Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano X    Nº110    Abril 2007

Entrevista

JOSÉ MIGUEL JÚDICE EM ENTREVISTA

"Nível do ensino é rasteiro!"

José Miguel Júdice culpa o sistema, os professores, os alunos, os pais e os sindicatos pela «reprodução do mau ensino» e atribui à deficiente educação o facto de a mobilidade social ascendente não vingar. Sobre o escândalo da «Independente», Júdice critica o Estado por falhar a sua missão de «regular, controlar e fiscalizar». O ex-Bastonário da Ordem dos Advogados diz ainda na entrevista que concedeu por escrito ao «Ensino Magazine» que existem «advogados em excesso», aponta a «grave crise de valores» que o País atravessa e exorta Sócrates a levar até ao fim as reformas iniciadas.

Há cada vez mais advogados e sociedades de advogados. Cerca de 2500 profissionais associados em 118 firmas, segundo os últimos dados. Não lhe parece um número excessivo? Existe um desfasamento entre a oferta de vagas em determinados cursos e as necessidades do mercado de trabalho?

Penso que realmente há advogados em número excessivo para as necessidades do mercado, sobretudo no que se refere à oferta não diferenciada por especialização.

Descreveu, enquanto bastonário da Ordem dos Advogados (O.A.), a Justiça como uma «galeria dos horrores». Pode exemplificar com alguns casos que se enquadram nessa dita galeria? O sistema judicial é reformável?

Os “horrores” resultam do modo como está organizado o sistema judicial, apesar do facto dos profissionais da Justiça trabalharem em regra mais e com melhor qualidade do que outros profissionais que trabalham no Estado.

«Recorrer à Justiça é, cada vez mais, inútil», escreveu o sociólogo António Barreto, num dos seus artigos dominicais. Subscreve? Este é um sistema que apenas pune os «pilha-galinhas» e protege os poderosos?

Acho que em parte Barreto tem razão, ainda que se possa dizer que noutros países a situação ainda é pior. No entanto, acho errado afirmar que o sistema só pune “pilha-galinhas”, pois a Justiça portuguesa é imune a pressões.

No caso «Casa Pia» atingiu-se o auge em termos de mediatismo judicial, com réplicas mais fracas no «Apito Dourado». Pensa que depois de tudo o que foi publicado na imprensa, violando sucessivamente o segredo de justiça, existem arguidos/pronunciados que mesmo antes do julgamento já foram pré-condenados na praça pública?

Não tenho duvidas nenhumas e foi por isso que como Bastonário tive por vezes de fazer declarações politicamente incorrectas mas essenciais ao Estado de Direito.

Desiludido com a política, abandonou no início de 2007 o PSD após 26 anos de filiação. Está desapontado com esta geração de políticos que nos tem governado nas últimas décadas?

Acho que, infelizmente, a média é muito fraca, mas não se afasta da média nacional. Portugal atravessa uma grave crise de valores e de dedicação ao bem público.

Parece pacífico reconhecer que o PS de Sócrates apropriou-se do espaço do PSD, dominando do centro-esquerda ao centro direita. É dos que pensa que é preciso refundar a direita?

Acho que o espaço político à direita tem de encontrar uma linha estratégica e uma coerência ideológica. Se isso se chama refundar ou não, não sei.

O objectivo principal desta geração de políticos é introduzir reformas ou perpetuar-se no Poder, gerindo de forma calculista a política em função dos ciclos eleitorais? Sócrates vai ficar na História pela primeira ou pela segunda hipótese?

Sócrates ainda vai ter de pedalar muito para ficar na História. Esperemos que seja capaz de levar ao fim as reformas essenciais de que o Pais precisa. Se o fizer ficará pelas melhores razões na História. Se não...ficará pelas piores, como outros, antes dele.

Afirmou que «há uma tendência natural nos políticos em agradar à populaça». Segundo dados oficiais, nos últimos 20 anos, foram construídos 2.300 quilómetros de auto-estradas, mas mantemos um dos mais baixos números de alunos por professor da OCDE. Este é o retrato de um país cada vez mais desigual e a várias velocidades?

O País está cada vez mais desigual e, se é possível dizer que ainda pior, está cada vez menos aberto à mobilidade social ascendente. O rasteiro nível do ensino é a principal causa deste vício social.

Partilha da perspectiva do ex-ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, de que alcatrão e licenciados não são a receita potenciadora de crescimento económico?

Acho que é preferível um licenciado desempregado do que um analfabeto... se ele for capaz de perceber que ser licenciado não permite forçosamente empregos de elevada remuneração e se for capaz de começar por baixo e lutar pela ascensão social.

Portugal está longe de ter uma educação de qualidade e escolas públicas de excelência. O que falta nas instituições de ensino: liderança/responsabilidade? A quem atribuir culpas?

A principal culpa é do mau ensino que vai reproduzindo e ampliando a falta de qualidade: um mau professor vai criar maus alunos que quando forem professores ainda os criarão piores. Depois a culpa é dos sindicatos de professores, que esquecem que os professores existem para os alunos e dos pais que não percebem que elevar o grau de exigência é essencial para os seus filhos.

Que quota parte cabe aos estudantes?

E, claro, a culpa é também dos estudantes que continuam a achar que sem trabalho duro se podem safar.

A aplicação do processo de Bolonha, que procura a harmonização do ensino superior na Europa, vai levar as diferentes ordens profissionais, entre as quais a dos advogados, a alterar os seus estatutos. Três anos para uma licenciatura dá a preparação suficiente ao aluno?

Para algumas profissões, claro que sim. Para outras é razoável exigir o mestrado.

O escândalo envolvendo a Universidade Independente, depois do que já se tinha passado na Lusófona e na Moderna, pode colocar em crise e trazer o descrédito ao ensino superior privado? O Estado deve exercer uma regulação mais atenta?

Este caso demonstra o falhanço inconcebível do Estado Português e não do ensino privado. O Estado moderno deve regular, controlar e avaliar. E não está fazer. O caso Independente, tal como resulta do que leio nos jornais, é o exemplo da falta de regulação, controlo e fiscalização.

Nuno Dias da Silva

 

 

 

ENSINO SUPERIOR

O defensor do Cônsul de Bordéus

Advogado, comentador, empresário, político e ex-militante do PSD após 26 anos. Polémico, frontal, obstinado, vaidoso e mediático. Todas estas actividades e características assentam como uma luva a um homem nascido em 1949, em Santa Clara, Coimbra, com o nome de José Miguel Alarcão Júdice. Foi um dos estudantes que passou pelos bancos da Faculdade de Direito da Universidade coimbrã, onde leccionou como assistente, entre 1972 e 1978. Em Lisboa, a partir de 1979, desempenhou, durante dois anos, iguais funções na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, regendo as cadeiras de Ciência Política, Direito Constitucional e Direito Internacional Público. Em 1980, morre a sua maior inspiração política, Francisco Sá Carneiro, do qual foi advogado, na tragédia de Camarate. Como se de uma homenagem se tratasse, Júdice filia-se no PSD. Integrou vários projectos políticos «laranja», sendo de destacar um que ficou conhecido por «Nova Esperança» onde privou com Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso e Santana Lopes. Deste grupo, um autêntico viveiro de delfins políticos, sairiam, anos mais tarde, dois primeiros-ministros e três líderes do PSD.

Júdice preferiu a advocacia à carreira política. Em 1985, redigiu, na companhia de outros companheiros de partido, a moção que Cavaco Silva levou ao célebre congresso da Figueira da Foz. Observador distanciado e ao mesmo tempo atento da realidade, Júdice é dos poucos que no nosso País, nunca tendo sido político ou ministro, conseguiu granjear uma tão grande influência política. Enquanto advogado, é sócio de um dos maiores escritórios de Portugal, a PLMJ (a A.M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice e Associados), com escritório na Avenida da Liberdade. O corolário do seu permanente intervencionismo no meio judicial acontece em 2001 quando vence a corrida eleitoral à Ordem dos Advogados, cargo que exerce até 2005. Pouco depois da eleição de Rogério Alves, o seu sucessor e até então um dos seus principais apoiantes, envolve-se numa acesa polémica com o novo Bastonário que lhe vale dois processos disciplinares. Motivo: numa entrevista ao «Jornal de Negócios», Júdice sugeriu que «o Estado devia ter de consultar sempre as três maiores firmas de advogados», entre as quais... a sua.

Num dos julgamentos públicos que se seguiu, Júdice ficou a falar sozinho, defendendo os seus argumentos, depois do Conselho Superior da O.A. se ter retirado em bloco. Á saída, o ex-Bastonário jurou que nunca mais entraria no edifício da Ordem, no Largo de São Domingos.

Destacou-se nos últimos meses por protagonizar o papel de defensor de Aristides de Sousa Mendes, o antigo cônsul de Portugal em Bordéus durante o Estado Novo, no concurso «Os grandes portugueses», da RTP. Actualmente, escreve semanalmente no jornal «Público» e colabora com a Antena 1.

Fora da advocacia e da política, tem experimentado a sua veia enquanto empresário, acompanhado pelo seu filho Miguel Júdice. Recuperou a casa de família em Coimbra, a Quinta das Lágrimas, local onde nasceu e associado ao amor ente D. Pedro e D. Inês de Castro, no século XIV, transformando-a num hotel de luxo. Mais recentemente, abriu, na companhia de mais 10 sócios, o «Eleven», um dos restaurantes mais «in» da capital, localizado no alto do Parque Eduardo VII.

NDS

 


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