VOCALISTA DOS ENA PÁ
2000
O tabu de Manuel João
Vieira

Duas décadas depois de terem iniciado a sua carreira, os «Ena Pá 2000» continuam na crista da onda, musicalmente falando. Manuel João Vieira, o vocalista de uma das bandas mais «sui-generis» do panorama nacional, falou ao «Ensino Magazine» das referências do grupo, da verdadeira história do êxito «Marilu» e da juventude actual. Vieira confessa ainda estar em reflexão sobre a possibilidade de reeditar a candidatura de há cinco anos atrás e enfrentar nas presidenciais, Soares e Cavaco – a «múmia do boneco dos pneus Michelin» e o «regresso do Vampiro», respectivamente.
Em que circunstâncias nasceram há 20 anos atrás os Ena Pá 2000?
Os Ena Pá nasceram por obra e graça do Espírito Santo e a Nossa Senhora do Casal Ventoso é a padroeira deste grupo benemérito. Praticamente todo o dinheiro que ganhámos foi entregue à Fundação e ficámos com o restante para comprar cascas de batatas para comer.
O gosto pela música é comum a todos os elementos da banda?
Não. Nós tocamos por puro desinteresse. Nos primórdios da banda costumávamos tocar guitarra em frente à Igreja do Santo Condestável, em Campo de Ourique, de onde a maioria dos elementos são oriundos, e um dia apareceu-nos a Nossa Senhora do Casal Ventoso. A partir daí começámos a aprender a tocar alguns acordes em guitarras com quatro cordas.
Sentem-se realizados quando actuam para o público?
Nós, no fundo, nunca tocámos. Não consideramos o palco como um sitio para tocar. Limitamo-nos a exprimir o nosso desinteresse pela vida e pelo mundo, de uma forma que eu classificaria de masturbatória.
Onde é que fizeram as vossas primeiras actuações ao vivo?
A nossa primeira experiência foi, também em Campo de Ourique, numa Igreja evangelista em que o padre, cujo nome não me lembro, mas tinha uma alcunha que era o «cara de sabão macaco», arranjou-nos aquele espaço de dez metros quadrados com um
órgão de igreja e começámos a tocar para uma pequena plateia de fiéis.
Receberam algum «cachet»?
Já não me lembro. Se não foi à borla, recebemos quinhentos paus. Recordo-me que houve um concerto em que fomos pagos com cerveja, de preferência minis...
Depois de Campo de Ourique, foram em digressão pelo resto do País?
Saindo de Campo de Ourique, fomos até ao Bairro Alto e chegámos a tocar mesmo nos Olivais. Pelo País foi bastante mais tarde...
Os Ena Pá são uma banda mais de música ou de humor?
A nossa química resulta da mistura de várias circunstâncias que dão uma
substância diferente. Os átomos formam moléculas e vários santos formam uma constelação de santos.
O suplemento musical do «DN» descreve-os como «o grupo mais rebelde, folião e escatológico da música portuguesa das últimas décadas». Toma isto como um elogio ou como uma critica?
Eu próprio não percebi se me estavam a elogiar ou a insultar, mas creio que o autor do artigo quer dizer que somos genuinamente portugueses e pessoas de boa vontade que querem servir a população.
Quais são as vossas inspirações musicais?
Nós aprendemos muito com grandes músicos como o José Cid, o quinteto Maria Albertina e a banda dos pardais de Chaves. Também gostávamos muito de vários grupos de rock estrangeiros.
Como por exemplo?
Agora já não me lembro, mas eram estrangeiros. Só me recordo do refrão: «in the summertime, la la la la». Ah, é verdade, também gostávamos de Claude François, que era francês, Demis Roussus, Frank Zappa, etc.
Que grande mistura...
Logo desde o princípio compreendemos que a chamada música pop é um disparate completo e uma cretinice pegada. Por isso, fizemos um desafio a nós próprios: ser bons nesta área. Eu já estou nesta indústria há muito tempo e nunca ganhei um tostão para mim e continuo teso que nem um
carapau. Eu sinto-me mesmo roubado. Aliás, eu sinto-me roubado só por ter nascido neste País.
Não compensa ser músico em Portugal?
Depende do tipo de músico. Se for um músico intelectual como o Tony Carreira, compensa. Se nós
soubéssemos o que sabemos hoje tínhamos logo desde o início da nossa carreira enveredado por essa corrente musical.
Consideram-se um grupo de sucesso?
Conseguimos editar alguns discos, mas foi um esforço como extrair vinho da água
pura. Foi dificil.
«Marilu» é, talvez, a música que melhor identifica os Ena Pá. Como é que surgiu?
É, de certeza, das músicas mais conhecidas da banda. Ficou no ouvido. Devo confessar que ao princípio não
queríamos meter a faixa no disco por conter palavrões - aliás é a única música com palavrões do nosso primeiro disco. Mas, no fundo, achámos que era um música profundamente portuguesa e com um «pathos» nacional muito forte.
Quem é a Marilu?
A Marilu é uma rapariga de Campo de Ourique que nunca conseguimos chegar muito perto dela e, como tal, a música foi a forma que encontrámos para exprimir o nosso amor.
Ou seja, a Marilu não é uma ficção, é de carne e osso?
Existe e acho que existem muitas «marilus» por esse mundo fora.
Vocês fazem muitos concertos para os estudantes universitários. Que receptividade têm as vossas melodias arrojadas junto desses meios?
Esse é o nosso público. Eles normalmente atiram-nos com tomates e ovos podres, mas são boas pessoas. Por vezes também lançam para o palco um bocado de relva com terra agarrada.
Mas isso não é uma forma de protesto?
Não. É uma exibição de carinho e afecto. A sorte, para nós, é que eles acertam sempre ao lado. A certa altura também começaram a arremessar garrafas de Super Bock, o que foi algo mais perigoso.
Fala-se muito que a juventude de hoje não tem referências. Como é que avalia os jovens portugueses no que respeita aos valores?
A actual juventude é apenas um produto da geração anterior. Essas coisas vão em cadeia. Se esta é «rasca» a anterior também é. O problema reside na transição de uma cultura medieval, própria da idade das cavernas, para uma cultura pimba. A mudança foi traumática.
Passámos da cultura medieval para a pimba, da luz para a noite?
Directamente, sem passar pela casa da partida e sem pagar dois contos, como no Monopólio...
Diz que o DVD que lançaram, «Ena Pá 2000 – 20 anos a pedalar na bosta» é um marco no «DVDismo» em Portugal. Foi coincidência o concerto ter sido gravado no Paradise Garage na noite em que o Governo de Santana Lopes caiu?
Tratou-de de uma coincidência, porque o concerto já estava marcado. Em relação ao «Paulo» Santana Lopes, são coisas que acontecem e não confundir com as coisas que «aconatecem», que nada tem a ver.
Em 2001, apresentou a candidatura presidencial. Porque é que não repete o gesto nas próximas, marcadas para Janeiro?
Creio que as pessoas estão a precipitar-se muito ao abordar este tema. Ainda vai correr muita água debaixo da ponte. As travessias no deserto devem fazer-se serenamente. Tenho falado com muita gente e também com as minhas «bases», que insistentemente me empurram para uma recandidatura.
O que lhe parece as prováveis candidaturas de Mário Soares e Cavaco Silva?
Os portugueses vão escolher entre a múmia do boneco dos pneus Michelin e o regresso do vampiro. Compreendo que as pessoas se sintam em pânico. Mas eu tenho a minha família e preciso de lhe dedicar todo o tempo possível. Por isso, estou a reflectir. Em breve, vou activar o site www.vieira2006.com e a partir daí será possível aos interessados terem acesso às minhas ideias.
Para candidatar-se tem que recolher uns milhares de assinaturas. Está preparado?
Isso é uma formalidade, infelizmente necessária, que só acontece em países profundamente anti-democráticos e radicais islâmicos, como Portugal.
O que é que significa para o sistema político português uma disputa entre um candidato com 81 anos e outro com 65?
Revela que o sistema político-partidário está esgotado e já não tem propostas.
E perante este cenário o que é o candidato Vieira pode prometer aos portugueses?
Eu prometo tudo. Tudo aquilo que os outros prometerem eu cubro...por cima. É como nas apostas do Poker. Mas, basicamente, aquilo que eu prometo é devolver os portugueses a Portugal e Portugal aos portugueses. No fundo, reconquistar a Pátria, numa altura em que estamos a perder a nossa identidade e o aparelho económico a favor de estrangeiros, a maior parte deles espanhóis. Estamos em risco de perder o próprio País e não sei se os portugueses estão interessados nisso.
Estes candidatos não lhe inspiram confiança?
Soares e Cavaco conduziram o País para o beco sem saída em que estamos. Não tenho mais nada a dizer em relação a esses «monstros».
Nuno Dias da Silva (texto)
Arcofilms (fotos)
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