Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº108    Fevereiro 2007

Entrevista

MARIA DE LURDES RODRIGUES QUER CONCRETIZAR MEDIDAS TOMADAS

Gestão das escolas vai mudar

O novo Estatuto da Carreira Docente traz mais justiça para a carreira dos professores, promovendo os melhores e permitindo excluir do sistema aqueles que não revelam competência. A regulamentação vai agora ser iniciada, mas já é certo que só alguns professores podem assumir a gestão das escolas. Certo também é que o novo regime de habilitação para a docência está aprovado e dá tempo a universidades e politécnicos para adaptarem os seus cursos ao regime e a Bolonha.

As garantias são da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que este mês concedeu uma entrevista exclusiva ao Ensino Magazine. Nesta entrevista, a ministra explica as alterações que quer introduzir no sistema nos dois anos que faltam de mandato, nomeadamente ao nível da gestão e da modernização das escolas. Diz que os professores exercem a sua função com competência apesar da contestação e justifica a aposta no crescimento dos cursos de matriz profissional ao nível do Secundário. 

Maria de Lurdes Rodrigues garante que, dentro de dois anos, a cultura do furo ou do feriado desapareceu e ninguém vai contestar as aulas de substituição. Explica por que razão Portugal é pioneiro ao nível da certificação de competências até ao 12º Ano e afirma preferir a política de inclusão à da segregação dos alunos com necessidades educativas especiais. Mostra-se ainda muito satisfeita pelo facto do Ministério ter instituído o prémio do professor do ano.

Depois de todas estas medidas tomadas, pode adiantar-nos que outras medidas está a preparar?

Vai ser necessário rever a formação contínua de professores, bem como o estatuto de gestão e autonomia das escolas, nomeadamente no que isso implica ao nível das relações das escolas com as autarquias e com os pais. Vamos regulamentar legislação como a da avaliação dos professores, das escolas e dos manuais escolares. O processo de avaliação de manuais está em curso. Muito em breve será aprovado o instrumento relativo ao primeiro concurso para professores titulares. Ao nível do Secundário, vamos continuar a diversificação das ofertas formativas, pois precisamos de ter os jovens nas escolas até ao momento em que possam prosseguir estudos, ou que concluam com êxito a sua qualificação.

Qual é o modelo que defende em termos de gestão das escolas?

Estamos ainda a trabalhar na proposta. Temos que trabalhar com os conselhos executivos e com a Associação Nacional de Municípios. Mas aquilo que me parece crítico no actual modelo de gestão é a abertura da escola ao exterior. A gestão quotidiana da escola tem dois eixos críticos. Em primeiro lugar, a escola deve permitir uma efectiva participação das comunidades educativas locais, ou seja, de associações de pais, de instituições de proximidade, das autarquias. O segundo eixo é o funcionamento dos órgãos intermédios de gestão. O estatuto vem ajudar a tornar mais efectivo o trabalho desses órgãos. Mas esse facto deve ter consequências no diploma de gestão e autonomia, com uma responsabilização diferente destes órgãos e com a designação dos seus responsáveis de modo diferente.

De que forma é que o papel dessa comunidade pode ser mais activo nas escolas?

Isso pode passar por alterações ao nível das assembleias de representantes, no sentido de que a participação seja efectiva e consequente. Vamos levar a escola a abrir à comunidade, para não ficar exclusivamente entregue ao grupo de professores que estão lá.

Ao nível do Secundário, em que sentido é que o Ministério continuará a impulsionar a diversificação das ofertas formativas?

O alargamento das ofertas formativas de carácter vocacional ou profissional é algo que tem de continuar e de se consolidar. Por isso vamos dar melhores condições às escolas, para que possam fazer esse trabalho. Vamos também ajustar a reforma do Secundário, melhorando planos e currículos.

As empresas e outras entidades da comunidade educativa participam nos cursos de cariz profissional que o Ensino Secundário oferece?

Estas formações exigem esse envolvimento. São necessários estágios. É preciso envolver peritos com competências que, muitas vezes, não existem nas escolas. Num curso de electricidade são necessários electricistas. Num curso de cabeleireiro são necessárias esteticistas e cabeleireiros. São áreas profissionais que não existem nas escolas e têm de as ir procurar. Mas o que se passa no terreno é muito curioso. Há escolas que estabeleceram parcerias com instituições de proximidade. Há escolas secundárias que assinaram protocolos com escolas profissionais, que já têm o know how e a rede de relações. Há autarquias muito motivadas em ajudar as escolas e servem de pivot nas relações com entidades privadas, no sentido dos alunos poderem realizar estágios.

Será possível, até ao final da legislatura, ter metade dos alunos do Secundário em cursos de cariz profissional?

Este ano abriram 500 novos cursos. Mas é o ano da entrada. Temos de esperar pelo próximo ano e ver qual é a adesão dos alunos aos primeiros anos destes cursos. 

Mas se tudo correr como até aqui, poderemos dizer que, dentro de quatro anos, estaremos muito perto de ter metade dos alunos do Secundário em cursos de cariz profissional.

Ao nível do Básico, o que está previsto em termos de alterações?

Vamos continuar a consolidar o trabalho que está a ser feito ao nível da melhoria das condições de ensino e de aprendizagem. Temos, por exemplo, o Plano Nacional e Leitura e o Plano de Acção para a Matemática. São planos a três ou quatro anos, pelo que é necessário ter persistência e paciência para continuar a estimular as escolas no sentido de adoptarem boas práticas neste domínio. Depois, o 1º Ciclo necessita de muita atenção do Ministério, mas também de autarquias e pais. Precisamos garantir que o enriquecimento curricular, a escola a tempo inteiro, a melhoria das práticas lectivas para a aquisição das competências básicas, são programas ganhos.

Em termos dos espaços físicos das escolas. Há medidas previstas?

Vamos avançar com um programa novo que visa a preparação das escolas para o futuro. Para isso contamos com as verbas do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN). Os planos operacionais regionais têm um plano específico para que as autarquias possam promover a modernização das escolas de 1º Ciclo. Haverá também um programa de modernização que será concretizado, em princípio pelo Ministério da Educação, em parceria com as autarquias, e que visa a modernização de todas as outras escolas. Digamos que este ano é o ano da modernização e da avaliação.

Uma das grandes metas do Ministério era a aprovação do Estatuto da Carreira Docente. Depois de cumprida a meta, que balanço faz do processo?

Faço um balanço bastante positivo, pois o Estatuto que foi aprovado é muito equilibrado. Procura introduzir alterações profundas, mas respeita ao mesmo tempo as expectativas dos professores, sobretudo dos que têm uma carreira mais longa. A revisão não partiu de um vazio, mas do Estatuto que já existia e a dificuldade de introduzir as mudanças era de evitar um desequilíbrio e insegurança nas pessoas abrangidas.

Como é que revisão do Estatuto, manteve o equilíbrio entre as alterações introduzidas e as expectativas dos professores?

Conseguimos um sistema de avaliação, rigoroso, exigente, que valorize sobretudo os professores que estão nas escolas e dão aulas. O essencial da avaliação incide sobre o acto de leccionar, através de mecanismos de supervisão, de acompanhamento, de verificação da qualidade das aulas ministradas. Associámos depois a progressão na carreira a esta avaliação, premiando os melhores professores, com a possibilidade de terem uma progressão mais rápida e prémios remuneratórios. Ao mesmo tempo, podem ser penalizados ou mesmo excluídos da carreira os professores que revelem não reunirem as condições. Também foram alteradas as condições de recrutamento e de selecção, com a introdução de um exame para entrada na carreira e do ano probatório, os quais ajudarão a ter uma carreira docente mais exigente. Finalmente, uma das alterações mais importantes foi a estruturação da carreira em duas categorias, com a atribuição de maior responsabilidade aos professores que têm mais competências, que são mais velhos.

A estruturação da carreira docente em duas categorias não pode desmotivar os que não estão no topo?

Não. Todas as carreiras profissionais são estruturadas. O jovem médico, quando inicia a sua profissão sabe que existem níveis de exigência que vai ter de ultrapassar. O mesmo se passa com os enfermeiros, com os militares, com os jornalistas. Todos sabem que, quando são jovens, têm um caminho a percorrer, o qual é progressivamente mais exigente. Portanto, além de não desmotivar os professores, esta estruturação permite organizar o trabalho das escolas de uma outra forma. Foi muito importante o facto de se ter vedado a possibilidade de um lugar de responsabilidade poder ser atribuído a um jovem professor, acabado de entrar no sistema.

O novo regime da habilitação para a docência só agora foi aprovado. Considera que esse regime peca por ter surgido tardiamente, ou esta seria a altura certa, tendo em conta as alterações decorrentes de Bolonha?

Esta foi a altura certa. Podíamos tê-lo antecipado dois ou três meses, mas este era o momento. Este regime beneficia do facto das instituições de Ensino Superior estarem a adaptar-se ao processo de Bolonha. A reforma feita para adaptar os cursos a Bolonha tinha sido iniciada no ano anterior, pelo que as universidades e politécnicos aguardavam este diploma para adaptarem os seus cursos. É por isso a altura certa, pois há tempo e condições para que as instituições que formam professores apresentem agora os seus novos cursos e planos, para os terem em pleno funcionamento no próximo ano.

Os novos professores formados vão encontrar um sistema educativo onde as aulas de substituição estão implementadas e generalizadas. Mas as aulas de substituição não foram, nem são ainda aceites pacificamente. Como avalia o processo neste momento?

As aulas de substituição são o motivo em torno do qual se organizou a contestação. Mas elas não são o problema. O problema estava nos chamados furos, que tinham uma dimensão absolutamente inaceitável. Os alunos não trabalhavam nesse período, os programas não eram cumpridos e as famílias sentiam-se inseguras em relação ao que se passava na escola com os seus filhos. Ora, estes furos não existem nas escolas de referência, nem nas escolas privadas. A ausência do professor não pode significar ausência de actividade pedagógica. Os alunos têm de trabalhar e de estudar nos tempos em que é suposto fazê-lo. 

O que é que o Ministério propôs para superar essa problema?

O Ministério propôs às escolas que organizassem actividades com significado pedagógico, para os alunos, nos tempos lectivos que não ocorressem por ausência do professor. Para isso foram dados os instrumentos às escolas, sobretudo o da gestão da componente não lectiva do horário do professor. Estas horas nunca tinham sido regulamentadas nem sequer exigidas aos professores, pelo que, na maior parte dos casos, limitavam-se a estar na escola no período de tempo em que iam dar aulas. É certo que bastantes professores tinham e têm bastantes horas de trabalho dadas à escola, mas essas horas não eram igualmente distribuídas, nem abrangiam todos os professores. Ou seja, a escola estava dependente da boa vontade dos professores. O que se fez foi dar às escolas a possibilidade de marcarem essas horas no horário dos professores.

Com as aulas de substituição, o Ministério da Educação conseguiu superar a ausência de actividade pedagógica quando o docente da disciplina falta?

As escolas organizaram-se de formas muito diferentes. Algumas fizeram-no de forma muito eficiente, ocupando os alunos com as mais diversas actividades, que não apenas aulas de substituição. As aulas de substituição são apenas uma actividade, entre seis ou sete previstas. Muitas outras escolas tiveram dificuldade em saber como gerir esse tempo. Muitos professores reagiram negativamente, o que não ajudou os conselhos executivos e as escolas a resolverem esse problema. Houve uma convergência de desinteresse. Mas, gradualmente, as escolas perceberam que esta era uma medida muito importante para combater o insucesso escolar. Os professores também. Este ano houve mais contestação porque a medida alargou ao Secundário, o que foi importante para as escolas secundárias que têm 3º Ciclo, pois era complicado organizar actividades num ciclo e noutro não. Muitas escolas e pais pediram essa medida, pois os níveis de ausência dos professores no Secundário não são inferiores aos do Básico.

Considera que a contestação às aulas de substituição vai continuar?

Com o alargamento ao Secundário, como os alunos são mais velhos e têm mais capacidade de autonomia para se exprimirem, este ano houve contestação. Porém, no próximo ano, as aulas de substituição não serão notícia. E daqui por dois anos ninguém falará nisso, pois as aulas de substituição serão uma prática natural, interiorizada nas escolas. Umas farão pior e outras melhor mas, gradualmente, as aulas de substituição serão algo natural, da mesma forma que o era o furo. Os alunos dizem que a ministra tirou o direito ao furo. Eu respondo que eles têm direito às aulas, não ao furo. O que é normal é ter uma aula quando é suposto ter uma aula. E para os professores, as aulas de substituição não terão a expressão que tiveram no primeiro ano, pois o absentismo também baixou muito. E nas escolas vive-se hoje um clima tranquilo, com os alunos dentro das salas de aulas, na Biblioteca ou noutras actividades.

A senhora ministra considera que houve muito ruído na transmissão, aos professores, das medidas tomadas pelo Ministério da Educação?

Talvez. Houve sobretudo muita contestação. Normalmente, a contestação surge associada à distorção, ao exagero, à caricatura. E isso é que faz o ruído.

Este ano o Ministério da Educação criou um prémio para o melhor professor. Qual é o objectivo desta iniciativa e por que razão foi criado?

O objectivo é reconhecer o mérito dos professores. Temos prémios nas mais variadas áreas de actividade, desde a literatura, à música, ao teatro, na ciência na saúde, mas não temos no ensino. O país tem até alguma dificuldade no reconhecimento dos bons professores. Quando nos perguntam se conhecemos um bom actor ou um bom pianista, todos conseguimos dizer um nome. No ensino, apesar de todos sermos capazes de identificar um professor, o País, colectivamente, não consegue fazer esse reconhecimento. O prémio visa reconhecer e premiar os professores e o País deve-lhes isso. Por outro lado, não é uma ideia nova. O engenheiro Roberto Carneiro, quando foi ministro, instituiu os diplomas de mérito. A determinada altura, o ex-presidente da República, dr. Jorge Sampaio, sugeria-me a certa altura que criasse um prémio para os professores. Havia uma certa vontade de ter um instrumento deste tipo. Por isso organizámos isso, tendo como júri pessoas independentes do Governo. Este não é um prémio governamentalizado. É um júri com uma grande independência, a quem os professores reconhecem competência para avaliar. Agora irá trabalhar de forma independente. O prémio está criado, pelo que é do júri. Já não é do Ministério da Educação.

Este ano o Ministério autorizou 52 centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências a certificarem até ao nível Secundário. De que forma é que vai evoluir este processo? Os outros centros também vão poder fazer essa certificação?

Todos os centros vão poder fazer a certificação dos dois níveis. Esse é objectivo. Mas começámos com um número reduzido, porque é necessário testar todas as metodologias com muita segurança. Não queremos que este seja um mecanismo de atribuição de diplomas facilitista ou pouco exigente. Não é esse o objectivo. Importa dizer que não há testes europeus para RVCC no nível Secundário, pelo que Portugal está a fazer um trabalho pioneiro. O caminho tem de ser percorrido com muita segurança, pelo que escolhemos os centros que nos davam todas as garantias. Passada esta fase de teste, estaremos em condições de generalizar. Mas teremos em consideração as pessoas que os centros servem. Uns servem populações que necessitam certificação ao nível do Básico e outros servem populações que necessitam uma certificação ao nível do Secundário. Portanto, pode haver lugar a uma certa especialização.

O que espera com esta medida?

Espero que estes centros sejam portas de entrada para a formação e qualificação dos portugueses. Os jovens que passaram pela escola nos últimos anos e saíram sem concluírem o ciclo de estudos com êxito, devem ver nestes centros uma porta de entrada para retomarem o seu processo de qualificação e formação, seja ele mais ou menos longo, seja ele em áreas vocacionais, profissionais ou complementares. Temos milhares de jovens nesta situação, pelo que espero que os centros se organizem para lhes darem resposta. É importante que os jovens se reconciliem com os processos de formação e percebam que não há alternativas no seu futuro que não passem pela escola e pela qualificação. Depois temos o desafio de qualificar outras pessoas que não tiveram oportunidade de terminarem o seu ciclo de estudos. A ideia é que toda a formação que façam seja também certificada em termos escolares.

Portugal está na linha da frente, pelo menos em termos de legislação, no que diz respeito à escola para todos, à escola inclusiva. Mas há muitos pontos de vista diferentes em relação a esta matéria. Qual é o seu ponto de vista sobre esta problemática? A inclusão é uma batalha que está a ser ganha?

Tal como em todos os processos, vai-se conseguindo. É preciso não desistir. A paciência e a persistência são muito importantes em educação. Não podemos esperar resultados para amanhã, pois, em educação, os caminhos vão-se fazendo. Em termos gerais, há o conceito de uma educação para todos e eu penso que ela é possível. Os países mais desenvolvidos têm muitos exemplos disso e essa deve ser a inspiração para Portugal. Já na discussão acerca de se os modelos devem ser mais inclusivos ou mais segregados ou segmentados, defendo os modelos inclusivos. Os ganhos que se conseguem com a diversidade são muito superiores aos prejuízos. Uma turma muito heterogénea coloca mais dificuldades a um professor do que uma turma homogénea. E os professores podem não se sentir à vontade com a gestão dessa diversidade. Por vezes há problemas com as crianças a integrar nestas turmas. Todavia, os riscos associados à gestão são sempre menores do que os benefícios que as crianças diferentes retiram. Além disso, penso que há um benefício para todas as crianças.

 


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