Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº118    Dezembro 2007

Cultura

GENTE & LIVROS

Jorge Luís Borges

As Coisas
A bengala, as moedas, o chaveiro,/ A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias/ Que me restam, os naipes e o tabuleiro,/
Um livro e em suas páginas a ofendida/ Violeta, monumento de uma tarde,/
De certo inesquecível e já esquecida,/ O rubro espelho ocidental em que arde/
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,/ Limas, umbrais, atlas e taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,/ Cegas e estranhamente sigilosas!/
Durarão muito além de nosso olvido!/ E nunca saberão que havemos ido.


In Do Elogio da Sombra (1969)
 

Jorge Luís Borges nasceu a 24 de Agosto de 1899, em Buenos Aires. Ficcionista, poeta, ensaísta, é sobretudo como escritor de contos que consegue maior notoriedade.

Publica o primeiro livro de poemas, Fervor de Buenos Aires (1923) e a par do trabalho de escritor, desenvolve um trabalho de colaboração em jornais e revistas.

Em 1925 são editados o livro de poemas Lua de Fronte e os ensaios Inquirições. As publicações sucedem-se, e o livro de contos Os Jardins dos Caminhos que Bifurcam (1941) abre caminho para a excelente recepção por parte do público que Ficções (1944) haveria de ter. Ficções, composto por contos como O Sul, O Fim, e A Morte e a Bússola, é considerado uma das maiores obras da literatura do século XX.

Herdeiro da doença do pai, nos anos 50 Borges sente as primeiras manifestações de uma cegueira progressiva. Nesta fase da sua vida entrega-se com intensidade à poesia. Escreve a Cifra (1981); Atlas (1884); os Conjurados (1985).

Ganha em 1945 o Grande Prémio de Honra da Sociedade Argentina de Escritores (SADE) e em 1950 é eleito presidente da SADE.

Assume em 1955 a direcção da Biblioteca Nacional - cargo que ocupa até 1973 - e o cargo de professor da Faculdade de Filosofia e Letras.

Com Adolfo Bioy Casares mantém uma estreita colaboração literária, escrevem juntos policiais, guiões cinematográficos e contos.

A sua obra não pára de aumentar e somar galardões literários. Ganha o Prémio Nacional de Literatura (1957); o Prémio Formentor (1961) - que compartilha com Sanuel Beckett; e o Grande Prémio do Fundo Nacional de Artes (1963). Mas a distinção máxima fugiu-lhe durante vinte anos e para sempre. E se o escritor justifica com bom-humor que não lhe atribuírem o Nobel é uma prova da inteligência dos europeus, pois não existe um escritor mais aborrecido do que ele, a explicação prende-se com as suas opções políticas. Filiado no partido Conservador desde 1960, o mundo não lhe perdoava ter apertado a mão do sangrento ditador chileno Augusto Pinochet e ter aceite dele uma condecoração.

A 14 de Julho de 1986 morre em Genebra o homem que um dia afirmou: «Cometi o pior pecado que alguém pode cometer. Não fui feliz».

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades litetárias

Dom Quixote. Maria a maior Educadora da História – Dez princípios que Maria utilizou para educar o menino Jesus. Se educar é uma tarefa exigente e séria, como seria educar a criança mais extraordinária que pisou o mundo, o menino Jesus? Quem foi afinal esta mulher tão especial e qual o método usado para cumprir o grande objectivo da educação, a liberdade.
 

Presença. O Sonho mais Doce, de Doris Lessing. Iniciam-se os anos 60 e no Norte de Londres existe uma casa hospitaleira onde se sente o espírito da época. Ali vive Júlia e a sua ex-nora Frances, que cuida sozinha dos dois filhos adolescente e dos amigos, namoradas, e ex-namoradas que eles trazem consigo. O ex-marido, que aparece ocasionalmente lá por casa, deixa-lhe também Sylvia, a filha problemática da actual mulher. Doris Lessing, vencedora do Nobel da Literatura de 2007, oferece-nos um livro extraordinário sobre o poder das relações e dos sonhos.
 

Europa-América. A Arte da Paz – a arte da guerra contra a guerra, de Scott Ritter. O autor, antigo marine e líder dos inspectores de armamento das Nações Unidas, avança com este livro uma proposta a seguir pelos inúmeros movimentos antiguerra espalhados pelo mundo inteiro. Encontrar orientação no mais improvável, na filosofia dos que historicamente dominaram a arte do conflito como César, Napoleão, Sun Tzu ou Clausewitz.
 

Guerra&Paz. Picasso&Lump – a História do Cão que Comeu um Picasso, de David Douglas Duncan. Numa manhã de Primavera do ano de 1957, o veterano fotojornalista David Douglas Duncan, visita o seu grande amigo Pablo Picasso. Consigo leva um pequeno cachorro de raça dachshund e de nome Lump. Começava uma nova vida para Lump. A sua convivência com o pintor fica aqui magistralmente fotografada.
 

Cotovia. O Ente Querido, de Evelyn Waugh, é um novo título da colecção Raposa Matreira. Jorge de Sena fala assim deste livro:« The Loved One é uma rigorosa e descabelada sátira ao grosseiro materialismo que na requintada tecnocracia da civilização norte-americana se esconde sobre os mais falaciosos e hipócritas espiritualismos. A sátira é sangrenta, asfixiante, um primor de “humor negro” (…)».
 

Piaget. Utopia Cidade e Educação, de Joaquim Machado de Araújo e Alberto Filipe Araújo. Partindo sempre da obra de Tomás Moro, Utopia, os autores estabelecem relações entre o conceito de utopia e educação. As sociedades modernas podem transformar-se em cidades educadoras onde a felicidade de todos seja o grande objectivo de cada um?
 

Caminho. Mais ou Menos Meio Metro, texto de Ana Saldanha e ilustração de Gémeo Luís. De poema a poema se vai construindo uma advinha que os mais novos vão ter de descobrir no final « Cabe na palma da mão/E as unhas deixou crescer. /bate, bate o coração./ Já se está a perceber/ Qual é coisa qual é ela?».
 

APE. A Associação Portuguesa de Escritores lançou o número 22 da sua publicação o Escritor. Xuan Bello, Francisco Brines, Maria Campaña, Ramiro Fonte, José Luis García Martín, Carlos Marzal, José María Micó, Miguel d‘Ors, Antonio José Ponte, Cecilia Quílez, Manuel Alegre, Ana Luísa Amaral, Maria Andresen, Gastão Cruz, Nuno Júdice, José Manuel Mendes, Pedro Mexia, Vasco Graça Moura, Pedro Tamen, José Manuel de Vasconcelos e Vergílio Alberto Vieira são os poetas portugueses e estrangeiros que participam nesta edição.
 

Campo das Letras. A Sul da Escrita, de Dora Nunes Gago. A autora transforma em protagonistas dos seus contos poetas e escritores nascidos entre o Alentejo e o Algarve, a sul. Ibn Amar, Garcia de Resende, Bernardim Ribeiro, João de Deus, Fialho de Almeida, Florbela Espanca, António Aleixo, Emiliano e Teixeira Gomes ficam assim geográfica e espiritualmente unidos. A sul da Escrita foi Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca.

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Há anos assim!

Há perguntas a que é difícil responder. Uma delas é a de sabermos se 2007 foi um bom ano cinematográfico. Não sei. Ups! Parece que me meti numa alhada, daquelas à antiga. Como é que justifico a resposta. Tal como nos testes em que no final da questão lá está o sempre indesejado justifique. Não basta ter que se saber o que pedem, como ainda por cima tem que se justificar aquilo que toda a gente sabe. Menos o escriba de serviço. Aqui é quase igual. Mas eu justifico. Pegando na máxima alentejana sobre outro tema, direi que os filmes são todos bons, uns são é melhor que outros! Simples? Não! Basta lembrar alguns filmes de culto que à época foram tremendos flops, isto para não falar de outros, como, por exemplo, “Plan 9 From Outer Space”, de Ed Wood, conhecido como o pior filme alguma vez feito, e que hoje é venerado por uma legião de fans e de incondicionais de ficção científica, ao ponto de o seu realizador ter merecido um biopic dirigido por Tim Burton. Decididamente há razões que a razão desconhece.

Voltando ao ano cinematográfico, começo por dizer que em 2007 frequentei pouco as salas. Com pena minha, mas há anos assim. Mas ainda deu para ver bons filmes. A começar pelo regresso de Clint Eastwood com “Cartas de Iwo Jima”, o segundo filme do realizador sobre uma das mais sangrentas batalhas, da chamada Guerra do Pacífico, entre japoneses e americanos: Iwo Jima. Depois de “As Bandeiras dos Nossos Pais”, a visão do lado americano, esta segunda fita, do ponto de vista japonês e que tem como fonte as cartas escritas pelo oficial japonês que comandou as tropas que defenderam a ilha, é mais um notável exercício de realização de um dos, para mim, mais consistentes realizadores da actualidade. Outro dos filmes que me encheu as medidas foi “Ultimato”, de Paul Greengrass, o terceiro da saga de Jason Bourne, a máquina de matar excelentemente interpretada por Matt Damon, baseado na novela de Robert Ludlum. Num ritmo alucinante, este super agente continua a levar tudo à frente na procura da identidade perdida, mas também para sobreviver aos que o criaram e para quem, vivo, é um embaraço. Um dos bons filmes de acção da temporada, a que se poderia juntar “Die Hard 4.0”, realizado por Len Wiseman, a quarta aventura de John McClane, porém muito longe das anteriores, e que foi uma das desilusões do ano. Outro grande da temporada é “Zodiac”, de David Fincher, um excelente policial, ou um thriller, o rótulo não interessa, sobre a história verídica de um serial killer, com uma realização à boa maneira de “Se7en”, em que tema era quase o mesmo e cujo enredo também não é muito diferente: ambos filmam a investigação dos crimes. E bem.

Dois actores voltaram à realização e não se deram assim tão mal. Robert De Niro com “O Bom Pastor”, dá-nos um filme de espionagem complexo, sem deixar de ser uma agradável surpresa. Os bastidores dos serviços secretos americanos e a sua envolvência em episódios conhecidos tendo por trás a tal mãozinha que se adivinha e que hoje é conhecida por CIA. Por seu lado Sylvester Stallone ressuscitou Rocky e não se saiu mal. Antes pelo contrário. Depois de em 1976 Rocky ter arrasado, quando ninguém o esperava, este sexto filme da saga foi um estrondoso êxito de bilheteira, a que não é alheia a qualidade do filme, porque a tem. Quem acumula na maioria dos seus filmes é Woody Allen que nos trás de volta Scarlett Johansson em “Scoop”, mais uma comédia ligeira, como o realizador gosta de classificar os seus filmes do género. Como sempre acontece nos filmes de Allen, uma mão cheia de mal entendidos, uma boa dose de equívocos e uma musa inspiradora, são os costumados ingredientes para mais um belíssimo e divertido filme deste novaiorquino rendido à beleza e aos euros da Europa.

Do lado dos blockbusters, “Spiderman 3” venceu claramente nas receitas. Os outros vencedores foram “Shrek 3”, “Transformers”, “Piratas das Caraíbas: Nos Confins do Mundo”, a terceira parte, a que se podem juntar “Harry Potter e a Ordem da Fénix” e uma das grandes, se não a maior surpresa da temporada “300”, de Zack Snyder. Baseado na BD de Frank Miller, Snyder dá-nos uma arrojada visão da batalha das Termópilas numa arrasadora estética digital. Uma correctíssima transposição do original grafismo de Miller para o cinema, como aliás Robert Rodriguez já havia feito com “Sin City”.

Nós por cá, tudo bem. Ou nem bem nem mal. O “grande” filme do ano, é um não filme. “Corrupção”, dirigido por João Botelho, acabou por ser “assinado” pelo produtor. Não vi a fita. O golpe publicitário do produtor assumir o filme e a insinuação de que meteu cenas tórridas que o realizador não queria, serviram às mil maravilhas para fazer deste o filme mais visto do cinema português. De resto o costume, ou seja, mais um filme do mestre Manoel de Oliveira, “Belle Toujours”, uma homenagem a Luis Buñuel, nos quarenta anos do seu “Belle de Jour”, com Michel Picolli e Bulle Ogier, uma vez que Catherine Deneuve não quis voltar a fazer de Séverine, mais mão cheia de filmes, à nossa medida, como “Atrás das Nuvens”, a estreia de Jorge Queiroga na longa - metragem, “O Capacete Dourado”, do também estreante Jorge Cramez, a que se junta “Dot.Com”, de Luís Galvão Teles, uma comédia em Águas Altas, e pouco mais.

Foi o que se pôde arranjar. Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa

 

 

 

Educação às tiras


Desenho: Bruno Janeca / Argumento: Dinis Gardete

 


Visualização 800x600 - Internet Explorer 5.0 ou superior

©2002 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt