Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VIII    Nº93    Novembro 2005

Editorial


A deriva canibalista

Reflectindo, ainda, sobre a desejada mudança nos processos de formação de professores e de educadores podemos afirmar que esse desafio não pode ser adiado, nem por um só dia. A implementação do Processo de Bolonha, a livre circulação de diplomas e, logo, de diplomados, as regras de mercado da economia globalizante poderão determinar um efeito irremediável e irreversível: a desvalorização dessa formação enquanto trave mestra da melhoria da escola e da qualidade do ensino.

Sabemos que muitas das soluções apontadas para que se possa vencer a actual crise passam pela implementação de sistemas de formação permanente dos professores “dentro da escola”, numa perspectiva de ajuda e apoio à sua actividade profissional; pela implementação e avaliação de inovações educativas com recurso às tecnologias da informação e da comunicação; pela adequação dos curricula às necessidades da escola e às características dos seus alunos, pressupondo tudo isto um compromisso institucional entre o Estado, as instituições formadoras, os professores, os alunos, os responsáveis pelos organismos de decisão e as famílias.

Outrora, o que se exigia de um sistema de formação de professores é que procurasse corresponder, simultaneamente, ao desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes. Hoje deve exigir-se que também se projecte na procura da promoção educativa dos mais diferenciados públicos escolares. Por isso tudo deve ser um dado adquirido que o aumento do período e do tempo de formação inicial não melhoraria significativamente as competências desejadas para o eficaz desempenho profissional.

Por sua vez, todo o processo de formação permanente também não se deve assumir como uma ruptura com a formação inicial, mas antes como um prolongamento da mesma, em parceria com docentes em exercício e num contexto real. Essa formação permanente deverá ser regulamentada pelo governo como um direito e um dever profissionais de formação ao longo da vida e, os seus resultados, devem ser somados aos restantes indicadores de sucesso do desempenho profissional, para efeitos de progressão na carreira, num claro entendimento que alguns docentes podem e devem progredir mais, e mais depressa que outros. Ou, se assim o preferirem, que se reequacione o estatuto e a carreira docentes em pressupostos exclusivos de mérito e não na base da longevidade, à mistura com um ou outro critério demagógico e de discutível eficácia profissional.

A dúvida reside em saber se todos os agentes implicados na formação, tutela e enquadramento associativo dos docentes estarão dispostos a discutir frontalmente e sem tabus estas questões. Se pretendem contribuir para uma formação que se venha a radicar dentro das escolas em que os docentes trabalham, recuperando-as como centros de saber, como centros de aprendizagem e como comunidades educativas em que as famílias, os jovens e o educadores assumam a sua quota parte de formação ao longo da vida.

É preciso dizê-lo sem qualquer receio: O momento é muito grave e as variáveis em jogo são complexas e situadas em campos demasiados divergentes. O futuro está a exigir respostas rápidas a estruturas lentas, rígidas e pouco sensíveis aos processos de mudança. Assistimos a uma deriva canibalista que descaracterizou as instituições formadoras de professores e de educadores, sendo que hoje muitas delas já só oferecem cursos que em nada implicam a formação para o ensino. 

E o importante deve ser dito: Não está provado que por essa via se tenha criado um ambiente mais favorável à discussão do futuro.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt


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