MÁRIO AUGUSTO, JORNALISTA
DE CINEMA DA SIC
"Há filmes que
levaria para uma ilha deserta"
É seguramente o português que melhor
conhece os bastidores de Hollywood e muitas das estrelas mais
cintilantes do firmamento cinematográfico do Planeta. Já fez mais de
duas mil entrevistas a gente do cinema e conta, em entrevista ao Ensino
Magazine, os embaraços e as amizades que fez no restrito mundo da sétima
arte. Abre o coração para falar do drama pessoal da sua filha Rita e da
forma como os livros que lançou contribuíram para ajudar algumas
crianças com paralisia cerebral. Sobre o ensino em Portugal, Mário
Augusto lastima que o poder político ande há 30 anos a fazer
experiências no sector.
“Eu adoro cinema e gosto de
partilhar a minha paixão”, é o lema do trailer do seu programa “35mm” na
SIC-Notícias. Como é que surgiu o cinema na sua vida?
Foi através de um festival de cinema de animação que existe em Espinho
(cidade onde resido) o “Cinanima”. A partir daí comecei a ter um
fascínio maior por cinema, especialmente pelos bastidores dos filmes que
via. Eu tinha 12 anos quando o festival começou. Mais tarde comecei a
participar na organização, a ter que estudar mais sobre cinema e fui
aprendendo. O resto, aconteceu...
Há 20 anos que acompanha os
bastidores da indústria cinematográfica e entrevista com regularidade a
maior parte do “star system” do cinema. Como se sente sendo um dos
portugueses mais famosos de Hollywood? Quantas vezes assistiu à
cerimónia dos óscares?
Na festa propriamente dita estive lá dentro oito anos seguidos. Depois
fui-me cansando de ter que fazer aquele trabalho. Como espectador
acompanho desde 1986, altura em que comecei a trabalhar na rádio e a
tentar que na Antena 1 (RDP) se desse a importância que a festa merecia.
A cerimónia era exibida na televisão espanhola e eu divertia-me a fazer
umas emissões a partir dos estúdios do Porto, juntamente com o Álvaro
Costa, um velho companheiro destas aventuras. Ir lá a primeira vez em
trabalho para a RTP, foi o fascínio completo. Com o passar dos anos
foi-se apagando esse fascínio (para trabalhar, porque se fosse só para
me divertir na festa, não me importava de ir).
O que é os Óscares têm de tão mágico
para atraírem milhões?
É o “glamour” e o fascínio que faz parte daquela feira de vaidades. A
festa celebra o cinema, mas é, acima de tudo, um espectáculo de
televisão. É pensado como tal e para que esse “glamour” chegue a casa
das pessoas. Atrás do palco é mais complicado e tudo muito rápido.
Diz que Novembro e Dezembro são os
meses em que mais viaja entre Los Angeles, Londres e Nova York porque é
o período em que estão a estrear os filmes na América. Para além disso,
como vive em Espinho, deve deslocar-se com regularidade a Lisboa. Já se
habituou a andar sempre com a casa às costas?
Que remédio. Há vinte e tal anos que faço isso, especialmente para
Lisboa, onde vou várias vezes ao mês desde 1983 quando fui fazer a tropa
na Força Aérea e mais tarde para trabalhar na RTP. Por opção nunca
troquei Espinho por outra cidade.
As mudanças de fuso horário
incomodam-no?
O fuso horário não me incomoda muito. Já aprendi uns truques para
combater o “jet lag”. Faço aquilo que gosto e com prazer, mas isso não
quer dizer que tudo corra como se quer. As verdadeiras paixões implicam
uma dose de sacrifício.
Podem estar a pensar: lá está ele a queixar-se… Pois é, imaginem viajar
várias vezes por ano a Londres ou Paris (ir e vir no mesmo dia). É giro
nas primeiras vezes, depois vai-se perdendo esse gozo. Mas é trabalho
que faço com prazer, repito.
Consegue estimar quanta entrevistas
faz pessoalmente em média a actores/realizadores estrangeiros por ano?
No total já fiz mais de duas mil entrevistas a gente do cinema.
Actualmente varia muito, porque já não vou a todas a que poderia ir.
Faço muitas outras coisas em Televisão que não se vêem (ou melhor, não
me vêem, mas tem o meu dedo).
Qual é aquela entrevista que jamais
se esquecerá? Lembra-se do momento mais embaraçoso que viveu nessas
entrevistas?
É para mim difícil escolher. Mas inesquecíveis foram os encontros com
Jack Lemmon, pela honestidade e humildade que demonstrava nas conversas.
O Al Pacino… tive sempre muita sorte com ele. Quanto ao Paul Thomas
Anderson (realizador de “Magnólia”) ficámos amigos e convenci-o a vir ao
Porto e mantemos o contacto, sempre que vou a Los Angeles e ele está na
cidade. Mas não escondo que Steven Spielberg é um dos meus favoritos.
Já os momentos embaraçosos, tenho vários. Talvez escolha um que envolveu
a Jane Fonda: pedi-lhe que me autografasse um livro sobre ela em que eu
não reparei no momento da compra minutos antes que estava na presença de
uma biografia não autorizada que dizia “cobras e lagartos” dela.
Felizmente, a Jane foi muito simpática e divertida, mas obviamente não
assinou. Mas há mais gafes minhas...
Consegue eleger o filme da sua vida?
Essa pergunta é difícil. Tenho muitos filmes especiais que levaria
comigo para a ilha deserta… (desde que lá tivesse leitor de DVD) mas se
algum cinéfilo escolher o filme da sua vida está a mentir porque ver um
filme é um momento, a companhia, uma fase da vida, uma memória. É claro
que há bons e maus filmes, outros inesquecíveis e os outros de usar e
deitar fora. Na minha “DVD´teca” tenho cerca de 1200 filmes. Não revejo
todos, é certo, mas talvez uns 150 me digam alguma coisa. Clássicos como
o “Mundo a seus pés”, o “ET”, a série de o “O Padrinho”, o “Caçador”,
alguns do Ford, do Billy Wilder, Julgo que ocuparia páginas e páginas a
justificar as escolhas.
O cinema tem perdido espectadores.
Pensa que por influência dos populares DVD’s, pelo preço dos bilhetes ou
pela crescente concentração dos cinemas nas grandes superfícies,
transmitindo um sentimento impessoalidade? Lamenta o fim gradual dos
cinemas de bairro?
Sem dúvida. Eu cresci a ver cinema num desses velhos cinemas – o “S.
Pedro”, em Espinho, uma daquelas salas muito grandes. Usando aquela
frase publicitária que ficou na moda, “eu ainda sou do tempo” em que ir
a cinema era um acto social e uma festa. Ía-se ver este ou aquele filme,
agora vai-se a qualquer hora, e quando se chega lá, logo se vê qual o
filme a ver e a que horas. Não estou a criticar, mas perdeu-se a tal
magia da sala escura. Para além disso, agora as ofertas e solicitações
são diferentes. O “Home Cinema” não é a mesma coisa, os DVD´s… enfim, os
meu filhos não vão ver cinema como eu.
António-Pedro Vasconcelos, que
curiosamente prefacia um dos seus livros, disse que «o cinema português
é tão conhecido no mundo como o cinema esquimó». O panorama é assim tão
sombrio?
É um pouco verdade. Nós não temos mercado, não temos indústria. Tirando
poucas, mesmo raras excepções o nosso cinema é visto como curiosidade,
como uma pequena cinematografia onde saltam os nomes como Manoel
Oliveira ou João César Monteiro. Acho que agora há uma nova geração que
poderá mudar alguma coisa.
Como explica que os maiores êxitos
de bilheteira tenham sido filmes com argumentos ligeiros, caso de “O
crime do Padre Amaro” e “Tentação”? Os portugueses não têm padrões de
exigência evoluídos quando consomem sétima arte?
Sempre tivemos um cinema que dizia pouco ao grande público. Durante anos
os realizadores faziam os filmes para eles e para alguns amigos – quando
o filme era mostrado, porque às vezes, recebiam o subsídio e demoravam
anos a fazer a fita que depois não passava no circuito. Era uma
discussão muito longa. Os casos que referiu, funcionaram porque tinham
associado um tema polémico. Um padre que experimenta a droga e o pecado
carnal, em “ Tentação”, e no outro, mais recente, havia um padre que
experimenta o pecado carnal e experimenta a paixão…e claro, tinha a
Soraia Chaves. Tanto num caso como no outro valeu uma boa máquina de
promoção. Isso que fez a diferença e que despertou a curiosidade dos
portugueses. Não entendo que seja falta de cultura cinematográfica, mas
sim “efeito bola de neve”. Nem lhe digo quantos espectadores teve o
último filme do Manoel de Oliveira…
Está na moda adaptar livros ou
histórias da vida real. “Corrupção” será o filme de João Botelho baseado
no livro de Carolina Salgado. É a receita ideal para ser um grande êxito
de bilheteira?
Entendo que esse caminho seria válido se tivéssemos uma indústria de
produção de cinema organizada. Mas não tenho dúvidas que vai ser um
sucesso, mas o cinema português tem que ser muito mais do que isso. Mas
se servir para levar mais público ao cinema…”bora lá”.
Algum dia um português pode erguer
uma estatueta dourada no Kodak Theatre de Hollywood?
Porque não?! Aquele Óscar de melhor filme estrangeiro é sempre mais uma
atribuição politica ou de geopolítica, mas é uma hipótese até porque
vejo a possibilidade desta nova geração de cineastas poder fazer
trabalhos do lado de lá. Gostava de ressalvar um ponto: houve um
português que já recebeu um Óscar, um lisboeta a viver em Los Angeles,
chamado Carlos de Matos, pelo seu contributo na produção técnica de um
filme.
O livro “Nos bastidores de
Hollywood” deu origem a uma sequela intitulada “Mais bastidores de
Hollywood”, acompanhada por um DVD. As receitas do livro reverteram para
a APPC (Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral) para ajudar
crianças com paralisia cerebral, como é o caso da sua filha, Rita. Como
é que se lembrou de associar este livro a uma onda de solidariedade
tendo por base o seu drama pessoal?
Quando o editor me apareceu na SIC a sugerir que eu desenvolvesse este
projecto, decidi desde logo que não iria ganhar dinheiro com esta acção.
Há um grande desconhecimento sobre paralisia cerebral e essencialmente
uma grande falta de apoios. Achei que ao assumir o meu problema
publicamente iria ajudar outros pais e outras crianças como a minha
Rita, a lidar com o problema sem complexos. Quis especialmente dizer
isto: pode acontecer a qualquer um e quando acontece deve ser enfrentado
com uma sorriso. Não ganhei dinheiro nenhum, apoiei com o primeiro livro
cerca de 17 crianças e acho que dei aos meus filhos uma lição de
simplicidade e vontade de enfrentar os problemas, explicando que há
muitas maneiras de enfrentar um problema. Uma delas é a partilha e
enfrentar as vicissitudes com um sorriso. Não pode imaginar o quanto
isso fez bem à Rita (a minha filha, tem agora 8 anos) e a toda a
família. O que foi engraçado é que o sorriso da Rita perdurou como um
movimento e de diversos lugares fizeram-se acções de solidariedade.
“O sorriso da Rita” é um projecto da
direcção nacional da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral. Em
2005, as receitas do livro “Nos Bastidores de Hollywood” permitiram que
dezenas de crianças com paralisia cerebral recebessem ajuda de técnicos
especializados. Deviam existir mais iniciativas como esta?
Eu tenho tentado dinamizar a iniciativa e diversas entidades têm ajudado
nisso, por exemplo, o Barclays e a Rádio Renascença. E a continuidade do
movimento já não será mérito meu, mas da vontade de muitas pessoas com
sentido de ajuda e consciência do problema que pode bater à porta de
qualquer casal, qualquer bebé.
Como analisa o desempenho do sistema
de ensino em Portugal e como o compara relativamente às realidades que
conhecem além-fronteiras?
Só posso comentar como pai e encarregado de educação. O poder político
anda há 30 anos a fazer experiências na Educação. Acredito nas boas
intenções e quero acreditar que se vai no bom caminho, mas por vezes
duvido. Pelo que falo com os meus amigos na América, lá o sistema é
diferente: há do muito mau ao muito bom (mas caro, em colégios). Pelo
menos aqui o ensino é igual para todos, todos (com um bocadinho de
sorte) têm igualdade de oportunidades e de formação, mas também depende
de um conjunto de factores.
O jornalismo é uma das profissões
mais populares, saindo todos os anos milhares de novos licenciados das
faculdades para um mercado exíguo. Defende a especialização dos
jornalistas, como é o seu caso, no cinema, em prol do aumento da
qualidade e credibilidade da profissão?
Acho que em diversas áreas não será fácil fazer essa especialização por
falta de espaço de trabalho. Portugal é um pais pequeno, a comunicação
social está como se sabe e especialmente o jornalismo escrito tem vindo
a perder leitores. O jornalismo e a comunicação em geral é uma
actividade profissional que envolve paixão. Tem que se gostar do que se
faz. Tenho assistido à chegada de muitos jovens à profissão e
assusta-me, por vezes, ouvir o - “Já sei tudo”, “o meu pai pagou a
propinas, agora é só seguir em frente”. Então na televisão é terrível. É
uma profissão que se aprende fazendo, experimentando, testando. Desde
que essa especialização se faça na experiência e não em laboratório,
aplaudo. Não se podem ver os filmes todos de uma vida num ano e depois
ser um critico de cinema (eu não me assumo como tal).
Falta humildade aos principiantes na
profissão?
A capacidade crítica e de análise cultivam-se; não se compram para tomar
em cápsulas. Aos mais jovens que vou encontrando na profissão apenas
lhes digo: estamos sempre a aprender e a ajustar as nossas capacidades.
Depois vale a pena fazer as coisas com seriedade sem se levar muito a
sério. Portugal é mesmo um quintal. Uma vez no Havai, tentava mostrar
onde era o meu país num daqueles mapas de agenda de bolso, quando o meu
amigo de ocasião fez uma comentário muito sincero e engraçado quando
percebeu que era aquela manchinha ao lado de Espanha. Dizia ele: “Que
fixe, vocês vivem todos junto ao mar… toda a gente tem a praia ao pé…”
Fiquei a pensar o que realmente é um país pequeno. Isso é igual para
tudo, nas oportunidades, no mercado de trabalho etc. Por isso temos que
ser uns “clínicos gerais”, porque não há hospitais para tantos
especialistas.
Nuno Dias da Silva
O senhor cinema
Mário Augusto nasceu em Espinho, concelho
de Vila Nova de Gaia, em Março de 1963. Começou a carreira de jornalista
em 1985, estagiando no jornal “O Comércio do Porto”, vindo
posteriormente a colaborar regularmente na área do cinema em diversas
publicações: “Sete”, “Sábado”, “Cosmopolitan”, “Nova”, “Caras”,
“Invista” e “Focus”. Nas ondas do éter, colaborou na Rádio Comercial,
Antena 1 e Rádio Nova do Porto. Entrou para a RTP em 1985 onde
apresentou programas infantis e só posteriormente rubricas
cinematográficas. Em 1992, associa-se ao advento dos canais privados de
televisão, transferindo-se para a SIC. Em 1997, recebeu o prémio de
reportagem da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento pelo
documentário “Mandem Saudades”, sobre a presença portuguesa no Havai. No
canal de Carnaxide tem estado ligado à produção e a rubricas sobre
cinema, especialmente os óscares de Hollywood e antestreias mundiais.
Desde 2003, coordena e apresenta semanalmente o magazine de cinema
“35mm” na SIC-Notícias, onde são reproduzidas as entrevistas realizadas
aos mais famosos actores e actrizes do mundo. Actualmente, tem ainda na
TSF uma rubrica semanal de comentários sobre estreias de cinema. Pela
mão da editora Prime Books, lançou duas edições de “Os Bastidores de
Hollywood”, onde conta as histórias e os segredos das estrelas de cinema
com quem teve o privilégio de conviver.
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