Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº107    Janeiro 2007

Entrevista

ESPECIALISTA EM DIREITO FISCAL EM ENTREVISTA AO ENSINO MAGAZINE

A política não muda com isaltinos

Irónico, acutilante, por vezes, impiedoso. Estes adjectivos, que podiam classificar na perfeição a controversa personalidade de José Luís Saldanha Sanches, estão bem expressos na entrevista que concedeu por e-mail ao Ensino Magazine. Respostas telegráficas, mas que ilustram na totalidade o que este polémico fiscalista pensa da corrupção, da evasão fiscal, do desempenho do governo e da ministra da educação.

Tem sucessivamente apontado o dedo às relações nublosas entre os municípios, os construtores civis e o futebol. Na prática, em que é que se traduz a alegada relação de interdependência entre essas actividades?
Veja-se o caso do processo actualmente pendente em Coimbra contra o Presidente da Académica que conta – nota curiosa – com a solidariedade da restante direcção do clube. É um excelente «case study».


A fazer fé na sua teoria, pode dizer-se que o «saco azul» de Felgueiras, em que a autarquia financiava o clube de futebol da terra, tem réplicas pelo país inteiro?

Eu não tenho teoria nenhuma. Limito-me a dizer em voz alta o que toda agente diz (ou dizia) em voz baixa.


Tem provas quando afirma que há «autarcas que exigem luvas para instalar empresas nos seu concelho»? Perante os casos que tem denunciado pensa que os sucessivos poderes políticos têm sido coniventes com a situação ou têm feito algo para mudar o rumo dos acontecimentos?

Provas? Provas são o resultado da decisão de um juiz (o juiz decide que há provas) depois de uma investigação feita pelas autoridades competentes.


A imagem da classe política está longe de ser das mais favoráveis. Que medidas defende para regenerar o ambiente político-parlamentar?

Não há remédios rápidos. Mas enquanto valentins, isaltinos e fátimas tiverem votos, não haverá melhorias


Do actual Primeiro-Ministro, a generalidade da opinião publicada afirma que tem cortado a direito e enfrentado os lóbis instalados. Concorda ou tem outra apreciação?

Excepto o lóbi das comissões e da corrupção


Pensa que pagamos muito impostos para aquilo que recebemos em contrapartida do Estado?

Claro: um Estado corrupto é um Estado ineficiente.


Encontra vantagens práticas na divulgação da «lista negra» dos devedores ao Fisco e à Segurança Social? Pensa que também deve haver uma lista das dívidas do Estado?

Quanto mais transparências nessas áreas melhor.


O que deve mudar no sistema fiscal para maximizar o aumento da arrecadação de receita fiscal e combater o fenómeno da fraude e evasão fiscais?

Continuar a reestruturação da Direcção Geral dos Impostos (DGCI).


Defende o levantamento sem restrições do sigilo bancário para melhor controlar o rotineiro movimento das contas bancárias dos contribuintes?

Defendo a cópia pura e simples do sistema que vigora nos Estados Unidos há muitas décadas.


Enquanto professor universitário de Direito Fiscal na Faculdade de Direito de Lisboa, como observa o estado do sistema educativo em Portugal? Falta disciplina, dinheiro ou mudança de mentalidades?

Faltam principalmente professores. A degradação geral do cumprimento dos deveres do funcionário público atingiu fortemente a classe. 


Os sindicatos de professores têm-se mobilizado em peso para contestar as medidas da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Em Portugal, quem reforma, arrisca-se a ser criticado sem piedade?

As reformas mais urgentes são as mais difíceis. Gostaria de ver na pasta da Educação uma ministra mais mobilizadora.


As instituições de ensino superior, os alunos e os professores estão preparados para interiorizar as mudanças operadas com Bolonha?

Bolonha veio apenas sacudir o sistema. Pode torná-lo melhor ou pode torná-lo pior.

Nuno Dias da Silva (texto)

 

 

A CARA DA NOTÍCIA

Fiscalista polémico

José Luís Saldanha Sanches, 62 anos, natural de Sete Rios, em Lisboa, é casado com a procuradora do Ministério Público Maria José Morgado, agora também incumbida de coordenar o processo «Apito Dourado», e pai de uma filha. Doutorado em Direito e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e no Instituto Superior de Gestão, Saldanha Sanches é um dos mais prestigiados fiscalistas portugueses, conhecido por não ter «papas na língua», especialmente quando são chamados à colação temas como a corrupção, a fraude e as autarquias. Tem somado nos últimos anos vários ódios de estimação, pelo que escreveu ou pelo que disse: um artigo sobre a ex-ministra da Justiça, Celeste Cardona, valeu-lhe um processo em tribunal e a Associação Nacional de Municípios há muito que o ameaça com uma resposta semelhante. «O déspota local é o pior de todos os déspotas, porque nos conhece», foi apenas uma das frases do fiscalista que gerou a ira da associação de autarcas, liderada pelo social-democrata Fernando Ruas. Polémicas à parte, Saldanha Sanches liderou comissões da reforma da tributação do património e da codificação dos impostos especiais de consumo. Foi membro da Comissão de Redacção do Código do Processo Tributário e representante do ministro das Finanças na Comissão Monti para a harmonização fiscal. Saldanha Sanches tem ainda o seu passado ligado à resistência contra o regime ditatorial de Salazar. Empenhou-se politicamente, pela primeira vez, aos 14 anos, na campanha pela eleição do general Humberto Delgado. Entrou para o PCP, sempre acompanhado pelo seu melhor amigo de então, Ruben de Carvalho, actual vereador na Câmara de Lisboa. A combatividade por uma causa valeu-lhe alguns dissabores e também alguns nada invejados recordes: foi o estudante que mais anos passou preso, durante o Estado Novo (sete, no total). Curiosamente, nesse período, Mário Soares, um politico em ascensão, foi seu advogado. Nas mãos da polícia política do regime, Sanches foi submetido ao longo de 9 dias a uma tortura do sono, «até ficar completamente incapaz de dizer coisas com nexo», como confidenciou numa entrevista recente à revista «Visão». No ardor da luta académica, acaba por ser ser baleado por dois polícias no centro de Lisboa, durante uma distribuição de panfletos estudantis.

 


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