SISTEMA DE ENSINO
SUPERIOR
Choque tecnológico
O actual governo elegeu como uma das suas “bandeiras” a iniciativa “choque tecnológico”, com o objectivo de se promover um novo modelo de desenvolvimento do país baseado em inovações, ciência e tecnologia, como suporte para um desenvolvimento competitivo e sustentável. Esta necessidade é reconhecida por todos, intra e extra muros, como se comprovou recentemente pelas declarações de um Comissário Europeu.
Trata-se de uma tarefa ciclópica, que esbarra, naturalmente, com toda uma inércia cultural, económica e social, para além de inúmeros interesses instalados e que, também, enfrenta a dura realidade de Portugal não deter alguns recursos chave com a qualidade e na quantidade que seria desejável: recursos humanos qualificados, estruturas de suporte a ciência e tecnologia suficientes e a colaborar adequadamente com o tecido económico e social, formação geral de um largo espectro da população, entre outras razões.
Neste sentido, revela-se necessário aproveitar ao máximo os recursos que já se detêm, incrementar a respectiva eficiência e eficácia, direccioná-los para questões chave que afectam a competitividade da economia portuguesa e reforçá-los com novas competências, o que passa, naturalmente, por investimentos em recursos humanos e materiais.
Observando-se o “sistema” português de produção e divulgação de ciência e tecnologia, verifica-se que uma fatia substancial do mesmo reside nas instituições do ensino superior, i.e. nos politécnicos e nas universidades, que dispõem de laboratórios, e outros meios materiais, e de massa crítica humana qualificada e altamente qualificada, pelo menos nalgumas áreas do conhecimento. Por outro lado, o sistema de ensino superior é o único que cobre todo o território nacional de uma forma equilibrada.
No entanto, apesar da existência destes recursos, reconhece-se que a sua colaboração com o meio envolvente económico e social, especialmente as empresas, é claramente insuficiente, traduzindo-se, por exemplo, num baixo nível de criação de novos produtos, serviços e processos, e num baixo nível de adopção dos mesmos por parte das empresas e outras organizações, para além de um baixo nível de criação de empresas, especialmente empresas de base tecnológica. Esta realidade contribui para os insuficientes níveis de competitividade da nossa economia no contexto de uma economia global, praticamente, sem barreiras.
É devido a esta situação (e a outras que não se abordam neste artigo) que se reconhece a importância de uma iniciativa como o “choque tecnológico”. O qual, para poder ser bem sucedido, deve basear-se numa estratégia adequada e consequente, direccionada, primordialmente, para o incremento da competitividade das empresas portuguesas.
Neste sentido, entende-se que se justifica uma reorganização do sistema de ensino superior e que o mesmo deve mudar do paradigma de um “sistema de ensino”, para um novo paradigma de um “sistema de centros de competências”, mais consentâneo com a economia e a sociedade do conhecimento em que estamos crescentemente envolvidos.
O paradigma de “sistema de centros de competências” significa que o ensino deixa de ser o “core business” apoiado, em maior ou menor grau, por franjas de investigação e de prestação de serviços, para se passar a uma nova atribuição de funções, em que a prestação de serviços passa a ser o “core business”. Prestação de que serviços? Competências. Que competências? Competências de ensino e formação, de investigação aplicada e de outras prestações de serviços de maior valor acrescentado, como pode ser o caso da realização de análises, certificação de qualidade, realização de estudos e de projectos, etc.. Como é que isto pode ser realizado de uma forma eficiente? Criando-se uma rede de centros de competências especializados e complementares entre si. Em que é que se baseia a especialização dos diferentes centros? Nas características do seu meio envolvente económico e social (sectores de actividade relevantes), nas competências que as entidades do ensino superior já detêm e em novos sectores de actividade emergentes que se entenda que podem ser abordados com sucesso. A ideia é criarem-se clusters de competências complementares, especializados nalguns sectores de actividade, dentro de cada centro de competências. Em que é que se baseia a complementaridade entre os diferentes centros de competências? Nenhum centro de competências pode ter a pretensão de ser excelente em todas as competências que são necessárias para servir, por exemplo, um determinado sector de actividade. Neste sentido, a rede de centros de competências deve ser estruturada de forma a criar relações de proximidade entre clusters de competências complementares (no final de contas entre as competências de cada centro). Como é que se deve reestruturar as instituições de ensino superior, já existentes, de forma a se criarem centros de competências eficientes e eficazes? Concentrando-se recursos especializados ao longo de todo o país, de acordo com as medidas referidas anteriormente, conferindo-se a exclusividade de algumas competências, que são escassas ou que servem um mercado mais restrito (eng. naval, aeroespacial, nuclear, etc.), a cada um dos elementos da rede e distribuindo-se competências que é necessário duplicar segundo critérios de afastamento (por exemplo, eng. civil, informática, etc., com um centro no norte, outro no centro e outro no sul). Esta medida implica, obviamente, a transferência de recursos (materiais e humanos) entre as diversas instituições. No entanto, desta forma é possível, por exemplo, atingir os seguintes objectivos: criar centros de investigação dotados de massa crítica e competitivos num contexto global e fortemente relacionados com o meio envolvente económico e social mais próximo; promover um ensino plenamente actualizado (graças ao objectivo anterior) e com uma forte componente prática que vá ao encontro das preocupações de empregabilidade expressas no processo de Bolonha; facilitar um funcionamento em rede, ao proporcionar que os diferentes centros cooperem obrigatoriamente entre si devido à especialização de cada um, indo ao encontro das preocupações de mobilidade de investigadores, docentes e alunos expressas no processo de Bolonha; promover um desenvolvimento harmonioso e sustentado de todo o território, ao garantir que as instituições localizadas no interior e noutras zonas deprimidas económica e socialmente sobrevivem e se desenvolvem por mérito próprio, e não graças a medidas administrativas ou que, inclusivamente, desapareçam. Com o tempo assistir-se-ia a uma transição de funções de muitos docentes para investigadores, contribuindo, assim, para aproximar os nossos, desgraçados, rácios das médias europeias.
Para finalizar, duas questões. Num país pequeno e escassamente povoado como Portugal não faz sentido uma medida, deste género, com o objectivo de rentabilizar e racionalizar recursos escassos? Não faz parte das competências e responsabilidades de um Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior estabelecer estratégias de sobrevivência e desenvolvimento das redes que estão sob a sua responsabilidade num contexto de globalização da Ciência e Tecnologia, sem esquecer politicas de desenvolvimento equilibrado do território que vão de encontro às políticas da Europa das Regiões e das responsabilidades de um governo do país?
Quando se propõe uma medida como o “choque tecnológico” atendendo-se às características sócio-económicas do país, baseadas em condicionalismos históricos que são incontornáveis, não se pode estar à espera que seja o mercado a resolver os nossos problemas e a criar (sozinho?) um novo modelo de desenvolvimento competitivo e sustentável.
Gastão Marques
Vice-Presidente do Conselho
Directivo da ESTG-IPP
PAU DE GIZ
O meu primeiro
apeadeiro... e o segundo
Sempre ouvi dizer que partiam os dois à tardinha e quase ao mesmo tempo e com o mesmo destino: regressar a casa.
O que vestia de cinzento largava de Caçadores 6 montado na bicicleta e o outro de ganga azul saía a pé do largo da Estação.
Muito para lá da fonte de Santiago o soldado estacionava a bicicleta no local combinado e seguia em marcha forçada. Aí chegado o ferroviário montava nas duas rodas e ultrapassava o companheiro continuando a pedalar até à Curva da Morte onde escondia a pasteleira nas estevas e punha-se de novo a andar Por sua vez o soldado quando lá chegava pedalava até encostar a bicicleta já depois do cruzamento dos Maxiais porque então o apeado ferroviário já ficara para trás Acabavam por fazer a última muda antes dos Vales e da Ferrenha até às primeiras casas já seguiam os dois juntos e à conversa com a bicicleta à mão. Depois despediam-se sem entrar na taberna.
O meu pai vestido de tropa cabo dactilógrafo durante a segunda guerra mundial no duas peças de ferroviário o Sr. Lopes nas folgas da CP e no meio deles aquela bicicleta preta roda 32 imponente e pesadíssima com um suporte para passageiro ou carga comprada em segunda mão e com a qual partilhavam o regresso a casa nas folgas.
A dona dessa outra bicicleta vivia então em Nampula e estava de férias em casa dos avós a casa com quintal grande no outro lado da rua e foi a primeira bicicleta de criança que vimos.
Vermelha duas rodas pequeninas anexas na roda pedaleira e se naquele tempo nenhum de nós sabia ainda ler nas letras pequenas muito menos sabíamos andar numa bicicleta pouco maior que nós.
Estreei-a junto ao portão na calçada de rebolos sempre a descer até ao forno e só me lembro de seguir com as pernas estendidas os pés no ar sem conseguir acompanhar a velocidade com que rodavam os pedais e de ver na minha frente a aproximar-se muito depressa uma cesta com três dúzias de ovos um taleigo meio de farinha e dois alguidares de barro para a amassadura dos biscoitos para a Festa da Inveja.
As quatro rodas não eram rodas aquilo eram asas e não me tinham explicado que para poisar como poisavam os pássaros teria que usar os travões e as pernas abertas como asas não serviam para o caso.
A minha primeira experiência ciclista foi assim o meu primeiro apeadeiro e saldou-se numas esfoladelas e num grande vexame face à assistência feminina que era a vizinhança do Outeiro às Bandas passando pelo Sindicato eu era o único de 51 que vestia calções e do desastre fora os três raios partidos na roda da frente ainda foi a indemnização pela cesta do ovos transformada numa inútil gemada amassada com estrume das galinhas mais um alguidar feito em cacos.
Três anos depois quando já lia e escrevia em letras pequenas a viagem foi de inspecção às obras da construção da tinturaria Seguia sentado no suporte da grande bicicleta preta do tempo da guerra com a boina preta do tinto a fazer de almofada agarrado com cuidado ao selim para não entalar os dedos nas molas do assento ou estragar as presilhas da bolsa de cabedal com as ferramentas a dançar ali na minha frente A estrada ainda era de macadame poeirenta irregular e cheia de regos das chuvas e do trânsito das carrinhas de caixa aberta.
Por qualquer razão que agora não me lembro fosse um buraco fosse uma pedra fosse o que fosse mas o que foi mesmo foi que em frente à Fonte Santa todo o conjunto entrou em desequilíbrio desconjuntou-se estupidamente aos esses em direcção à ribanceira o meu pai saltou e só me lembro de o ouvir dizer agarra-te!
Foi o que fiz ribanceira abaixo já nada preocupado com entalar os dedos nas molas do selim vazio ralava-me só a bolsa das ferramentas e a bicicleta sempre a direito e o meu pai aos tropeções por ali abaixo a meu lado sem cair e uma nuvem de pó a entrar-me pelos olhos o corpo aos solavancos e nos ouvidos o bater da chapa dos guarda lamas nas pedras O fim do mundo.
Quando a bicicleta finalmente tombou e caí a terra estava fofa acabada de lavrar não me aleijei.
Até hoje felizmente nunca mais voltei a cair de uma bicicleta e não há assim muito tempo por mero acaso e oportunidade naquela das heranças de quem não tem herdeiros para herdar e se desfaz das coisas que herdou acabei por comprar o sítio onde montei este meu segundo apeadeiro pensava montar aí um posto de venda de combustíveis.
Como diz o Outro fui traído pela a concorrência dos chineses por isso vendo bem não vendo gasolina Mas não é isso me rala é outra coisa que agora não digo e ponto final.
António Luís Caramona
CRÓNICA
O esio
Sobre a vaga dcendiário que conheço.
João de Sousa Teixeira
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