NICOLAU BREYNER EM
ENTREVISTA PROMETE VOLTAR AO TEATRO
O doutor João Semana

Actor, comediante, director e empresário, Nicolau Breyner é hoje um dos mais conhecidos senhores da televisão, do teatro e do cinema portugueses. Actualmente, o seu papel de João Semana, o médico que acaba por defender o povo mais oprimido, trá-lo todos os finais de semana ao pequeno ecrã, através de uma série produzida para a RTP que prova a boa produção feita em Portugal.
É dessa experiência, da vontade de voltar ao teatro e do desejo de realizar o seu próprio filme que Nicolau Breyner fala este mês ao Ensino Magazine, numa entrevista realizada na Covilhã. De caminho, o actor explica por que razão não gosta de ser maquilhado aquando da sua participação em filmagens, adiantando que prefere ser natural. Uma naturalidade que assume quando explica que Portugal não se pode desenvolver porque lhe falta a massa crítica.
A série João Semana está entre os programas mais vistos da televisão portuguesa. Como é que viveu a experiência de participar nesta série e como encara esta adesão do público português?
Não posso dizer que a adesão do público tenha sido uma surpresa para mim, pois, ao fazermos o João Semana, tivemos a plena consciência que estava ali um trabalho honesto, bom, rigoroso, que tinha todas as coisas para agradar. No entanto, a televisão, como o cinema ou o teatro, são sempre incógnitas. Quando se começa uma coisa, não há certezas de nada. Aliás, na vida apenas há a certeza de poucas coisas. E então, quando se fala de ficção, há sempre poucas certezas. Mas acho que valeu a pena o tempo que dedicámos àquela série. Valeu a pena a aposta da televisão, o rigor, a honestidade, pois está a funcionar muitíssimo bem em termos de audiências. E, como andei pela província nos últimos tempos, tenho a total noção disso, posso aferir totalmente, pois ouço pessoas de todas as áreas a dizerem que viram o João Semana.
Essa foi uma forma de conhecer as audiências ao nível do Interior do País…
Como sabe, os audímetros não estão bem distribuídos em termos do País. O Interior tem poucos audímetros. Mesmo assim, vamos para o Interior e constatamos que as pessoas vêem o João Semana, conhecem, gostam, dão os parabéns. E isso, para mim, é realmente a grande audímetria, a que nós sentimos todos os dias na rua.
O seu papel na série é muito original, talvez diferente de todos os outros que tinha desempenhado até hoje?
É. O João Semana é um humanista, um homem bom, rezingão, inconformado, anarquista, mas uma pessoa boa. É o pai de toda aquela vila.
Além das séries, o Nicolau Breyner tem participado em muitos filmes. Nesta idade madura, poderíamos chamar-lhe…
Na idade do jurássico, ou pelo menos, pré-jurássico? (risos). Bem, pré-jurássico já sou e espero vir a ser jurássico. Mas pode chamar-me o que quiser…
Não diria tanto, mas será que poderíamos considerar que será uma espécie de Gene Hackman português?
O facto de ser chamado a participar em filmes à agradável. Acho que não sou nem melhor nem pior actor do que era. Por isso, não vale a pena fazer efabulações sobre as razões de agora surgirem mais propostas de papéis. Interessa é saber que fiz muito cinema no ano passado. Fiz três filmes e mais uma curta-metragem. Gosto muito de fazer cinema. Talvez seja aquilo que gosto mais de fazer. Os filmes correram muito bem e é bom, na minha idade… não vou dizer que estou em posse plena das minhas capacidades, porque isso sei que estou, graças a Deus… mas acho que os actores, enquanto tiverem capacidade física e sobretudo mentais, têm sempre tendência a melhorar.
Em sua opinião, por que razão é os actores melhoram com a idade?
Ser actor é algo que resulta do conhecimento empírico, algo que se aprende à medida que se faz e quanto mais faz, melhor faz. Isto quando existe a tal centelha que nós precisamos. Continuo a dizer que, na profissão de actor, 70 por cento é aquilo que nós somos, 30 por cento é o trabalho. E é muito bom as pessoas reconhecerem o nosso trabalho.
Tem neste momento outros filmes em perspectiva?
Sim. Um filme do José Fonseca e Costa chamado “A Vila Rica”, um filme do Luís Galvão Teles e ainda a possibilidade de um filme do Luís Paixão da Costa. Em cinema, esta é a minha meta a médio prazo.
Quer adiantar que tipo de filmes estamos a falar e que papéis vai desempenhar?
No filme do José Fonseca e Costa faço o papel de um padre. No Luís Galvão Teles… não gostaria de revelar ainda os outros dois, o do Luís e o do Jorge. Posso dizer que o do Jorge é o Mistério da Estrada de Sintra. É só o que lhe posso dizer.
Como é que avalia a qualidade dos novos realizadores portugueses?
Têm muita qualidade. Os três filmes que fiz recentemente eram todos de realizadores já consagrados, o António Pedro ou o Mário Barroso, este embora jovem realizador, já era um excelente director de fotografia. Para o ano irei ainda trabalhar com o João Canijo. Mas há imensos realizadores novos que estão a aparecer, como o Guedes de Carvalho, o Leonel Vieira, realizadores novos e cheios de qualidade.
O Nicolau Breyner também pretende realizar?
Tenho o meu próprio projecto como realizador. Não escondo a ninguém que a minha viagem passa também por realizar cinema. Tenho dois projectos. Vamos ver…
Até lá, enquanto actor, o Nicolau Breyner insiste em não se caracterizar para as representações. Porquê?
Para já, acho muito incómodo. O pó na cara perturba-me. Fico com uma cara muito rija, inexpressiva. Depois, segundo uma maquilhadora me explicou, a minha pele é boa para cinema porque absorve muita luz. Logo, não tenho necessidade, nem vejo a necessidade de me maquilhar, a não ser que tenha de representar papéis complicadíssimos, como uma pessoa muito idosa ou um personagem muito especial. Porém, no dia a dia não vejo necessidade. Para representar um homem normal, como todos nós, por que razão hei-de colocar um bigode ou outra maquilhagem. A personagem está na alma, naquilo que não se vê. Não está na maquilhagem.
O Nicolau Breyner está também ligado à novela desde que há novela em Portugal…
Pois, a primeira (Vila Faia) foi feita por mim. É tão simples quanto isto. A primeira, a segunda, depois outra e outra, até que criei a maior fábrica de novelas, que é a NBP. Apesar disso, confesso que neste momento… não digo que não farei, porque sou pouco dado a dizer nunca, uma vez que essa palavra me assusta muito, até porque o nunca, nunca se cumpre, normalmente… de qualquer modo, não vejo que neste momento me apeteça fazer uma novela. É um trabalho muito longo, são seis meses, sempre a mesma personagem, sempre… é muito, é um trabalho muito duro e nem sempre muito cuidado, por razões de produção. Mas talvez um dia possa voltar a fazer novelas.
Apesar disso, como é que vê a evolução da novela portuguesa. Ao início era lugar comum dizer-se que era uma cópia da novela brasileira…
Eu ia dizer que tenho um grande orgulho, mas não. Não tenho orgulho em nada, a não ser no facto de, um dia, as minhas filhas continuem a dizer que têm um bom pai. Mas tenho satisfação em ter feito algo, ao longo dos tempos. Há muitos anos disse aos jornalistas que, um dia, as novelas portuguesas bateriam as novelas brasileiras. Eles não brincaram comigo, mas fizeram um sorriso de complacência. A questão é que nós não queríamos fazer uma novela à brasileira. Queríamos fazer uma novela nossa, com raízes nossas e referências culturais nossas. A verdade é que implantámos um tipo de novela portuguesa, que é boa, funciona e bate-se com as novelas brasileiras.
Podemos dizer que a novela portuguesa tem qualidade…
Bem, às vezes a qualidade não é a melhor, sobretudo devido à quantidade que se faz. Há uma certa falta de cuidado, mas não queria ir por aí. Importa é dizer que fizemos uma novela portuguesa, com um mercado, exportável, que não é pior nem melhor que a brasileira. É tão somente uma novela. Os brasileiros têm samba e nós temos o fado. Não é melhor nem pior.
Em termos de televisão, o Nicolau Breyner esteve ligado e está. Tendo em conta a sua grande experiência no audiovisual, como é que vê a evolução da televisão em Portugal? Assiste-se a um nivelamento por baixo?
Há certas alturas que ficam marcadas por um nivelamento por baixo. Mas isso não sou só eu que penso. É uma questão de olhar para a televisão. Mas isso é normal. Não é um fenómeno português nem algo que esteja relacionado com um fatalismo nacional. Por exemplo, os reality shows não foram inventados por nós, mas sim em países altamente civilizados, ou supostamente civilizados, como a Holanda, a Dinamarca, a Suécia… é de lá que vêm. Portanto, há um fenómeno mundial de nivelamento por baixo.
As televisões insistem em reality shows por ser isso que o público quer?
A velha máxima segundo a qual “é disto que o povo gosta”, é uma grande mentira. O povo gosta do que se lhes dá. Quanto melhor se lhes for dando, melhor ele vai gostando. Se nivelamos por baixo, as pessoas nivelam por baixo.
A televisão acaba então por influir no gosto das pessoas?
A televisão é extremamente importante. É preciso dizer que os adolescentes passam quatro ou cinco horas na escola e muito do tempo restante em casa, a ver televisão. Portanto, nenhuma escola pode competir com a televisão. Logo, a influência da televisão é muito mais determinante do que a própria escola. Logo, nós temos de nivelar, temos de melhorar a oferta de televisão, de modo a educar as crianças e os jovens.
25 ANOS DEPOIS
Breyner volta ao
teatro
“Vou levantar-lhe um bocadinho a ponta do véu. Depois de 25 anos sem fazer teatro, se calhar vou fazer uma peça”. A afirmação do actor é justificada com o facto da televisão ter neste momento “poucas ofertas na área daquilo que interessa fazer”, pelo que regressa ao palco, precisamente numa altura em que considera que é necessário regulamentar a actividade.
Em sua opinião, a formação de actores em Portugal deve ser revista, de modo a que, aqueles que se formam tenham a melhor qualidade possível, evitando formar em grande número, pois tal levará jovens para o desemprego. “Temos actores suficientes e já começam a sobrar. Importa regulamentar, pois trata-se de uma profissão onde devem existir carteiras profissionais, para que existam critérios de triagem, de modo a que, quem é profissional pode trabalhar e quem não o é, não o pode fazer”.
Nicolau Breyner afirma que a profissão deve estar sujeita a regras claras para evitar conflitos ou enganos. “Isto só vai lá quando as pessoas forem presas por serem falsos actores, tal como acontece com os falsos médicos. É tão fácil quanto isto. Temos que começar a separar as coisas”.
Apesar de tudo, considera que em Portugal “há algumas escolas que podem dar um bom nível de formação”. Prefere é não citar nomes. Só adianta que o País “não tem dimensão para ter uma escola de formação de actores em cada Distrito” e que “se, a nível nacional, existissem quatro ou cinco boas escolas de formação de actores, seria muito bom, pois não precisamos de mais”.
Além das escolas, há ainda outras possibilidades. O actor está mesmo envolvido num projecto de um canal de televisão, o qual visa avançar com um curso de artes performativas, pela televisão. Para já não adianta quando avançará, mas refere que “será feito com a Universidade Independente”.
|