Uma irmã que nasceu morta conta? Não. Uma pessoa tem de ter vivido para morrer. Quando acaba de tomar o duche, secar o cabelo com o secador e vestir-se – calças largas cinzentas, camisa preta de mangas compridas, dois botões desapertados – já contabilizou familiares, vizinhos e antigos sócios: já vai em trinta e quatro pessoas que conheceu e que morreram. Pensa se será um número elevado ou se será normal conhecerem-se tantos mortos.» 


In Aposta de Risco

 

Escritor norte-americano, autor de quatro romances, Jess Walter trabalhou como jornalista de investigação para o Newsweek, The Washington Post e o Boston Clube. Over Tumbled Graves (2001), o primeiro romance, impressiona favoravelmente a crítica. O livro que se segue, The Land of The Blind (2003), não passa despercebido nos meios editoriais e ao público, mas será Citizen Vince (2005), a ganhar em 2006 o Edgar Allan Poe Award.

A sua última obra The Zero (2006) vence o Pacific Northwest Booksellers Award, e é finalista do National Book Award e do Los Angels Times Book Prize.

Jess Walter assina igualmente obras de não ficção, como o bestseller Every Knee Shall Bow (2002)- sobre o caso O.J. Simpson - e In Contempt (1996) em co-autoria com Christopher Darden.

Ao seu estilo vivo e sensível o escritor demonstra uma versatilidade que lhe permite abranger géneros tão diversos como guiões, contos, poesia e peças jornalísticas.

Citizen Vince, traduzido em Portugal como Aposta de Risco, começou por ser um guião que mais dezoito meses de trabalho transformaram em romance.

Actualmente Jess Walter vive com a família em Spokane, Washington. 

Aposta de Risco. Na América dos anos 80, em que Jimmy Carter e Ronald Regan disputam as eleições presidenciais, um homem anda à procura de uma segunda oportunidade. Ao abrigo de um programa de protecção de testemunhas, deram-lhe um novo nome, Vince Camden, uma outra cidade, Spokane, e um trabalho numa loja de donuts. A par de uma rotina simples, mantem a sua antiga actividade, roubo de cartões de crédito e tráfico de drogas. Em Vince, a vontade de mudar de vida é genuína, mas haverá redenção sem castigo?

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novas

Dom Quixote. O Legado dos Templários, de Steve Berry. Em 1314, o último grão-mestre dos Templários era condenado à morte, por Filipe IV rei de França. Com a morte de Jacques de Molay e dissolvida a ordem do templo, tudo fazia acreditar que o ascendente sobre os que governavam, os seus conhecimentos, e as fabulosas riquezas dos cavaleiros, se perderiam para sempre. Quase setecentos anos depois, um homem e uma mulher acreditam que a antiga ordem ainda vive. Cotton Malone, ex-agente secreto do governo americano, e Stephanie Nelle, sua ex-supervisora, embarcam numa aventura que os levara ao coração do Templo e ao seu mais fabuloso segredo. 

Presença. O Décimo Terceiro Conto, de Diane Setterfield. A escritora Vida Winter sempre manteve secreta a sua vida, iludindo jornalistas e admiradores com inúmeras histórias inventadas sobre o seu passado. Tão enigmático como a autora é a sua primeira obra literária Treze Contos de Mudança e Desespero, que contrariando o título, tem apenas doze contos. Contudo, o véu sobre a escritora parece estar prestes a ser levantado, ao contratar os serviços da biografa Margaret Lea. 

Cavalo de Ferro. Um, Ninguém e Cem Mil, de Luigi Pirandello. A simples descoberta de que tem um nariz torto, vai mudar radicalmente a vida do banqueiro e pai de família, Vitangelo Moscarda. Ao tomar consciência que a ideia que tem de si não corresponde em nada ao juízo que os outros fazem, e, da dificuldade de firmar uma única identidade, leva Moscarda a uma crise existencial sem precedentes. Irónico, filosófico, magnífico, este é o último livro do Prémio Nobel da Literatura de 1934 e o mais emblemático do universo Pirandello. 

Campo das Letras. Cem Sonetos de Amor, de Pablo Neruda.«Senhora minha muito amada, grande foi o meu sofrimento ao escrever estes mal chamados sonetos, que bastantes dores me causaram, mas a alegria de tos oferecer é maior que um prado (...)». Assim começa a dedicatória do Poeta para a mulher Matilde Urrutia. Cem poemas que falam do mais belo sentimento, escrito por um dos maiores poetas do mundo. 

Difel. A Ordem Negra, de James Rollins. Um estranho incêndio numa livraria em Copenhaga e um assassinato estão na base de uma intriga para roubar a Bíblia que pertenceu a Charles Darwin. Para investigar o crime, o comandante Gray Pierce tem de desvendar um mistério que já vem da Alemanha nazi. No Nepal, a loucura e o canibalismo tomaram conta de um mosteiro budista e cabe à investigadora americana Lisa Cummings, estudar este caso. O caos e a morte estão a ganhar terreno e só a força Sigma pode impedir que esta seja a nova ordem mundial.

Estampa. O Código da Cabala, de Dorit Silberman e Nathan Erez. Quando Elijah, professor de Jerusalém e perito em descodificação de manuscritos antigos, aceita um misterioso trabalho, nunca podia imaginar que os seus conhecimentos cabalísticos o obrigariam a viajar por três continentes e a lutar pela própria vida. Preso numa teia de assassinatos, da capacidade de concluir a sua missão dependem muitas vidas, incluindo a da sua família.

Piaget. Octavio Paz – Caminho para a Transparência, de Paul-Henri Giraud. Para o ensaísta e poeta Octavio Paz (1914-1998), a poesia moderna cumpre uma ligação ao sagrado obedecendo a um duplo movimento. Por um lado, alia-se ao racionalismo cortando com a religião institucional, por outro lado, firma a necessidade de fundar um novo sagrado, pois separar o homem da sua dimensão divina é amputá-lo de algo fundamental. A poesia de Paz, cumpre à sua maneira, a tarefa da religião e visa libertar o homem.

Gradiva. Brevíssima História do Tempo, de Stephen Hawking com Leonard Mlodinow. Um livro que em simultâneo interessa a comunidade científica e um público leigo, não é uma proeza fácil de conseguir. Como um excelente mestre, Stephen Hawking transforma leitores em alunos empenhados em compreender conceitos como: a natureza do espaço e do tempo, o papel de Deus na criação, ou a história e o futuro do universo.

Europa-América. Descartes, de A.C. Grayling. Dificilmente outra máxima filosófica inspirou mais a humanidade do que o tão célebre Penso, logo existo. Conhecer o seu autor, que para além de filósofo, foi matemático, viajante, soldado - e até espião - , é saber muito mais sobre o homem cujo contributo decisivo esteve por detrás dos fundamentos do mundo moderno. René Descartes é um personagem incontornável da história do pensamento ocidental.

Cotovia. Que os Mortos Enterrem seus Mortos e outras Histórias, de Samuel Rawet. Nestes contos a ideia da morte está sempre presente, bem como o confronto com sentimentos tão perturbantes como o ódio ou o desejo de matar. Contudo, as palavras são preferidas à morte e os personagens nunca derramam sangue. A resposta de Rawet está sempre na escrita «Quando a dor é intensa, quando o sofrimento chega ao limite de si mesmo, qual o caminho?». 

Ambar. Soltem-me! - Separarmo-nos para Crescer, de Marcel Rufo. No inicio, mãe e filho fundem-se num único corpo de onde o bebé retira força e segurança. Todavia, o crescimento traz a necessária separação, e com ela a dor. A desvinculação conduz a um inevitável abandono e é necessário à mãe saber como deve ultrapassar este sentimento para permitir ao filho toda a autonomia e liberdade. O consagrado pedopsiquiatra Marcel Rufo, responde a questões fundamentais sobre estas relações.

Eugénia Sousa

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Haja Saúde!

Nos últimos tempos muito se tem falado na reestruturação da administração pública. Ele é hospital que fecha, ele é maternidade onde não se nasce, ele é urgência sem cliente, onde os médicos desfalecem de pasmaceira, ele é agricultura sem agricultores e com funcionários a mais. Ele é um pouco de tudo.

No ministério dos agricultores a coisa já chegou ao pessoal. Segundo os estudos, quatro para cada agricultor. Dizem que é demais. Assim sendo, rua! Porém, ninguém nos disse ainda quantos funcionários, ou trabalhadores, ou, aplicando assim um termo mais pomposo, mais ao gosto das doutrinas do privativêz, quantos colaboradores existem nos hospitais para cada doente. Se calhar são mais e o senhor ministro ainda não deu por nada. Ou seja, está-se a perder tempo: uns milhares já podiam ter andado e parte do problema estava resolvido. Já se tinha poupado uma pipa de massa. E depois ? Depois punha-se o pessoal a trabalhar à séria, tipo campeão de xadrez. Faziam-se simultâneas, ou seja, em vez de uma sala de operações havia um ginásio, ou coisa parecida, onde se colocavam os operados do dia em carreirinhos e o anestesista começava numa posta e acabava na outra e o cirurgião vinha a seguir e abria um a um e assim sucessivamente, até se voltar ao primeiro. Nada mais simples. Nada que já não tenha sido retratado, com as devidas diferenças, por Robert Altman em “M*A*S*H.”, filme provocação de 1970 em que o realizador, situando a acção numa unidade de cirurgia dum hospital de campanha em plena guerra da Coreia, num misto de burlesco e de crítica mordaz, com algum humor negro à mistura, lança uma crítica mordaz aos fantasmas da época, numa condenação clara do absurdo da guerra.

Se bem que os dois cirurgiões do filme de Altman, brilhantemente interpretados por Donald Sutherland e Elliott Gould, apesar dos hilariantes gags e da sua postura anárquica, não passarão à história do cinema como o paradigma do médico, o mesmo não se pode dizer daquele que será, pensamos nós, o mais célebre clínico da sétima arte: Frankenstein!

Nascido da pena de Mary Shelley, escritora inglesa do século XIX, considerado por muitos como o primeiro romance de ficção científica “Frankenstein ou o Moderno Prometeu”, no original, foi alvo de imensas adaptações cinematográficas, a mais célebre de todas a de James Whale, de 1931, com Boris Karloff a encarnar a criatura criada pelo médico louco, papel que fará do actor uma estrela. Com o pequeno senão de Frankenstein lhe dar o cérebro de um criminoso, com as consequências que daí advieram, mas principalmente por isso, permitiu à criatura uma longa e afamada carreira no cinema, desde logo nas sequelas, “A Noiva de Frankenstein”, do mesmo Whale, de 1935, e “O Filho de Frankenstein”, de 1939, dirigido por Rowland V. Lee, e depois com as diferentes versões, desde logo as britânicas, com realização de Terence Fisher, nascidas das produções da Hammer, para acabar no recente e pouco conseguido “Mary Shelley’s Frankenstein”, de Kenneth Branagh, fita de 1994, com Robert De Niro no papel da criatura, mas que não faz esquecer Karloff. Porém, convém lembrar e rever, se possível “Frankenstein Júnior” (Young Frankenstein), paródia finíssima de Mel Brooks às velhas fitas sobre o médico e a sua criatura, com um desfecho que tem tanto de hilariante como de inesperado, com destaque para um inigualável ajudante do jovem Frankenstein, Marty Feldman. 

Mas, outros médicos passaram pelo grande écran. Aliás, filmes ambientados em hospitais, para já não falar das incontáveis séries que se podem ver hoje nos vários canais televisivos, é coisa que não falta. Da biografia, ao relato, na guerra e na paz, a figura do médico é omnipresente. A sério ou a brincar.

Pelo lado da sátira não podemos deixar de referir “Um Dia nas Corridas”, 1937, de Sam Wood, para os Irmãos Marx, o burlesco da mais célebre trupe do cinema em que medicina humana e veterinária se misturam, “Doctor in the House”, 1954, de Ralph Thomas, com um grupo de estudantes de medicina e o seu afã de terem como doentes belas moçoilas, ou “The Disorderly Orderly”, 1964, de Frank Tashlin, com Jerry Lewis, um trabalhador da saúde que, entre outros desvarios, tem dores por simpatia quando os doentes se lhe queixam. Doutros prismas podemos ainda referir “Paper Mask”, 1991, de Christopher Morahan, sobre um falso médico, ou “Coma”, 1978, de Michael Crichton, um thriller sobre morte e desaparecimento de doentes num grande hospital. Como se vê, há para todos os gostos. Mas ainda se podem acrescentar “Island of Lost Souls”, 1933, de Erle C. Keaton, uma adaptação da novela de H.G. Wells, onde numa remota ilha um médico louco transforma animais em seres semi-humanos, com um remake de 1977 com o título “A Ilha do Dr. Moreau”, de Don Taylor e ainda outro de 1996, realizado por John Frakenheimer, com um mal aproveitado Marlon Brando, numa versão para esquecer, ou “A Child is Born”, 1940, de Lloyd Bacon, remake de “Life Begins”, sobre uma prisioneira que vai para o hospital para dar à luz, já para não falar do mais que famoso Dr. Kildare, com uma longa série de filmes de sucesso e uma não menos bem sucedida carreira televisiva. Como já vai sendo lugar comum, muitas fitas não foram referidas, mas a tal o espaço disponível nos obriga. Voltaremos com outros temas.
Até lá, bons filmes.

Luís Dinis da Rosa

 

 

 

Educação às tiras

Desenho: Bruno Janeca | Argumento: Dinis Gardete

 


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