Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano IX    Nº98    Abril 2006

Editorial


Crises? Que crises?

Temos vindo a referir que os professores que resistem e recusam perder a sua profissionalidade, aqueles que estão presentes e aceitam os novos desafios, são muitas vezes olhados como heróis sociais pelo modo como enfrentam o embate das mudanças, das pressões e das críticas injustas, por vezes acumuladas por mais de uma geração.

Porém, o acumular dessas pressões, a que por vezes se juntam períodos profissionais menos estimulantes, conduzem a que muitos docentes se confrontem com crises da sua profissionalidade, com impacto profundamente negativo no modo de agir dentro da escola. Uma boa parte das crises de profissionalidade surgem também quando há crises de identidade.

Essas crises de identidade podem surgir quando os professores são chamados a abandonar o que sabiam fazer bem, para se dedicarem a outras tarefas em que não acreditam ou para as quais se sentem mal preparados, já que tecnicamente as dominam mal. Ou seja, quando substituem o seu saber-fazer por um saber-mais-ou-menos.

Outras vezes essas crises revelam-se quando se alargam os horizontes espaciais de actuação do docente. A geografia de actuação dos docentes foi profundamente alterada nas últimas décadas, sem que isso tenha revertido numa significativa alteração dos processos de formação de professores. A quase totalidade dos docentes foram (e ainda continuam a ser) “treinados” para agir exclusivamente dentro da sala de aula. As competências profissionais que lhes são exigidas estão confinadas a saberes e procedimentos que apenas fazem sentido em situação de classe. Os formadores de professores dedicam mais de noventa por cento das suas actividades de supervisão para recolher dados de avaliação através da observação de aulas. O (futuro) professor pode claudicar à porta da sala de aula. Será impensável que o faça dentro dela.

Esta história e estas memórias da formação fazem com que muitos dos professores portugueses prefiram o trabalho individual (isolado) ao trabalho colectivo, que entendam que a sua sala de aula é um local sagrado inexpugnável e que o seu trabalho profissional se esgota com o fechar da porta dessa sala.

Muitos de nós fomos e somos apenas preparados para agir em situação de classe, pouco na escola, raramente na aldeia digital e na comunidade parental. Aí, começam as fobias, os preconceitos, as reservas e os desencantos. Aí, os discursos começam sempre a ser menos pedagógicos e mais defensivos de uma neutra profissionalidade que nem sempre sabemos definir ou, por ausência de outro modelo, definimos com base na tradição e no pior do discurso oral.

O alargamento das tarefas e funções dos docentes obrigam-no a intervir numa nova geografia pedagógica, obrigam-no a caminhar em terrenos e a traçar percursos em que ele nem sempre se sente profissionalmente confortável. Obriga-se a que o professor também seja tutor e educador, quando ele, de facto, apenas foi treinado para instruir, em contacto directo com os seus alunos, sem intermediários “internéticos” que propiciem a aprendizagem à distância.

Pergunto: é esse o mundo dos nossos jovens que, não esqueçamos, são também os nossos alunos? Claro que não! É por isso que uma vez mais repetimos que urge reconhecer que o país falhou na formação permanente dos docentes. Envolveram verbas e meios muito significativos e os resultados foram demasiado escassos. Por culpa dos formadores e das suas propostas de formação, não por culpa dos formandos. E continua a falhar na formação inicial, essencialmente virada para um saber académico, divorciado da escola e dos jovens com que todos os dias nos cruzamos nas ruas.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt


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