Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VIII    Nº94    Dezembro 2005

Entrevista

JOÃO CÉSAR DAS NEVES AO ENSINO MAGAZINE

"Multiplicou-se o embuste e a sucatice académica"

João César das Neves afirma que o «sistema educativo tem um grave problema de qualidade» e que seria mais sensato «encerrar o Ministério da Educação», do que enveredar pelo modelo de sucesso irlandês no ensino. O professor de Economia da Católica e próximo de Cavaco Silva, aposta na «credibilidade» do ex-Primeiro-Ministro para vencer as presidenciais de Janeiro e tirar o País da «profunda crise cultural e política».

Tem dito repetidamente que se o Governo falhar o objectivo de controlar a despesa não sobreviverá. Até ao momento, José Sócrates e Teixeira dos Santos, têm feito pela vida?

Penso que o actual Governo compreendeu a gravidade da situação e, mais importante do que isso, a população está hoje mais consciente dessa gravidade. Estão assim criadas condições para atacar a sério o problema. Foram tomadas medidas úteis e corajosas, mas ainda claramente insuficientes. Por isso, o balanço do Executivo é positivo mas ainda duvidoso.

O Governo socialista tem sido corajoso na forma como afrontou algumas corporações?

Esse tem sido o ponto mais positivo da sua actuação. E, como disse, tem conseguido ser entendido pela opinião pública, o que é excelente. Mas, já que ia afrontar, acho que devia ter cortado mais. Porque esses cortes serão indispensáveis e assim prevenia lutas futuras.

Responsabiliza Guterres por ter aberto a porta aos lóbis e os ter sentado à mesa do Orçamento de Estado. Em que medida é que os lóbis dominam os vários sectores da sociedade, nomeadamente na área da educação, e contribuem para bloquear o normal desenvolvimento das instituições e do País?

O peso esmagador da despesa pública, que já ocupa metade do produto nacional, é a prova mais clara disso. As empresas e consumidores são paralisadas por excesso de impostos e regulamentações, sem qualquer real benefício público. Os grupos profissionais que temos visto a defender as suas benesses são a face mais visível desses lóbis. Mas o problema é muito mais vasto do que simplesmente a despesa pública. Os interesses corporativos, que recebem muito mais do país do que para ele contribuem, têm hoje um poder imenso. E a base desse poder é a capacidade que têm de capturar os poderes do Estado a seu favor. Os ministérios deixaram de procurar resolver os problemas que lhe competem para passarem a servir esses poderes que os chantageiam. A luta contra o actual Executivo, que beliscou alguns desses interesses, é bem eloquente.

ENSINO. Como qualifica a qualidade do sistema educativo em geral e do ensino da Economia em particular?

Penso que o sistema educativo em Portugal tem um grave problema de qualidade. Os problemas que antes tinha – de falta de equipamento, infra-estruturas e cobertura do território – estão em grande medida resolvidos. É, por isso, um problema de conteúdo. Para isso tem contribuído, acima de tudo, a péssima gestão que o Ministério tem feito, que não só tem criado sucessivas reformas com base em modelos abstractos, mas ficou completamente capturado pelos interesses dos professores. A preocupação principal do Ministério nos últimos anos tem sido, não formar os alunos, mas inventar ocupação para os professores em excesso.

Quanto ao ensino da Economia, aquele que é feito no Secundário é desastroso, espelho dos problemas que referi. Os alunos saem desse curso, em geral, a odiarem a ciência económica, que desconhecem. No ensino superior, temos de tudo: desde instituições de qualidade internacional, até mixordice académica de péssima qualidade.

Pensa que a proliferação de cursos em certas instituições descaracterizou o nível do ensino superior em Portugal?

A universidade, após o 25 de Abril, devido a um grande excesso de procura, sofreu um processo de aumento intenso de escolas e cursos, quer no sector público quer no privado. Infelizmente, fazer um professor universitário leva muitos anos, pelo que este aumento da quantidade fez descer drasticamente a qualidade média dessas escolas. O resultado não é mau, porque os anteriores cursos bons mantiveram-se bons e alguns dos novos tornaram-se bons. Mas multiplicou-se o embuste e a sucatice académica.

Porque motivo é que o nosso País recolhe tão poucos frutos em matéria educativa face ao elevado investimento que tem feito no sistema de ensino? Pensa que devíamos seguir o modelo irlandês?

As razões principais desse desastre estão no desvirtuamento do ensino por parte da gestão do Ministério, como disse. As disciplinas são pensadas, sobretudo, como forma de ocupar professores e não como forma de preparar os estudantes para enfrentar os problemas do país. Quase não há cursos profissionalizantes e multiplicam-se as disciplinas abstrusas. Encerrar o Ministério da Educação seria muito mais sensato do que mudar mais uma vez de modelo, desta vez para o irlandês.

Que comentário faz à retirada dos crucifixos das salas de aula ordenada pelo Governo?

Penso que é apenas o levantar artificial de um problema inexistente, como forma de propaganda de grupinhos laicistas e intolerantes. A dificuldades de alguns em viver com a cultura portuguesa como ela é chega a ser patética.

Tem manifestado publicamente opinião contrária à despenalização do aborto. Teme que se essa liberalização de comportamento acontecer em Portugal pode ser a porta aberta para que outras liberalizações aconteçam, como, por exemplo, o casamento de homossexuais?

O que, acima de tudo, temo com essa liberalização é o aumento de mortes de fetos e embriões, de crianças na fase mais vulnerável da sua vida. Quanto às «outras liberalizações» de que fala, vamos ter de suportar as investidas dessas modas intelectuais mais umas décadas. Tal como há cinquenta anos esses grupos ideológicos lutavam para destruir os mercados e as empresas, hoje, vendo falhadas essas tentativas, viraram a sua sanha demolidora contra a família. Tal como todas as tolices ideológicas da História, isso acabará por passar, mas muitos estragos ficam.

Portugal está a passar ao lado da economia do carbono, com as empresas nacionais a não comprarem ou venderem créditos de dióxido de carbono (CO2) ou licenças de emissão, como forma de combater as alterações climáticas. Que consequências penalizadoras poderão advir para a nossa muito castigada economia?

Penso que a culpa não é tanto da economia, mas do facto de esse mercado não estar ainda bem implantado e desenvolvido. É essencial que os problemas do ambiente deixem de estar nas mãos de activistas marginais ou de organizações internacionais e passem a ser tratados directamente por aqueles que lidam com questões importantes: as empresas e os ministérios. Essa transição não é fácil, mas até está a verificar-se rapidamente. No entanto, ainda falta muito para estar completa.

CAVACO. Foi conselheiro para questões económicas de Cavaco Silva e ainda hoje é uma pessoa muito próxima do professor. A nação, que muitos dizem estar em perigo, vai eleger um «D. Sebastião» nas eleições presidenciais de Janeiro?

A crise em que nos encontramos é profunda, não tanto em termos produtivos ou empresariais, mas em termos culturais e políticos. Nesses momento duros, o «sebastianismo», tão típico de Portugal, vem naturalmente ao de cima. Todos os candidatos à presidência são afectados por esse fenómeno. O professor Cavaco Silva talvez seja mais, simplesmente porque é muito mas credível e respeitado que os outros.

Porque é que diz que o nosso Estado está transformado numa «república italiana»?

Porque a vida pública se encontra dominada pelas intrigas dos poderes corporativos que já referi, tal como acontecia nas célebres repúblicas italianas da Renascença.

Nuno Dias da Silva (textos)

 


Visualização 800x600 - Internet Explorer 5.0 ou superior

©2002 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt