Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº114    Agosto 2007

Entrevista

MÁRIO AUGUSTO, JORNALISTA DE CINEMA DA SIC

"Há filmes que levaria para uma ilha deserta"

É seguramente o português que melhor conhece os bastidores de Hollywood e muitas das estrelas mais cintilantes do firmamento cinematográfico do Planeta. Já fez mais de duas mil entrevistas a gente do cinema e conta, em entrevista ao Ensino Magazine, os embaraços e as amizades que fez no restrito mundo da sétima arte. Abre o coração para falar do drama pessoal da sua filha Rita e da forma como os livros que lançou contribuíram para ajudar algumas crianças com paralisia cerebral. Sobre o ensino em Portugal, Mário Augusto lastima que o poder político ande há 30 anos a fazer experiências no sector.
 

“Eu adoro cinema e gosto de partilhar a minha paixão”, é o lema do trailer do seu programa “35mm” na SIC-Notícias. Como é que surgiu o cinema na sua vida?

Foi através de um festival de cinema de animação que existe em Espinho (cidade onde resido) o “Cinanima”. A partir daí comecei a ter um fascínio maior por cinema, especialmente pelos bastidores dos filmes que via. Eu tinha 12 anos quando o festival começou. Mais tarde comecei a participar na organização, a ter que estudar mais sobre cinema e fui aprendendo. O resto, aconteceu...
 

Há 20 anos que acompanha os bastidores da indústria cinematográfica e entrevista com regularidade a maior parte do “star system” do cinema. Como se sente sendo um dos portugueses mais famosos de Hollywood? Quantas vezes assistiu à cerimónia dos óscares?

Na festa propriamente dita estive lá dentro oito anos seguidos. Depois fui-me cansando de ter que fazer aquele trabalho. Como espectador acompanho desde 1986, altura em que comecei a trabalhar na rádio e a tentar que na Antena 1 (RDP) se desse a importância que a festa merecia. A cerimónia era exibida na televisão espanhola e eu divertia-me a fazer umas emissões a partir dos estúdios do Porto, juntamente com o Álvaro Costa, um velho companheiro destas aventuras. Ir lá a primeira vez em trabalho para a RTP, foi o fascínio completo. Com o passar dos anos foi-se apagando esse fascínio (para trabalhar, porque se fosse só para me divertir na festa, não me importava de ir).
 

O que é os Óscares têm de tão mágico para atraírem milhões?

É o “glamour” e o fascínio que faz parte daquela feira de vaidades. A festa celebra o cinema, mas é, acima de tudo, um espectáculo de televisão. É pensado como tal e para que esse “glamour” chegue a casa das pessoas. Atrás do palco é mais complicado e tudo muito rápido.
 

Diz que Novembro e Dezembro são os meses em que mais viaja entre Los Angeles, Londres e Nova York porque é o período em que estão a estrear os filmes na América. Para além disso, como vive em Espinho, deve deslocar-se com regularidade a Lisboa. Já se habituou a andar sempre com a casa às costas?

Que remédio. Há vinte e tal anos que faço isso, especialmente para Lisboa, onde vou várias vezes ao mês desde 1983 quando fui fazer a tropa na Força Aérea e mais tarde para trabalhar na RTP. Por opção nunca troquei Espinho por outra cidade.
 

As mudanças de fuso horário incomodam-no?

O fuso horário não me incomoda muito. Já aprendi uns truques para combater o “jet lag”. Faço aquilo que gosto e com prazer, mas isso não quer dizer que tudo corra como se quer. As verdadeiras paixões implicam uma dose de sacrifício.

Podem estar a pensar: lá está ele a queixar-se… Pois é, imaginem viajar várias vezes por ano a Londres ou Paris (ir e vir no mesmo dia). É giro nas primeiras vezes, depois vai-se perdendo esse gozo. Mas é trabalho que faço com prazer, repito.
 

Consegue estimar quanta entrevistas faz pessoalmente em média a actores/realizadores estrangeiros por ano?

No total já fiz mais de duas mil entrevistas a gente do cinema. Actualmente varia muito, porque já não vou a todas a que poderia ir. Faço muitas outras coisas em Televisão que não se vêem (ou melhor, não me vêem, mas tem o meu dedo).
 

Qual é aquela entrevista que jamais se esquecerá? Lembra-se do momento mais embaraçoso que viveu nessas entrevistas?

É para mim difícil escolher. Mas inesquecíveis foram os encontros com Jack Lemmon, pela honestidade e humildade que demonstrava nas conversas. O Al Pacino… tive sempre muita sorte com ele. Quanto ao Paul Thomas Anderson (realizador de “Magnólia”) ficámos amigos e convenci-o a vir ao Porto e mantemos o contacto, sempre que vou a Los Angeles e ele está na cidade. Mas não escondo que Steven Spielberg é um dos meus favoritos.

Já os momentos embaraçosos, tenho vários. Talvez escolha um que envolveu a Jane Fonda: pedi-lhe que me autografasse um livro sobre ela em que eu não reparei no momento da compra minutos antes que estava na presença de uma biografia não autorizada que dizia “cobras e lagartos” dela. Felizmente, a Jane foi muito simpática e divertida, mas obviamente não assinou. Mas há mais gafes minhas...
 

Consegue eleger o filme da sua vida?

Essa pergunta é difícil. Tenho muitos filmes especiais que levaria comigo para a ilha deserta… (desde que lá tivesse leitor de DVD) mas se algum cinéfilo escolher o filme da sua vida está a mentir porque ver um filme é um momento, a companhia, uma fase da vida, uma memória. É claro que há bons e maus filmes, outros inesquecíveis e os outros de usar e deitar fora. Na minha “DVD´teca” tenho cerca de 1200 filmes. Não revejo todos, é certo, mas talvez uns 150 me digam alguma coisa. Clássicos como o “Mundo a seus pés”, o “ET”, a série de o “O Padrinho”, o “Caçador”, alguns do Ford, do Billy Wilder, Julgo que ocuparia páginas e páginas a justificar as escolhas.
 

O cinema tem perdido espectadores. Pensa que por influência dos populares DVD’s, pelo preço dos bilhetes ou pela crescente concentração dos cinemas nas grandes superfícies, transmitindo um sentimento impessoalidade? Lamenta o fim gradual dos cinemas de bairro?

Sem dúvida. Eu cresci a ver cinema num desses velhos cinemas – o “S. Pedro”, em Espinho, uma daquelas salas muito grandes. Usando aquela frase publicitária que ficou na moda, “eu ainda sou do tempo” em que ir a cinema era um acto social e uma festa. Ía-se ver este ou aquele filme, agora vai-se a qualquer hora, e quando se chega lá, logo se vê qual o filme a ver e a que horas. Não estou a criticar, mas perdeu-se a tal magia da sala escura. Para além disso, agora as ofertas e solicitações são diferentes. O “Home Cinema” não é a mesma coisa, os DVD´s… enfim, os meu filhos não vão ver cinema como eu.
 

António-Pedro Vasconcelos, que curiosamente prefacia um dos seus livros, disse que «o cinema português é tão conhecido no mundo como o cinema esquimó». O panorama é assim tão sombrio?

É um pouco verdade. Nós não temos mercado, não temos indústria. Tirando poucas, mesmo raras excepções o nosso cinema é visto como curiosidade, como uma pequena cinematografia onde saltam os nomes como Manoel Oliveira ou João César Monteiro. Acho que agora há uma nova geração que poderá mudar alguma coisa.
 

Como explica que os maiores êxitos de bilheteira tenham sido filmes com argumentos ligeiros, caso de “O crime do Padre Amaro” e “Tentação”? Os portugueses não têm padrões de exigência evoluídos quando consomem sétima arte?

Sempre tivemos um cinema que dizia pouco ao grande público. Durante anos os realizadores faziam os filmes para eles e para alguns amigos – quando o filme era mostrado, porque às vezes, recebiam o subsídio e demoravam anos a fazer a fita que depois não passava no circuito. Era uma discussão muito longa. Os casos que referiu, funcionaram porque tinham associado um tema polémico. Um padre que experimenta a droga e o pecado carnal, em “ Tentação”, e no outro, mais recente, havia um padre que experimenta o pecado carnal e experimenta a paixão…e claro, tinha a Soraia Chaves. Tanto num caso como no outro valeu uma boa máquina de promoção. Isso que fez a diferença e que despertou a curiosidade dos portugueses. Não entendo que seja falta de cultura cinematográfica, mas sim “efeito bola de neve”. Nem lhe digo quantos espectadores teve o último filme do Manoel de Oliveira…
 

Está na moda adaptar livros ou histórias da vida real. “Corrupção” será o filme de João Botelho baseado no livro de Carolina Salgado. É a receita ideal para ser um grande êxito de bilheteira?

Entendo que esse caminho seria válido se tivéssemos uma indústria de produção de cinema organizada. Mas não tenho dúvidas que vai ser um sucesso, mas o cinema português tem que ser muito mais do que isso. Mas se servir para levar mais público ao cinema…”bora lá”.
 

Algum dia um português pode erguer uma estatueta dourada no Kodak Theatre de Hollywood?

Porque não?! Aquele Óscar de melhor filme estrangeiro é sempre mais uma atribuição politica ou de geopolítica, mas é uma hipótese até porque vejo a possibilidade desta nova geração de cineastas poder fazer trabalhos do lado de lá. Gostava de ressalvar um ponto: houve um português que já recebeu um Óscar, um lisboeta a viver em Los Angeles, chamado Carlos de Matos, pelo seu contributo na produção técnica de um filme.
 

O livro “Nos bastidores de Hollywood” deu origem a uma sequela intitulada “Mais bastidores de Hollywood”, acompanhada por um DVD. As receitas do livro reverteram para a APPC (Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral) para ajudar crianças com paralisia cerebral, como é o caso da sua filha, Rita. Como é que se lembrou de associar este livro a uma onda de solidariedade tendo por base o seu drama pessoal?

Quando o editor me apareceu na SIC a sugerir que eu desenvolvesse este projecto, decidi desde logo que não iria ganhar dinheiro com esta acção. Há um grande desconhecimento sobre paralisia cerebral e essencialmente uma grande falta de apoios. Achei que ao assumir o meu problema publicamente iria ajudar outros pais e outras crianças como a minha Rita, a lidar com o problema sem complexos. Quis especialmente dizer isto: pode acontecer a qualquer um e quando acontece deve ser enfrentado com uma sorriso. Não ganhei dinheiro nenhum, apoiei com o primeiro livro cerca de 17 crianças e acho que dei aos meus filhos uma lição de simplicidade e vontade de enfrentar os problemas, explicando que há muitas maneiras de enfrentar um problema. Uma delas é a partilha e enfrentar as vicissitudes com um sorriso. Não pode imaginar o quanto isso fez bem à Rita (a minha filha, tem agora 8 anos) e a toda a família. O que foi engraçado é que o sorriso da Rita perdurou como um movimento e de diversos lugares fizeram-se acções de solidariedade.
 

“O sorriso da Rita” é um projecto da direcção nacional da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral. Em 2005, as receitas do livro “Nos Bastidores de Hollywood” permitiram que dezenas de crianças com paralisia cerebral recebessem ajuda de técnicos especializados. Deviam existir mais iniciativas como esta?

Eu tenho tentado dinamizar a iniciativa e diversas entidades têm ajudado nisso, por exemplo, o Barclays e a Rádio Renascença. E a continuidade do movimento já não será mérito meu, mas da vontade de muitas pessoas com sentido de ajuda e consciência do problema que pode bater à porta de qualquer casal, qualquer bebé.
 

Como analisa o desempenho do sistema de ensino em Portugal e como o compara relativamente às realidades que conhecem além-fronteiras?

Só posso comentar como pai e encarregado de educação. O poder político anda há 30 anos a fazer experiências na Educação. Acredito nas boas intenções e quero acreditar que se vai no bom caminho, mas por vezes duvido. Pelo que falo com os meus amigos na América, lá o sistema é diferente: há do muito mau ao muito bom (mas caro, em colégios). Pelo menos aqui o ensino é igual para todos, todos (com um bocadinho de sorte) têm igualdade de oportunidades e de formação, mas também depende de um conjunto de factores.
 

O jornalismo é uma das profissões mais populares, saindo todos os anos milhares de novos licenciados das faculdades para um mercado exíguo. Defende a especialização dos jornalistas, como é o seu caso, no cinema, em prol do aumento da qualidade e credibilidade da profissão?

Acho que em diversas áreas não será fácil fazer essa especialização por falta de espaço de trabalho. Portugal é um pais pequeno, a comunicação social está como se sabe e especialmente o jornalismo escrito tem vindo a perder leitores. O jornalismo e a comunicação em geral é uma actividade profissional que envolve paixão. Tem que se gostar do que se faz. Tenho assistido à chegada de muitos jovens à profissão e assusta-me, por vezes, ouvir o - “Já sei tudo”, “o meu pai pagou a propinas, agora é só seguir em frente”. Então na televisão é terrível. É uma profissão que se aprende fazendo, experimentando, testando. Desde que essa especialização se faça na experiência e não em laboratório, aplaudo. Não se podem ver os filmes todos de uma vida num ano e depois ser um critico de cinema (eu não me assumo como tal).
 

Falta humildade aos principiantes na profissão?

A capacidade crítica e de análise cultivam-se; não se compram para tomar em cápsulas. Aos mais jovens que vou encontrando na profissão apenas lhes digo: estamos sempre a aprender e a ajustar as nossas capacidades. Depois vale a pena fazer as coisas com seriedade sem se levar muito a sério. Portugal é mesmo um quintal. Uma vez no Havai, tentava mostrar onde era o meu país num daqueles mapas de agenda de bolso, quando o meu amigo de ocasião fez uma comentário muito sincero e engraçado quando percebeu que era aquela manchinha ao lado de Espanha. Dizia ele: “Que fixe, vocês vivem todos junto ao mar… toda a gente tem a praia ao pé…”

Fiquei a pensar o que realmente é um país pequeno. Isso é igual para tudo, nas oportunidades, no mercado de trabalho etc. Por isso temos que ser uns “clínicos gerais”, porque não há hospitais para tantos especialistas.

Nuno Dias da Silva

 

 

 

O senhor cinema

Mário Augusto nasceu em Espinho, concelho de Vila Nova de Gaia, em Março de 1963. Começou a carreira de jornalista em 1985, estagiando no jornal “O Comércio do Porto”, vindo posteriormente a colaborar regularmente na área do cinema em diversas publicações: “Sete”, “Sábado”, “Cosmopolitan”, “Nova”, “Caras”, “Invista” e “Focus”. Nas ondas do éter, colaborou na Rádio Comercial, Antena 1 e Rádio Nova do Porto. Entrou para a RTP em 1985 onde apresentou programas infantis e só posteriormente rubricas cinematográficas. Em 1992, associa-se ao advento dos canais privados de televisão, transferindo-se para a SIC. Em 1997, recebeu o prémio de reportagem da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento pelo documentário “Mandem Saudades”, sobre a presença portuguesa no Havai. No canal de Carnaxide tem estado ligado à produção e a rubricas sobre cinema, especialmente os óscares de Hollywood e antestreias mundiais. Desde 2003, coordena e apresenta semanalmente o magazine de cinema “35mm” na SIC-Notícias, onde são reproduzidas as entrevistas realizadas aos mais famosos actores e actrizes do mundo. Actualmente, tem ainda na TSF uma rubrica semanal de comentários sobre estreias de cinema. Pela mão da editora Prime Books, lançou duas edições de “Os Bastidores de Hollywood”, onde conta as histórias e os segredos das estrelas de cinema com quem teve o privilégio de conviver.

 


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