JOSÉ LUIS BORGA, O
"PADRE DA TELEVISÃO", EM ENTREVISTA
"A Igreja pode
ser mais ousada"
Tornou-se popular nos «Casos de Polícia» e depois na «Praça da Alegria», onde ainda é presença assídua. José Luís Borga rejeita ser o «padre Rossi português», diz que não vive para a popularidade e admite que a sua exposição mediática desagrada a certos sectores da Igreja. Para além disso, defende que existe «um défice muito grande na Educação» e que a maior parte das pessoas que frequentam as escolas, professores incluídos, «não gostam de lá estar».
É sacerdote, realiza espectáculos musicais um pouco por todo o País e de há cinco anos a esta parte é presença assídua no pequeno ecrã. Em qual dos «palcos» se sente mais confortável?
Há coisas que eu quis ser, há outras que sou por aquilo que quis ser, mas onde me sinto melhor é, certamente, no exercício sacerdotal, quando presido à Eucaristia, celebro o sacramento da reconciliação e animo uma comunidade, encaminhando-a para a tarefa complicada de aprendermos a ser discípulos de Cristo. As minhas participações na rádio, na televisão ou em espectáculos, são expressões ou dinâmicas de comunicação que estão adjacentes à minha identidade sacerdotal. Mas de todas as coisas que eu faço, o que eu quis mesmo ser foi padre.
Como é que surgiu a oportunidade de aparecer em programas de televisão?
A SIC estava à procura de um sacerdote que integrasse o painel de comentadores fixos dos «Casos de Polícia». Fizeram-me a proposta e tive à experiência algum tempo. Era para ser meia dúzia de programas e acabei por ficar cerca de dois anos.
Como é que os frequentadores da paróquia onde está, Nossa Senhora de Fátima no Entroncamento, lidam com a sua popularidade?
Quando cheguei ao Entrocamento, há 6 anos, já era conhecido pelo padre da televisão. Esse não é um aspecto fundamental de abordagem à minha própria pessoa, enquanto pároco.
Qual é a receptividade das pessoas aos seus espectáculos musicais?
Não me queixo de falta de trabalho. São muitas as solicitações e procuro dar a resposta possível, dado que não é uma ocupação a «full-time». O ano passado fiz mais de 70 espectáculos e em 2005, ainda não chegámos a meio do ano, e cerca de metade já estão garantidos.
Considera-se um dos rostos mais mediáticos da Igreja portuguesa?
Ser mediático não é propriamente um título de glória. O padre Frederico também se tornou conhecido, mas não pelas melhores razões. A popularidade é muito efémera: depressa se tem e depressa se perde. Não ando em busca da popularidade, mas ela faz parte do processo de exposição natural que tenho e, como tal, tenho que lidar com algum fair play. Mas uma coisa é regra: não vivo para a popularidade. Mal seria se a Igreja em Portugal fosse apenas reconhecida pelo meu trabalho.
Mas admite que é um dos sacerdotes com mais visibilidade junto do grande público?
Concerteza. Mas tenho colegas meus que no campo da teologia, poesia, pintura e social que desempenham um trabalho muito valoroso e seria superfluo da minha parte dizer que sou o mais mediático.
Mas não nega o efeito poderoso da «caixinha mágica»...
A Igreja preocupa-se pouco em estar representada nos orgãos de comunicação social e até lida mal com esse tipo de protagonismo. Não é essa a sua maneira de estar. Mas quero deixar bem claro que em nenhuma das minhas participações estou em nome da Igreja, mas sim em nome da minha maneira de anunciar e de estar na vida.
Já sentiu constestação às suas actividades extra-eclesiais por parte de membros da Igreja?
Nós vivemos num País algo discreto e pouco afirmativo nas opiniões. Evitamos o confronto e refugiamo-nos no anonimato. De uma maneira geral as pessoas são pouco expressivas, quer gostem, quer não gostem. A norma do português é estar na expectativa para ver quando é que as pessoas caem. Nessa altura toda a gente fala. Mas isso acontece em todos os sectores. O caso do José Peseiro, que perdeu a Taça UEFA e o campeonato, é paradigmático. Os portugueses têm o péssimo habito de celebrar muito pouco o que é bom em nós.
Mas tem uma noção de quem gosta do seu trabalho ou de quem o reprova...
Eu diria que 99,9 por cento das manifestações são de agrado e gratidão áquilo que eu faço. Mas não tenho ilusões: reconheço que há pessoas que para além de não concordarem, não entendem esta maneira estar na vida e as movimentações que me fazem estar por aqui. Convivo bem com as criticas e a indiferença é que é a pior das reacções. A Natália Correia dizia: «falem mal, mas falem de mim».
Revê-se no epíteto que lhe atribuem de «o Padre Rossi português»?
De todo. Isso é o mesmo que comparar o Caetano Veloso e o Rui Veloso! A expressão, a dimensão e, quem sabe, até a qualidade são distintas. O Padre Rossi faz parte de um movimento de espiritualidade que tem as suas motivações e ressonâncias próprias. Ele era professor de educação física e aeróbica e quando faz a sua opção vocacional não desperdiçou o património de comunicação que ele tem. O ritmo e a sequência de encontro da música e da mensagem cristã fazem dele um caso muito particular. Ele faz uma adaptação entre a expressão artística e física com a expressão da fé.
Mas não encontra qualquer semelhança com ele?
Existe a mesma intuição de usar a arte para falar de Deus, mas não se pode comparar realidades, porque o estilo de Igreja que se faz em Portugal tem em consideração o temperamento português. Não temos uma Ivete Sangalo nem uma Daniela Mercury. O padre que nós
tínhamos mais visível no campo da musica era o Frei Hermano da Câmara que estava mais ligado ao fado.
A Igreja tem que levar a mensagem onde ela é colhida e ouvida e por isso é que eu frequento estes «ambientes».
Como explica que exista uma crise de vocações na Igreja?
Não sei se existe. Penso que há que ponderar entre a qualidade e a quantidade. Por vezes com quatro trabalhadores fazemos mais do que com dez. Ter muita gente não significa necessariamente estar a trabalhar bem. A pergunta que se tem que fazer é se com os padres que temos estamos a trabalhar de modo mais fiel e capaz naquilo que Deus no manda fazer. Se esse esforço estiver a ser feito, os números não são drama.
A Igreja está cada vez mais distanciada dos jovens?
É preciso ver que as motivações que levaram muita gente a ir para o sacerdócio não são hoje as que colhem. Mas acredito que as motivações que fazem os jovens responder pela consagração a Deus são mais genuínas e mais verdadeiras. Creio que isto faz parte de uma caminhada, com naturais altos e baixos, mas que não deve ser causadora de pânico. Não tenho a ideia de que a Igreja está cada vez mais fechada.
O que é o leva a dizer isso, quando os níveis de afluência aos cultos religiosos tem vindo a diminuir de forma gradual?
Muitos sectores exteriores à Igreja desejavam que a Igreja fosse, aquilo que ela não pode ser. Reconheço que a Igreja é pouco ousada e que tem por vezes a vergonha de ser o que deve ser, demonstrando alguma incapacidade para se fazer entender. O que não significa que esteja pior do que aqui há uns tempos.
Disse numa entrevista recente que «há padres e bispos pedófilos». Não pensa que é uma declaração muito arrojada para um sacerdote?
Não é preciso ser eu a dizer. É uma realidade que se sabe.
Mas o assumir essa realidade não revela a desagregação de um sistema que devia estar imune a essas ocorrências?
A Igreja não deve ser imune a todas essas dimensões humanas. Pedófilos, pessoas mal formadas e com mau carácter há em todo o lado. E há uns que através do dom da fé vão ultrapassando isso numa luta grande que lhes permite crescer. Os padres são membros de uma comunidade que está sujeita aos limites da nossa condição humana, e esta realidade aplica-se aos juízes, políticos e desportistas. É bem mais grave ver que certos pais são os primeiros carrascos dos seus próprios filhos ou assistir a mães que abortam.
Ou seja, a Igreja reflecte os males da sociedade?
O mal atinge toda a gente e a Igreja não está imune ao poder do mal. Antes de serem padres, somos pessoas e a nossa condição humana marca demasiado. Mas acredito que com a graça de Deus nos possamos converter e salvar os que são tentados a cair na lógica do egoísmo, do prazer e da falta de educação, que infelizmente vai fazendo tantas vítimas.
Mas não cabe à Igreja a escolha das pessoas para assumirem determinadas responsabilidades?
Admito que a Igreja é displicente, entregando certos ministérios de responsabilidade a pessoas que querem, mas sem capacidade para tal. A Igreja ganhou maturidade a partir do momento em passou a assumir e a combater com a verdade o pecado que nos afecta em vez de escondê-lo, como fazia no passado.
O mediatismo desenfreado que ao longo de dois prendeu o mundo ao Vaticano teve efeitos positivos ou negativos para a imagem da Santa Sé?
A Igreja não encomendou a cobertura televisiva da morte e sucessão de João Paulo II. Um estudo recente revelou que este acontecimento foi o assunto mais desenvolvido pelos «media» em todo mundo, muito para além da Guerra do Golfo e dos atentados das «torres gémeas». O que significa que a comunicação social olha com muito interesse e prioridade para tudo o que se passa na vida da Igreja. E a interpretação que eu faço é que toda a gente procura um eixo de esperança para o mundo de hoje. Da Igreja espera-se que seja um sustentáculo das nossas sociedades modernas e um sinal de esperança e de alento para um mundo que por vezes parece que sufoca nas trevas.
Lida diariamente com muitos jovens. Preocupa-o a elevada taxa de insucesso escolar que se mantém no sistema de ensino?
Não relevaria tanto o insucesso escolar no sentido estrito do termo, mas do insucesso educacional que temos. Portugal está imerso numa crise profunda de quem lidera e deve assumir o protagonismo da Educação. O pior «negócio» da nossa vida foi retirar da responsabilidade familiar a tutela fundamental da Educação. Havia um ditado antigo que dizia: «Quem dá o pão, dá a educação» e neste momento os pais são solicitados apenas para darem o sustento do sustento da Educação, que o Estado vai reconhecendo não ser capaz de dar. Há um défice muito grande na Educação que hoje se consegue proporcionar aos nossos jovens e essa responsabilidade é de todos. Não apenas da escola, mas de todos os parceiros de uma caminhada que faz as pessoas estarem felizes.
O que é falha no sistema?
Há respostas a perguntas que não são dadas: as pessoas querem estudar para quê, com que objectivos e porque razão? Se não contestarmos a estas questões que indicam o sentido da vida se calhar encontramos pessoas que estão sentadas nos bancos da escola porque tem de ser e se pudessem nem lá estavam. Acho mesmo que a maior parte das pessoas que estão na escola - a começar pelos professores - não gostam de lá estar. Está tudo errado quando o sistema educativo existe para se justificar a si próprio em vez de se justificar pelo serviço que presta.
Porque é que está contra a distribuição de preservativos nas escolas?
A sexualidade é uma das coisas mais importantes da nossa vida e por isso não pode ser remetida apenas ao modo como funciona. A escola deve ser para educar e não para funcionar simplesmente. E dar preservativos às pessoas é nivelar por baixo. Faltará sempre educar para os valores. É uma das metas permanentes que está nos nossos
horizontes.
Nuno Dias da Silva (texto)
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