H5N1
Ou a praga das
aves-raras

Quando a fobia da morte prematura encontra eco nos média - ávidos de tiragens acrescidas e audiências aliciantes para os seus desígnios comerciais - prontos a especular e a empolar notícias com maior dimensão do que os próprios factos, é preciso transformar a fobia em histeria colectiva e aí cultivar toda a espécie de boatos e supostas fontes para que o assunto não caia no esquecimento e o filão continue a dar.
É assim que diariamente temos notícias da gripe das aves. Ora por que morreu uma garça-real num qualquer prado romeno, mais vinte galinhas e um chinês na Manchúria e, valha-nos todos os santos, um homem com febres altas deu entrada num hospital do Porto.
Também foi assim com as abelhas assassinas que haveriam de picar os americanos um a um; com os tordos ucranianos contaminados pelo plutónio de Chernobil; com o ébola, que nos faria esvaecer à míngua de sangue; com as vacas loucas e outros males de besta, que nunca passaram disso mesmo.
Perante este quadro, autoridade que se preze, há-de corresponder com acções, ainda que paliativas, de claro consumo interno, para mostrar que está atenta, interessada e é merecedora de toda a confiança. Assim o governo adquiriu vacinas que não existem para uma pandemia especulada e não mais que isso. A par de tal feito, condenou ao cárcere pássaros, passarinhos e passarões, remetendo as churrasqueiras para os tempos idos dos nitrofuranos e, pior, retirou o sustento a quem do seu comércio sobrevive, neste pais de outros males, onde pontuam aves de outra estirpe, canoras, incapazes de voar, que o povo conhece pelo nome de
aves-raras.
Para esta praga sim, deveria haver uma vacina capaz de erradicar a crescente epidemia de papagaios palavrosos e inconsequentes.
Por este andar não tarda que a inspecção de veterinária mande retirar a águia dos emblemas do Benfica - apenas as de pechisbeque, que as outras voam mais
alto... - num gesto de claro desaconselhamento do culto das aves...
Não se trata aqui, evidentemente, de negar um potencial foco gripal. O que surpreende pelo ridículo é a histeria de quem propõe o fecho de fronteiras, de quem apela à suspensão da caça de qualquer espécie de ave por tempo indeterminado, de quem tem o dever de explicar e esclarecer e mais não faz do que alarmar e amedrontar quais espantalhos num quintal de hortaliças.
É que o desassossego nos vais ocupando, faz-nos esquecer outras febres para as quais deveríamos encontrar colectivamente a vacina adequada.
João de Sousa Teixeira
Palavras de corpo e
alma
I - As Provas de Agregação em Literatura Portuguesa da minha colega Eunice, realizadas na Universidade de Évora em fins de Setembro passado, deram-me a conhecer um “novo” romance de Vergílio Ferreira. Fiquei com vontade de descobrir Rápida, a sombra. E digo novo entre aspas, porque com este texto, publicado em 1974, só agora em 2005, realizo o primeiro encontro. Júlio, o protagonista vive o clássico tema do adultério. No corpo e na alma? Só no corpo? Só na alma? Não sei. Vou ler, degustando cada capítulo, cada linha, cada palavra.
II - Na aula de Fonologia e Morfologia do Português, as minhas queridas alunas de Estudos Portugueses e Espanhóis, pediram para sair mais cedo. Motivo: ser filmadas e eventualmente entrevistadas por um canal televisivo. Está a realizar-se em Évora a cimeira Ibérica. Vai certamente ser notícia de abertura de telejornais ( e...quem sabe?!...talvez não...talvez comecem por falar de futebol).
Num Portugal todo ele fronteiriço com Espanha, fora o mar....claro!, faz todo o sentido que na Universidade de Évora se ofereça formação na área dos estudos ibéricos. Não podemos amar ( e neste amar insiro “compreender”, “apreciar”, “crescer com”) o que não conhecemos.
E uma vez licenciados, haverá emprego? Sim, no ensino, na tradução, na assessoria em empresas. Os primeiros licenciados do curso estarão no mercado de trabalho em 2008. Os que trabalhamos na formação de pessoas, sabemos que é assunto moroso e delicado, mas é o único caminho para conseguirmos uma região mais próspera e um país moderno.
III - Devem os professores do ensino superior viver encerrados nas suas torres? Eu respondo não e por isso gosto de ler este jornal em que agora vos escrevo. Sabermos de nós, sabermos uns dos outros, darmos a conhecer ao mundo o que fazemos, não só é um direito, mas também um dever. Espero não defraudar expectativas de quem me acolheu aqui no Ensino Magazine e merecer o interesse dos leitores. Proponho-me vir conversar convosco sempre que possível. Entre aulas, investigação, reuniões várias, há-de haver tempo para escrever palavras com corpo e alma.
Maria João Marçalo
mjm@uevora.pt
PAU DE GIZ
Os Fiordes da Noruega

Decorria o ano escolar de 1976/77, 8º Ano, 13 anos de idade, um colégio, onde os alunos oriundos quase na totalidade do meio rural envolvente, estudavam.
Saíam de casa pelas 7 h e regressavam entre as 18 h e as 19 30h. Depois, era jantar e dormir porque no dia seguinte era preciso voltar a levantar cedo para apanhar a camioneta. Se apetecesse, depois de jantar uma visita obrigatória ao “Cimo da Rua”, onde se localizavam os quatro cafés da aldeia, encerrava o dia em beleza. Aí podíamos assistir ou jogar a uma suecada, à copa, ao
king, ver televisão…
Os hábitos de estudo em casa resumiam-se à troca de livros da pasta de um dia para o outro, ou a ler algum livro de estudo esperando pelo sono que não tardava.
Se tivéssemos dúvidas não tínhamos a quem recorrer. Estávamos por nossa conta.
Percebemos hoje muito bem o quanto desfavorecidos eram estes alunos.
É neste contexto que numa aula de geografia o professor resolve verificar, de surpresa, os conhecimentos dos alunos inquirindo-os oralmente.
Era uma chamada oral. O pânico entre nós, treze da mesma aldeia, instalou-se.
O professor, abre a caderneta de notas à sorte e eis que sai o João na rifa.
- João R. está pronto para me responder a umas perguntas?
Instala-se o silêncio do medo. O pobre do João lá balbucia:
- Sim senhor professor.
- Então diga lá como se chamam as grandes entradas do mar envoltas de enormes montanhas rochosas que existem na Noruega?
O João fica de todas as cores. No teste tinha negativa e agora uma pergunta que não fazia ideia nenhuma da resposta.
Enquanto vai repetindo a pergunta do professor, olha de soslaio para os lados procurando o apoio dos companheiros. Mas, dos lados, nada.
Continuava incessantemente a repetir a pergunta do professor, quando um companheiro, ao fundo da sala, baixinho para só o João ouvir porque o professor tinha ouvido de pedra, alivia o seu sofrimento e diz:
- fiordes.
O João, convicto de que sabia a resposta, para disfarçar o tempo de pensamento resolveu brilhar perante o professor:
- Então, senhor professor, são os filetes.
A turma riu em coro, o João corou de todas as cores, o menos na caderneta ficou registado. Mas, a partir desse episódio, nunca mais ninguém da turma esqueceu o que eram os fiordes.
António Trigueiros
QUATRO RODAS
77 anos depois
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Foi há pelo menos dez anos, que li num jornal regional, um apontamento do nosso amigo João Carrega , sobre uma corrida de rampa para automóveis, que se realizou em Castelo Branco no longínquo ano de 1928. Sempre atento ao fenómeno do desporto automóvel o João Carrega relembrou este acontecimento, que vem com algum detalhe relatado no livro “Primeiro Arranque” de Vasco Callixto, que é talvez o primeiro livro da história do desporto automóvel em Portugal.
Nos anos seguintes não consegui apagar da minha memória esta informação, ficando com a ideia que seria bonito fazer alguma coisa, para reviver este primeiro evento de automobilismo em realizado inteiramente em Castelo Branco.
Por essa altura abracei no entanto, um dos projectos mais apaixonantes minha vida, que fez com que, deixasse para ”segundas núpcias” a possibilidade de relembrar de novo esta corrida. Refiro-me aos anos em que tive como dirigente da Escuderia Castelo Branco, onde se fez muitas coisas boas, suportada numa equipe de pessoas fenomenais. Foram tempos extraordinários dos quais penso vir a escrever, neste espaço, algumas situações marcantes. Findo esse tempo de envolvimento profundo, voltou à minha cabeça a ideia da chamada Corrida da Rampa, desta vez ainda com mais força.
Decidi então averiguar melhor o que se passou, e fui uma tarde à biblioteca de Castelo Branco, consultar os dois semanários que na altura se publicavam na cidade, o “Nova Era” e o “Acção Regional”.
Das minhas leituras extrai várias notícias, que relatavam um enorme entusiasmo em toda a região, perante um evento tão singular e emocionante. Fiquei no entanto baralhado com algumas faltas de coerência dos relatos, essencialmente no que se referia a datas. Nas notícias da antevisão do acontecimento, este era projectado para o dia 22 de Julho de 1928, mas depois nas notícias que relatavam o acontecimento o mesmo era dado com realizado no dia 26 de Julho. Tive então de me decidir a resolver este mistério. Pus-me a caminho de Lisboa, direitinho à Biblioteca Nacional, onde passei uma dia a “vasculhar” nos arquivos, os jornais “O Século”, “Diário de Notícias” e na revista “O Volante”. Em primeiro lugar fiquei espantado com o facto de que o evento ter honras de primeira página no jornal mais importante da época “O Século”, mas só depois de ler várias edições cronologicamente , me apercebi que, não houve uma mas sim duas corridas. Efectivamente no dia 21 de Julho, teve lugar aquela que seria a programada corrida da rampa, cujo vencedor deveria ter sido um recém lançado Ford A Roadster. Devido alegados problemas de cronometragem, esta corrida foi no entanto anulada. Nos dias seguintes pode ler-se sobretudo no “Diário de Notícias” um comunicado da Ford informando que iria protestar a anulação, junto das entidades oficiais, outro do ACP, de onde alegadamente era originário o júri, a desvincular-se da organização. Realmente para as coisas chegarem a este ponto a confusão dever sido grande.
Valeu na altura a determinação do autarca José Severino, presidente da edilidade albicastrense, que assumiu toda a responsabilidade, constituindo um novo júri a que presidiu, e determinado que a corrida se repetiria quatro dias depois. Assim foi a corrida realizou-se, desta vez com a flamante vitória do espectacular BNC de Joaquim Fernandes, carro que, ainda hoje, está exposto na sede do “Clube dos 100 à Hora” em Lisboa.
A Joaquim Fernandes, na altura considerado um herói, devemos ainda o facto de ter oferecido a taça de prata ao Presidente da Câmara, para a leiloar revertendo o resultado do leilão para os pobres da cidade. Facto curioso é que foi Joaquim Fernandes a resgatar de novo a referida taça pelo valor de quatrocentos escudos, uma boa quantia que na altura deve ter servido para aligeirar o sofrimento dos mais necessitados.
Estas são apenas algumas peripécias de entre muitas outras histórias que rodeiam esta famosa corrida dos anos vinte. Foi pois com base nestas histórias que me entusiasmei e me propus encontrar apoios para reeditar a corrida da rampa em Castelo Branco, só com carros da época e utilizando quase todo o percurso original. Assim no passado mês de Julho tivemos um espectacular desfile de autenticas viaturas de colecção, do qual não necessito dar conta pois, em todos nós, ainda estão presentes as excelentes reportagens efectuadas na imprensa e televisão.
Apenas como nota final de registar que este entusiasmo alastrou a todos os albicastrenses que são proprietários de automóveis da época, que não se fizeram rogados em retirar os seus carros da garagem e pô-los a subir as estreitas ruas da cidade. Num caso muito especial quero aqui referir, o orgulho com que Nuno Valente, que participou com o seu Ford A, nos veio oferecer uma fotografia do seu avô Artur Domingos ao lado do vencedor da prova de 1928. Assim aqui fica para a posteridade, mais uma curiosidade, a foto do avô e do neto na mesma prova com 77 anos de diferença.
Paulo Almeida
A era do empreendedor
As transformações sempre existiram no mundo e são incontornáveis, mas na sociedade global, elas caracterizam-se pela menor duração e maior aplicabilidade. Estas alterações são efectuadas por pessoas que interrogam, que correm desafios, que lutam pela realização, enfim pessoas que são empreendedoras.
No Portugal do início do século XXI fala-se muito em empreendedorismo – tema de discurso dos políticos, tema de resoluções para economistas, tema de reflexão para comentaristas, tema de divulgação para a comunicação social – que não pode ser um fenómeno de moda, mas uma realidade a ser apreendida no sentido de que só a criação de riqueza poderá trazer mais desenvolvimento ao nosso país. Os empreendedores começam a ser olhados como aqueles que ajudam a construir uma sociedade mais equilibrada, mais justa e mais plena de oportunidades para todos. Este despertar leva-nos a estudar e entender o empreendedorismo, englobando a criação de empresas, o desenvolvimento das empresas existentes e a responsabilização do desempenho de funções.
Portugal será competitivo, se as empresas instaladas forem competitivas, ou seja, se conseguirem especializarem-se em áreas onde seremos diferentes em todos os aspectos.
A resolução dos diversos problemas que nos cercam, passa por um crescimento sustentável da economia. Se os portugueses forem empreendedores, mais empresas existirão, mais empregos estarão ao nosso alcance, maior será a base tributável e maiores receitas financeiras alcançaremos com a mesma taxa.
Outros países, como a Irlanda, a Finlândia, souberam apoiar e interligar o espírito empreendedor como factor de eliminação das barreiras económicas, sociais e culturais que quebram paradigmas e revolucionam o estilo de vida das pessoas, em suma, proporcionam qualidade de vida.
Uma das componentes relevantes para a construção do empreendedorismo passa pelo seu ensino nos diferentes níveis do sistema educacional. Em Portugal, no ensino superior, começa a ser uma realidade. A título de exemplo, refira-se a Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal que introduziu em 1995 a disciplina de Criação de Empresas como conhecimento transversal e a Universidade da Beira Interior, em associação com a Universidade Autónoma de Barcelona, e outras, têm em funcionamento um curso de doutoramento de
empreendedorismo. Porém não devemos ignorar a inserção destas matérias nos currículos dos ensinos básico e secundário.
A Era do Empreendedorismo tem de ser construída de acordo com o país real e não ser considerada um fenómeno de moda. O processo de aprendizagem a desenvolver não é exclusivo da economia ou das ciências da educação, mas deverá conjugar / integrar estratégias de
desenvolvimento.
Agostinho Inácio Bucha
Economista – Professor
no Ensino Politécnico
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