Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº118    Dezembro 2007

Entrevista

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA EM ENTREVISTA

O escritor que veio do Huambo

José Eduardo Agualusa nasceu a 13 de Dezembro de 1960, na cidade do Huambo, Angola. Estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa. É autor dos romances A Conjura (1988), Estação das Chuvas (1997), Nação Crioula (1998), Um Estranho em Goa (2000), O Ano em que Zumbi Tomou o Rio (2002), O Vendedor de Passados (2004), e As Mulheres do Meu Pai" (2007), além de três recolhas de contos. Os seus livros estão divulgados em catorze línguas.

Com o título "Lisboa Africana" (1993) publica com os jornalistas Fernando Semedo e Elza Rocha, uma grande reportagem sobre a comunidade africana em Lisboa.

O Vendedor de Passados está a ser adaptada ao cinema pelo realizador brasileiro Lula Buarque de Holanda; e Nação Crioula pelo realizador brasileiro Belisário Franca. Escreveu duas peças para teatro, Geração W e Chovem Amores na Rua do Matador, esta última em conjunto com Mia Couto. No último ano criou no Rio de Janeiro, a editora Língua Geral, com o objectivo de divulgar no Brasil autores de todos os território de língua portuguesa.

Vive presentemente entre Luanda e Lisboa

"Creio que nunca na História de Portugal houve ao mesmo tempo um tão grande número de jovens escritores talentosos". A afirmação é de José Eduardo Agualusa. O autor em entrevista ao Ensino Magazine defende que a escrita ajuda a compreender e a ordenar o mundo, e pode ser uma terapia.
 

Nasceu em Angola, tem descendência portuguesa paterna, brasileira pelo lado materno, já se denominou afro-luso-brasileiro. O que traz consigo de cada uma dessas culturas?

Cada vez mais o mundo é composto por pessoas com identidades múltiplas. Não é possível, porém, medir a influência de cada uma dessas culturas. É como tentar separar as águas dos diversos afluentes de um rio. Um rio é a soma de todas essas águas - e flui.
 

A somar aos nacionais este ano venceu com a obra O Vendedor de Passados o prémio internacional Independent. Como sentiu esse prémio?

É um prémio para a edição num país onde se traduz muito pouco - menos de dois por cento das obras publicadas são provenientes de outras línguas, ao contrário do que acontece na generalidade dos restantes países europeus, nos quais esse valor ultrapassa os cinquenta por cento. O prémio teve um reflexo imediato nas vendas do livro em Inglaterra, e sobretudo nas vendas dos direitos para outras línguas - foi traduzido entretanto para sete idiomas. Fiquei feliz e surpreendido, é claro, havia livros muito bons a concurso.
 

Juan Rulfo sofreu o assassinato de muitos dos seus familiares durante a revolução mexicana, em todos os seus livro está presente a ideia da morte; o filho ilegítimo Eça de Queirós, faz do incesto e da ilegitimidades tema das suas obras. Um escritor é refém da sua vida, ou pelo contrário a escrita funciona como grito de liberdade?

Acho que a escrita pode funcionar realmente como terapia. Ajuda-nos a compreender melhor certas situações e a ordenar o mundo. Ódio, revolta, amor, um bom livro tem isso tudo, e o escritor tem de sentir isso tudo enquanto escreve. Eu choro e rio enquanto escrevo. Logo, sim, é uma terapia. Escrever faz de mim uma pessoa melhor.
 

Podemos finalmente acreditar que Angola está no caminho da felicidade?

Está ao menos em paz, e a caminho, penso eu, da democracia e de um desenvolvimento mais justo. A guerra é a mais terrível das iniquidades, pois justifica todas as outras. E a guerra, felizmente, não tem condições para retornar.
 

A tristeza russa, o realismo-mágico sul-americano, a melancolia escandinava. A literatura é de alguma forma determinada pela geografia ou escapa a qualquer fronteira?

A geografia e as condições em que se escreve - e não apenas climáticas - certamente influenciam o escritor. A mim todas essas condições influenciam. Evidentemente, escrever é já reinventar o mundo.
 

Jorge Luís Borges afirmou que "todas as coisas do mundo conduzem a um encontro ou a um livro". Concorda com a afirmação?

Isso acontecia certamente com Borges. Suponho, aliás, que no caso de Borges todos os encontros se dessem por causa de livros.
 

Que avaliação faz do actual panorama das letras portuguesas?

Creio que a literatura portuguesa está a atravessar uma fase extraordinária, como consequência de um investimento inteligente e continuado na educação e na cultura. Destaco principalmente a excepcional rede de bibliotecas públicas criadas nos últimos anos. Creio que nunca na História de Portugal houve ao mesmo tempo um tão grande número de jovens escritores talentosos.
 

As viagens continuam a ser motor de inspiração?

Continuam. Viagens são uma forma de conhecer pessoas. E são as pessoas, é claro, que me levam a escrever.
 

Em que projecto literário se encontra envolvido agora?

Num novo romance, muito diferente dos anteriores. Estou ainda no princípio. Sei pouco sobre ele.
 

Como cultivar novos leitores junto dos jovens estudantes?

Com paixão. Mostrando-lhes que a leitura é uma paixão, e uma paixão que nos torna melhores e mais interessantes. Ler é ter a possibilidade de escolher os amigos entre espíritos superiores de todas as épocas.
 

Que recordações guarda do Natal da sua infância?

As melhores. Ao mesmo tempo, provavelmente, um tanto estranhas. Pinheiros com neve artificial, para crianças que nunca na vida tinham visto neve. Pais natais suando intensamente sob o sol tropical. Muito sol, sempre, muito sol.

Eugénia Sousa

 


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