Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano IX    Nº106    Dezembro 2006

Opinião

PAU DE GIZ

Outras caixas me lembraram

I

Naquele ano, por uma qualquer razão meteorológica, no dia doze de Novembro as cegonhas não fizeram entregas. Por isso nasci dentro de uma caixa.

Juro que nasci dentro de uma caixa, era os meus pais a dizerem e a minha irmã, mais velha, mais sensata, melhor aluna e a minha encarregada de educação, a abonar a procedência mostrando-me inclusive essa caixa. 

Uma caixa que andou anos no sobrado de casa, na qual ela tinha muito penhor pois pudera, acondicionava-lhe os frascos do xarope da tosse, as latas das pastilhas rotter, as caixas da farinha Amparo e os pacotes do bicarbonato vazios, das suas meninices predilectas, premonição do sacerdócio que haveria de seguir nas Farmácias.

Na caixa, muito maior que um recém nascido, figurava um boneco de um homem gorducho, de braços abertos, fato e gravata, e tinha escritas sete letras vermelhas que ainda hoje me soam nos ouvidos, Grundig.

Quando as brincadeiras de cinzelar receitas e aviar remédios acabaram, o espólio farmacêutico foi despejado no crematório, e a caixa esvaziou. 

Daí passou a guardar os acessórios da matança, por pouco tempo.

Com as obras na casa, o sobrado não foi poupado, e numa tarde de verão, em voos acrobáticos de labaredas fugidias, novelos de fumo acre enrolado pelo vento, mil folhas de cinza pelo ar e folhas apenas de cartão chamuscado espalhadas no quintal, elevou-se serenamente a caminho do céu a Caixa.

II

Ao sobrado da casa tinha-se acesso pelo terraço de cimento, que ficava ao cimo das escadas do quintal. 

À telha vã, instalada a meio e encostada à parede ficava a lareira do fumeiro, uma pedra de granito, o lar, emoldurado a madeira ligeiramente sobrelevado sobre o soalho. 

Por cima, um tecto falso gradeado, a grade das varas para curar o enchido, do qual pendiam teias e aranha trapezistas e cenários invisíveis, o nosso palco das comédias, no qual o meu primo Marcelino, ilusionista amador, fazia desaparecer a amarela de um ovo de plástico azul, uma chinesice fabricada em Guimarães, oferta de um caixeiro viajante.

Não seguiu o artista a carreira de escamoteador, na primeira escorregadela e face ao insucesso escolar já acumulado, ficou destinado jardinar na fábrica.

A minha prima Lena, cantadeira com garra, cantava de lá do alto para a assistência sentada no chão, os outros primos mais novo e alguma vizinhança, os êxitos da onda média do rádio clube. 

Ao entrar no liceu também ela abandonou a carreira artística, enveredando mais tarde com sucesso, por medicina.

Nunca tínhamos visto televisão, sabíamos da televisão por fotografias no Diário de Notícia, mas algo desassossegados para entender como era, foi nesse palco de granito que se montou, sobre a mesa pequena, uma caixa esvaziada das camisolas interiores de manga comprida trazida da loja, com dois botões desenhados a lápis de cor, um arame por cima em forma de v, e no meio um buraco onde cabia, a assomar, uma amável cabeça. 

A nossa primeira televisão foi essa Caixa.

III

O sobrado, um espaço capaz, dividido por um pano de fioco grená, era ocupado pelas metedeiras de fios, pela mesa de enrolar e pela cozinha do fumeiro. 

Na sua impenetrável imensidão tinha apenas uma pequena divisão em tabique, o escritório do meu pai, fabricante autorizado de mantas, xales, faixas e artigos regionais na meia dúzia de teares de pau instalados num antigo lagar, ao fundo da nossa rua.

O escritório era também sala de costura e biblioteca, a estante tapada com uma cortina feita no mesmo pano grená guardava a assinatura do Cavaleiro Andante, depois de lido com cuidado para preservar as páginas, uma colecção de Os Ridículos e umas duas dezenas de Flama e algum Século Ilustrado.

Depois de jantar era ali que seroávamos, a ouvir no Grundig os clássicos da literatura adaptados a folhetins radiofónicos, folheando revistas passadas. O escritório tinha uma porta que não se fechava, nem quando o vento embocava pelas telhas, chiava nos gonzos e estava empenada. 

Fechou-se uma vez, o meu tio Joaquim chegou triste e cabisbaixo, foram chegando os outros irmãos e ficaram todos, à porta fechada, conversando baixinho por causa de um telefonema recebido de fora.

Quando na igreja tocaram os sinais, houve uma missa onde fomos de escuro mas ninguém chorava, soube que o meu avô José de Oliveira Salavessa, o Batata, como o alcunhou o professor António Manuel, tinha morrido na Argentina.

Em meados de vinte do século passado, uma grande recessão devastou os pequenos e desprotegidos fabricantes de panos, ele faliu e ficou encalacrado. 

Emigrou para a Argentina, deixou a mulher e um rebanho de filhos pequenos, e lá se finou em vésperas de regressar com a viagem marcada, pobre ou rico ninguém sabe, o bilhete de avião oferecido pelos filhos guardado na mesa de cabeceira.

Passados anos e anos de silêncios fora localizado graças à adivinhação de um conterrâneo, funcionário andarilho dos Negócios Estrangeiros, que o achou hortelão em Izidro Mendonza, nos arrabaldes poeirentos de Buenos Aires.

No cofre da fábrica estarão talvez ainda guardadas duas ou três cartas que recebeu do filho mais velho a dar conta dos outros, a caderneta militar, uma carteira vazia e um terço. E na sala de reuniões, uma fotografia pintada, que um português, comparsa desde o começo da aventura e infortúnio, enviou à família como a única herança herdada depois de quarenta e tal anos na Argentina.

O espólio do meu avô chegou à família dentro de uma Caixa.

IV

Diz o meu pai, Eu teria uns cinco ou seis anos já não sei bem quando o meu pai abalou. 
E se lhe calha contar a única recordação que guarda do pai, diz, Foi no cemitério chovia muito e estou a vê-lo a saltar para dentro da cova onde iria ser enterrada a minha avó e ele a tirar lá do fundo pazadas de água da cova onde iria ser enterrada a mãe dele embrulhada no esquife. 

Naquele tempo enterravam as pessoas embrulhadas num lençol, não se usava sepultarem as pessoas numa Caixa.

António Luis Caramona
paudegiz@gmail.com

 

 

 

CONTRABAIXO

O monstro: haverá vida depois dele?

Num cíclico regresso à infância, descobrimos um monstro para enquadrar o nosso insucesso. E se o monstro é assim tão importante como parece ser, porque não lidar com ele de forma sagaz e não desatar a atirar com pedras e calhaus a tudo o que se movimenta graciosamente? Vem isto a propósito do Programa de Alargamento e Generalização das Actividades de Enriquecimento Curricular, implementado de uma forma claramente precipitada, neste ano lectivo.

Em primeiro lugar questiono a passagem de áreas, como a música e a expressão físico-motora, que fazem parte do currículo para o limbo do opcional por oposição ao inglês e o “apoio ao estudo” que são obrigatórias. Questiono porque não conheço nem foi apresentada nenhuma evidência científica que suporte esta subalternização e, muito importante também, porque eram exactamente nestas duas áreas que mais experiência foi acumulada ao longo de muitos anos de trabalho usando fórmulas diversificadas de articulação com as Escolas, as Autarquias e o Ministério da Educação.

O monstro obriga a que não se aproveitem as experiências, boas ou más, que foram implementadas no passado? 

Durante onze anos estive ligado a um projecto na área da expressão/educação musical que obedecia a dois princípios: ser integrado no horário lectivo das escolas do 1º Ciclo e ser inteiramente gratuito para as famílias. Começou com cerca de 500 alunos e, no 11º ano de funcionamento, abrangia 2100 crianças; os professores eram recrutados pelo Conservatório Regional local e pagos segundo os bons preceitos: nada de recibos verdes ou 10 meses de salário, mas sim de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho e com as habilitações de cada um dos professores, 14 meses, descontos todos feitos e, até um determinado momento, com contagem de tempo de serviço.

Foi pago, sem falhas, pela Câmara Municipal local e, de uma forma imprevisível e sem cobrir os 50% remanescentes, pelo Ministério da Educação. Houve, por vezes, necessidade de recorrer à angariação de patrocínios para cobrir a diferença que o próprio Ministério não assegurava na totalidade ou o défice era assumido pelo próprio Conservatório. Se este recurso, o da procura de fontes de financiamento alternativas, me parece correcto não pode deixar de ser algo complementar, a bem da estabilidade que projectos desta natureza necessitam. Mas mesmo com estas dificuldades, o projecto foi crescendo até abranger as escolas todas do concelho, com a excepção das que se encontravam abrangidas por uma Escola Básica Integrada.

A equipa chegou a ter no seu quadro 11 professores que se deslocavam às referidas escolas, trabalhando semanalmente 1 hora e 30 minutos, com todas as crianças. As actividades eram coordenadas o mais possível com o professor titular e a assiduidade era controlada e sempre com níveis de absentismo baixos relativamente à média das escolas portuguesas. O projecto tinha nome, rostos, coordenação, prestava provas das mais diversas formas perante a sociedade e era público e reconhecido o impacto no meio. Dir-me-ão alguns que tudo tem um princípio e um fim. Verdade mas com alguns matizes. E, como por certo já perceberam, este projecto acabou. E os matizes neste caso têm que ver com a minha total incompreensão relativamente à razão que precipitou o seu fim. Será que foi o monstro?

Para melhor perceberem os matizes, gostava de partilhar alguns dados e uma perplexidade: o projecto custava 55 euros/ano/aluno (dados de 2003/2004), recebendo os professores da forma já referida. O montante global previsto pelo Ministério da Educação para o caso de Escolas que ofereçam “Inglês, a música e a actividade física e desportiva” (a maiúscula no inglês encontra-se no sítio do ME na Internet) é de 250 euros/aluno/ano. Lembro que no caso deste projecto ao qual estive ligado, o Ministério comparticipava apenas metade do valor de 55 euros/ano, sendo a autarquia a suportar o restante, embora com a ressalva que já fiz no que respeita ao cumprimento pelo ME. A estes dados junto aquela que me parece ser a realidade actual: professores/monitores a trabalharem nas Escolas em regime de prestação de serviços. Recibos verdes, pois então! Pagamento feito à hora leccionada/hora paga, com valores na ordem dos 10 euros/hora. Pelo que li na comunicação social, o custo ano/aluno das aulas de inglês que durante o ano lectivo 2005/2006 abrangeram o 3º e 4º anos foi de 100 euros. Fiz umas contas, olhei para o monstro e pensei:

Não há aqui qualquer coisa que não bate certo?

Carlos Semedo 
carlossemedo@gmail.com 

 

 

 

CASTELO BRANCO

Teatro de escola no São Martinho

O São Martinho foi comemorado na Escola E. B. 2-3 Cidade de Castelo Branco com uma peça de teatro inédita, “Viva o São Martinho!”, escrita e representada pelo Clube de Teatro desta Escola.

Num argumento que conjuga a sabedoria popular com o humor que caracteriza os nossos jovens, uma professora verifica, num convívio popular, que em dias de S. Martinho, o povo assa as castanhas e prova o vinho, mas pouco sabe da razão de ser destas tradições. Assim, esta professora do 1º ciclo pede aos seus alunos para consultarem os seus pais, avós e familiares acerca desta data comemorativa. Os alunos, demonstrando serem uma esperança na preservação do nosso património oral / cultural tradicional, enunciam algumas quadras e provérbios alusivos à época.

Também um aluno apreciador do bom Fado canta o “Homem das Castanhas” de Carlos do Carmo. Por fim, uma aluna conta a lenda de São Martinho, representada num quadro distinto. A professora encantada com a “sabedoria” popular dos seus alunos convida todos os presentes a cantarem uma canção infantil “Castanhas, Castanhas”.

Os alunos do segundo, quarto e quinto anos do Agrupamento foram espectadores atentos e colaboradores activos nesta representação. Saíram muito animados para o magusto que os esperava no pátio da Escola. Todos os alunos da comunidade escolar se deliciaram com os tradicionais cartuchos de castanhas “quentes e boas”, ao som da música da banda da Escola (Clube de Rádio).

 


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