CRÓNICA
O estropício

Sobre a vaga de incêndios, que devastam a floresta ano após ano, parecendo mais uma desventura que uma realidade a ter em conta e a prevenir por quem deve ser, não é necessário dizer mais do que já disse, neste mesmo lugar, em Junho de 2004.
Quero, no entanto, deixar mais dois apontamentos, que têm sido como que um estropício para a análise, direi, saudável, deste flagelo.
Desde logo, a quantidade de “pirómanos” que o país tem. Presos foram já mais de cem este ano. Não quero falar da correcção das medidas de coacção e muito menos na actualização do código penal em ordem a permitir penas mais pesadas para este tipo de crimes. A questão é se estes “pirómanos” não são afinal os excluídos da sociedade, os marginais e os mais desesperados ou vingativos, deixados à mercê de gente sem escrúpulos, com interesses económicos nos incêndios (por que se são pirómanos de verdade, muita graça hão-de achar às doses industriais de notícias sobre os incêndios) das políticas anti sociais de sucessivos governos. É que nesse caso o combate é muito mais a montante do que por aí se diz... A segunda questão é bem mais simples: oiçam os bombeiros, Senhores Ministros, de uma vez por todas! Garantam aos bombeiros as condições adequadas (pois, há os que dizem que está bem assim ...como a outra dizia que caía das escadas quando o marido lhe chegava...) e não só com palavras de circunstância ou lágrimas de crocodilo, mas com acções concretas de apoio, de respeito e de incentivo.
Agora por estropício, lembrei-me do “tenebroso António Barreto, carrasco da Reforma Agrária...” como o classifica Varela Gomes, na sua crónica de 28/7/2005, em o Alentejo Popular.
Há dias, apareceu-me subitamente num canal de televisão, publicitando um qualquer programa da nova grelha, naturalmente de sua autoria, julgo que apelando à nossa memória colectiva, patati-patatá. É claro que não se pode exigir vergonha a toda a gente e muito menos a quem nunca a teve. Mas que memórias nos trará este estropício?
Da lei que cozinhou com os agrários para destruir a Reforma Agrária? Ou do ordenamento florestal que não se fez e é um dos elementos essenciais, nomeadamente para o combate aos incêndios que hoje nos afligem?
Apareceu-me com aqueles cabelos esgadanhados a precisar um pouco de cuspo ou brilhantina e uma cabeça que lembra as casas dos cantoneiros - vazia, sem qualquer préstimo e com evidentes sinais de degradação - e não pude deixar de o ligar à amofinação do nosso dorido quotidiano.
Este António Barreto incendiou famílias, searas, almas, vontades e fez arder substancialmente o futuro da nossa agricultura.
É um estropício. É o pior incendiário que conheço.
João de Sousa Teixeira
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