CRÓNICA
Depois queixem-se
Onde se fala da metáfora política e do
Efeito Pigmaleão em eleitores de primeiríssima água e de outros
cidadãos, a armar ao pingarelho, que, afinal, não têm nada a ver com
isto.
Em princípio, a crónica moralista começaria mais ou menos assim: Bem vos
avisei que as coisas não haveriam de ser aquilo que aparentavam. É claro
que os anseios pessoais e colectivos, em situação de aperto, falam mais
alto e, a maior parte das vezes, iludem, por mais evidente que o ardil
se apresente, por mais batida que seja a trama.
Contudo, não vamos lá com a retórica pingente, e muito menos depois do
burro morto. Com a alma entregue ao criador, muitos são os que insistem
na infinita esperança, na fé de que não há bem que sempre dure, nem mal
que nunca acabe. Outra vez burrice!
- Na próxima já não me apanham lá, é como diz o repeso, delator de si
mesmo, mas que espera assim obter o perdão dos outros e bálsamo para as
suas mágoas. O mais certo é voltar a estampar-se na próxima, por uma ou
outra manigância, mais ou menos afrodisíaca.
- Anteontem, foram às malvas os direitos de meia dúzia que, devido à
quantidade de afectados, foi muito bem feita. Aqueles tipos andavam a
comer à custa do orçamento, que é como quem diz, à pala do contribuinte.
Ontem, foi uma classe profissional inteira. - Mas qual, a dos sapatos?
Eu calcei o primeiro par de sapatos aos doze anos (!!!), não sejam
malandros…; a dos automóveis? Andem a pé; a dos funcionários? Mas o que
é que eles produzem, más-falas e impressos? Para hoje ainda não se
ouviram novidades, mas para amanhã estão já anunciadas a feira do
emprego, a promulgação da lei das férias grandes, o congresso da fartura
e a festa dos prazeres. Esta malta é bestial!
- Para mim são todos iguais: pés-chatos, tartamudos, marrecos… querem é
tacho!
Finalmente, o narrador, indignado, intervém: - Já cá faltavam estes…
Vocês aí, ó diferentes! Sim, vocês da razão, da farinha do mesmo saco!
Ala da minha crónica. Não quero aqui os assépticos nem os de alma
escovada, ala da minha crónica!
Andámos numa fona a distribuir os panfletos, o melhor pudemos, com as
meias-solas por nossa conta, sujeitos à conversa fiada de alguns que os
rejeitavam, dizendo que já tinham lido, que não sei quantos, e estas
cavalgaduras a dizer que são todos iguais. Ora essa!
Mas se não há modo de os convencer do contrário, paciência. Vou agora
gastar todo o latim em foguetes e pechisbeque para quê?
Além disso, há outras frases feitas capazes de enfeitar o discurso mais
obnóxio, e as minhas preferidas são as coloridas, as que transluzem,
semelhantes a caleidoscópios, as fluorescentes.
Os dias acontecem no seu leito natural como os rios correm para o mar. A
legitimidade dos eleitos não se discute; bem pelo contrário, deve
aplaudir-se. A meteorologia tem as suas falhas, mas tolera-se. É a paz.
Agora, faz falta interiorizar estes conceitos e inspirar profundamente.
A felicidade (q.b.) – em demasia pode até sufocar-nos – será uma
consequência natural.
Depois queixem-se.
João de Sousa Teixeira
PAU DE GIZ
É o dia da noite, o
Outeiro
In illo tempore, a rua do Outeiro,
alardeando viço e ardor por todos os poros, era a espinha dorsal de um
esqueleto de ruas castiças e animadas, ainda que desossadas e mal
amanhadas. Tinha a casta de Baixa, era um coração a bater com a pulsação
agendada pelo apito das fábricas, chamando ao trabalho pela gente.
Por exemplo, quatro vezes ao dia fazia a Chorona reclame da Farrapana
adiantando-se às outras todas e ao relógio da torre.
Como era também o lance forçoso para as comédias na Cachoeira e o Adro
da Festa, o acesso às Bandas e à Eira da Semôa, o caminho da Rapoula, a
passagem para Alfrivida, ali medravam negócios e trabucavam mil vidas.
Fábricas de lanifícios, armazém de fazendas, fábrica de malhas,
indústria caseira, mercearias, sapataria e tabernas.
No primeiro andar de uma delas o salão de baile onde se estreou,
garotita, D. Eugénia Lima e detrás do portão de ferro guardava o Ti
Passamano os artefactos dos barquilhos, oferecendo-me as aparas antes de
arrumar a bolacha americana na mochila de lata, cilíndrica e imaculada,
para vender nos Fiéis aos domingos à tarde, durante os jogos do
Indústria. A codilhá-lo com uma tramóia havia o Ti Mateus, o alfaiate de
pantufas de pano calçadas que morava por cima da montra da Ti Almerinda.
Entrava na tasca de punho fechado, pedia um copo de vinho, e depois de
beber mostrava a mão vazia dizendo matreiro, Olha Manuel julgavas que
era ... mas não era.
Ao cimo da rua, regressado da América e sentado numa cadeira, o Ti
Agostinho da Bomba orientava os abastecimentos de combustíveis. Mais
abaixo ficava a escola primária, e a pensão da Ti Clara servindo o prato
365 a vendedores de lãs e fiscais da indústria, uma pratada de batatas
fritas, ovos e chouriço sempre disponível contando feriados e dias
santos. Um dos fiscais, o Santos, pintou de cada lado do balcão com
pastel de tintureiro o chafariz e a igreja matriz.
Ao fundo da rua o café Moderno, as mesas do bilhar e o fura, em frente a
loja com salsicharia da Ti Duarta, nas salgadeiras as mantas brancas do
toucinho, e um pouco acima a farmácia Morgado Duarte, os pacotes
clandestinos da cola granulada. Em frente o chafariz da Mina com os
cântaros em fila, na espera da água.
As mercearias e as facas do bacalhau aparafusadas ao balcão, o barbeiro
e o pó de arroz no cachaço, o armazém de sal e depósito de pão,
papo-secos e vianinhas da padaria Albicastrense, a concorrente do Mocho,
as entregas feitas, dia sim dia não, na Ti Isabel Dourada por uma
caranguejola emoldurada com um contentor em folha de flandres puxada por
um macho maneiras arisco.
Na rua do Outeiro tudo acontecia e circulava muito trânsito nos dois
sentidos que tinha a rua. Dia e noite passavam pessoas a pé, de
bicicleta e motorizada, carros e carrinhas de caixa aberta, consoante a
agenda da labuta por turnos e, por questões de segurança, todos os
veículos se anunciavam. Ora badalavam campainhas ora eram buzinas a
mugir que se ouviam. Algumas mais solenes que a corna do paquete Santa
Maria, que se ouviu no rádio do Domingos Queijo, daquela vez do assalto.
As bicicletas subiam a rua à mão a chiar e desciam na esgalha, os
travões a ganir, os pára lamas a matraquear. As motorizadas
engasgavam-se na subida, baixando aos traques numa espécie de
flatulência pela mudança em que arriavam, deixando no ar um rasto de
fumo da mistura por arder no bandulho aperreado do motor.
Os carros sucediam-se solenes, demorados e pretos, sinalizados pelo
rumor abafado da borracha nos rebolos e, se calhava ser a vez das
carrinhas de caixa aberta passarem, se esticasse o braço da janela alta
donde me debruçava em casa da minha avó, tocava na meda dos pacotes da
fazenda para despacho na Central, via o nome do cliente escrito numa
tabuleta, ou apalpava as sacas de serapilheira das maçarocas do fio.
Tanto afogadilho e chinfrineira davam alma à rua e o que ali não
existisse do Outeiro ficava uma lonjura. A bem dizer, Não vinha no mapa.
Estava e esteve por engendrar o compasso actual, a apoquentação dos
mercados, o devaneio em produtos de outro valor acrescentado, longe
estava a mudança e, quando se adivinhou a globalização, muita gente não
reparou distraída.
Por enquanto (devido à morrinha) é o que se sabe, um quebranto sem rezas
nem mezinhas que lhe acudam escaqueirou o Outeiro. Que emudeceu e calou
o resto. Levou a atafona, arrasou a humanidade que havia, fez da festa
um ermo e o Indústria está sem chuto.
Não havendo maneira de lhe colar os cacos, quem a conheceu a estrebuchar
de vidas diz, Até mete impressão é o dia da noite.
António Luís Caramona
paudegiz@gmail.com
OPINIÃO
Autonomia e tutela
Na proposta governamental do RJIES
(Regimento Jurídico das Instituições de Ensino Superior) há uma
expressão de antologia pelo paradoxo que envolve: “a autonomia das
instituições de ensino superior não preclude a tutela governamental”
art. 11º, al. 4.
Com efeito, o significado de autonomia é justamente o de uma lei
própria, livre de tutela. Autonomia e tutela opõem-se, de tal maneira
que a autonomia é tanto maior quanto menor for a tutela e tanto menor
quanto maior a tutela. Aqui não há volta a dar; ou uma coisa ou outra,
as duas ao mesmo tempo é que não.
O uso do termo “preclude” é sintomático. Nos dicionários portugueses não
existe. Não aparece no Dicionário da Língua Portuguesa Contemorânea da
Academia das Ciências nem no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto
Editora. No Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado
aparece o termo “precluir” (que dá a forma “preclui”) e cujo significado
é: “Ser (uma faculdade processual) atingida de preclusão”. Sobre
preclusão diz que, enquanto termo jurídico, significa “Perda de
determinada faculdade processual civil, pelo não exercício dela na ordem
legal, ou por se haver realizado uma actividade incompatível com tal
exercício, ou, ainda, por já ter sido ela validamente exercitada.”
Contudo, o termo “perclude” aparece em documentos jurídicos,
nomeadamente em acórdãos forenses, conforme explicita a consulta à
página ciberduvidas.sapo.pt.
Arranja-se um palavrão jurídico para tentar dizer que em princípio as
instituições de ensino superior são autónomas, mas que de facto quem
manda é a tutela. Que olhos se pretendem tapar com esta poeira jurídica?
Vamos ao cerne das coisas. A proposta de RJIES não pode arvorar a
autonomia do ensino superior, aliás conforme o prescrito pelo art. 76º
da Constituição da República, e depois cercear essa autonomia com a
tutela governamental. Ainda mais que a letra da Constituição importa,
porém, entender o espírito da universidade. As universidades são por
natureza instituições autónomas e tutelá-las é matá-las. Uma
universidade não é, nem nunca poderá ser, uma Direcção Geral, uma
Repartição, ou um organismo estatal directamente tutelado por um
Ministro ou um Secretário de Estado.
Claro que não basta a autonomia universitária estar consignada
constitucionalmente para que ela se exerça plenamente. Faltam anos às
universidades portuguesas para se autonomizarem de facto, para ganharem
verdadeira autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa
e financeira. Todavia a alternativa não é suprir os riscos desses anos
de exercício e aprendizagem da autonomia (e a autonomia só se aprende
com o exercício!) com uma lei que não “preclude” a tutela governamental
sobre as universidades.
António Fidalgo
CONTRABAIXO
Primavera
Este último mês tem sido de loucos. Desde
1 de Maio que a minha vida é condicionada por um Festival. Não é uma má
notícia. Após meses de preparação, muitos nervos e a tensão normal
nestas coisas, estou quase a chegar ao final da 13ª edição de um
Festival que deixou nos ouvidos, nos olhos, no olfacto e até no paladar
de muitos, um rasto de prazer. Creio que posso dizer que após 12 anos
consecutivos de realização, o Primavera Musical – Festival Internacional
de Música de Castelo Branco afirmou-se na região como um veículo
poderoso de qualificação da oferta musical, ao oferecer na sua
programação um conjunto de propostas que procuram cativar público, tendo
a preocupação de juntar nomes reconhecidos com novas apostas. E foi
assim que conviveram connosco, ao longo destas edições, intérpretes como
Jordi Savall, Natália Gutman, Sequeira Costa, Gaiteiros de Lisboa,
Egberto Gismonti, Maria João Pires, Borodin Quartet, Quintette Moraguès,
Artur Pizarro, Pedro Burmester, Anner Bylsma, Vladimir Krainev e Pedro
Caldeira Cabral, entre muitos outros. O reconhecimento da qualidade da
programação e da organização, por diversos actores e intervenientes
constitui um estímulo e incentivo, mas não deverá inibir uma necessidade
crescente de alargar os horizontes e melhorar muitos aspectos,
potenciando factores distintivos.
O ecletismo do programa das últimas edições mostrou-se um elemento
importante de captação de públicos e esse factor foi reconhecido na
edição deste ano. Outro dos aspectos que se tem revelado importante é o
aproveitamento dos diversos locais que, pelas suas características,
melhor se adequam aos diversos concertos, em vez de uma aposta centrada
em apenas um ou dois auditórios. É assim que o projecto deste ano, se
concretizou em 5 locais distintos, para além da itinerância em aldeias
do concelho de Castelo Branco e do pequeno Ciclo de Cinema que
acompanhou o resto da programação. A parceria é, desde há algumas
edições, um elemento que ajuda a reduzir a carga de esforço financeiro,
optimizando os recursos e aumentando o interesse à volta do Festival,
através do efeito multiplicador que o envolvimento de outras
instituições provoca. A Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo
Branco é uma das instituições envolvidas, mas a ligação a um dos poucos
festivais que se realiza na mesma época, o CisterMúsica – Festival de
Música de Alcobaça foi retomada nesta edição através da partilha de dois
momentos de programação.
De Jaques Morelenbaum ao Trio Hantaï, passando pelo duo Mário Laginha/Bernardo
Sassetti e os jovens Carducci Quartet, o Primavera Musical 2007
apresentou um conjunto de artistas que reputo de notável. Houve tempo
para ouvir música da renascença superiormente interpretada pelo The
Orlando Consort acompanhada com degustação, no bonito espaço do Governo
Civil de Castelo Branco. Apresentámos em estreia absoluta uma obra de
António Vitorino d’Almeida, pela Orquestra Sinfónica da Escola Superior
de Artes Aplicadas da cidade, fomos até às freguesias com um quarteto de
clarinetes, o Índigo e apresentámos o prometedor (des)Concertante Trio.
Tudo isto, durante cerca de um mês e meio, com uma boa adesão de
público.
Num certo sentido é também uma forma de gritarmos “é possível”. Convido
todos a visitar o sítio
www.primaveramusical.org e o nosso blogue, em
www.primaveramusical.blogspot.com para conhecer melhor esta nossa
festa.
Carlos Semedo
carlossemedo@gmail.com
CRÓNICA
Cartas desde la
ilusión
Querido amigo:
Hoy te contaré cómo comencé a trabajar con mis alumnos el tema de la
autoestima. Pero, ante todo, quiero que sepas que todo lo que te cuente
hoy y en sucesivas cartas, obedece a un plan que diseñé, para no dejar
las cosas “en el aire” y evitar actuar “porque sí”.
Recuerdo que era la primera semana de aulas. Era el viernes y los
alumnos estaban ya ilusionados para marcharse a sus casas y pasar el fin
de semana. Unos minutos antes de que llegara la hora de abandonar el
centro, les di a cada uno una ficha con el trabajo que tenían que
realizar el fin de semana. La ficha contenía lo siguiente:
ACTIVIDAD 1.
- Objetivo: Tienes que realizar un collage en una cartulina (del color
que tú quieras). En ese collage vas a mostrar cómo eres tú. Pero sólo
vas a mostrar aspectos positivos de ti misma/o, cualidades que tienes y
que te hacen sentirte orgullosa/o de ti misma/o.
- Materiales: Para realizarlo, puedes utilizar fotografías o recortes de
revistas y periódicos. Sólo puedes utilizar fotografías, imágenes o
dibujos, pero no debes escribir nada. Todas las fotografías, imágenes y
dibujos tienen que aparecer pegados en la cartulina y distribuidos como
tú quieras.
- Procedimiento:
Paso 1: realización del collage sobre ti misma/o en tu casa durante el
fin de semana.
Paso 2: exposición en el aula.
Cuando volvamos a vernos, el próximo lunes, tendrás que mostrar a tus
compañeros cómo eres tú. Irás pasando delante de tus compañeros y le
irás mostrando todo lo que has puesto en tu cartulina. Ellos tratarán de
averiguar qué quieres decir con cada imagen y tú explicarás qué
significa para ti cada una de esas imágenes, fotografías o dibujos,
indicando si coincides con ellos en sus averiguaciones o no.
Paso 3: una vez que todos hayáis mostrado vuestra cartulina a todos los
colegas, hablaremos sobre lo que nos ha llamado la atención y lo que
hemos descubierto de nuestros compañeros.
Fue una manera muy interesante de comenzar el desarrollo de la
autoestima.
Pero, también hoy, se me ha acabado el espacio disponible para esta
carta.
En mi próxima carta te comentaré qué sucedió y cómo disfrutamos todos
descubriendo lo positivo que hay en cada uno de nosotros…
Un fuerte abrazo, lleno de “salud y felicidad”.
J. A. Castro Posada
( Salamanca )
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