
Nativos e imigrantes
digitais
Alguma literatura tem dividido o mundo
entre aqueles que considera serem "nativos" e os que classifica de
"imigrantes" digitais.
É uma excelente metáfora. A geração dos nativos reage como quem nasceu,
cresceu e sempre viveu em determinado território. A língua que fala
vem-lhe do berço e sente-se tão bem por aí que não lhe passa qualquer
peregrina ideia de ir viver para outro lado. Os nativos digitais vivem
num mundo muito jovem. Têm menos de 25 anos e governam-se através de um
complexo sistema de rede global, de acesso democrático, onde a partilha
de informação e a comunicação permanente ajuda a consolidar essa nova
sociedade do conhecimento. Nasceram num mundo onde havia computadores e
telemóveis e interactuam com os novos meios tecnológicos, como o são a
Internet e os videojogos.
Já os imigrantes digitais mantêm todas as características daqueles que
abandonaram as suas terras de origem e entraram num novo país para viver
nele. Por mais anos que aí residam, notar-se-á sempre um envergonhado
sotaque. As saudades da terra pátria assaltam-no em cada nova
dificuldade encontrada. Têm entre 30 e 55 anos e todos os dias redobram
os esforços de integração nessa nebulosa comunidade digital. Nasceram
com televisão, e habituaram-se a consultar papéis onde abunda a palavra
escrita. Só vão à Internet quando não encontram um livro que aborde o
problema. Antes de usar qualquer aparelho electrónico lêem, com detalhe,
as instruções. Antes de utilizarem qualquer programa informático
precisam saber, com todo o pormenor, todas as teclas em que devem
carregar…
No extremo oposto, encontram-se os nativos digitais: fazem primeiro e
perguntam (raramente) depois. Adoram a velocidade com que buscam e
tratam a informação e acham perfeitamente natural fazerem várias coisas
ao mesmo tempo. Preferem os ambientes gráficos aos textuais. Operam em
rede, onde trocam com o mesmo entusiasmo a banalidade e a descoberta.
Necessitam de saber que está alguém do outro lado, não no mesmo espaço,
mas no mesmo tempo. É nessa teia que se alimentam de uma gratificação e
de uma recompensa constantes e onde todos os dias exigem de si mesmos ir
um pouco mais longe, na busca de novos desafios, enquanto navegam na
galáxia digital. Para muitos deles, a separação entre o real e o virtual
torna-se imperceptível. Por isso preferem os jogos virtuais ao trabalho
escolar, mais sério e disciplinado: grande seca! Para eles não há vida
sem telemóvel, Internet, comunidades online, blogs, ou acesso ao Orkut.
Já para a geração dos imigrantes digitais, as novas tecnologias da
informação e da comunicação servem, sobretudo, para comparar preços ou
fazer encomendas na Internet, para aceder ao site do banco, ou para
facilitar a comunicação na escola ou no escritório. Gostam de ocupar o
tempo livre frente à televisão, cujos malefícios educativos tanto
temiam, e realizam a maioria das interacções do dia-a-dia através do
telefone.
Sejamos, porém, realistas. A história recente ensinou-nos que o cinema
não morreu com a generalização das videocassetes e do DVD. Tal como o
rádio não sucumbira à televisão, e nenhum deles consegui substituir o
papel e função da imprensa escrita. A imagem não substituiu a palavra e
o ensino à distância não se fez sem os professores.
Mas é bom que se reconheça que os hábitos mudaram com uma velocidade
vertiginosa e o mundo dos jovens que nos rodeiam supera em dificuldade
qualquer detectado risco das comunidades estudantis que conhecemos nos
anos sessenta. Por isso exige conhecimento, acompanhamento, muitas doses
de paciência e uma redobrada atenção. É que a geração dos nativos
digitais, quando bate com a porta do quarto, não é para se isolar.
Quando o faz, nesse preciso momento, entra ansiosa e, quantas vezes,
vingativamente, num reino mítico, proporcionado pela fantasia da
navegação e da aventura sem rumo, nas estradas e sítios virtuais. Dá
para se encontrarem ou desejarem o regresso. Mas também pode acontecer
que alguns por lá se percam.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt
|